PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O LUGAR DA CUADA
Na década de cinquenta a população da Fajã Grande distribuía-se por três lugares, sendo um deles a Cuada, lugar actualmente desprovido de residentes permanentes, tendo sido, desde há alguns anos, transformado num aldeamento turístico rural. Na altura, porém, a Cuada teria vinte e nove habitantes residentes, distribuídos por sete fogos, correspondentes a outros tantos agregados familiares e que eram os seguintes: A viúva do Francisquinho que vivia com os seus cinco filhos (o Luís, o Manuel, o Ângelo, o Antonino, o Jaime e a Maria); o Bygoret que morava com uma irmã: Tia Glória, irmã da minha avó, com casa no centro do aldeamento, onde residia com cinco filhos adultos, (o Luís, o José Maria, o Alberto, a Olívia e a Maria); o José do Francisquinho, casado com a Maria dos Anjos, filha da tia Glória e que tinham uma filha; o Azevedo, viúvo, que vivia com uma menina que adoptara (a Fátima); o Beirada, casado e com cinco crianças; o Fernando Gerabás com mulher e um filho, o José Gervásio. Para além de três palheiros e outras tantas casas velhas, a Cuada ainda tinha mais quatro edifícios não habitados: um onde funcionava a máquina de desnatar o leite, outro a Casa do Espírito Santo e duas casas de habitação onde não vivia ninguém mas ambas com boas condições de habitabilidade, talvez melhores do que a maioria das habitadas. Uma delas era uma grande e bela casa, de dois andares, situada em frente à casa do Espírito Santo, que pertencia à sra Xavier, protectora e doadora de todos os seus bens, incluindo a casa, ao Senhor Arnaldo e uma outra lá mais para baixo, pertencente ao José André e onde se dizia ter nascido o Senador José Joaquim André de Freitas. Possuía pois a Cuada, à altura, um total de cerca de dezassete edifícios.
Situada entre a Fajãzinha e a Fajã Grande, num pequeno planalto sobranceiro à Ribeira Grande, a Sul e separada do mar, a Oeste, por uma alta e intransponível falésia, o lugar da Cuada era um dos mais belos da Fajã Grande. O acesso à Fajã fazia-se geralmente, pelo caminho que ligava o Cimo da Assomada às hortas e aos Lavadouros e que se bifurcavaem Santo António, sendo a partir daí denominado precisamente por Caminho da Cuada. Mas também se podia demandar a Cuada pelo Caminho da Missa, neste caso, porém, a distância era um pouco maior e, a partir da Eira da Cuada, teria que circular-se por uma vereda estreita, sinuosa e de difícil acesso. Para se deslocarem à Fajãzinha, no entanto, os habitantes da Cuada teriam necessariamente que trilhar esta vereda e, chegando à Eira da Cuada, retomarem o Caminho da Missa, rumando a Sul, na direcção oposta à da Fajã, descerem a Ladeira do Biscoito e atravessarem a ponte da Ribeira Grande ou as enormes passadeiras que ligavam uma margem à outra, quando a ponte era levada pela força e correnteza das águas.
Os habitantes da Cuada dirigiam-se com frequência à Fajã, quer para fazer as suas compras, que não havia lojas de comércio na Cuada, quer para participar nas festas e nas actividades religiosas, quer ainda para visitar algum parente ou amigo. As crianças faziam-no diariamente para frequentarem a escola primária, uma vez que na Cuada não a havia. A própria coroa e a bandeira de Espírito Santo, acompanhadas pelos foliões, chefiados pelo Bygoret, e pela maioria das pessoas lá residentes, deslocavam-se à Fajã, todos os domingos entre a Páscoa e o Pentecostes, para assistir à missa, juntamente com as coroas das Casas de Cima e de Baixo. Todo o percurso Cuada Fajã, quer na vinda quer no regresso, era acompanhado pelo toque do tambor, pelos pratos e ferrinhos e pelo cantar dos foliões. Por sua vez, muitas pessoas da Fajã também se deslocavam à Cuada com alguma frequência, para trabalhar nos campos que lá possuíam, para visitar algum familiar ou para procurar os serviços de um sapateiro e de um latoeiro que lá residiam.
Mas o grande afluxo de gente à Cuada, quer da Fajã quer da Fajãzinha ou até da Caldeira e do Mosteiro, era em Junho, por altura da festa de São Pedro e São João, que lá se realizava. Era uma grande festa, com missa no adro da Casa de Espírito Santo, com arraial e filarmónica vinda da Fajã, com arrematações, jogos e, à noite, uma enorme fogueira de São João. Na Cuada também se fazia uma festa em louvor do Espírito Santo, no domingo de Pentecostes, mas dado que coincidia com a festa da Casa de Cima, era reservada quase exclusivamente aos seus residentes.
Uma vez que a Cuada se situava em terrenos férteis, com muitas terras de cultivo, hortas e prados verdejantes, os seus habitantes viviam fundamentalmente da agricultura, da pecuária e da fruticultura. Para além de um sapateiro e de um latoeiro, ambos em “part-time”, a Cuada possuía um posto de desnatação de leite e, ao lado deste, uma pequena fabriqueta de manteiga. Por sua vez, as mulheres da Cuada, para além das lides domésticas, trabalhavam nos campos, fiavam, cardavam, desembrulhavam as meadas e teciam, havendo na altura ainda um ou outro tear no activo, resíduos históricos de uma forte implementação desta actividade, no sec. XIX, altura em que a sua população terá ultrapassado os cem habitantes.