PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A BAÍA DAS ROSAS
Conta-se que, há muitos, muitos anos, (há tantos que já se lhes perdem as contas), havia um rapaz e uma rapariga que viviam, isolados e sozinhos, numa ilha algures perdida na imensidão do Atlântico e cuja existência ninguém conhecia. Os jovens, ao que parece, viviam num verdadeiro estado de pureza original, de inocência absoluta e nem sequer sabiam quem eram, onde tinham nascido ou quem eram os seus progenitores. Ela era jovem e bonita, mas débil, inocente, desmaliciosa, sem conhecer a malvadez e a concupiscência humana. Ele mais velho, mais forte e, embora mais experiente, mas também não conhecia nem a maldade do mundo, nem a ganância danosa dos homens. Como eram os únicos habitantes da ilha, passavam os dias andando pelos campos, passeando pelas florestas, apreciando a natureza, alimentando-se do que ela lhes dava e, conta a história, que até falavam com as plantas, conviviam com os animais, visitavam, com frequência os peixes, os búzios e as algas, dançavam no vai e vem das marés e tinham-se apaixonado por todas as criaturas da ilha, nas quais eles próprios se incluíam.
Assim viveram em liberdade e inocência, em amor, pureza e simplicidade, até que um dia chegou à ilha uma estranha e inaudita embarcação. Era uma galé que, ostentando sinais de realeza, atracou numa enorme baía que existia no local onde os jovens viviam. Algum tempo depois de ali ancorar, a galé lançou ao mar um pequeno batel que se dirigiu em direcção à ilha, transportando um estranho visitante. Pelas vestes e falar, pela coroa cravejada de pedras preciosas e pelo ceptro que ostentava numa das mãos, parecia ser um rei, talvez um rei Mouro que por ali passava, na demanda de novas terras que pretendia conquistar. Ficou a estranha figura e suposto monarca muito entusiasmado com a presença ali dos dois jovens, pois considerava desertas e despovoadas aquelas paragens. Aproximando-se dos jovens, trocou com eles algumas palavras, que não entenderam. O jovem, porém, através da postura do estranho visitante, depressa se apercebeu das suas malévolas intenções, consubstanciadas numa aparente e disfarçada benignidade. Mas os seus olhares perversos e maliciosos não cessavam de cair de rajada sobre a jovem que, vendo-se assim e pela primeira vez lisonjeada e desejada, se rendia, inocente e deslumbrada, aos exagerados e lascivos desejos que a sua beleza provocava, no malicioso e concupiscente monarca.
Pouco depois, o estranho visitante, cada vez mais maléfico, libidinoso e afeito à jovem, simulando afastar-se e regressar à sua galé, escondeu-se, sem que os jovens se apercebessem ou disso dessem conta, numa esconsa gruta que por ali existia. Cuidando, na sua ingénua inocência, que estavam aliviados de tão heteróclito visitante, os jovens regressaram à sua vida simples, pacífica, inocente e feliz, na ilha. Em plena noite, porém, o suposto rei, saindo do esconderijo, aproximou-se dos jovens e, à socapa, matou o rapaz e raptou a moça "que era tão bonita, tão fresca, tão bela, tão doce e tão atraente que fazia apaixonar o coração de qualquer homem". O rei pegou na jovem que, desolada, chorava a morte do seu companheiro, e levou-a para junto do mar, na mira de a conduzir à galé real. A jovem, porém, embora infrutiferamente, tentava resistir, mas o poderoso monarca arrastou-a até aos baixios que ornavam de escuro a orla marítima, exigindo que o acompanhasse até à galé real. A jovem, porém, apesar de inocente e ingénua, apercebendo-se das malévolas intenções do facínora, recusou-se a acompanhá-lo, oferecendo uma forte e tenaz resistência. O rei aproximou-se, enraivecido, tentando puxá-la para o batel. A jovem multiplicou-se em resistência e oposição, transformando-se numa enorme e esguia pedra de baixio, semelhante a tantas outros que por ali proliferavam. E tanta, tão forte e tão tenaz resistência foi a da jovem transformada em rochedo que o monarca não a conseguiu puxar, nem mesmo com a ajuda dos seus vassalos, que, ouvindo os seus gritos e chamamentos, se haviam aproximado de terra para o ajudar. Incapaz de puxar aquele rochedo, ali encravado, cada vez mais preso e seguro, o rei, desiludido, mandou destruí-lo, atirando-o para o fundo do mar, no meio da enorme baía.
Para espanto seu e de quantos o acompanhavam, pouco tempo depois, no lugar onde a pedra havia caído, começaram a brotar e a nascer da água rosas – as mais belas rosas que o monarca alguma vez vira sobre a face da terra. Essa a razão por que aquele rei mouro, arrependido dos seus actos, vis e concupiscentes, afastando-se dali, deu àquela baía, o nome de “Baía das Rosas”