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A VIGIA DA BALEIA EM SÃO CAETANO DO PICO

Sexta-feira, 07.07.17

Para os que não acreditam ou pretendem que os outros não acreditem, para os que ficaram insensíveis ou nada fizeram a fim de que a Rota da Faina Baleeira da Ilha do Pico passasse por São Caetano, para os que foram cúmplices da transformação da histórica Casa dos Botes no mítico porto de São Caetano numa residência turística transcrevo aqui, com a devida vénia, o testemunho do Senhor António Silva, natural de São Caetano:

Em São Caetano, na minha infância, o vigia, era o Tio Raxa, uma figura carismática e respeitada.

Diziam os que melhor o conheciam, que o Tio Raxa gostava muito duma pinguinha de vinho.

A vigia das baleias, ficava num alto, entre os dois moinhos de vento, que existiam na freguesia, o do Domingos e o do mestre Pompeu, ali no meio das adegas, do chamado Caminho do Meio. Muitas pessoas o convidavam para ir à sua adega beber uma tigela (de barro) de vinho.

Eu e outros rapazes amigos, gostava-mos muito de ir visitar o Tio Raxa à sua vigia, para ele nos deixar pôr os olhos por alguns momentos no seu binóculo de 18 vezes. Aquilo tinha um sabor especial, no tempo. Coisa engraçada e não rara, é que, muitas vezes, passava-mos no caminho e, víamos o chapéu do Tio Raxa pela fresta horizontal da vigia sobre o binóculo. Chegava-mos lá, era de facto o chapéu e o binóculo do Tio Raxa, mas, o resto tinha andado. Tinha ido consolar o corpo e a alma para a adega dum amigo qualquer, que o havia convidado (…) Tantos nomes de baleeiros célebres, outras figuras carismáticas, que ficaram na história da caça à baleia em São Caetano. O povo duma maneira geral era bom. Respeitava toda e qualquer pessoa de fora da terra que por lá vivesse ou passasse. Alguns baleeiros – normalmente os mais simpáticos – eram convidados para as matanças dos porcos, para ir à adega beber umas tigelas de vinho, para ajudar a vindimar as uvas, etc. Estes, agradeciam, pois normalmente gostavam muito daquele precioso líquido e sempre levavam para casa um cesto de asa de uvas para comer mais a família. Recordo-me ainda dos tempos do Caçoila do Capão do Loiro, etc. profissionais da baleia, que mais para o fim da festa, até cantavam o desafio.

Muito novo ainda, parece-me estar a ver e ouvir o Capão a cantar ao desafio a sua cantiga ao Caçoila:

O Raxa mais o Caçoila

São dois amigos leais

Se o raxa gosta de vinho

O Caçoila muito mais

Com a entrada de Portugal na União Europeia, no ano de 1978, foi proibida a caça à baleia na Comunidade Europeia e por conseguinte, também nos Açores.

No Pico, onde houve forte atividade, resta apenas e ainda bem, o museu da baleia nas Lajes do Pico que vale a pena visitar, onde se pode ver tudo em artesanato, a tenda do ferreiro, o bote, a palamenta, as ferramentas e utensílios que eram utilizados, e se podem recordar aqueles saudosos tempos.

No cais do Pico (São Roque), existe a Fábrica-Museu com todos os seus equipamentos, caldeiras, máquinas, etc., muito bem conservados,

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publicado por picodavigia2 às 00:05

CAÇA À BALEIA EM SÃO CAETANO DO PICO

Quinta-feira, 06.07.17

A caça à baleia, fez-se em quase todas as Ilhas dos Açores, mas foi no Pico que teve o seu epicentro e era também nesta ilha que existiam os melhores baleeiros. A quantidade e a qualidade dos baleeiros picoenses eram tantas que desta ilha muitos baleeiros saíram a procurar trabalho noutras ilhas, como acontecia na Fajã Grande, onde todos os anos se fixavam baleeiros da ilha do Pico, nomeadamente, mestres, oficiais e até o vigia, o Manuel Manquinho, pese embora existissem várias armações baleeiras, no Cais do Pico, nas Lajes, nas Ribeiras e ainda outra na Freguesia da Calheta de Nesquim. Haviam frotas estrategicamente colocadas nos diversos portos da ilha, para que pudessem chegar mais depressa à ou às baleias, consoante se tratasse duma baleia (cachalote) grande e isolada, ou de um cardume. Existiu uma frota instalada em São Caetano constituída por dois botes e uma lancha, a Espartel, a lancha que melhor andava na sua época. Em São Mateus existiam três botes e uma lancha, nas Lajes, 14 botes e quatro lanchas, nas Ribeiras, duas lanchas e quatro botes, na Calheta de Nesquim, duas lanchas e sete botes e ainda uma frota considerável, no Cais do Pico. Havia duas fábricas de transformação das baleias. Uma nas Lajes do Pico, outra no Cais do Pico, onde além da transformação do toucinho em azeite, se fabricavam também farinhas da carne e dos ossos daquelas, para adubos e alimentos de certos animais. Como já disse, também se derreteu no porto de São Mateus. Havia muita rivalidade entre as diversas companhias a laborar na ilha. Dia de baleia, era dia de alvoroço na freguesia. Estalava o foguete e, todo o baleeiro, estivesse onde estivesse, largava tudo e corria em direção ao porto. Nem passava em casa. A mulher ou filhos iam levar-lhe a comida e mais alguma peça de roupa ao porto, enquanto estes iam arreando os botes, pois a lancha já se encontrava no mar presa na sua amarração própria. Os baleeiros tinham outras atividades. Não era possível viver exclusivamente só da baleação.

Não foram poucas as vezes em que, nem todos regressaram a casa. Por vezes as coisas corriam mesmo mal. A baleia ao sentir o arpão na pele, reagia das mais diferentes maneiras; ora levantando e voltando o bote, ora batendo-lhe com o rabo de cima para baixo partindo-o e deixando tudo e todos espalhados por cima das águas profundas e salgadas, à conta de Deus e à sua sorte. Nesta operação, muitas vezes os que eram diretamente apanhados, tinham morte quase instantânea. Alguns, nunca mais apareceram.

NB - Dados retirados de uma Publicação de António Silva, em 29 de Maio de 2009

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JOANITA

Domingo, 04.06.17

 

O que fazes aí oh António

Encostado à botica

Estou à espera da nossa Ana

E da prima Joanita.

 

Joanita namorada

Fresca e bela como a flor

Olha a sorte venturosa

Joanita meu amor.

 

Eu parti uma laranja

E deitei metade fora

Com a outra fiz um barco

Joanita vamos embora.

           

Joanita namorada

Fresca e bela como a flor

Olha a sorte venturosa

Joanita meu amor.                            

Joanita e António

Estão namorando os dois

Vão-se unir em matrimónio

Serão felizes depois.

 

Joanita namorada

Fresca e bela como a flor

Olha a sorte venturosa

Joanita meu amor.

 

(Canção Popular – GFCP de S. Caetano Pico

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DA CHAMARRITA À CHIMARRITA

Sexta-feira, 02.06.17

A Chimarrita é uma dança típica do folclore gaúcho, brasileiro. Consta que teve a sua origem no Arquipélago dos Açores, talvez na ilha do Pico e terá sido levada para o Brasil por colonos açorianos, na segunda metade do séc. XVIII. Desde a sua chegada ao Rio Grande do Sul, a "Chamarrita", como era designada inicialmente, foi evoluindo de forma galopante ao longo de gerações e, no início do séc. XX, passou a ser adotada a forma de dança de pares enlaçados, adquirindo, ao mesmo tempo o nome atual Chimarrita

Chimarrita é pois uma corruptela e é a denominação mais usual desta dança em que os intervenientes se dispõem em filas e depois seguem assim, até formarem uma roda, um par atrás do outro. O passo é lento e atraente e tem como características o bater do pé e o bater da mão.É um baile cantado, onde há solo e coro, demonstrando, ainda que ténues, alguns vestígios do balho açoriano que a terá originado. Os próprios versos cantados, de que a seguir se apresentam alguns exemplos, parecem revelar idênticas semelhanças.

 

Chimarrita vou cantar

Qu'inda hoje não cantei (bis)

Deus lhe dê muita boa noite

Qu'inda hoje não lhe dei (bis)

 

Chimarrita morreu ontem,

ontem mesmo se enterrou (bis)

Quem falar da chimarrita

Leva o fim que ela levou (bis)

Chimarrita que eu canto

 

Veio de cima-da-serra (bis)

A pular de galho em galho

até chegar na minha terra (bis)

 

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O PORTO DA PRAINHA

Domingo, 07.05.17

O histórico e um dos mais emblemáticos edifícios da freguesia, situado no porto da Prainha, em São Caetano do Pico era a “Casa dos Botes de São Caetano”. Ali, durante décadas e décadas se arrumavam os botes utilizados pelos valorosos baleeiros daquela freguesia. Aconteceu, porém, que este antigo e histórico edifício foi “estranhamente” vendido a um particular que, a seu belo prazer, o transformou num empreendimento turístico, constituído por três ou quatro moradias, perdendo-se assim o mais representativo e verdadeiro testemunho da atividade baleeira em São Caetano. Como se isso não bastasse a “Rota Baleeira” do Pico, escandalosamente, não só esqueceu como até foi desviada de São Caetano, mais concretamente do histórico Porto da Prainha do Galeão, onde Garcia Gonçalves, um foragido do reino, com ajuda dos italianos de Génova e Vicenza que ali se haviam fixado, construiu o célebre Galeão, que ofereceu ao rei de Portugal D. João III, com penhora para saldar a sua dívida e assim reconquistar a sua liberdade e que deu nome ao lugar. Foi este porto, hoje abandonado e esquecido, que se revelou como alternativa viável, em dias de temporal, às lanchas que faziam a travessia do Canal Faial-Pico quando não podiam fazer serviço na Madalena ou no Porto do Calhau. A sua beleza e excentricidade levou a que os realizadores da série “Mau Tempo no Canal”, inspirada no livro de Nemésio com o mesmo nome, ali gravassem uma das mais empolgantes cenas: a fuga de Margarida num bote baleiro…

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SÃO CAETANO E O PICO REPRESENTADOS NO VIDIGUEIRA BRANCO – FEIRA DO VINHO E DO CANTE

Terça-feira, 04.04.17

Já está amplamente divulgada a Terceira Edição do “Vidigueira Branco – Feira do Vinho e do Cante”, organizada pela Câmara Municipal de Vidigueira. O evento que pretende promover os vinhos da sub-região vitivinícola de Vidigueira, o azeite, o cante alentejano e a gastronomia tradicional, vai decorrer nos dias 14, 15 e 16 de abril e nele participará a freguesia de São Caetano do Pico que integrará a comitiva representante da ilha montanha. 

Segundo a edilidade vidigueirense, o programa desta iniciativa vai integrar a Mostra de Pão e Doçaria Tradicional e o Festival Gastronómico de Migas, com exposição e venda de produtos agroalimentares, colóquios, ateliês, provas de vinho, espetáculos musicais e animação.

São objetivos deste evento contribuir para o fortalecimento da atratividade turística do concelho; promover a excelência produtiva do território no domínio da produção vitivinícola; divulgar os vinhos da sub-região vitivinícola, em especial os brancos e a casta Antão Vaz; dignificar o cante alentejano como fator de promoção da cultura alentejana e promover as tradições da gastronomia mediterrânica e das migas em particular.

A edilidade acredita que a excelência dos produtos do concelho da Vidigueira e o potencial de afirmação e reconhecimento que os setores do vinho e do azeite já alcançaram pode ser estendido a outros domínios produtivos. Pelo que é nesse sentido que este evento integra também uma Rota do Azeite e do Vinho, uma Mostra de Pão e Doçaria Tradicional e um Festival Gastronómico de Migas.

Do amplo programa, recheado de música e manjares destaca-se o desfile pela feira no dia 14, denominado dia do Cante, onde estarão presentes as Chamarrita do Pico. Um grupo de bailadores, cantores e tocadores, representantes dos vários grupos folclóricos da segunda maior ilha açoriana, desfilará pela feira juntamente com grupos corais, oficinas de canto, etc. Neste desfile o Grupo Folclórico da Casa do Povo de São Caetano também estará representado por um par de bailadores. Este grupo voltará a apresentar o que o Pico tem de mais tradicional e emblemático no que a bailos diz respeito, no dia seguinte, no Palco Galega, no coração daquela vila Alentejana.

Recorde-se que a Vidigueira que recebeu carta de foral de el-rei D. Manuel I em 1514, é sede do município com o mesmo nome, pertencente ao Distrito de Beja, região do Alentejo e sub-região do Baixo Alentejo, com cerca de 2 750 habitantes. Por sua vez o município possui uma área de 316,61 km², onde vivem, segundo o censos de 2011, 5 932 habitantes. O concelho que possui apenas quatro freguesias, Pedrógão, Selmes, Vidigueira, sede do concelho e Vila de Frades, é limitado a norte pelo município de Portel, a leste por Moura, a sueste por Serpa, a sul por Beja e a oeste por Cuba.

Os principais produtos da vila que se orgulha de ter sido berço de Vasco da Gama, são os vinhos, em especial os brancos e a casta Antão Vaz, e ainda o azeite.

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INTERCÂMBIO CULTURAL

Segunda-feira, 03.04.17

No passado dia 18 de março, no salão da sede da filarmónica, em Santa Bárbara teve lugar a segunda parte do I Intercâmbio Cultural entre a freguesia de São Caetano e a sua congénere das Ribeiras, através de duas das suas mais representativas agremiações culturais e musicais: a Sociedade Filarmónica União Ribeirense e o Grupo Folclórico da Casa do Povo de São Caetano.

Tratou-se de uma iniciativa se não inédita pelo menos muito pouco habitual na ilha do Pico, em que, para além das duas coletividades musicais também colaboraram, como convidados, o Grupo de Chamarritas da Casa do Povo de Ribeiras e o Grupo de Chamarritas de São João. Para além do espetáculo musical há que realçar o convívio e a amizade estabelecida entre os elementos de ambas as coletividades e entre estes e os participantes, convidados também eles, no final, a misturarem-se com os elementos do grupo folclórico, bailando a tradicional chamarrita, iniciativa que, a exemplo das antigas folgas, se prolongou pela noite dentro.

Depois das boas vindas por parte do presidente da coletividade local, Júlio Silveira, iniciou-se o espetáculo musical com a atuação da Filarmónica que sublimemente e com muito agrado e aplauso por parte do público, sob a batuta do jovem maestro Pedro Santos, apresentou o seguinte repertório: Suite Alentejana de Luís Freitas Branco, Primeira Suite para Banda de Jorge Salgueiro e, por fim, Humanos arranjo de Luís Cardoso. Para o maestro Pedro Santos este I Intercâmbio Cultural “Foi uma ideia que o nosso presidente Júlio Silveira teve, de forma a dinamizar a nossa atividade a nível cultural no período de inverno, onde as bandas filarmónicas fazem mais ensaio do que concertos e surgiu a necessidade de podermos tocar mais. A ideia de fazer um intercâmbio com outra entidade cultural foi uma forma de trocarmos experiências e ideias com um grupo que de outra forma, seria difícil de nos cruzarmos em atividade conjunta.’’

