PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
DO MITO AO CONHECIMENTO RACIONAL
Ainda hoje não é fácil definir, delinear ou identificar o intrigante e demorado período de tempo, nem o processo evolutivo da humanidade em que o ser humano percorreu, desde dos tempos imemoriais em que possuía exclusivamente uma percepção mítica do mundo e a altura em que emergiu nos primórdios do alcance do saber filosófico ou seja quando o ser humano começou a possuir ou ter capacidade para desenvolver um conhecimento gnosiológico do cosmos, mesmo que muito elementar.
Através do mito o ser humano, na sua insipiência original, procurava empiricamente explicar a realidade envolvente do seu quotidiano, os principais acontecimentos da sua vida e da dos outros seres vivos, os fenómenos da natureza dos mais simples aos mais complexos, as origens do Mundo e do próprio Homem por meio de deuses, semi-deuses e heróis míticos, dando-lhes um cunho sobrenatural, misterioso e divino ou, por vezes, maligno. Coube à chamada civilização helénica o privilégio de alcançar, num contexto social, político e económico quase miraculosamente favorável, a percepção diferenciada do mundo, sob uma perspectiva totalmente nova, declarando a preponderância e primazia da razão sobre o mitológico. É na Grécia Antiga que nasce o conhecimento e a cidade de Mileto, numa colónia da Ásia Menor (actual Turquia) torna-se assim como uma espécie de Paraíso do Intelecto Humano. A partir de então, as explicações lógicas, distintas e opostas de um conteúdo mítico, passam a dominar o pensamento humano. É evidente que não se trata do rompimento abrupto, momentâneo, decisivo, total e definitivo com o mito. Trata-se, pelo contrário, de um processo indubitavelmente muito lento, gradual, reflexivo e delimitado, com avanços e retrocessos, o que teve a vantagem de proporcionar ao ser humano uma melhor e mais profunda compreensão do cosmos e uma mais recompensadora reflexão sobre a sua própria natureza.
O “nascimento da sabedoria” ou a “passagem do mito à razão” aconteceu, pois, na Grécia, mais ou menos por alturas do século VI a.C. Numa época em que, até então, os deuses eram a razão de tudo e a explicação para tudo, passam-se a procurar explicações racionais para o mundo e para as coisas do mundo. Os deuses e as forças divinas deixam de ser a última razão de ser do cosmos e passa a haver um conhecimento real e empírico porque obtido através da razão. Ainda hoje, no entanto se questiona a forma como o homem passou a pensar de forma não-mítica? A resposta não é clara, mas crê-se que o "milagre grego" foi fruto, obviamente que de entre outros diversos factores, de uma nova organização social e política, ocorrida em todos os planos (religioso, político, social e intelectual) na Civilização Grega e que a transformou numa das mais arrebatadoras, surpreendentes e dignificantes civilizações de sempre. Com a queda dos regimes políticos ditatoriais gregos, inspirados no Oriente, onde os reis eram sacerdotes e adivinhos e detinham os poderes absolutos, houve um período de certa obscuridade do povo grego. Este período teve, no entanto a vantagem, de, lentamente, ir preparando uma nova ordem, onde se foi perdendo, paulatinamente, a intervenção e a supremacia dos deuses e o mundo passou a ser mais humano, isto é, menos subserviente à vontade divina... A principal novidade dessa nova ordem é o desaparecimento da figura do rei sacerdote e mago e a sua substituição por regimes democráticos onde surgem as cidades-estado, pese embora, por vezes algumas delas sejam governadas por chefes ditadores.
Neste contexto nasceu a necessidade de um confronto de ideias: ou se rejeitavam em absoluto os mitos ou se mantinham alguns, com o objectivo apenas de compor os rituais religiosos, os mistérios das seitas secretas e a enorme influência de toda uma história da qual ninguém jamais poderia se esquivar. Esta ideia prevaleceu, mas a partir de então o homem passou a olhar para a natureza de forma diferente, procurando respostas na razão, no confronto de raciocínios, no debate e na formulação e refutação de teses.
É pois do surgimento de uma prática politica e social onde impera o espírito democrático que nasceu o conhecimento racional e, lentamente, se foi abandonando o conhecimento mítico.