PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
MÁQUINAS DE BATATA BRANCA
A produção de leite e a sua venda era a principal actividade económica da Fajã Grande e dela dependia a sobrevivência da maioria das famílias. Havia produtos necessários ao quotidiano de toda e qualquer família que apenas se podiam adquirir comprando-os nas lojas. Para tal era absolutamente necessário dinheiro e a única forma de o obter era vender algum leite, ou ao Martins e Rebelo ou à Cooperativa. Ora isto significava uma relação muito íntima com os dois postos de desnatação, então existentes na Fajã: a máquina de baixo e a máquina de cima. Todos os dias, de manhã e à tardinha alguém teria que ir levar o leite a uma ou outra das máquinas, trazendo-o de regresso, mas já desnatado, para consumo de porcos e bezerros. Esta azáfama quotidiana dos adultos reflectia-se, e de que maneira, nas brincadeiras das crianças que necessariamente construíam as suas máquinas para desnatar o seu leite.
Para a construção de uma máquina de desnatar o leite bastavam apenas três tubos de cana e duas batatas brancas. Um dos tubos de cana tinha que ser grosso e alto. Os outros dois deveriam ser pequeninos e muito delgadinhos, sendo um deles necessariamente mais delgado do que o outro. Uma das batatas era cortada a meio e na metade seleccionada que fazia de base da máquina era espetado o tubo de cana. À outra batata que devia ser muito redondinha era lhe retirada a parte superior e o conteúdo interior de modo a que se transformasse numa espécie de tigela. Esta seria o caldeirão da máquina, o qual seria encravado na parte do tubo oposta à base já construída. No fundo do caldeirão espetavam-se os dois tubinhos de cana, de modo que a extremidade de cada um entrasse na parte côncava da batata: o mais grosso, mais alto, para o leite desnatado e o mais delgadinho, logo a baixo para o fiozinho da nata. Depois era só deitar o leite no caldeirão e vê-lo sair pelos dois tubinhos. E o leite? Como o conseguíamos? Assim como Jesus, nas bodas de Caná, transformou a água em vinho, nós, com a nossa imaginação e poder criativo, também transformávamos a água em leite. Então era um regalo ficar ali a ver o caldeirão da máquina cheinho de leite a sair já desnatado por um dos tubos e a nata pelo outro.