Por sua vez o Grupo Folclórico da Casa do Povo de São Caetano apresentou alguns dos mais emblemáticos bailos do seu vasto repertório: Pezinho, Juanita, Praia, Chichiu, Ladrão e, por fim, a Chamarita. Entre as atuações de ambas as coletividades o Grupo de Chamarritas das Ribeiras apresentou variados números: Tirana, Barquinha, Sapateia, Maria Tomásia e Chamarrita. Finalmente atuou o grupo de Chamarritas da Casas do Povo de São João.

Recorde-se que a primeira parte deste Intercâmbio Cultural teve lugar no dia 28 de Janeiro pretérito, no salão da Casa do Povo de São Caetano, sendo também nesse dia realizado um concerto musical pela referida Filarmónica, precedido da atuação do grupo folclórico, onde não faltou a chamarritra dançada conjuntamente por elementos de ambas as agremiações.

Hospitaleira e generosa, a população do lugar de Santa Bárbara, freguesia das Ribeiras, onde a União Ribeirense tem a sua sede, no final do sarau ofereceu um agradável e lauto beberete aos elementos do grupo visitante, retribuindo assim idêntico procedimento havido a quando da sua visita a São Caetano.

Noite mágica esta, em que duas populações embora distantes no espaço não se coibiram de se encontrarem, trocando experiências, convivendo, irmanando-se em verdadeira amizade, partilhando e apreciando aquilo que de melhor uma outra têm no que a valores e tradições musicais diz respeito. Iniciativa, segundo a presidente da Casa do Povo de São Caetano, Cecília Correia a todos os níveis louvável e que possivelmente se irá repetir num futuro próximo, pese embora não haja nenhuma espécie de apoio quer por parte das autarquias a que as freguesias pertencem quer de qualquer outra instituição. Na verdade, quer o transporte quer todas as outras despesas, nomeadamente a realizada com o lanche oferecido aos visitantes no final da noite, foram suportadas exclusivamente pelos participantes de ambas as agremiações.

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EM MEMÓRIA DOS PASTORES DE SÃO CAETANO

Segunda-feira, 09.01.17

Em São Caetano do Pico, nas décadas de sessenta e setenta do século passado, ainda eram muitos os lavradores da freguesia que tinham vacas leiteiras no mato, pelo que diariamente eram obrigados a subir uma boa parte da encosta sul da Montanha, a fim de chegar às relvas, muitas delas bastante distantes do povoado, procedendo assim à ordenha das vacas leiteiras. Isto obrigava os chamados Pastores a levantarem-se noite escura, subir a oblíqua encosta por caminhos e atalhos íngremes e sinuosos, proceder à ordenha, procurar uma ou outra rês desaparecida e regressar ao povoado, carregando pesadas latas de leite, chegando aos lares quase à hora do meio-dia. Este reboliço diário tinha um peso tão grande na vida quotidiana da população que era hábito haver aos domingos à tarde uma misa designada por a missa dos pastores, uma vez que estes deslocando-se ao mato todos os dias estavam impedidos de participar na eucaristia dominical, celebrada durante a manhã.

Muitos destes homens, devido às descomunais distâncias a que as vacas se encontravam, precisavam sair de casa por volta das duas horas e meia três da manhã, para percorrer oito a dez quilómetros para cada lado, por veredas e atalhos com muito mau piso, saltando portais com as pesadas canecas de madeira de cedro atrás das costas penduradas numa foice, onde se cruzava o bordão, que assim fazia uma espécie de alavanca tornando a carga menos pesada. Todos os pastores vendiam o leite e por isso, necessitavam de chegar muito cedo às vacas, caso contrário seria difícil ordenhá-las a tempo de chegar com o leite ao povoado. Além disso muitos deles diziam que se a ordenha se realizasse alto dia, as moscas eram tantas, que as vacas quase não parava com os pés e com o rabo, tentando sacudi-las, muitas vezes virando a caneca e por conseguinte derramando o precioso líquido.

Alguns na subida, em tempos de seca carregavam as canecas cheias de água, outros molhos de milho basto ou de espigas. Muitos seguiam em sozinhos ou em pequenos grupos, esperando uns pelos outros nas Fontes, onde se abasteciam de água e faziam um cigarro, picando o tabaco com a navalha e enrolando-o numa casca de milho. Por tudo isso a subida à ordenha era também um momento de convívio e alegria. Consta que em tempos idos alguns até tocavam um búzio, todos os dias, manhã cedo, quando chegavam junto das vacas e também depois da ordenha, anunciando aos outros que a tarefa estava terminada e que iniciariam o regresso a casa. Consta também que os sons desses búzios eram de tal maneira acutilantes, apesar da muita distância, ouviam-se em toda a freguesia, sabendo assim os familiares do pastor que ele estava a regressar a casa. Em dias de nevoeiro estes búzios também deveriam ser de grande utilidade.

Apesar de cansados, muitos destes homens, antes de retomarem os seus trabalhos agrícolas diários, ainda davam uma volta pela adega ou por um botequim que havia no Porto.

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publicado por picodavigia2 às 00:05

UM TESTEMUNHO

Terça-feira, 03.01.17

Com a devida vénia reproduzo aqui, parcialmente, trechos de um testemunho do Senhor António Silva, publicado em livro e na Net, de como na primeira metade do século XX se vivia o Natal em São Caetano do Pico.

Aproximava-se o Natal. Vinham aí as novenas, não se podia faltar. Além da componente religiosa, serviam não só de pretexto para os rapazes e, sobretudo para as raparigas e as mulheres saírem de casa à noite, o que não era autorizado naquela época, mas também para encontrar os amigos e, no caso dos rapazes, para ver as raparigas.

Cerca de três semanas antes do Natal, as pessoas, em quase todas as casas, punham o trigo em pequenos pratinhos com água, para abrolhar e estar crescido e bem verdinho para ornamentar os altarinhos do Menino Jesus e os presépios. A Senhora Beliza Nunes, era quem fazia o altarinho mais bonito e mais concorrido da freguesia. Parece-me estar a ver e ouvir a minha avó, normalmente a orientadora do terço e outras pessoas daquele tempo, que recordo com muita saudade.

Também haviam os chamados ranchos do Natal, compostos pelos melhores instrumentistas de cordas. A guitarra, normalmente bem tocada pelo Manuel Correia da Silva, o bandolim, pelo Deodato Marques, o violino, pelo António da Vigia, o violão pelo Prudêncio, a viola, o ferrinho e as melhores vozes dos jovens e adultos que cantavam os mais lindos versos alusivos à quadra Natalícia. Nestes ranchos, haviam normalmente duas pessoas que cantavam à frente os versos, e um grande coro que cantava atrás, uns e outros a duas vozes. Era hábito, os donos da casa brindarem os intervenientes no rancho quando acabavam de cantar, com aguardente, angélica, anis ou traçado, normalmente bebidas caseiras, que quase todos tinham, acompanhadas por uns figos passados e ou umas bolachinhas. Atrás destes ranchinhos, juntavam-se muitas pessoas, nomeadamente os mais novos, para os ir ouvindo cantar pelas casas que normalmente os recebiam e onde se juntavam também muitas pessoas durante o serão. Era também hábito, as pessoas visitarem os presépios e os altarinhos na quadra do Natal, para ver qual era o mais bonito. Quando o rancho era considerado mesmo bom, visitava também as freguesias vizinhas.

No dia de Natal, à tarde, havia a procissão do Menino Jesus, com as crianças levando as suas ofertas. Um levava um galo, outro uma galinha, outro uma dúzia de ovos, uma perna de massa sovada, uma cesta de laranjas, uns biscoitos, uma garrafa de aguardente, um garrafão de vinho, um cesto de asa de batatas, etc. etc.

Recolhia a procissão e principiava o arraial, com música de filarmónica, enquanto se procediam às arrematações das ofertas. Os mais afoitos lá iam picando e cobrindo o último lanço. Era uma forma de ajudar a receita da igreja e sempre se levava qualquer coisa para casa. Afinal, eram dias de festa. Alguns aproveitavam também a oportunidade para exibir as suas posses.

Na semana seguinte, era o Fim do Ano. Ano Novo e novamente os seus “ranchinhos”, agora com novos versos desejando um Feliz Ano Novo. Contavam-se os dias com esperança e alegria.

Normalmente, para as coisas da igreja, não faltava tempo. Minha mãe, tinha sempre tudo controlado, para que, ninguém – muito especialmente ela – faltasse a novenas ou qualquer devoção que houvesse na igreja da freguesia.

 

 BOAS FESTAS

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O AJUNTAMENTO DAS OVELHAS EM SÃO CAETANO

Domingo, 06.11.16

O Ti João do Monte, sentado na soleta da porta de sua casa, chapéu de abas largas na cabeça, calças de cotim suspensas por uns suspensórios já muito gastos e encardidos, albarcas a deixarem ver uns pés calejados e gretados, contava que outrora em São Caetano do Pico também havia ajuntamento das ovelhas nos baldios da serra, algo em tudo muito semelhante ao Fio da Fajã Grande, na ilha das Flores. Era no fim de setembro, dizia ele, por altura da festa do Senhor São Mateus, mas nunca nesse dia pois também na Prainha o dia de São Mateus era dia Santo, dia de dar pão e de o receber à tardinha.

Não havia cabeças como acontecia nas Flores e no Corvo. Eram os da Junta de Freguesia que faziam o arrolamento das ovelhas, dando autorização ao dono para as por a pastar nos baldios sob a administração da Câmara Municipal. Assim como na Fajã Grande, cada proprietário tinha o seu próprio sinal, ou seja marcas próprias que eram assinaladas com uma navalha nas orelhas do gado. E o tio João recordava o sinal das suas ovelhas: orelha direita traçada na ponta e duas mossas; orelha esquerda, rachada na parte de cima e um furo a meio.

Depois prosseguia:

- Madrugada muito cedo pastores e curiosos, largavam das suas casas a pé com seus farnéis no sarrão, um grande corno de boi cheio de vinho para a viagem amarrado com um cordão nas armelas colocadas nos dois extremos e pendurado ao ombro, e lá se iam encontrar não lugar da serra da Madalena, donde partiam todos juntos rumo aos baldios juntar o gado com a ajuda dos cães. À medida que iam apanhando o gado, iam-no concentrando no curral próprio. Depois do ajuntamento, comiam e bebiam e regressavam a pé, conduzindo o gado até à freguesia.

No lugar do costume, já na freguesia, havia sempre muita gente à espera de ver a chegada do gado. Juntavam-se as pessoas para ver aquela festa e os donos do gado a escolher novamente os seus animais, pelas marcas. Haviam pessoas que só tinham uma ou duas ovelhas, e pediam aos amigos que lhas procurassem e trouxessem, juntamente com as deles.

Nos dias seguintes, procedia-se à tosquia das ovelhas. Eram tosquiadas duas vezes por ano. Em Março, antes de irem para o baldio e em Setembro, após a chegada. Tosquiadas as ovelhas eram colocadas nas vinhas depois de vindimadas, sempre havia por ali umas ervas ainda verdes e outras já secas com que elas se entretinham.

- Era assim nos meus tempos de criança, - concluía Ti João do Monte, enrolando duas pitadas de tabaco numa folha de casca de milho que havia alisado muito bem com a sua navalhinha.

 

NB – As partes deste texto a itálico foram retiradas parcialmente de um texto publicado na Internet por António Silva, 31 de Março de 2009

 

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publicado por picodavigia2 às 00:04

DESCIDA AO PROMONTÓRIO DOS COXOS (EM SÃO CAETANO DO PICO)

Quinta-feira, 11.08.16

Na tarde de um dos últimos domingos solarengos de julho, desci ao mais enigmático e histórico promontório de São Caetano, quiçá do Pico, os Coxos! Há bastante tempo que não o fazia e cuidei que nunca mais voltasse a fazê-lo. Desci na companhia de alguns familiares, sob a astuta e audaz orientação do Senhor José Rodrigues, hábil pescador, exímio apanhador de lapas e que conhece aqueles e outros andurriais da rochosa e abrupta costa de São Caetano, melhor do que ninguém. A descida é íngreme, penosa, dolente, audaciosa, perturbadora e, sobretudo perigosa. Parecia que me atirava abruptamente para o abismo.

Ainda cá em cima, comecei por emergir de entre uma floresta jovem, repleta de faias, incensos, urzes, sanguinhos e paus-brancos, entrelaçados com figueiras raquíticas e abandonadas. Logo me surge, à frente, um miradouro rústico, intratado mas belo e sublime. Encontro o mar, num vai e vem contínuo e caricioso, de ondas suaves e maviosas, a baterem nos baixios, a emaranharem-se nos escolhos que do alto do miradouro avisto. O espetáculo, encafuado numa paisagem delirante, é belo, doce e transcendente. Ao redor o silêncio dos rochedos negros e o odor das figueiras a definharem, amordaçadas e perdidas entre silvados arrogantes. Apenas o mar domina o mundo, ligando-o ao universo do silêncio, quebrado pelo esvoaçar erótico das gaivotas em cio.

Muito a custo, roçando o “sim-senhor” no pontiagudo dos calhaus, agarrando-me às pontas mais ásperas e escarpadas das pedras, desço e chego ao promontório. Alcanço o mar, azul, límpido, claro e acariciador. Este mar não pode ser feito só de espuma amordaçada, nem de ondas entontecidas, nem de reflexos de raios de sol perdidos no horizonte. Neste mar há uma rigidez tremenda, uma força telúrica, jatos de lava adormecida, rochedos que as gaivotas escolheram como habitat. O mais mítico e emblemático de todos é este, metamorfoseado em promontório, a que deram nome dos Coxos, a emergir do seio da ilha, como se fosse um falo, na sua exuberância pubescente.

Já o descera e o contemplara inúmeras vezes quer como ubérrimo e fertilíssimo recanto de pesca, quer como inexaurível e indelével marco de um roteiro, sob a forma de trilho tortuoso e íngreme, mas inebriante e sonhador. Nessa altura ainda não se sentia a desertificação dos vinhedos primitivos, originais e puros. Agora tudo parece florescente, cativante e atrativo mas sem utilidade ou proveito. Emoção forte e vibrante, conjugada com a serenidade do oceano.

