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VENDAM-ME A CABRA

Sábado, 19.10.13

Desde há muito que o Júlio andava com a ideia de comprar e criar uma cabra. É que a criação e o trato duma cabra não se comparava, nem de perto nem de longe, com os trabalhos e canseiras de criar uma vaca. Além disso, o tempo que lhe sobrava do cultivo e amanho das terras dos pais era mais que suficiente para apanhar uns gravetos de faia por aqui e por ali ou de a levar a pastar a qualquer belga ou canada. Poupava em canseiras e trabalhos e o resultado era o mesmo: leite fresquinho todos os dias e, ainda por cima, mais saudável.

Se bem o pensou melhor o fez. E certa tarde lá foi a Ponta Delgada, de mãos a abanar e apenas com uns tostões nos bolsos, regressando, todo feliz, com a cabra, à qual, a partir de então, não faltaram cuidados, atenções e sobretudo comida, muita comida. A cabra cresceu, engordou, tornou-se num belo animal, o “Ai Jesus” do Lúcio, que jurava a pés juntos, na Praça, no Alagoeiro, em Cima da Rocha, que nunca havia de a vender, pese embora o animal fosse cada vez mais cobiçado e admirado por todos na freguesia.

Mas lá chegou o dia em que o Lúcio foi às Lajes, às sortes e… ficou apurado. Passados alguns meses nada mais teve que fazer do que preparar as malas, embarcar no Lima e marchar para Angra, onde se aquartelou no velhinho castelo de S. João Baptista, lá para os lados do Monte Brasil.

No quartel, porém, não havia muito que fazer. Viviam-se tempos de paz, após a 2ª guerra mundial. O Lúcio, para além das simples e curtas tarefas quotidianas que se impunham aos soldados, tinha muito tempo livre. Daí que juntamente com os outros militares se deslocasse frequentemente à cidade, passeando por aqui e por além, entrando num café ou tasca, assistindo aos duelos futebolísticos entre o Lusitânia e o Angrense, frequentando esta ou aquela casa de divertimento, benesses de que na Fajã nunca desfrutara. Mas o dinheiro era pouco ou nulo e a vontade de se divertir muita.

Foi então que o Júlio se lembrou da cabra. Esqueceu promessas e juras e, de imediato, escreveu aos pais solicitando-lhes sem hesitação: “Vendam-me a cabra e mandem-me o dinheiro para Angra do Heroísmo, Terceira, Açores. Não há nada que enganar.”

Como, na Fajã, as notícias deste tipo se espalhavam com alguma facilidade, esta não fugiu à regra e, em breve, toda a gente soube que Lúcio escrevera aos pais a pedir-lhes que lhe vendessem a cabra, da qual jurara nunca desvincular-se, granjeando, no seu regresso da tropa, o epíteto de “Vendam-me a cabra” e não se livrando de muito gozo e outra tanta chacota.

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publicado por picodavigia2 às 15:27





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