PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O CAMINHO DO CIMO DA ASSOMADA/LAVADOUROS (ATÉ SANTO ANTÓNIO)
De todos os caminhos da Fajã, aquele por onde circulavam mais pessoas e animais era, inequivocamente, o que ligava o Cimo da Assomada ao Largo de Santo António. Chegando aí, onde havia um largo e um descansadouro, o caminho bifurcava-se. Se virássemos à direita seguíamos para a Cuada, voltando para a esquerda o destino era a Cabaceira, a Cancelinha, o Espigão e os Lavadouros.
O Caminho iniciava-se nas últimas casas da Assomada, a seguir às quais havia uma pequena ladeira e, no cimo desta, a subida para o Outeiro Grande e para a Pedra d‘Agua, através da íngreme e escabrosa ladeira do Covão, que vinha desembocar no próprio caminho. Este seguia para Sul, em linha recta, até ao Descandouro. Era um caminho largo e plano, de fácil deslocação, sendo ladeado, à direita de quem o subia, por terras e serrados de milho, misturado com trevo, erva da casta, favas e outros produtos agrícolas. Do lado esquerdo empinavam-se sobre as paredes circundantes pequenas belgas onde se cultivava, sobretudo. a batata-doce. Mais a cima e já pelas encostas do Outeiro que se prolongavam até à volta de Delgado, havia algumas terras de mato, de difícil acesso e pouca produtividade, onde fundamentalmente floresciam canas, fetos e árvores de pequeno porte. A seguir ao Descansadouro o caminho formava uma curva e depois uma recta que se prolongava até à volta do Delgado, sendo este o único troço do caminho que, mais tarde, desapareceu com a construção da nova estrada, uma vez que o traçado desta, coincidiu exactamente com o trajecto do antigo caminho. Aqui também havia terras de cultivo à direita e belgas à esquerda, seguidas de terras de mato, as quais notoriamente já eram mais produtivas. Acrescente-se que as próprias terras de cultivo adjacentes ao caminho, sobretudo no percurso entre o Descansadouro e a Volta de Delgado, eram muito produtivas, uma vez que nelas havia bueiros por onde se escoavam as enxurradas, as lamas e as sujidades do caminho, que as fertilizavam.
Essa recta terminava na célebre Volta do Delgado, desaparecida também com a construção da estrada que, a partir daí, seguiu a direito cortando a meio o enorme cerrado do Lucindo Cardoso, com a vantagem de, no entanto passar ao lado de um palheiro que havia no meio dele e que a partir de então passou a servir de abrigo aos transeuntes e que, a pouco e pouco, se foi tornando numa espécie de novo e moderno descansadouro.
A seguir à Volta do Delgado o caminho seguia, menos plano e menos rectilíneo, ladeado pelas altas paredes do cerrado do Lucindo Cardoso e outros, à direita e por enormes belgas entrelaçadas já com algumas hortas e terras de mato, do lado esquerdo. Estávamos praticamente em pleno Delgado, desde sempre o autêntico coração da fruticultura fajãgrandense. Na realidade, a partir dali iniciava-se uma zona de hortas muito férteis e produtivas, cheias de árvores de fruto, de inhames e até de batata-doce, muito bem protegias dos ventos e temporais com bardos de faia do norte e que se prolongavam pela Cabaceira, até à Cancelinha e à Cuada. Finalmente o Largo de Santo António, um dos mais míticos descansadouros dos vários que havia na Fajã.
No início, logo no Cimo da Assomada, este caminho era ladeado por alguns palheiros, casas velhas e por quatro casas de habitação. Do lado esquerdo ou do Outeiro, localizava-se as casas da Maria da Saúde, a do José Jorge e a da Mariquinhas José Fragueiro. A última casa da Assomada ficava do outro lado do caminho, já quase junto à Ladeira do Covão, e pertencia ao João Fagundes. Também ao longo deste caminho desembocavam algumas canadas e atalhos. Para além da Ladeira do Covão e antes desta havia uma canada com degraus, inacessível a bovinos, que dava para a encosta do Vale e para Pedra d’Água. Logo a seguir à casa do João Fagundes, havia um atalho para as terras do Vale da Vaca e que, mais tarde, foi truncado pela estrada. Por sua vez, na Volta do Delgado, do lado direito, havia uma canada que dava para algumas terras e que ia desembocar no caminho da Cuada. Mais acima e já perto de Santo António e do lado esquerdo havia uma outra canada para as terras e hortas que aí existiam.
Acrescente-se que aqui como em muitos outros lugares da Fajã, quer caminhos quer canadas não davam para todas as terras. Nestes casos o acesso às propriedades que ficavam mais afastadas fazia por “trilhos” ou passagens, através de outras terras. Assim e por lei consuetudinária, algumas terras eram obrigadas a dar caminho a outras. Eram terras que “deviam caminho”.