As lembranças envolvem-me como sonhos suaves duma história apenas contada mas que não deixa de ser verdadeira, somente por não ser escrita. Os rumores do passado reclamam ali, outrora, um cais natural, desenhado no recorte das falésias, patrocinado pela rigidez milimétrica das formas, estampado nos posicionamentos da lava basáltica. E assim, na inebriante penumbra das escarpas enegrecidas, vejo, como se existissem, vultos de homens de albarcas, calças de cotim e chapéus de palha, a subir e a descer, a carregar pipas de vinho, molhos de lenha, sacos de trigo, rolos de couro, o que a terra ressequida mas trabalhada produzia. Lá em baixo, batelões vazios, à espera de serem carregados com todo aquele entulho lávico e que depois partem na direção ao Faial: pão, vinho, bolo do forno, peixe salgado, fruta, e uma ou outra garrafa de bagaço. Tudo rasteja e se esgana por entre as pedras negras, tingidas com excrementos de gaivotas.

Nunca me sentei sobre o rochedo dos Coxos, saboreando o prazer da sua essência, ou circulando os rebordos das suas extravagâncias, mas postei-me ali, tantas e tantas vezes, sonhando como se tivesse partido para terras distantes. Para lá do oceano, há uma América imensa e sempre sonhada pelos açorianos. Há os que, prisioneiros do sonho partiram na luta por uma vida melhor. Apenas sorvem, nos momentos em que filtram o barulho das festas e o tédio do trabalho, a saudade, imensa, infinita e perene da sua ilha, o Pico.

Voltando ao promontório, onde agora me sento de caniço em riste, à espera de que uma veja se atire à moira, observo-o, na sua magnífica e vivencial exuberância. Dali terão partido baleeiras americanas, a abarrotar de fugitivos, calejados com a rudez da lava, abalroados pelo cheiro do enxofre, sufragando uma insustentável coragem de enfrentar a aventura do sonho, onde tudo é tido e possuído. Mas hoje definharam todos os sonhos nos abismos deste rochedo/promontório, onde há a magia necessária para tentar construir um futuro sustentável. A proposta, apresentada à edilidade madalenense, de ali se construir um marco turístico e histórico já foi engavetada. Cuidei que era o dono deste rochedo, que o envolvia num cometimento ousado e perturbador, que o purificava do abandono e o edificava como baluarte eterno e infinito dos meus sonhos de deficitário pescador ou caminhante perdido. Sou descendente de sonhos naufragados, destruídos pela lava dos vulcões. Sou herdeiro dos que tentam preservar as memórias não escritas, dos que decalcam a tradição, dos que despejam, em vasos de terra adubada, as lendas que se perderam ao desbarato.

Não sei se no promontório dos Coxos, existem vestígios de tesouros, colónias de recifes multicolores, restolhos de navios naufragados ou magia de destinos perdidos. Mas nas forças lávicas dos seus laredos existem lendas e memórias vivas de um passado escrito com lágrimas, embalsamado com sofrimento, galvanizado de honra e dignidade.

E se de nome ouve assim, talvez a sua génese esteja gravada na gesta dos que ali, sob o olhar e proteção de Santa Catarina que ainda hoje o espreita pela janela da sua capelinha, na vila das Lajes, subiam e desciam, vergados às estravagâncias da lava vulcânica, a coxear, não porque fossem “coxos” mas apenas e tão só, porque pareciam “coxos”, devido aos pesados carregamentos que transportavam e às íngremes agruras do trilho. Nem sempre o que parece é

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FESTA DE SÃO PEDRO NO CAMINHO DO MEIO EM SÃO CAETANO DO PICO

Quarta-feira, 29.06.16

Antecipada para o domingo anterior ao seu dia litúrgico, teve lugar no Caminho do Meio, em São Caetano do Pico, no passado dia vinte e seis, a tradicional festa de São Pedro. Organizada sob a égide do Grupo Folclórico da Casa do Povo de São Caetano, um dos expoentes máximos da vida cultural e artística locais, a festa não apenas pretendeu homenagear o padroeiro dos pescadores e dos homens do mar mas também recuperar uma antiga tradição da mais jovem freguesia do Concelho da Madalena. Contam algumas memórias mais vivas que há muitos anos uma senhora de nome Rosinha Simas, pessoa muito generosa e caritativa, no dia de São Pedro, no Largo do Caminho do Meio, fora da sua adega, costumava colocar, à disposição de todos, uma mesa com bebidas, nomeadamente vinho, aguardente e angelica, sobre a qual, também, eram postas ofertas que as outras pessoas levavam para arrematar, às quais se juntavam rosquilhas de aguardente feitas pela própria senhora e que oferecia a todos os presentes ou aos que por ali passavam. Fazia-o sob a forma de uma pequena festa de homenagem a São Pedro.

Interrompida durante décadas, desde há alguns anos que esta festa foi recuperada pelo Grupo Folclórico na sua simplicidade original, sendo o primitivo lugar reestruturado e renovado e junto construído um nicho em honra de S. Pedro, dentro do qual foi colocada a sua imagem. Assim, o local escolhido para celebrar e homenagear São Pedro era e continua a ser o largo do Caminho do Meio, incorporado entre o verde dos vinhedos e das figueiras, junto às adegas, símbolos da labuta e da simplicidade de um povo, que ao mesmo tempo que festeja o santo, se manifesta, conjuntamente e com quantos o visitam, em alegres folguedos e em divertido convívio, envolvendo todos na sua genuína e singela generosidade estampada na partilha do pão por todos os presentes.

A festa, de cariz popular e religioso, iniciou-se no sábado com uma sardinhada, bons petiscos, arraial e quermesse e continuou no domingo com missa campal junto ao nicho do santo, seguindo-se uma procissão de recolha do pão no edifício da Casa do Povo, este ano acompanhada da imagem de São Paulo. O serão durante o qual foram distribuídos pães de massa sovada, cozidos a expensas dos elementos do Grupo Folclórico, dando-se assim continuidade ao que se fazia há mais de oitenta anos, foi abrilhantado por atuações de diversos grupos e coletividades, com destaque para o Grupo Folclórico Infantil do Jardim de Infância com um notável e histórico desfile de trajes e costumes de outrora e com apresentação de diversos números de bailos tradicionais. Um encanto, um desafio notável em termos futuros e a garantia de que a cultura local nunca se extinguirá.

Enquanto atuava o Rancho Folclórico de São João e a Filarmónica de S. Mateus serviam-se excelentes petiscos, num deslumbrante convívio, tudo isto graças ao esforço, generosidade e carinho dos elementos do Grupo Folclórico da Casa do Povo de São Caetano que não se coibiram de executar os churrascos, cozer o pão, preparar os petiscos, servindo-os eles próprios aos forasteiros num atitude de uma notável entrega misturada com uma alegria contagiante.

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ADOREMOS COM AFETOS D’ALMA

Domingo, 08.05.16

A sala era pequena, mas muito branca e iluminada. Num dos cantos o altar sobre o qual fora colocada a coroa de prata com o cetro. Ao lado, encostadas à parede e semi desfraldadas as bandeiras vermelhas debruadas a amarelo e branco com desenhos representando os símbolos do Paráclito. Coberto com toalhas branquíssimas, enfeitado com rosas, lírios e sécias, iluminado com velas acesas, o altar resplandecia em brilho, simplicidade e fé. A sala estava repleta e comunicava com o pátio por uma porta amplamente escancarada. Cá fora o povo apinhava-se, cochichando as últimas do dia. Lá dentro o silêncio entrecortava-se com o lampejar titubeante das velas e com o adocicado cheiro das flores.

Às nove em ponto Tia Laura, acolitada pela Deolinda do Chibante e pela Amélia, a filha do mordomo. iniciou a cantoria do terço em louvor do Divino, depois do foguete estalejar nos ares pelas mãos do Silvano. Todos se benzeram e persignaram. Até os homens que enchiam o pátio, a cozinha e o corredor.

- Adoremos com afeto de alma, o Espírito Santo Divino! – Cantavam as três mulheres.

Logo um coro de vozes abruptas e pouco sincronizadas redarguiam:

- Que dos céus descendeu sobre nós, ó incêndios de amor divino.

As três mulheres insistiam e o coro voltava a retorquir. Dez vezes com a mesma música e a mesmas invocações. Outras tantas vezes quantas as Ave Marias de cada mistério do Rosário da Virgem Maria. Ao chegar à décima, Tia Laura que ia contando as invocações pelas camândulas de um terço acastanhado, dava sinal de mudança, levantando o braço bem alto para que todos vissem. As mulheres, sobretudo as mais atentas, alteravam, de imediato, a cantoria:

- Glória ao Pai que nos criou, glória ao Filho que nos remiu!

Os homens não se faziam esperar:

- Glória ao Spirito San, que em suas graças nos concebiu! 

Depois, unindo todas as vozes, as da sala, do corredor, da cozinha e dos pátios:

- Fazei ó Santo Espírito, a Deus Pai, Filho, amar. A um só Deus em três pessoas, no Céu pra sempre adorar. E logo continuavam, agora alterando a ordem das invocações.

No fim do terço, todos juntos iniciavam e cantavam a Salve Rainha. Depois, com profunda intensidade e comoção de voz, cantavam, três vezes: Senhor Deus de Misericórdia/Virgem Mãe de Deus, rogai por nós. A Florinda voltava a assumir a presidência, oferecendo Pai-Nossos sucessivos, que eram rezados por todos: pelos irmãos falecidos e pelas intenções do mordomo. O Terço terminava com o “Oferecimento ao Divino Espírito Santo”, durante o qual cantavam: Ó Senhor Espírito Santo/Nós roguemos com clamor/Mandai oprimir à terra,/Que não haja mais tremores. Sois pai de misericórdia/Livrai-nos de todo o mal/Não castigueis com tremores/Esta ilha de ofendal. Não desprezeis a fé grande/Com que nós recomendamos/Fazei como Pai Divino/Naja que nós o merecemos. Barca onde embarcou Cristo/Na galera tão real/Feita em tão bela hora/Para aquele general. À popa leva sentado/Santo António com seu véu/Que rica viagem de anjos/Leva Jesus para o Céu. Senhor que lá estais em cima/Nesses Céus de alegria/Vos peço que nos chamais/Para a Vossa companhia. Andavas tão vigiado/Sem saberes da partida/Morte de uma ocasião/Vida nova vida. Chega-te à confissão,/Se te queres confessar/ Morte da ocasião/ É o laço do pecado. Mil vezes cada dia/ Tua alma com diligência/ Toma paz e alegria/Que é da boa consciência. Quando Deus formou a terra/Bons e maus Deus os criou/Quando nos Céus se encerram/Só os bons Deus os guardou. Ó Senhor eu vos ofereço/Esta nossa devoção/Seja honra e glória Vossa/Para nossa devoção.”

Terminado todas estas orações o Manuel Luís, o dono da casa e mordomo nesse ano, retirando o cetro do interior da coroa, distribuía-o pelos presentes que o passavam de mão em mão. Enquanto se cantava o hino “Alva Pomba”, o cetro passava pelas mãos de todos, que o osculavam com o maior respeito, dignidade e devoção.

Era o terço cantado durante a novena de preparação para a Terça-Feira, o dia da festa do Espírito Santo, em São Caetano do Pico.

O Terço do Espírito Santo, ainda hoje cantado em São Caetano, como se cantava há quarenta e há cem anos, é, incontestavelmente, uma celebração de caris profundamente religioso e que, a julgar pelo

próprio texto, transmitido por tradição oral, remonta, muito provavelmente, aos primórdios do povoamento da ilha e aos tempos em que a mesma era abalroada por crises sísmicas frequentes e por outras calamidades, como se pode depreender de alguns dos textos cantados. O terço é constituído por cinco partes, nas quais se repete uma invocação dez vezes seguidas, sendo que a orientadora canta a primeira parte e o povo a segunda, situação que se alterna nas dez invocações seguintes. É este o texto, cantado cinquenta vezes, repartido por cinco blocos de dez invocações cada, que se diferencia do cantado noutros lugares, dali bem próximos.

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SÃO CAETANO DO PICO RECEBE PRESIDÊNCIA ABERTA

Terça-feira, 01.03.16

A exemplo das outras freguesias do dinâmico concelho da Madalena, ilha do Pico, São Caetano, a freguesia geograficamente mais distante da sede concelhia, recebeu na quarta e quinta-feira da pretérita semana, a visita do Presidente da Câmara Municipal, que esteve reunido com diversas entidades locais e munícipes, que se deslocaram à Junta de Freguesia, com o intuito de expor os seus problemas e anseios ao líder do Executivo autárquico.

Durante as Presidência Abertas, cujas prioridades foram estabelecidas em articulação com a Junta, o edil realizou ainda uma visita pela Freguesia, testemunhando realidades, auscultando as necessidades mais urgentes e ouvindo os anseios da população. Olhos nos olhos, o líder do Executivo autárquico madalenense reuniu com todas as forças vivas da freguesia, testemunhando realidades, auscultando necessidades e ouvindo as reivindicações da população.

O desejo e a vontade de quem gere são sempre fazer mais e melhor por todo o território, referiu José António Soares, Presidente da Câmara Municipal da Madalena, às forças vivas reunidas na Junta de Freguesia, acrescentando que iremos chegar ao fim do compromisso político, assumindo e realizando tudo o que prometemos para São Caetano.

O lema da visita foi Mais do que falar, ouvir e foi com estas palavras, que José António Soares iniciou o ciclo de Presidências Abertas, que visou ouvir na primeira pessoa os anseios da população e das entidades locais, nomeadamente os membros das Igrejas e das Irmandades do Espírito Santo de São Caetano e Terra do Pão, bem como o Grupo Ronda das Nove, a Casa do Povo de São Caetano e o Centro Social e Cultural da Terra do Pão.

Comprometendo-se a apoiar do ponto de vista financeiro e técnico as diversas instituições, aceitando os muitos desafios lançados, o líder do Executivo madalenense disponibilizou-se ainda a apoiar as instituições com mão-de-obra camarária e ao nível de transporte, de forma a otimizar o funcionamento das mesmas.

A aposta numa política de proximidade e o fomento de uma profícua união entre a Câmara Municipal e as Juntas, detentoras de uma relevância capital pelo trabalho em estreita comunhão com as populações é crucial para o Município da Madalena, que irá ainda realizar no âmbito deste ciclo de Presidências Abertas diversas visitas e reuniões, ao longo dos próximos meses pelas restantes freguesias do Concelho, apostando no desenvolvimento das localidades como alavanca do progressivo crescimento da Madalena, reforçando a sua crescente notoriedade na região.

 

NB – Dados retirados dos sites da CM da Madalena e da JF de S. Caetano.

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A MATANÇA

Domingo, 06.12.15

O dia que Júlia mais adorava era o da matança do porco. Nesse dia nem ia à escola. A mãe preparava tudo com muita antecedência. A enorme salgadeira, os alguidares, os caldeirões, as selhas e as panelas, tudo era muito bem limpo e lavado. Na véspera, Júlia ajudava a mãe a descascar uma enorme quantidade de alhos, a picar as cebolas de rama, destinadas às morcelas e a salsa, a arranjar os temperos e a preparar as toalhas branquinhas, enquanto o pai aprontava a palha e o mato para a chamusca, serrava e fendia a lenha, secava a cerca e amolava as facas e o serrote. Mas era sobretudo durante a tarde, a prolongar-se até altas horas da noite que a mãe, com a ajuda da tia Augusta, se estafava a cozer o bolo e os inhames, a assar as batatas-doces e a preparar o peixe, a carne de ovelha, o feijão para assar no forno, as lulas e outras iguarias. À tardinha Júlia nunca se esquivava de ir com o pai à adega buscar dois ou três garrafões de vinho.

