PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O CÃO E O MOINHO
“Tantas vezes o cão vai ao moinho,
Que uma vez lá lhe fica o focinho.”
Este é mais um provérbio fajãgrandense, utilizado, antigamente, segundo rezam as crónicas. Confesso que não era muito frequente ouvi-lo, no meu tempo, sendo, no entanto, utilizado, esporadicamente, por pessoas de idade mais avançada.
Trata-se, no entanto de um provérbio muito rico, não apenas quanto ao seu conteúdo, mas também no que à forma literária diz respeito. Por isso mesmo deve ser escrito em verso, nesse caso assume uma forma poética de dois versos com rima perfeita e métrica correcta. Quanto a esta, os versos são constituídos por dez sílabas métricas que são, obviamente, diferentes das gramaticais, neste caso os versos são de um tipo muito próximo dos chamados “heróicos”, com a sílaba tónica na sexta e na décima sílaba. Por sua vez a rima é adequada, rica, embora as palavras que rimam pertençam ambas à classe dos nomes.
Mas o que mais enobrece, engrandece e torna importante e significativo o uso deste provérbio é o seu conteúdo semântico, pois contem um sério aviso, aos ladrões, aos corruptos, aos maliciosos, aos mal formados e aos que praticam, com indiferença, todo o tipo de crimes e barbaridades. Não cuidem esses janízaros e vis meliantes que não serão apanhados. Um dia acontecer-lhes-á o mesmo que acontece aos cães que abusarem da sua ida ao moinho ou a outro lugar qualquer. Tanta insistência irá proporcionar aos cães que lhes cortem o focinho. No caso dos cães ficarão escaldados. No caso dos homens serão apanhados e devidamente castigados. É mais fácil apanhar quem comete várias barbaridades ou roubos do que quem comete apenas um. Deviam cuidar-se, pois, os prevaricadores renitentes.
Por tudo isso este é um dos mais ricos adágios fajãgrandense que faz parte do seu património cultural, oral e que urge perseverar.