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NAUFRAGAR NA RAMADA

Sábado, 26.10.13

O José Pereira era um exímio, dinâmico e competente pescador. Talvez mesmo o melhor pescador da Fajã Grande, de todos os tempos. Começou muito novo nas lides do mar, iniciando a faina marítima num pequeno e frágil batel. No entanto, com o tempo, o negócio da apanha e venda de peixe foi vigorando, fortalecendo e crescendo, até porque a concorrência, na freguesia, era quase nula. Muniu-se de lanchas maiores e com motores mais potentes, modernizou os apetrechos de pesca e de navegação e adquiriu, até partir para o Canadá, o estatuto de grande e excelente pescador.

Para além duma desmesurada eficiência na arte da pesca e duma inquestionável competência no desempenho da actividade marítima, uma outra qualidade enriquecia e dignificava o currículo piscatório do Pereira - a segurança no mar. Nunca teve um acidente, nunca virou a lancha, nunca bateu com ela em laredos ou baixios, agindo quotidianamente com uma destreza invejável e com uma segurança extraordinária. Um modelo para todos os que na Fajã, eventualmente, quisessem dedicar-se à faina marítima.

Mas as desgraças acontecem a todos e o José Pereira, também, havia, uma vez, uma única vez, de denegrir e ensombrar o seu distinto e respeitável percurso marítimo.

Certo dia ao regressar com a lancha bem carregadinha de peixe, com o mar muito manso e o tempo muito calmo, entrou no Calhau da Barra, atravessou o Boqueirão e encostou a embarcação a uma banqueta que existia no varadouro do Porto Velho e que servia para os pescadores se apoiarem e saltarem para terra, sem se molharem ou sequer apanharem uns respingos de água salgada, antes de vararem as embarcações, para as arrumarem nas ramadas, depois de retirar, escolher e dividir o peixe. O mar não mexia e, por isso, o Pereira saltou para terra muito descontraído e a pensar no peixe que havia engodado e perdido. Só que ao fazê-lo, o cuidado foi tão pouco e a atenção tão descuidada que pôs o pé em falso. A lancha deu um grande solavanco e virou de quilha para o ar, enquanto o Pereira caía ao mar, juntamente com o peixe, perdendo-se todo este por completo.

A notícia correu célere pela freguesia. Um escândalo para uns, uma pena para outros e um espanto para todos! Como é que um homem tão experiente nas lides marítimas foi naufragar, mesmo ali, no porto, com o tempo tão bom e o mar tão manso? Não corria uma aragem e o mar parecia um espelho… Mas… havia de ter paciência. No melhor pano cai a nódoa.

Passado algum tempo o António Machado decidiu tirar a carta de mestre. Quem passava as cédulas marítimas e as cartas de mestre, na Fajã, era o senhor Arnaldo que, conjuntamente com as funções de faroleiro exercia também as de cabo do mar.

Dirigiu-se pois o Machado ao senhor Arnaldo a pedir que lhe passasse a carta. Resposta pronta do “Senhor de Matosinhos”:

- Passar-te a carta!? Nem pensar. Se o José Pereira naufragou no porto, tu naufragas mesmo na ramada.

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publicado por picodavigia2 às 20:38





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