No dia da matança, logo de manhã, ao lusco-fusco, a casa enchia-se de gente. Vinham os tios, os primos, os avós dos Cabeços, alguns vizinhos e até um amigo do pai que morava na Madalena. Todos desejavam ajudar e eram recebidos com muita alegria. Os homens, mesmo sendo madrugada e estando em jejum, não se furtavam um traguinho de aguardente ou de traçado. As crianças ficavam-se pelos figos passados e as mulheres embrenhavam-se, de imediato, a colaborar nas lides da cozinha, amassando as cebolas e preparando as refeições. Pouco depois, ainda antes de clarear por completo, os homens aproximavam-se do curral, apreciando o suíno, avaliando o seu peso e qualidade, ao mesmo tempo que enrolavam uma ou duas pitadas de tabaco numa folha de casca de milho, transformando-as em cigarro que iam acendendo, sucessivamente, uns nos outros. Pouco depois chegava o Senhor Joaquim, o matador que o pai contratava todos os anos e que trazia umas facas enormes. Juntamente com o pai e os outros homens saltavam para o curral, agarravam o cevado, amarravam-lhe as pernas e punham-no em cima duma tábua apoiada sobre dois enormes cepos de madeira, simulando uma mesa. Júlia, de longe, apreensiva e cheia de medo, tapava os ouvidos com ambas as mãos para não ouvir os gritos de aflição que o porco emitia ao ser apanhado e, sobretudo, quando lhe espetavam a faca. A mãe, de avental novo ao peito, aproximava um alguidar do pescoço do porco e enchia-o com o sangue que se esvaía a jorros do buraco que lhe havia feito a faca certeira do senhor Joaquim. De seguida juntava-lhe umas gotas de vinagre e misturava as cebolas picadas, a sala, os alhos e os outros temperos. Mais atarde havia juntar uns bocadinhos de gordura da barriga. Era com este preparado que se haviam de encher as morcelas.

Os homens, depois de tomar mais um traguinho, iniciavam os trabalhos. Primeiro chamuscavam com as vassouras de palha e mato todo o pelo do porco que, de seguida era muito bem lavado e rapado. Com baldes de água e sabão azul o suíno era lavado e depois esfregado com pedras e escovas até ficar totalmente branquinho e limpo que era um regalo. Era ao senhor Joaquim que, com um enorme facalhão, abria o porco traçando-lhe um enorme corte desde o focinho até ao rabo. Todo encharcado em sangue, retirava-lhe o fígado, os bofes, o coração, as tripas e a bexiga. As tripas eram embrulhadas em panos, de maneira a não secarem, a fim de que mais tarde fossem muito bem lavadas. O fígado era cortado em bifes muito bem temperados e a bexiga era a alegria dos primos que a enchiam de ar, jogando com ela como se fosse uma bola de futebol. Chefiadas pela tia Augusta um grupo de mulheres atiravam-se às tripas, descosendo-as da gordura com muito cuidado para que não rompessem, separando-as, a fim de se proceder à sua rígida, cuidadosa e exigente lavagem, com água, sal, farinha de milho e limas azedas. Júlia, embora temerosa e apreensiva, ajudava em todas estas operações. As tripas grossas, assim como o bucho, eram cheias com o preparado das morcelas. As outras guardadas para as linguiças. Os bofes, o coração e uns pedacinhos de carne da barriga eram guisados com batata branca, e, juntamente com as sobras do almoço, constituíam a ceia. De tarde, os homens, enquanto esperavam que o porco arrefecesse, jogavam ao truque e à sueca. Mas a mesa não se levantava e, já pela noite dentro, entre jogos de cartas e copos de vinho, provava-se a morcela. Entre folguedos e cantigas todos eram brindados com vinho e comida, onde não faltava a saborosa morcela. Por fim e antes de partir, quase todos voltavam a tomar mais um traguinho.

- Este é p’ra a viagem. – Dizia o pai de Júlia, batendo palmadinhas nas costas dos que apresentavam sinais de terem bebido um pouco mais.

De tarde, o pai, com a ajuda de outros homens, havia pendurado o porco, pelo focinho, a um tirante na loja, tendo-o aberto nas costas, de cima para baixo e espetado umas canas atravessadas que mantinham o interior do animal aberto, a fim de o enxugar. Por baixo fora à Júlia, sempre disposta a ajudar, que o pai pedira para colocar, por baixo, a selha pequenina, a fim de aparar os restos de sangue e água que escorriam do interior do animal. Quando anoiteceu por completo, o pai trancou muito bem a porta, não fossem os gatos entrarem e atirarem-se ao porco, na calada da noite.

No dia seguinte, voltaram apenas os parentes mais íntimos. A mãe quase nem se deitara. Passara toda a noite a lavar, a varrer, a limpar, a arrumar e a preparar o dia seguinte. Ainda muito ensonada, Júlia via desmanchar o porco, parti-lo aos pedaços, separando, carne, ossos, lombos e toucinho. Algumas postas foram destinadas a presentes e uma grande talhada de toucinho foi salgada e guardada para ser arrematada no adro da igreja, no domingo seguinte. A mãe fez do lombo, os primeiros bifes para o jantar. Depois vestiu-lhe uma saia de chita, uma blusa de malha, prendeu-lhe uns lacinhos no cabelo e lá foi ela, toda contente e vaidosa, de cestinha em riste, levar um presente a casa do senhor padre, do senhor professor, a casa de quantos o pai devia favores. Separada a cabeça a mãe limpou-a muito bem e preparou-a para com ela fazer sopas, que exalavam um cheirinho a noz-moscada e a cominhos que enchia a casa e, juntamente com o fumo, saía pelo telhado e se propagava pela vizinhança. Era o manjar mais apreciado nesse dia. O toucinho foi derretido, quase na totalidade e, depois de lhe retirar a banha, transformou-se em pequenos mas deliciosos torresmos de graxa. Júlia adorava trinca-los. Uma parte da carne e os ossos foram salgados e guardados nas salgadeiras, enquanto outra foi finamente picada para as linguiças, que se haviam de encher alguns dias depois, a fim de ir garantindo, juntamente com a carne, os torresmos e o toucinho, o sustento do pai, da mãe, da irmã e dela própria, ao longo do ano.

Júlia, com alegria, ajudava a mãe em todas estas tarefas.

 

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AS RIBEIRAS DE SÃO CAETANO

Quinta-feira, 03.09.15

Ontem de tarde, choveu torrencialmente no Pico, nomeadamente em São Caetano, freguesia encastoada na encosta sul e vizinha da montanha. Se a este dilúvio acrescentarmos os aguaceiros dos dias anteriores teremos um nível de pluviosidade muito elevado e que teve, como primeira consequência, o encher das ribeiras, nomeadamente as da vertente sul da montanha que atravessam a freguesia de São Caetano, com destaque para as ribeiras da Prainha, Grande, Dilúvio e Laje, esta já na Terra do Pão. Habitualmente secas, apenas em dias de grandes chuvadas se enchem de água, por vezes a transbordar das margens e a causar alguns prejuízos à população. Mas em contrapartida, transformam-se em espetáculos deslumbrantes e belos, como a Ribeira da Prainha, que antes da foz, junto ao Porto de São Caetano se atira em catadupa por uma pequena ravina formando uma maravilhosa cascata, adquirindo, nestes dias de chuvas torrenciais, um gigantesco e intransponível caudal, para quem pretende deslocar-se ao rolo ou a uma piscina natural ali existente. Atravessá-la quer ali quer no local onde ela desliza paralela à rua de São Caetano é um ato quase heroico, uma aventura e um risco, sobretudo para os mais pequenos ou para as pessoas de idade e para os que embora não morando por ali, necessitam de atravessá-la por possuírem propriedades nos arredores. Uma outra ribeira, talvez a mais enigmática e misteriosa, hoje também com grande e desusado caudal é a Ribeira da Laje. As águas desta tarde também a encheram, dotando-a de volumoso caudal fazendo com que descesse os matos e atravessasse o povoado, rápida e flamejante, formando também, antes de desaguar no oceano, uma bela e graciosa cascata, correndo altiva e revoltosa, por entre penhascos e ravinas, circundando penedos e desenhando pequenos lagos. Quase esquecidas por que encobertas por densa vegetação e com pequenos caudais estavam hoje as ribeiras Grande e a do Dilúvio, talvez porque as chuvas dali se tivessem desviado um pouco, mas também elas constituindo um misto de encanto, mistério, persistência e proficuidade.

Ribeiras de São Caetano, uma espécie de mito e sublimidade. Hoje renasceu o som turbulento e cavernoso das suas águas, baqueando nos rochedos escalavrados e perfurando terrenos lamacentos, alagando e encharcando pedregulhos ressequidos, e elas próprias rejuvenesceram como que em eco ao longo das ravinas, por entre rochedos, ocupando grotões e valados, simulando sinfonias inverosímeis, cadenciadas e transcendentes, enchendo o silêncio desta tarde de setembro de sons e de cores esbranquiçadas, amarelas e alaranjadas, espelhando no oceano onde desaguam as marcas castanhas do seu atrevimento desusado, transformando São Caetano numa numa espécie de aguarela natural, mítica e mirabolante.

 Mas ao lado, as vinhas carregadas de cachos amadurecidos parecem assustar-se com tão ousado atrevimento. Não precisam de tanta água, de tanta chuva. Esta chuva, há dias, fazia falta, hoje está em demasia. A cultura da vinha na Ilha do Pico começou no final do séc. XV, quando se iniciou o povoamento da ilha. Graças ao solo vulcânico, rico em nutrientes, ao micro clima seco e quente das encostas protegidas do vento por muros de pedra áspera e escura e aquecidas pelos raios do sol, as vinhas de São Caetano conseguiram condições excecionais de maturação, mas não conseguem resistir a estas chuvadas. Umas fechadas em currais protegidas de paredes de lava, mais próximas do mar. Outras em terrenos outrora agrícolas, mais protegidas pelos arvoredos circundantes. Hoje assustaram-se assim como se assustaram os figos que até perderam uma boa parte da sua inebriante doçura.

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UM PARAÍSO ENCAFUADO ENTRE O MAR E A MONTANHA

Domingo, 07.06.15

A freguesia de São Caetano do Pico, pertencente ao concelho da Madalena, fica situada na parte Sul da ilha e alojada no regaço de uma pequena baía, denominada “Baía da Prainha”, onde assenta um pequeno porto, actualmente quase desertificado e dedicado exclusivamente a pequenos barcos de pesca e recreio ou a “banhocas”. A sua zona costeira, actualmente, é muito procurada por mergulhadores, por ser possuidora de espaços submarinos de rara pulcritude.

Esta freguesia possui uma beleza ímpar e uma singularidade singela em boa parte, devido à sua posição geográfica, dado que fica instalada entre o mar e a imponente montanha do Pico. É essa singularidade que lhe vai dispondo o casario ao longo de encostas soalheiras e montanhosas, ao mesmo tempo que lhe sulca e encrava os vinhedos, as florestas, as pastagens e, sobretudo, os terrenos de cultivo e de mato por entre socalcos de ribeiras e de ravinas, designadas por quebradas, sendo mesmo a freguesia que mais se aproxima da altíssima e magmática montanha. Por tudo isso recebe influências climáticas únicas e ímpares beneficiando da protecção dos ventos norte e noroeste que sopram, desalmadamente, durante o Inverno ao redor daquele enorme gigante de lava que é a montanha do Pico. Assim e quando o vento sopra vigoroso, roufenho e frígido, acompanhado por fortes chuvadas, nas restantes freguesias da ilha, São Caetano goza de um clima ameno, de um Sol radiante e de uma calma e tranquilidade invejáveis. Mas mesmo quando o vento sopra de sul, revoltado e furioso, criando um enorme e tremendo reboliço na terra e sobretudo no mar, a paisagem adquire uma beleza transcendente, enigmática e contagiante. Assim é, em Novembro, São Caetano e de um modo especial a Prainha do Galeão. É também a proximidade da montanha que dá grande sinuosidade ao território, assinalando-o com diversas elevações designadas cabeços: o da Prainha e o do Mistério, a Rocha Vermelha e o Paul ou sulcando-o por várias ribeiras: da Prainha, do Dilúvio, da Cancela, da Grota, da Laje e a Ribeira Grande. Esta sinuosidade fez com que os antigos caminhos fossem, na generalidade, autênticas canadas, sendo que algumas delas, em boa hora recuperados e reconstruídos, foram transformados, actualmente, em trilhos turísticos que conduzem qualquer viajante a apreciar o rico património paisagístico desta localidade, destacando-se o trilho da canada de São Caetano que se inicia junto à Prainha do Galeão, em forma de escadaria e o da canada da Ribeira da Prainha, trilho que ligava a Prainha do Galeão à parte superior da freguesia e que era usado por pescadores e baleeiros. Local de interesse histórico e paisagístico é também o Largo das Fontes, situado no antigo acesso às pastagens dos matos e famoso pelas suas fontes e como local de encontro e descanso dos homens que dia a dia subiam as encostas da montanha a tratar do gado ou até tirar-lhe o leite. Junto ao mar, para além das ruínas de um antigo poço de maré, infelizmente abandonado por indesculpável incúria, situam-se as tradicionais adegas feitas de pedra de lava e que enriquecem, não apenas a paisagem, mas também a história e a cultura locais. Ainda, mais junto ao mar, a antiga casa dos botes baleeiros, actualmente como que transudada em vivenda e um nicho dedicado a São Caetano, precisamente no local onde os primeiros colonos que ocuparam aquela localidade terão construído uma ermida dedicada ao padroeiro, contento o referido nicho uma suposta pedra da mesma e a primitiva imagem de São Caetano. Foi também neste local que um dos primeiros povoadores, de seu nome Garcia Gonçalves, mandou construir um galeão como forma de pagamento de dívidas ao rei Dom João III. Essa a razão pela qual esta localidade, popularmente, ainda hoje se chama “Prainha do Galeão”.

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FESTA DO ESPÍRITO SANTO EM SÃO CAETANO

Terça-feira, 26.05.15

É por demais sabido que as festas de Espírito Santo, nos Açores, tomam matizes muito diversificadas e expressam tonalidades bem diferentes de ilha para ilha e até, dentro da mesma ilha, de freguesia para freguesia.

São Caetano do Pico é um bom exemplo das diferenças e dissimetrias existentes entre estas celebrações e as que referi, neste blogue, relativamente à Fajã Grande das Flores.

