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O MARTÍRIO DO GLORIOSO BONABOIÃO

Quinta-feira, 06.02.14

Passaram-se alguns anos. D. Paio de Farroncóbias foi avisado de que deveria voltar para norte. D. Afonso Henriques havia sido gravemente ferido em Badajoz. Ao tentar conquistar uma praça fulcral na linha do Guadiana, caiu numa armadilha, sendo ferido e preso pelo rei de Leão. Era necessário estabelecer conversações com o inimigo para obter a libertação do rei. De tal tarefa foi encarregado D. Paio de Farroncóbias, que para tal se deslocou à Galiza. Celebradas as condições de resgate, D. Paio no regresso pernoitou em Cangas, onde Iluminata tinha um grandioso palácio, tendo lhe sido apresentado um canudo de sabugueiro, que tinha sido encontrado na praia e que se destinava ao nobre alcaide de Trancoso. D. Paio, apreensivo, abriu-o. No interior havia um pergaminho, que continha, de um lado excertos da crónica de Johannes Beltrasanas e do outro escrito em letrinhas góticas, uma mensagem de Iluminata, onde ela proclamava a sua inocência e se queixava da injustiça que o seu esposo havia cometido para com ela, jurando pela sua honra que estava inocente, que Gemildo é que a tentara e que com todas as suas forças se opusera aos seus intentos maldosos, por fidelidade a seu marido e senhor. Fora por não ceder, que Gemildo, por vingança, a caluniara. Como prova da sua inocência estava ali, depois de tantos e tantos anos, sem ter sido contagiada pela lepra, milagre operado por Deus, comprovativo da sua inocência. Por fim, solicitava a D. Paio que dali a tirasse.

Ao receber tal notícia o coração de D. Paio de Farroncóbias encheu-se de remorsos e arrependimento, de ternura e de saudade. De imediato, mandou preparar um escaler o mais luxuoso que encontrou em Cangas e arredores e demandou a ilha dos leprosos, com intenção óbvia de recolher a que fora a sua amada esposa, Iluminata. Perdoaram-se reciprocamente, caíram nos braços um do outro, perante o olhar estupefacto e triste de Banaboião, que desistira de matar D. Paio, como havia combinado com Iluminata. D. Paio de Farroncóbias e Iluminata regressaram a Cangas. Iluminata partiu para Trancoso, enquanto D. Paio de Farroncóbias, agora que el-rei D. Afonso Henriques havia sido liberado das prisões do rei de Leão, pese embora, devido à fractura que contraíra na peleja, ficasse incapaz de combater por algum tempo, regressou, rapidamente, para o Alentejo, pois chegara-lhe notícia de que os sarracenos infiéis haviam, de novo tomado Beja e outras praças importantes.

Mas os mouros, porém, tendo conhecimento da inoperância bélica de D. Afonso Henriques não atacaram apenas o Alentejo e a fronteira sul. Avançaram por todo o reino e já demandavam o norte, destruindo tudo e matando todos por onde passavam, espalhando o pânico e o terror por todas as aldeias, vilas e cidades. Na maioria das povoações, despojadas de guerreiros que se haviam deslocado para sul, era impossível a defesa. Mortes, saques destruição total, eram uma constante. É que, assim como D. Paio de Farroncóbias, muitos outros guerreiros, encontravam-se mobilizados na defesa do Alentejo, estando, portanto, impedidos de voltar para o norte, defendendo as suas povoações, os seus lares e os seus familiares. A desolação era total.

D. Afonso Henriques, no entanto, persistia em ordenar que se recuperassem as principais praças alentejanas, tarefa quase de todo impossível dado o crescendo bélico dos árabes. Os fronteiros, em vão, bem tentavam cumprir as ordens de el-rei. Seguiram-se tentativas e tentativas todas elas frustradas, de recuperar aquelas praças. O número de portugueses que morriam às mãos da moirama, era cada vez maior. D. Paio de Farroncóbias decidiu, então empreender, novas tentativas sobre Lisboa, Évora, Beja e Alcácer-do-Sal. Esta última, porém, ser-lhe-ia fatal. O valoroso guerreiro D. Paio de Farroncóbias sucumbiu em combate, quando já tinha entrado dentro de Alcácer-do-Sal.

Com a morte do mais temível guerreiro português, os mouros ainda avançaram mais para norte. Aldeias e aldeias foram tomadas. Al-bucadiam, emir de Badajoz, avançou com um poderoso exército de mais de cinco mil homens, entre gente de pé e a cavalo e ultrapassou Coimbra, o rio Águeda, Viseu e acabou por entrar na própria cidade de Trancoso!

Dias antes, Iluminata tivera conhecimento de que um santinho de Deus, de nome Banaboião, homem de grandes virtudes e dons sobrenaturais chegara à cidade e se instalara numa estrebaria dos arrabaldes, em grande pobreza e mortificação. Cobrindo o próprio rosto, para que lhe não vissem as feridas que já lhe dilaceravam todo o corpo. Iluminata dirigiu-se para o refúgio onde se encontrava o santo anacoreta. Depois de se amarem Iluminata bem lhe explicou os perigos que corria, se permanecesse ali. Nem acabou de falar. E eis senão quando dois mouros, de espada em riste, entrando de rompante, decapitam os dois...

 

Passaram-se alguns anos. Em Roma, Sua Santidade o Papa Liberino III, revestido de paramentos vermelhos, de báculo na mão e tiara na cabeça, proclamando o poder que lhe fora concedido por Deus, anunciava a toda a cristandade e decretava solenemente e para sempre o bem-aventurado Banaboião como santo de Deus, pela sua vida de virtude e santidade e pelo seu glorioso martírio e inscrevia o seu nome no dístico do sagrado cânon, autorizando que, a partir desse dia, os fiéis lhe prestassem veneração.

Nos dias seguintes, em todas as igrejas, de Trancoso a Viseu, os sinos repicaram festivamente, enquanto D. Gonçalo Guterres, agora bispo de Lamego, na catedral daquela cidade, entoava a Ladainha de todos os santos, cantando a determinada altura:

- Sancte Banaboionis, anachoreta et martir.

- Ora pro nobis  – respondia o povo em grande alarido.

 

Fonte – Aquilino Ribeiro, São Bonaboião Anacoreta e Mártir.

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publicado por picodavigia2 às 18:20





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