PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O ARADO DE PAU
Na Fajã Grande, como aliás em todas as restantes freguesias e até nas duas vilas da Ilha Flores, onde a principal actividade económica era agricultura, naturalmente que o arado tinha um papel de relevo e de grande importância, sendo considerado um utensílio agrícola de extrema e frequente utilidade.
Segundo Alvin Toffler no seu célebre livro “The Third Wave” (A Terceira Vaga) as maiores invenções da humanidade, porquanto mais influenciaram e alteraram o tipo de sociedade, foram três: o computador, a máquina a vapor e o arado. Na realidade foi este último ou a simultânea descoberta por parte do homem de que era capaz de cultivar a terra e fazer nascer dela, mesmo ali ao seu lado, sem ter que efectuar grandes deslocações, as plantas que muito bem quisesse e entendessem e que lhe garantiriam o seu sustento e o da sua família, que permitiu à humanidade transitar do nomadismo para o sedentarismo, originando-se assim os primeiros aglomerados populacionais que, ao longo do tempo, haveriam de evoluir e crescer assustadoramente até se transformarem em grandes civilizações de índole agrícola, sobretudo junto às margens de grandes rios como o Tigre e o Eufrates na Mesopotâmia e o Nilo no Egipto, onde de facto nasceram e cresceram grandes cidades e grandes impérios.
Daí que o arado ao longo dos tempos tenha tido uma excelsa importância na actividade agrícola de todas as comunidades que se dedicaram e sobreviveram da agricultura, existindo assim uma enorme e diversificada variedade daquele útil e histórico utensílio agrícola.
Na Fajã Grande existiam dois tipos de arados: os “de ferro”, mais raros e importados de São Miguel mas não acessíveis a todos os bolsos e os “de pau”, construídos de madeira. Além disso estes arados eram fabricados na própria freguesia com excepção das aivecas e das pontas ou bicos que eram de ferro. Quer as aivecas quer os bicos eram compradosem Santa Cruz, numa peça única, ao Celestino Carvalho sendo ele próprio a fabricá-los. A restante parte do arado, na realidade, era construída na Fajã, dedicando-se a esta arte, entre outros, o Urbano, o José Cardoso, o José Rodrigues e o António Maria.
O arado de Pau, típico da Fajã Grande, era constituído por duas partes principais: o temão e a rabiça, as quais, por sua vez, também se dividiam em várias pequenas peças. O temão era uma espécie de cabeçalho, geralmente feito de incenso ou loureiro, semelhante aos dos corsões, com um ou dois buracos na ponta, a fim de se enfiar uma chavelha que o prendia ao tamoeiro e este à canga. A existência de dois buracos no temão destinava-se a adequar o tamanho deste às reses que “encangadas” puxavam o arado. Vacas grandes ou bois, chavelha no buraco da frente, gueixas ou reses mais pequenas, chavelha no buraco de trás. Por sua vez a rabiça era feita de pau branco e assemelhava-se a um z, com a haste vertical inclinada ao contrário e a parte de baixo ligeiramente oblíqua. A rabiça dividia-se em três partes: a mão que correspondia à parte de cima do z e tinha o formato duma bengala, a ponta onde se encravava o bico de ferro e a que se prendiam as aivecas e o rabo, correspondente à haste vertical do z, que ligava a ponta à mão e onde estava encravado o temão. As aivecas, encravadas na ponta, prendiam-se ao temão com o pascal, mas de tal forma maleável que a ponta se poderia abrir ou fechar mais ou menos, consoante se quisesse fazer um rego mais ou menos fundo. O temão, por sua vez ao encravar-se na rabiça era preso com uma cunha a fim de se segurar melhor.
Imediatamente a seguir ao pascal, o temão tinha um furo lateral, no qual se encaixava um trambolho, caso se pretendesse lavrar de canguinha ou seja com um só animal. Era a este trambolho que se amarrava um “atiradeira” ou corda que, paralela ao temão, se ia prender à canga que o animal levava ao pescoço, enquanto do outro lado era o temão que a ela se apresava com a chavelha habitual e com um tamoeiro pequenino, enfiado nuns furos da canga.
O arado de pau era utilizado para atalhar os campos e para semear o milho, sendo que no primeiro caso se usava quase sempre duas reses, enquanto no semear era muito frequente usar-se o arado de canguinha.