Em São Caetano “atestam-se” ou “arrolam-se” os irmãos, não para receber mas sim para dar, no caso, a tradicional rosquilha, feita de saborosa massa sovada. Cada irmão pode contribuir com um ou com meio açafate, sendo o primeiro de trinta rosquilhas e o segundo de quinze. Quem o entender, normalmente por não ter possibilidade de cozer a massa, pode substituir o açafate do pão por equivalente valor em dinheiro, contribuindo assim para as várias despesas da festa, nomeadamente para a compra das rezes e de outras iguarias destinadas a confeccionar a refeição comunitária que se realiza no dia da festa. É que o almoço conjunto de toda ou quase toda a população da freguesia constitui um dos momentos altos da festa.

Durante a semana que antecede a terça-feira de Pentecostes, dia em que se realiza a festa, canta-se o terço junto das insígnias. Trata-se de um conjunto de invocações ao Espírito Santo, cantadas de forma repetitiva e com uma estrutura semelhante à do terço habitual.

No dia da festa, alta madrugada ouve-se o foguete anunciador do início do cozer da carne. Esta é colocada em mais de uma dúzia de gigantescos tachos e é devidamente temperada. Assim vai cozendo lentamente e formando um saboroso caldo com o qual se irá regar o pão partido a meio, acamado em terrinas e coberto com folhas de hortelã. Antes da missa forma-se o cortejo, com destino à igreja, sendo as coroas transportadas por meninas familiares ou convidadas do mordomo, ricamente vestidas e pelo próprio mordomo, enquanto a bandeira é levada conjuntamente por um casal, umas e outras dentro de quadrados formados por varas, seguradas por crianças. Seguem-se conjuntamente os foliões com tambor, pandeiro e insígnias e o povo. Terminada a missa procede-se à “coroação do mordomo”, rito que consiste na imposição da coroa na sua cabeça, pelo celebrante, ao som do “Veni Creator”, agora numa adaptação vernácula “Vinde Espírito Paráclito”. O cortejo regressa ao local onde é servido, na presença da coroa e da bandeira, a refeição, sendo esta constituída pelas tradicionais sopas, carne assada e arroz doce, tudo regado com vinho de cheiro. Durante o almoço é revelado o nome do futuro mordomo, através de voto de cada irmão.

A festa e o convívio continuam durante a tarde e termina com o seu ponto alto ou seja, com a distribuição das rosquilhas, uma por cada habitante ou forasteiro que participe na festa ou simplesmente passe, por mero acaso, pela freguesia.

Actualmente a festa do Espírito Santo em São Caetano duplica-se, uma vez que, para além de ser efectuada na Prainha, na terça-feira seguinte ao domingo de Pentecostes, também é realizada, na Terra do Pão, no mês de Julho.

 

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publicado por picodavigia2 às 00:05

TERÇO DO ESPÍRITO SANTO

Terça-feira, 19.05.15

Estalou o foguete! Muitos já haviam chegado. Outros só depois do estoiro. Todos, à medida que iam chegando, entravam e, em pouco tempo, enchiam a sala, onde, num dos cantos, um altar fora armado, sobre o qual estava colocada a coroa de prata, com o cetro engalanado com uma fita branca, ladeada por jarras com flores e castiçais com velas a brilhar. Ao lado do altar, as bandeiras vermelhas, debruadas a amarelo com os símbolos do Paráclito. As mulheres e as crianças apinhavam-se, em filas, ao redor do altar. Postada na primeira, em frente à coroa, Maria Florinda iniciava a reza do terço em louvor do senhor Espírito Santo. Os homens enchiam a cozinha, o corredor e, alguns, por não terem lugar na casa ou por cuidarem que era mais fresco, optavam for ficar no balcão da sala. Outros em frente à porta da cozinha. Ao chegar, tiravam os bonés e benziam-se desajeitadamente. Pouco depois, pedia-se silêncio. As vozes mais finas, mas também mais afinadas das mulheres, iniciavam a cantoria:

- Adoremos com afeto de alma, o Espírito Santo Divino!

Logo as vozes grossas e pouco sincronizadas dos homens e de uma ou outra mulher que chegara mais tarde e não tivera lugar na sala, respondiam:

- Que dos céus desceu sobre nós, ó incêndios de amor divino.

As mulheres insistiam e os homens voltavam a retorquir. Dez vezes com a mesma música e a mesmas invocações. Outras tantas vezes quantas as Ave Marias de cada mistério do Rosário de Nossa Senhora, instituído e pregado por S. Domingos. Ao chegar à décima, a Maria Florinda que ia contando as invocações pelas camândulas de um terço acastanhado, dava sinal de mudança, levantando o braço bem alto para que todos vissem. As mulheres, sobretudo as mais atentas, alteravam, de imediato, a cantoria:

- Glória ao Pai que nos criou, glória ao Filho que nos remiu!

Os homens não se faziam esperar:

- Glória ao Spirito San, que em suas graças nos concebiu! 

Depois, unindo todas as vozes, as da sala, do corredor, da cozinha e dos pátios:

- Fazei ó Santo Espírito, a Deus Pai, Filho, amar. A um só Deus em três pessoas, no Céu pra sempre adorar

E logo continuavam, agora alterando a ordem das invocações. Primeiro o grupo dos mais distantes do altar, dos de cantar tosco e desajeitado, a começarem

No fim do terço, todos juntos iniciavam e cantavam a Salve Rainha. Depois, com profunda intensidade e comoção de voz, cantavam, três vezes: Senhor Deus de Misericórdia/Virgem Mãe de Deus, rogai por nós. A Florinda voltava a assumir a presidência, oferecendo Pai-Nossos sucessivos, que eram rezados por todos: pelos irmãos falecidos e pelas intenções do mordomo. O Terço terminava com o “Oferecimento ao Divino Espírito Santo”, durante o qual cantavam: Ó Senhor Espírito Santo/Nós roguemos com clamor/Mandai oprimir à terra,/Que não haja mais tremores. Sois pai de misericórdia/Livrai-nos de todo o mal/Não castigueis com tremores/Esta ilha de ofendal. Não desprezeis a fé grande/Com que nós recomendamos/Fazei como Pai Divino/Naja que nós o merecemos. Barca onde embarcou Cristo/Na galera tão real/Feita em tão bela hora/Para aquele general. À popa leva sentado/Santo António com seu véu/Que rica viagem de anjos/Leva Jesus para o Céu. Senhor que lá estais em cima/Nesses Céus de alegria/Vos peço que nos chamais/Para a Vossa companhia. Andavas tão vigiado/Sem saberes da partida/Morte de uma ocasião/Vida nova vida. Chega-te à confissão,/Se te queres confessar/ Morte da ocasião/ É o laço do pecado. Mil vezes cada dia/ Tua alma com diligência/ Toma paz e alegria/Que é da boa consciência. Quando Deus formou a terra/Bons e maus Deus os criou/Quando nos Céus se encerram/Só os bons Deus os guardou. Ó Senhor eu vos ofereço/Esta nossa devoção/Seja honra e glória Vossa/Para nossa devoção.”

Terminado todas estas orações o Mordomo, retirando o cetro do interior da coroa, distribuía-o pelos presentes que o passavam de mão em mão. Enquanto se cantava o hino “Alva Pomba”, o cetro passava de mão, a fim de que cada um dos presentes, o osculasse com o maior respeito, dignidade e veneração.

Estavam ali reunidos porque se aproximava a Terça-Feira, o dia da festa do Espírito Santo na Prainha. O Mordomo fora escolhido, no ano anterior, por escortino dos irmãos, para presidir, orientar, organizar, transportar a coroa para a igreja e, por fim, coroar no dia da Festa. Para além de se empenharem em ajudar o mordomo, cada qual havia de cozer o seu açafate de rosquilhas. As mulheres levá-los-iam em cortejo até ao adro, onde as rosquilhas seriam distribuídas por todos. Na verdade, no Pico e de modo muito peculiar, em São Caetano, desde os primórdios do povoamento que o povo, frequentemente, fustigado por crises sísmicas e temporais, implorava o auxílio divino, centrando a sua fé na Terceira Pessoa da Trindade. Em São Caetano, freguesia onde, desde os tempos mais remotos se enraizou uma profunda, convicta e autêntica devoção ao Espirito Santo, as festividades em honra do Paráclito tinham a sua expressão mais visível, por um lado, nas funções realizadas ao longo do ano e, por outro, na festa, celebrada na Terça-feira de Pentecostes. Umas e outras eram antecipadas e preparadas por uma novena, realizada em casa do mordomo, duranta a qual se cantava o terço. A festa, para além da celebração solene da eucaristia incluía um cortejo em que os irmãos transportavam em açafates ornamentados com toalhas com rendas e bordados artesanais, as suas ofertas de pão, sob a forma de rosquilhas, que, à tardinha e após o arraial, seriam distribuídas por todo o povo.

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publicado por picodavigia2 às 00:05

UMA ESTÓRIA DE PESCA

Sábado, 21.03.15

Depois dos catorze anos, foi a vez de eu fazer a inscrição marítima. Tratava-se da licença indispensável para poder embarcar como tripulante em qualquer embarcação. Se por um lado eu até gostava de ir ao mar, por outro, havia que ajudar a assegurar o conduto para a casa dos meus pais. Gostava imenso de ir pescar, no verão, ao chamado peixe de cima de água. Pescava cachorras ou bonitos e bicudas barracudas. Normalmente ia no barco do Tio Francisco Jorge. O mestre era o Francisco, o filho mais velho e por sinal meu vizinho. Como campanha, iam os irmãos dele o António e o Hermenegildo, eu, o meu amigo de infância Adelino Cambóio, meu tio Deodato e o Francisco da Vigia. Certa noite, no mês de Setembro, arreamos com muito bom tempo. A certa altura, pouco depois da meia-noite, estava-mos na marca, fora da Terra do Pão, pescando de linha, às bicudas. Por sinal, estava a ser uma boa noite de pesca. Já tínhamos dentro do barco talvez mais de um cento delas. Entretanto, sentimos que estava a passar por debaixo do barco uns rolos de mar, que aos poucos foram aumentando. O vento era do quadrante Sul. Formavam-se muitas nuvens negras, no horizonte. O mestre, o Francisco Jorge ordenou:

- Aparelhos para a borda e vamos remar rapidamente para terra.

Começavam a ver-se relâmpagos e a ouvir um crescente trovejar. Remávamos aos quatro remos, rumo ao porto da Prainha. As ondas, continuavam a crescer. A trovoada a aproximar-se. Ao longe, via-se no cais a luz dum petromax. Era o Florindo, o João de Manuel da Ritinha e o Aldemiro que já haviam varado e, vendo o tempo a crescer, davam sinal aos outros que ainda estavam no mar, para regressarem rapidamente a terra.

O mar já cobria o cais de ponta a ponta. Eram vagas altíssimas, mas que de vez em quando davam algum descanso. Quando nos aproximávamos do cais, num desses momentos de descanso, aqueles que estavam em terra, gritavam:

- Não encostem! Não encostem! Sigam de vez para o varadouro com tudo a bordo.

A chuva, era quanta Deus mandava, acompanhada de forte trovoada. De repente e sem contarmos, apaga-se-nos a luz. Às escuras, o Francisco não tendo percebido o que lhe diziam de terra, tenta pôr um homem ou dois sobre o cais. Um para passar e segurar o cabo do revés e o outro para alar o cabo da proa como era costume em tais situações. Foi o António Jorge que fora passar o cabo de revés. Mas os cabos eram muito frágeis, feitos de filaça ou espadana, seca e torcida, com uns torcedores de pau. Eis que vem uma enorme vaga de mar. O Francisco bem gritava:

- Aguenta o revés! Aguenta o revés!

O António dá duas ou três voltas com a corda no pau da ponta do cais, segura bem mas a força do mar era maior. A corda rebenta e o barco atravessa-se. Vem uma segunda vaga de mar, volta a embarcação, vem a terceira e a quarta, e, fica tudo à deriva os homens embrulhados na água, o barco virado, as bicudas, albarcas, cestos de asa, remos, tilhas, tudo perdido. Ouviam-se os gritos. Todos imaginaram o pior. Quando o mar voltou a acalmar um pouco, os homens estavam espalhados por aqui e por além. Eu fui projectado pelas ondas para cima dumas rochas, ali ao lado direito da entrada do caneiro, onde me consegui agarrar. Um ou outro marinheiro conseguiu pôr-se a salvo sem grandes moléstias. O António e o Hermenegildo, ao tentarem equilibrar o barco na tentativa de o salvar, ficaram debaixo dele e com as pernas todas esfarrapadas. Com a ajuda dos que estavam em terra, varou-se o barco. Ficou muito danificado. Ninguém pensava mais em bicudas nem alparcas. Parecia um sonho o que acabava de acontecer. Enquanto isto, o Neves, jovem afoito, amestrando o barco do tio dele, José Mateus, continuava pescando, como que se nada se passasse, indo um pouco ao sabor da maré, já do porto para Oeste, ali para os lados da Ribeira Velha. Fomos nós que depois de terminada a nossa odisseia, os ajudamos a salvar, evitando que passassem pelo mesmo. Estes e as suas bicudas foram sãos e salvos e fizeram as suas partilhas, esquecendo aqueles que os haviam ajudado a salvar e que tinham ficado sem uma bicuda para o caldo. Na vida de cada um, há sempre coisas que marcam, mais que outras talvez até mais importantes.

 

N B - Baseado numa estória contada e publicada por António Silva

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publicado por picodavigia2 às 08:35

O PROMONTÓRIO DOS COXOS (EM SÃO CAETANO)

Sexta-feira, 03.10.14

Caminho sem destino, ilha fora, em direção incerta. Emerjo de entre uma floresta jovem, repleta de faias, incensos, urzes, sanguinhos e paus-brancos, entrelaçados com figueiras raquíticas e abandonadas. Encontro o mar, num vai e vem contínuo e caricioso, de ondas suaves e maviosas, a baterem nos baixios e escolhos, que do alto do miradouro avisto. O espetáculo, encafuado numa paisagem maravilhosa, é belo, doce e sublime. Ao redor o silêncio dos rochedos negros e o odor das figueiras a definharem, amordaçadas e perdidas entre silvados arrogantes. Apenas o mar domina o mundo, ligando-o ao universo do silêncio, quebrado pelo esvoaçar erótico das gaivotas em cio. Lá longe, muito longe, um pequeno ponto entre o céu e o mar - um barco a perder-se no horizonte - reflete, num mítico raio de luz, sonhos duma esperança infinita e enigmática.

Desiludido com o inatingível do distante, concentro-me na inflexibilidade do perto e procuro a pujança duma visão rígida, serena e real. Este mar não pode ser feito só de espuma amordaçada, nem de ondas entontecidas, nem de reflexos de raios de sol perdidos no horizonte. Neste mar de ilha há uma rigidez tremenda, uma força telúrica, jatos de lava adormecida, rochedos que as gaivotas escolheram como habitat. O mais mítico e emblemático de todos é o metamorfoseado em promontório, a que deram nome dos Coxos, a emergir do seio da ilha, como se fosse um falo, na sua exuberância pubescente.

Já o vira inúmeras vezes quer como ubérrimo e fertilíssimo recanto de pesca, quer como inexaurível e indelével marco de um roteiro, sob a forma de trilho tortuoso e íngreme, mas inebriante e sonhador. Nessa altura evitei as palavras que agora me são ditadas pela emoção de ter emergido do meio daquela floresta, outrora inexistente, resultante da desertificação dos vinhedos primitivos, originais e puros, agora florescente, cativante e atrativa mas sem utilidade ou proveito. Emoção forte e vibrante, conjugada com a serenidade do oceano.

As lembranças envolvem-me como sonhos suaves duma história apenas contada mas que não deixa de ser verdadeira, somente por não ser escrita. Os rumores do passado reclamam ali, outrora, um cais natural, desenhado no recorte das falésias, patrocinado pela rigidez milimétrica das formas, estampado nos posicionamentos da lava basáltica. E assim, na inebriante penumbra das escarpas enegrecidas, vejo, como se existissem, vultos de homens de albarcas, calças de cotim e chapéus de palha, a subir e a descer, a carregar pipas de vinho, molhos de lenha, sacos de trigo, rolos de couro, o que a terra ressequida mas trabalhada produzia. Lá em baixo, batelões vazios, à espera de serem carregados com todo aquele entulho lávico e que depois partem na direção do Faial: pão, vinho, bolo do forno, peixe salgado, fruta, e uma ou outra garrafa de bagaço. Tudo rasteja e se esgana por entre as pedras negras, tingidas com excrementos de gaivotas.

Nunca me sentei sobre o rochedo dos Coxos, saboreando o prazer da sua essência, ou circulando os rebordos das suas extravagâncias, mas postei-me ali, tantas e tantas vezes, sonhando como se tivesse partido para terras distantes. Para lá do oceano, há uma América imensa e sempre sonhada. Há os que, prisioneiros do sonho partiram na luta por uma vida melhor. Apenas sorvem, nos momentos em que filtram o barulho das festas e o tédio do trabalho, a saudade, imensa, infinita e perene da sua ilha.

Volto ao promontório e observo-o, na sua magnífica e vivencial exuberância. Dali terão partido baleeiras americanas, a abarrotar de fugitivos, calejados com a rudez da lava, abalroados pelo cheiro do enxofre, sufragando uma insustentável coragem de enfrentar a aventura do sonho, onde tudo é tido e possuído. Mas hoje definharam todos os sonhos nos abismos deste rochedo/promontório, onde há a magia necessária para tentar construir um futuro sustentável, apesar de inverosímil e cerceado pelas agruras do destino. A proposta, apresentada à edilidade, de ali se construir um marco turístico e histórico já foi engavetada. Cuidei que era o dono deste rochedo, que o envolvia num cometimento ousado e perturbador, que o purificava do abandono e o edificava como baluarte eterno e infinito dos meus sonhos de deficitário pescador ou caminhante perdido. Sou descendente de sonhos naufragados, destruídos pela lava dos vulcões, mas sou herdeiro dos que tentam preservar as memórias não escritas, dos que decalcam a tradição, dos que despejam, em vasos de terra adubada, as lendas que se perderam ao desbarato.

Não sei se no promontório dos Coxos, existem vestígios de tesouros, colónias de recifes multicolores, restolhos de navios naufragados ou magia de destinos perdidos. Mas nas forças lávicas dos seus laredos existem lendas e memórias vivas de um passado escrito com lágrimas, embalsamado com sofrimento, galvanizado de honra e dignidade.

E se de nome ouve assim, talvez a sua génese esteja gravada na gesta dos que ali, sob o olhar e proteção de Santa Catarina que ainda hoje o espreita pela janela da sua capelinha, subiam e desciam, vergados às estravagâncias da lava vulcânica, a coxear, não porque fossem “coxos” mas apenas e tão só, porque pareciam “coxos”, devido aos pesados carregamentos que transportavam e às íngremes agruras do trilho. Nem sempre o que parece é.

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publicado por picodavigia2 às 09:02

7º DIA – FARTURA DE PEIXE E DE TEMPORAL

Sábado, 09.08.14

De manhã fartura de peixe. À noite um tremendo e assustador temporal!

São Caetano, desde sempre se encostou ao mar. Rodeado de ribeiras, grotões, ladeiras, maroiços e veredas escabrosas, tudo parece que se dirige e escoa para o oceano, nele encontrando sustento e fartura. Outrora fonte de alimento de muitas famílias, a pesca, quer a de pedra quer a de alto mar, hoje foi desporto. Manhã de Pesca Desportiva. Impressionante a quantidade e variedade de peixe pescado pelos vários concorrentes: congros, moreias, raias, gorazes, bocas negras, sargos, garoupas, rocazes, pargos, etc. etc. Uns transformaram-se num gigantesco caldo, outros foram assados na brasa. Um primor! E o povo acorreu em romaria ao Porto, para saborear tão apreciado cardápio…

Mas a chuva e o mau tempo não desprega. Continua a ameaçar. Apenas uma ou outra aberta durante a tarde.

Agora à noitinha, o pior havia de acontecer. Um vento fortíssimo caiu e continua a cair sobre casas e pessoas, soprando com grande intensidade, sibilando como se estivesse louco. Nuvens negras pairam sobre a montanha, para os lados de São Mateus. Meus Deus! Vem aí borrasca e da grossa…

O vento sopra cada vez mais. Até assobia e leva tudo pelos ares. Que susto! Que nervos” Em véspera de viagem, não poderia acontecer pior.

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publicado por picodavigia2 às 23:45

6º DIA - LEVANTAR UVA

Sábado, 09.08.14

A vinha do Cabeço hoje, mais se assemelha a um torrão sagrado, ungido com o sereno da madrugada, um pedaço de chão verde salpicado e tingido de vermelho, onde proliferam dezenas e dezenas de cachos de uvas, muitos deles à espera de uma mão amiga, que os levante, que os salve, que os suspenda e retire do charco onde jazem e onde, muito provavelmente, estão condenados a serem destruídos ou apodrecer. A vinha do Cabeço, hoje de manhã, parecia a uma espécie de cratera lávica, a ejacular do seu seio o intenso o perfume das uvas, misturado sabor acre das maçãs, uma leiva domesticada onde se confundem vides, mondas e uma ou outra macieira. A vinha do Cabeço assemelha-se a uma enorme navio, com a proa voltada para a montanha, a carregar o castanho dos troncos arquejados das vides, o verde saltitante das folhas o roxo hesitante dos cachos e, lá no cimo, naquela espécie de castelo da proa, milho, feijão, batata-doce, à mistura com silvados, beldroegas, milhãs, junquilhos, ortigas e muitas outras daninhas. Nas paredes vizinhas alguns braços de caseiras atrevidas e abóboras penduradas, a simularem as bóias de encosto ao cais.

Esta vinha, metamorfoseada em torrão, em leiva, em cratera ou até em navio atrai, convoca e até pede a insolvência de tão famigerada conjugação, tornando-se numa vinha real, cercada de paredes construídas de pedras lávicas, repletas de vides, cujos cachos de uva, levantar. Na verdade, as videiras, aqui no Pico, requerem, exigem, obrigam, intimam e até ordenam que se lhes salvem os cachos rastejantes. Levantar uva é com ser bombeiro, é salvar quem jaz amordaçado, espalhado pelo chão térreo, encharcado de ervas, com a própria sobrevivência em perigo, a roçar o infortúnio, a cercear a sustentabilidade da vindima. Mas é uma operação delicada, quase cirúrgica, como que feita a bisturi, Impõe-se, onde existem cachos despejados sobre o solo, pegar nos ramos rasteiros, com cuidado, a fim de não desfazer a forma, o feitio e a existência dos pobres cachos e, por outro, ao caminhar por entre os vinhedos, não calcar os outros cachos que dormem sossegados de baixo das folhas esverdeadas, a protegerem-se do Sol. Levantado o ramo, coloca-se uma pequena pedra de baixo, de forma a que os cachos fiquem como que suspensos, sem rastejar o solo. Caminhando pela vinha, detectam-se os cachos caídos, mas enquanto se vai retirar a pedra da parede lateral perde-lhe o rasto… Há que inventar uma estratégia para resolver este imbróglio. A mais simples e prática é adquirir um ramo de incenso e deixá-lo a assinalar o local da anormalidade detectada. Resulta! Depois ali ficarão os cachos ora levantados juntamente com os outros, a amadurecer, à espera da safra que lhes há-de chegar, imperiosamente, dentro de três semanas.

Mas a manhã parecia que havia ensandecido. Nascia possessa, senhora duma bruma friorenta, escura, desagradável, com que a forçar o reconforto dos lençóis. Tudo encharcado de chereno muito húmido e contagiante. Havia que esperar, para que o Sol, aparecendo lá no alto, por de trás da montanha tudo secasse. E o astro-rei não se fez esperar e veio, na sua enorme luminosidade. Em breve tudo secou. O Sol radiante, bonançoso, contrariamente ao dos dias anteriores que parecia que havia descambado por completo para os lados do Faial, deixando São Caetano emerso num espectral e escuro sossego. Neste Pico e em pleno mês de Agosto, a regra tem sido a de acordar envolvido por brumas matinais, inicialmente húmidas e escuras, mas que ao longo das manhãs se vão diluindo e desanuviando, embora lentamente, a desfazerem-se como se fosse um novelo de lã que se vai desenrolando, muito devagar, até ao fim.

E quando o Sol, arrependido de tão inusitada graçola, regressou ao seu posto, encastoando-se nos rebordos da montanha, já as vides ardiam em resfolgo, acariciadas por mãos que, embora inexperientes, lá foram colocando, pedra aqui, pedra acolá, a sustentarem a desejada sustentabilidade dos cachos hesitantes. Uma hora e um quarto e havia-se chegado com o primeiro eito ao cimo, ao tal castelo da proa, outrora degredo, berçário de ondas e cana roca, hoje viveiro de batatais verdejantes e promissoras. Significavametada da tarefa cumprida. Há que a acabar, iniciar, pelo lado leste ou da vila, o resto do terreno. Consegue-se mais um pouco mas o desânimo é mais forte e tentador. O cansaço também já é muito e as costas doem. Decisão tomada: o resto fica paa a tardinha, quando Sol abrandar… Não há que preocupar porque a maioria das tarefas programadas para esses dias já estão cumpridas: apanhar as cebolas na Ribeira, cavar a terra e semear feijão - a semente que estava no porta-bagagem do carro era de feijão-verde -, mondar os caculos da batata-doce e sachar o milho. Tarefas árduas, ignóbeis, cansativas, a que se acrescentou a saga dos tomates, alfaces e até um repolho para a sopa. Quase hora e meia, vergado ali no duro, muito tempo a Sol, grande esforço e o corpo num Cristo. A salvação consubstanciou-se num bom duche na adega, que o mar hoje não permite grandes banhos. Mas no corpo ficam as marcas indeléveis de um inócuo esforço: pernas, braços, costas, mãos… Tudo dói!

São Mateus foi o destino no início da tarde. Uma miniatura do Mucifal Havia que descansar e recuperar um pouco, embora sem a habitual sesta. À tarde consumou-se a tarefa de levantar a uva. Menos morosa. O espaço era menor e, aparentemente com menos uva para levantar. Mas mais algumas tarefas foram compridas, como aquela do Coliveda do banheiro, com a vantagem de, ao chegar ao Cais, para tomar uma banhoca na Poça e encontrar o Delfim que, generosamente, interrompe a hora de banha, para vir colocar. Boa notícia, esta, a da recuperação o banheiro. Pior é a água quente que continua em falta.

Finalmente, fez-se escuro e foi o fim do sexto dia e o início da sétima noite que, a julgar pelos astros, parece que vai ser de chuva, assim como o dia de amanhã. A ver vamos.

 

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publicado por picodavigia2 às 07:37

5º DIA – MANHÃ DE INVERNO TARDE DE VERÃO

Sexta-feira, 08.08.14

O Pico é uma gigantesca montanha de cores, de perfumes, de sabores, de formas, de sombras e até de sentimentos diversos e diversificados. A imponente montanha, umas vezes acorda esbranquiçada, com um sabor amargo como se evaporasse indiferença, a querer rebolar-se pelas colinas na tentativa de desentupir todos os atalhos e veredas, anestesiar trabalhos e canseiras, de amenizar angústias e desilusões. À tarde, porém, reveste-se de um amarelo que, embora tímido, perfuma-se com o silêncio das florestas, entrecortado pelo canto dos pássaros pelo sibilante ciciar do vento e resplandece com o perfume, quase incandescente, da maresia, com a luxuriante lucubração de vinhedos e ervaçais. Outras vezes, a mesma montanha como que nasce enegrecida, aureolada com o sabor acre da lava, espargindo uma espécie de indiferença telúrica, com laivos de angústia e socalcos de impertinência. Depois aquele negro, abrupto e lascivo, vai-se diluindo até se metamorfosear num verde espirituoso e doce, a prolongar-se pelos andurriais atá aos campos e vinhedos matizados de lava e aureolados de enxofre, qual gigantesco tapete de silêncio, borrifado de enigmas que a placidez do oceano consubstancia. Mas ainda dias há, em que a montanha revestida de cinza, se perfuma de arrogância e evapora miríades de gotículas de água, que aspergindo, ora lenta, ora torrencialmente, o chão ressequido, umas vezes enriquecendo projectos, fortalecendo investimentos, outras obliterando decisões, obstaculizando desejos. Depois, à tarde, e como que a desfazer, miraculosamente, o manto acinzentado, genuíno e substancial, nasce, lá bem no alto, uma luz radiosa, acariciadora a romper as pérfidas amarras da escuridão matutina e, então, tudo se enche de luz, de brilho, de esplendor, de alegria e de encanto.

Foi precisamente, o que aconteceu hoje: manhã de inverno, tarde de verão.

De facto o dia de hoje nasceu enevoado e triste, com ameaças de aguaceiros. E estes não se fizeram rogados. Desabaram sobre o orbe como se fossem milhares e milhares de cântaros de água, derramados pelos anjos, sobre a face da terra. Tudo fazia prever que estaríamos perante um verdadeiro dia diluviano e de invernia, impedindo o alegre caminhar pelas veredas, obstaculizando o imiscuir-se em pequenas tarefas agrícolas. Mas tudo mudou. E ao meio-dia o milagre aconteceu. Primeiro surgiu, embora ainda um pouco descambado a oeste, um sol claro, sublime e abrasador. Depois uma leve e hesitante bruma, a confundir clarificações. Pairavam no ar, intercaladas, mudanças repentinas, difíceis de prever e ainda mais de se perceber.

Mas a chuva tem destas coisas, pois obriga a uma denguice preferencialmente caseira. Fazer réstias de cebolas e limpar o lar, o doce lar. Útil, necessária e bem conseguida tarefa, esta de desfazer o que incomoda e se rejeita… Mas a chuva tanto fugiu e se encafuou lá por trás da montanha, pelos vistos indo refugiar-se em São Roque e outras localidades do norte, e o sol tanto insistiu, tanto teimou e tanto chegou, que na ida com destino ao Multiusos para o almoço, já deu para molhar o Aquiles na escada do Cais, com a maré quase cheia. Excelente o menu de hoje: folhados de sobras de albacora e boca negra, com migas de brócolos e uma boa sesta. O Sol, de tarde, abrasava. O dia invernoso da manhã, transubstanciava-se em verão a sério, por isso, entre o virar da rama da batata-doce no castelo da proa, lá para os Cabeços e o mondar das abobrinhas na Ribeira, uma bela banhoca, hoje na Poça que a maré no Cais estava muito seca.

Do Faial chegaram ecos da semana do mar. Ontem foi dia de Toy, precisamente na noite da festa do Bom Jesus. Ao serão faltou a luz. Felizmente havia velas e uma pilha. Caso contrário, ficar totalmente às escuras, seria dramático. Nesta escuridão, não se sabe com que cor, perfume ou sabor o Pico vai acordar, amanhã. O luar de Agosto aparenta alguma frouxidão e são poucas as estrelas, no céu.

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publicado por picodavigia2 às 09:10

4º DIA - BOM JESUS

Quinta-feira, 07.08.14

Dia de festa, festa do Senhor Bom Jesus Milagroso mas também dia de muita chuva. Consequentemente dia de descanso quase absoluto.

A noite, pelos vistos, voltou a borrifar-se de chuva e, como se isso não bastasse transformando a manhã num verdadeiro manto de bruma escuro e pardacento, num torrão de persistente e irritante nevoeiro. Ao longe o eco do foguetório a anunciar a festa do Bom Jesus.

Apenas as ervas do tapete bagacinado desta espécie de Fonte Sacra, aqui mesmo ao lado de casa. Não eram muitas, mas o levanta e baixa que o seu arranque exige e a consequente dobra das costas, dói e deixa marcas. Maleitas que parecem ser permanentes e definitivas. Impõe-se não abusar. Com este tempo, imperava saber que condições, eventualmente, teria o mar, para banhos. Cais e Poça desertos. Maré bem seca. Numa ida ao mar, apenas o Aquiles enfiado na Poça. Há por ali um silêncio profundo, quase misterioso, apenas quebrado pelo marulhar ritmado das ondas e do seu desfazer-se contra os laredos.

São Mateus foi o destino seguinte. O tempo parecia ter melhorado e a chuva, aparentemente, amainara. Puro engano. São Mateus estava engalanado. Era a hora de arrematar o gado e havia missa. O templo estava repleto de fiéis, de música, de sons e de flores. Há sempre por ali vestígios do passado…A prédica do ouvidor do Faial" Terminada a missa uma chuvada como ainda se não vira por aqui. Parecia uma camada de snow, sob a forma líquida

Ir a São Mateus no dia de Bom Jesus e não almoçar ou, no mínimo, não trazer o almoço é quase como ir a Roma e não ver o papa. E se for albacora assada no forno, a aquisição torna.se ainda mais tentadora. E foi. Só parar em casa para fazer uma salada e romagem ao Multiusos. Jã não chove e cai uma calma serena. Almoço ao relento, seguido de uma boa sesta.

De tarde o mar revoltara-se, a maré estava seca, o frio e a chuva a boicotar o banho. A procissão do Senhor Bom Jesus é como que o epicentro da festa. O tempo melhorou, está fresco e permite o regresso à festa, embora, previsivelmente, exija um grande percurso a pé, com malefícios terríveis para o Aquiles. Milhares de pessoas, mais de uma dúzia de reverendos, dez filarmónicas, cinco andores, mais de uma dezena de guiões, muitas opas e muitas flores, pessoas descalço e carregadas de velas, permanente repicar dos sinos enfim um desfilar de símbolos, de penitência e de sentimentos. Uma hora!

E o mais curioso é que o almoço para amanhã está pronto. À noite, confecção de folhados com sobras de peixe fresco misturados com os restos de albacora, para um novo dia, onde se retomarão as actividades suspensas, neste meio da volta. O roteiro já está a mais de meio.

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publicado por picodavigia2 às 09:57

3º DIA - EH! CARAPAU

Quarta-feira, 06.08.14

E no terceiro dia Deus fez os peixes do mar e, como se isso não bastasse, disse ao homem que os pescasse e comesse. Por isso, é que no Cais de São Caetano existem carapaus, sargos, prumbetas e muitos outros peixes, em abundância, à espera da safra. E por isso e talvez por outras razões é que São Caetano sempre foi terra de muito peixe e de bons pescadores. Desde os primórdios do povoamento que a população local cedo se voltou para o mar, procurando na água a abundância que escasseava em terra. A extensa costa de que a freguesia desfruta, a enorme baia em que se localiza e a grande variedade e abundância de espécies de peixes, caranguejos e lapas existentes no mar que a circunda fizeram com que, grande parte dos seus habitantes fizesse da pesca a principal fonte de rendimento, por vezes até assumindo-a como profissão, tornando-se pescadores destemidos valorosos, exímios e competentes. Quando a terra não tinha condições de trabalho era no mar que o homem encontrava o seu sustento. Esta vocação marítima reflecte-se nos usos e costumes, na tradição e na cultura e até na gastronomia, onde não faltam os famosos caldos de peixe e caldeiradas de congro. E neste terceiro dia, de manhã, como a terra não tinha condições para ser trabalhada, o destino foi o mar. Quando amanheceu uma chuva persistente e miudinha cobria o sul do Pico, cerceando assim a possível e inexperiente actividade agrícola. É verdade que pouco depois cessou a chuva, mas o dia não clareou, o Sol não chegou e ficaram, no terreno, as marcas aberrantes desta manhã peçonhenta. A inesperada presença da chuva, durante a madrugada, molhara plantas, árvores, arbustos e ervas, deixando-as assim durante o dia. E o mar tornou-se o destino mais acetado, improvisando-se uma hora de pesca: Como sobrara uma batatinha branca da véspera, depressa a ela se juntaram sobras de migas de atum, ainda existentes e ala para o mar que se faz tarde. Havia muito carapau, pequenino mas o mais desejado. Boa pesca! Numa hora duas dúzias de carapaus, três sarguinhos e duas prumbetas, vulgo cabras.

Após a pescaria e com a terra aparentemente mais seca, havia que voltar à agricultura. Esta Iniciou-se com a apanha de maçãs. Tantas maçãs! É verdade que sendo muito ácidas e ainda um pouco verdoengas não se mostram atraentes, mas decerto se transformarão numa excelente e apetitosa compota. Depois atravessou-se com muito cuidado a vinha, primeiro para não atropelar os belos cachinhos, que amadurecem a olhos vistos e, em segundo lugar, porque as folhas das vides ainda estavam excessivamente húmidas. O “Canto” da vinha do Cabeço a norte, quem diria, transformou-se numa bela e fértil horta. O que era e o que é! Milho já adiantado com as maçarocas a explodir, feijão, batata-doce e, pelo meio, ainda uns enormes pés de batata branca. Ao lado duas belas árvores e a velha e seca macieira a pedir serrote. As daninhas não eram muitas, mas as maiores tiveram naquele momento o fim dos seus dias.

Carapau frito, depois de palitado, com batata branca cozida e embebida em cebola, salsa, alho e azeite! Hum! Um almoço de se lhe tirar o chapéu”. Depois um dos momentos mais desejados do dia e ainda não usufruído, nos anteriores – uma bela sexta, no remanso silencioso da adega, precedida de dois dedos de conversa à vizinha do lado, agora de férias…

O Sol que durante toda a manhã se escondera, tentou reaparecer, após a sexta e, quiçá, durante a mesma, emergindo da triste nostalgia em que se imiscuíra durante toda a manhã. Não era de desprezar mais uma banhoca no oceano. Mas nada que se parecesse com a dos dias anteriores: cais abandonada, poça deserta, maré seca e água fria, muito fria. Optou-se pelo plano B, sendo a Poça o destino. Porém o único objectivo atingido terá sido o de enfiar na água o Aquiles.

Regresso à agricultura, desta feita à Funda, onde tudo cresce e floresce a olhos vistos. O último tratamento dado aos inhames pareceu ter-lhes proporcionado uma óptima oportunidade de crescerem e se desenvolverem. As bananeiras orgulham-se dos seus belos cachos. Antes, porém, uma vinda à Ribeira apenas para ver a tão falada melancia… Mas nada! Teve esta ida à Ribeira, no entanto, o condão de proporcionar um interessante workshop teórico e sobretudo prático, de como se deve virar a rama da batata-doce. Todas as raízes dos nós da rama devem ser arrancados, caso contrário a planta está alimentar a rama em prejuízo da batata que assim se desenvolve menos. Mesmo as raizes falsas que se desenvolvem junto ao pé, devem ser arrancadas. Seguiram-se demonstrações e exemplos práticos uma vez que esta mini acção de formação se processou num belo terreno de batatas do formador, ali ao lado. Nada de novo porque, trouxe-me à memória o que, em criança, via fazer o meu próprio pai.

O serão foi doce ou melhor, destinado a fazer doce de maçã. Ficou excelente e com uma cor maravilhosa. Assemelha-se, quer na cor quer na textura, a marmelada. Parece ser este o destino mais adequado das maçãs dos cabeços, muito verdes e ácidas. E ainda sobraram muitas… Hão-de guardar-se e talvez, dentro de três semanas estejam mais maduras.

Durante a tarde, no cabeço, ouviam-se os sinos de São Mateus e à noite pareciam seguiam chegar aqui os sons, as luzes e os perfumes do arraial, pese embora caísse uma chuva miudinha. Parecia ser tentadora a ida à festa. Mas o cansaço era muito e o Aquiles fraquejava. Àquela hora, o destino mais adequado e desejado parecia ser Vale de Lençóis… E foi!

Mas como no dia anterior, voltaria a ter, ao deitar-me, por companha duas indesejadas senhoras! Muito a custo e com a ajuda do insecticida e de um dos chinelos dei cabo delas.  

 

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publicado por picodavigia2 às 09:20

2º DIA – RIBEIRA, EPICENTRO DE UM PRECÁRIO E DÉBIL ENVOLVIMENTO AGRCOLA

Terça-feira, 05.08.14

A Ribeira é pedaço de chão fértil e verdejante à espera de semeaduras, um torrão lávico atapetado de fertilidade e deslumbramento. Ali crescem em simultâneo legumes, hortaliças, pequenos arbustos e projectos de árvores de fruto, à mistura com silvados, beldroegas, milhã, junquilho, urtigas, bredos e outras daninhas que marfam, angustiam e desequilibram, por vezes até cerceiam por completo, o alegre e desejado crescer das primeiras. Umas atrevidas e invejosas estas ervaçais que, aproveitando as épocas de acalmia e tréguas, não cessam de crescer, de galgar, de se atirarem contra as outras, usurpando-lhes a força e o vigor da terra que as fortifica. Urge impor, ali, a ordem e o respeito, aniquilando as daninhas para que as outras possam crescer, desenvolver-se e frutificar.

Mas a manhã nasceu muito escura e cheia de brumas. O Sol de ontem, pareceu arrepender-se do fulgor que lançara por aqui e decidiu-se por descambar para os lados da Madalena e do Faial, deixando São Caetano e arredores numa espécie de abismo, incerto e inseguro, friorento e desagradável, aureolado duma indefinida incerteza, convidando, mesmo, ao remanso de Vale de Lençóis. Mas foi célebre o envolvimento matinal desta bruma que, cedo se desfez, é verdade que aos poucos, abrindo-se a novas aventuras, prevendo-se, no entanto, uma manhã menos escaldante do que a do dia anterior. Puro engano!

Mas que se cuidem as daninhas da Ribeira que, pela certa, vão levar desbaste. E não é que levaram mesmo…

Primeiro uns bons regos de feijão e milho. Havia que aproveitar, porque a madrugada, junto com as brumas com que se revestira, trouxera um chereno muito húmido, que aos bocejos que ainda se sentem de chuvas anteriores, pareciam tornar a terra fértil e produtiva. Urge aproveitar e os pequenos sulcos depressa se encheram de grãos de feijão e de milho, ávidos de se envolverem com o húmus e brotarem do solo, enchendo o chão de vida e de esperança verde. Ali ficarão a germinar, por alguns dias.

Depois a monda dos caculos das batatas-doces. As malditas daninhas exageraram no seu empolgamento, crescendo em demasia, sobrepondo-se, quase aniquilando a pobre rama que com elas se confundia. Levaram pela certa, as malditas, agora a secar e a apodrecer sobre o maroiço ao lado. A rama da batata-doce a agradecer. É verdade que, inicialmente, parecia, ligeiramente, insegura e triste. Imiscuíra-se naquele florescente ervaçal, habituara-se a ele, com quem crescia à porfia e agora até parecia que sentiam tristeza pela destruição das inimigas. Mas qual o quê! Depressa se ergueram e se ufanaram da vitória com que saíram desta espécie de contenda entre o bem e o mal. Agora parecem um “Banco Novo”, e as outras as venosas, as sobras do mal. O milho ao redor das batatas-doces, de tarde, também foi despejado das malditas que o cercavam e lhe obstruíam o crescimento. Agora restam ali, a exigir justiça, apenas as abobrinhas da entrada e pouco mais. E a safra também começou. Primeiro, três rechonchudos, vermelhos e bem maduros tomates, um repolhinho para a sopa e um pezinho de alface bem tenrinha para a salada.

Com tão grande esforço impunha-se um bom almoço. Braços, pernas, mãos, costas,Aquiles tudo dói! Mas lá estava o peixinho vermelho, cântaro, à espera para uma apetitosa açorda, acompanhada com uma salada e ala para a Madalena, onde se acumulavam algumas urgentes tarefas. Adivinhara, porque, na verdade, ali estava o Sol demasiado quente, claro e bronzeador que na véspera andara mais a Sul. Das impressões digitais nem vestígios! Perderam-se por completo ou desfizeram-se, numa incómoda desvantagem de ter que andar mais algum tempo sem Cartão de Cidadão. Há Coliveda no Dutra em abundância e papel filme numa loja,ali ao lado. Mas para adquiri-lo alguma turbulência. A menina que se apresenta ao balcão de vendas, pelos vistos é alfacinha de gema e está ali só para tomar conta. De nada sabe! Telefona e volta a telefonar, chegando, finalmente à conclusão de que há mesmo o dito papel, não sabe é onde. Convida-me a dar uma volta ou a ir fazer outras coisas que tenha a fazer, até o procurar. Como mais nada tenho para fazer, dou por ali umas pequenas voltas. Mas o Aquiles não ajuda e não o quero molestá-lo mais, até porque ando a fazer-lhe mezinhas com água do mar. Entre no Porto, para dois dedos de conversa e usufruir da sua sempre constante boa disposição. Regresso à loja do papel de filme e fico feliz porque dou com o dito cujo, semelhante em tudo, até no peso, como os rolos do Bricomarchê e penso que tudo está resolvido. Uma ova!... A menina agora não sabe o preço e, muito simpática e sorridente, manda-me dar mais uma volta. Home essa! A sorte dela é que, pelos vistos este é o único estabelecimento comercial madalenense que vende este produto. E agora? Para onde vou dar a volta. Como o calor e a sede apertam, vou ali a um bar e zás! Uma coca-cola marcha, inteirinha. Como há por ali “Ilha Maior” em abundância, aproveito para ler… finalmente lá veio o papel filme. Um grande rolo que há-de chegar para muitas malas e caixotes.

A água do Cais de São Caetano continua tentadora. O mar manso e a água deliciosamente boa para mais uma banhoca.

Regresso à Ribeira, que assim se tornou, neste dia, uma espécie de epicentro do envolvimento agrícola, para terminar as tarefas da manhã. O Sol ainda queima, mas já há sombras por ali. Mais uma hora e há que regressar a casa porque a sopinha ficou ao lume, embora no mínimo.

Bendito sejais Senhor, por esta excelente sopa, onde imperam os produtos nascidos da lava e do trabalho do homem!

 

 

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publicado por picodavigia2 às 07:44

1º DIA - DEUS CRIOU A ÁGUA DO MAR

Domingo, 03.08.14

No primeiro dia Deus criou a água do mar, pelo menos a do Cais de São Caetano. Na verdade estando assim muito quente e mansinha, só pode ser obra da criação Divina. Pelos vistos, a Câmara da Madalena, roída de inveja, tentou imitar a Deus e também criou a água da piscina. Mas parece que Deus, para castigar tamanha inveja, transformou-a, tornando-a em água bem mais fria e desagradável.

No primeiro dia Deus também criou o sono. A noite do dia de ontem fora destinada, quase na totalidade a não dormir. Apenas meia hora de sono, no avião, entre Lisboa e Ponta Delgada. Havia que recuperar e, por isso, Deus disse ao homem:

- Deita-te e dorme todo o tempo que quiseres e que te apetecer!

E homem aproveitou e dormiu. Dormiu até às oito. Mas como o dia já ia avançado e o calor abrasava, Deus disse ao homem que não trabalhasse nesta manhã do primeiro dia.

E homem aproveitou e, logo no primeiro dia, dormiu. Dormiu e descansou. De manhã apenas um pouco de tempo, a fim de completar o desbravar, iniciado ontem, dos ervaçais e outras mondas, junto às pequenas “faeiras”, umas bem verdinhas e muito espevitadinhas, outras secas que nem bacalhau, a fenecer. Durante esta tarefa uma outra Alda, vizinha, havia de assomar por ali. Já ouvira barulho e movimento em casa e desconfiara que ali não havia gato. O calor apertava, intensificava-se. Previa-se um excelente dia de praia! Limpezas dentro de casa, onde o calor não fere e ala para a Madalena. Basta molhar os pés para se perceber, de imediato, que a água daquela piscina só pode ser obra da criação humana. Fria, muito fria. A vantagem é que, estando o mar ao lado, sempre se pode aproveitar…

Santa Catarina patrocinou o almoço! Há novidades, por aqui, em termos de produtos conserveiros, oriundos da fábrica jorgense. Quatro ou cinco variedades, aliciantes, convidativas, embora um pouco caras. A opção foi: posta de atum com batata doce. Em conserva, pois claro. Delicioso manjar, apenas como senão da dose ser pequena, mas que sai de medida perfeita para quem toma alimentos ao peso. Com uma boa salada de produtos, na maioria locais – produção própria – é de aproveitar. De tarde a visita imprescindível do clero. Se é tão maravilhosa a criação divina, o clero não havia de cá vir! E veio e gostou! E logo o pregador do novenário do Senhor Bom Jesus. Quem diria! Simplicidade, alegria, bom convívio e bemestar para um café e uma aguardente especial. Requiem por um lagarto! Sentados na mesa da rua, em amena cavaqueira, a apreciar, numa tarde clara e limpa, uma das mais belas vistas que existem na ilha do Pico. Um espanto, tão grande variedade de aguardentes. Coisa nunca vista. Se Deus criou a água do Cais tão quentinha, Nossa Senhora criou esta aguardente tão docinha! No regresso de São Mateus foi enfiar o fato de banho e ala prá costa!

Um bando de mar como há muito se não vira. Se Deus, logo no primeiro dia, criou esta água tão calma e tranquila e se a tornou tão quentinha, havia que aproveitar. E o homem aproveitou, saltou e pinchou, sem sequer ter que ir molhando o corpo aos poucos, como é seu timbre. E logo duas vezes, com alguma demora e com a vantagem de ter sido um banho, aparentemente, com efeitos terapêuticos, O Aquiles parece já não se ressentir tanto do esforço que se lhe exige no andar.

À tardinha, há que aproveitar uma sombra, para o trabalho. Os dias são poucos e muitas tarefas reclamam ser compridas. Ali junto à alta parede, virada a oeste, com o Sol já a descambar para os lados do Faial. È o sítio perfeito para trabalhar sem brandes calores. A terra parece ainda estar húmida e as ervas saem muito bem. Dúzia e m,eia de cebolas, com alguns alhos à mistura. Bem necessários serão para o caldo e açorda de amanhã… È que da Madalena veio um vermelhinho de se lhe tirar o chapéu!...

E que dizer, ao fim do dia, ao jantar, de uma belíssima salada gourmet, no Multiusos. Queijinho fresco acamado sobre folhas de alface, ladeado com salsichas de soja grelhadas e rodelas de mortadela (que a há muito boa no Pico) recheadas com tiras de pimento e creme de queijo fresco, e com canapés doces e salgados. Os doces feitos com bolo lêvedo barrado com doce de chila e os salgados com pedacinhos de pão torrado barrados com creme de queijo e ervas e rodelas de pepino grelhadas cobertas com creme de queijo e pedacinhos de ananás. Uma maravilha. A acompanhar (numa adega do Pico, onde há uma pipa não de dinheiro, mas de vinho) só poderia ser coca-cola…

Finalmente, foi-se o dia, veio a noite. Acenderam-se as luzes do Pico, na Terra do Pão, nas Lajes e até a da Lua, em Quarto-Crescente… E foi o fim do 1º dia

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publicado por picodavigia2 às 23:01

STATUS QUO

Domingo, 03.08.14

Aqui ao lado, logo em primeiro lugar e ao sair de casa, ou junto à porta, corre uma fonte. Não será uma Fonte Sacra, mas dela, quando aberta, corre água, pelo que torna a rega neste espaço, relativamente fácil. Primeiro a vinha da latada. Está vistosa e substancial. As uvas, embora já com alguns bagos caídos, na sua maioria, estão ainda muito verdes. Mas vislumbra-se que um ou outro cacho já está a caminhar para o maduro. Os Ancestrais kwiwis crescem, crescem, mas nada de fruto, enquanto os araçazeiros florescem viçosos. Indiferentes a secas, sem quaisquer preocupações. O chão, cobre-se de muitas ervas, à espera de serem arrancadas, entrelaçadas com as enormes árvores, também elas a crescerem e os bardos do muro circundante, aguardam uma boa poda.

No que diz respeito à expansão desta propriedade junto de casa, ou seja daquela parte com muros de cimentos mais novos, há que destacar, primeiro, a Lauta faia, muito antiga e suculenta, mas grande, muito grande e viçosa. Ao lado, também já há algum tempo plantadas, as irmãs, ou seja as outras pequenas faias, lamentavelmente rodeadas, de destruidoras, gananciosas e malévolas ervas daninhas. Impõe-se limpá-las. As bananeiras, altivas e orgulhosas dos seus belos frutos, sobretudo os de outrora produziam, hoje estão quase secas. O enorme limoeiro, firme e elegante, está carregadinho de belos limões, à espera da safra. No fundo as couves, Giestas de belas sopas, outrora definhadas e raquíticas, agora surgem viçosas e atraentes.

Na Adega, quase senti “ais”! Que espectáculo! Primeiro a velha figueira, é verdade que célica mas hesitante, ora a querer brindar-nos com belos figos, ora a, aparentemente, revoltada e revoltosa, a atirá-los ao chão. Atrás tudo floresta. Arautos da beleza as madressilvas entrelaçadas com vinha e a deslumbrante e belíssima videira, encostada à empena da adega. Enorme, bela e altiva! Ao lado outras não menos maravilhosas vides de uva de mesa, também elas deslumbrantes, vaidosas. Como que a simularem vergonha e a olharem, em aparente soslaio, o sol que as aquece e fortifica. As plantas ornamentais, com destaque para a néveda, florescem viçosas, alegres, alheias à confusão.

Já na Funda. Primeiro, as vinhas, plantadas de novo. As do lado, zelosas da sua verdura, belas e florescentes, desejosas de darem os seis cachos, e as do meio, alegres e generosas, outrora envergonhadas, agora a mostrarem-se desejosas de dar os seus frutos. As pequeninas macieiras do lado, Dinâmicas na sua aparência, muito belas, mas ainda sem frutos a competir com a velha e forte árvore de nome estranho, muito forte e portentosa. A última, intrigante. Dela pouco se sabe e o seu futuro, manifesta-se, aparentemente incerto. S. José nos acuda. Alhos, Ledos e perdidos, outrora elegantes e briosos, amigos e leais, perdem-se entre ervas daninhas. Batatas Inebriantes. Feijões Tristes mas prometedores. Alfaces à espera da safra. Frenéticas aguardam a Safra. Tomateiros repletos, alguns quase Perdidos, a mostrar que querem ser colhidos. Depois o enorme amplo inhamal. Melhores inhames não há. Foram tão bem mondados. Tudo se retirou, por isso permanecem agora, veteranos e silenciosos. O castanheiro, augusto e generoso, finalmente deu um ouriço, e as bananeiras, Claras e lúcidas, ostentam os seis cinco cachos. Na belga as Nogueiras, solenes parecem Pereiras. Lá no alto, perdidas, as videiras esmorecem.

A segunda parte, inicia-se nas Pias, nos Cabeços, na estrada nacional. A vinha, incorporada em cinco espaços. Cachos ainda verdoengos, ansiosos de amadurecerem, muitos ainda verdoengos, zelosos do seu suco. A Macieira do lado carregadinha de sumarentas maçãs Na encosta, qual Castelão antigo, agora a antiga Macieira, com muitos frutos e a outra, uma espécie de árvore helénica, aparente desfeita e desinteressada de dar frutos. No chão duas belas e orgulhosas e bonitas árvores. O milho a fazer inveja, pela sua beleza e altivez Batatas e feijões a Excederem-se em qualidade. No Dilúvio, Saibel. Belos cachos, densos vinhedos, esperançosa colheita. Pelo meio mondas e ervaçais. Junto à Parede norte, vinhas novas, brejeiras as primeiras, Pacíficas as segundas, aguardando a enxertia as outras, mais longe. A figueira, tem figos, mas Só três. O araçazeiro carregadíssimo. Na Ribeira, estão boas as abóboras rosáceas. Laranjeiras, Ansiosas de dar fruto, pequenos arbustos, Imponente pessegueiro e as pequeninas bananeiras. Depois e junto à parede Queimada, milho elegante, batata adocicadas, feijões, tomates, tudo â espera de ser trabalhado.    

 

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publicado por picodavigia2 às 09:46

ESPÍRITO SANTO EM SÃO CAETANO

Quinta-feira, 24.07.14

É por demais sabido que as festas de Espírito Santo, nos Açores, tomam matizes muito diversificadas e expressam tonalidades bem diferentes de ilha para ilha e até, dentro da mesma ilha, de freguesia para freguesia.

São Caetano do Pico é um bom exemplo das diferenças e dissimetrias existentes entre estas celebrações e as que referi, neste blogue, relativamente à Fajã Grande das Flores.

Em São Caetano “atestam-se” ou “arrolam-se” os irmãos, não para receber mas sim para dar, no caso, a tradicional rosquilha, feita de saborosa massa sovada. Cada irmão pode contribuir com um ou com meio açafate, sendo o primeiro de trinta rosquilhas e o segundo de quinze. Quem o entender, normalmente por não ter possibilidade de cozer a massa, pode substituir o açafate do pão por equivalente valor em dinheiro, contribuindo assim para as várias despesas da festa, nomeadamente para a compra das rezes e de outras iguarias destinadas a confeccionar a refeição comunitária que se realiza no dia da festa. É que o almoço conjunto de toda ou quase toda a população da freguesia constitui um dos momentos altos da festa.

Durante a semana que antecede a terça-feira de Pentecostes, dia em que se realiza a festa, canta-se o terço junto das insígnias. Trata-se de um conjunto de invocações ao Espírito Santo, cantadas de forma repetitiva e com uma estrutura semelhante à do terço habitual.

No dia da festa, alta madrugada ouve-se o foguete anunciador do início do cozer da carne. Esta é colocada em mais de uma dúzia de gigantescos tachos e é devidamente temperada. Assim vai cozendo lentamente e formando um saboroso caldo com o qual se irá regar o pão partido a meio, acamado em terrinas e coberto com folhas de hortelã. Antes da missa forma-se o cortejo, com destino à igreja, sendo as coroas transportadas por meninas familiares ou convidadas do mordomo, ricamente vestidas e pelo próprio mordomo, enquanto a bandeira é levada conjuntamente por um casal, umas e outras dentro de quadrados formados por varas, seguradas por crianças. Seguem-se conjuntamente os foliões com tambor, pandeiro e insígnias e o povo. Terminada a missa procede-se à “coroação do mordomo”, rito que consiste na imposição da coroa na sua cabeça, pelo celebrante, ao som do “Veni Creator”, agora numa adaptação vernácula “Vinde Espírito Paráclito”. O cortejo regressa ao local onde é servido, na presença da coroa e da bandeira, a refeição, sendo esta constituída pelas tradicionais sopas, carne assada e arroz doce, tudo regado com vinho de cheiro. Durante o almoço é revelado o nome do futuro mordomo, através de voto de cada irmão.

A festa e o convívio continuam durante a tarde e termina com o seu ponto alto ou seja, com a distribuição das rosquilhas, uma por cada habitante ou forasteiro que participe na festa ou simplesmente passe, por mero acaso, pela freguesia.

Actualmente a festa do Espírito Santo em São Caetano duplica-se, uma vez que, para além de ser efectuada na Prainha, na terça-feira seguinte ao domingo de Pentecostes, também é realizada, na Terra do Pão, no mês de Julho.

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