PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
ABRAÃO VAI PERDIDO
Os nevoeiros, as brumas, as tempestades e os temporais que surgiam frequentemente nos matos da Fajã, para além de perigosos eram, por vezes, aterradores e já alguns homens e rapazes que nesses dias tenebrosos demandavam aqueles andurriais, se haviam perdido, embora, na maioria dos casos, apenas temporariamente.
Mas homem prevenido vale por dois. Baseado nesse princípio e temendo que, mais dia menos dia, lhe pudesse acontecer o mesmo, isto é, que também havia chegar a sua vez de se perder no mato, no meio de um nevoeiro ou envolto numa tempestade, o velho Abraão, sem o confessar a quem quer que fosse, dia após dia, lá foi escrevendo, a letras garrafais, numa quantidade de tirinhas de papel julgada necessária, a seguinte frase: “Abraão vai perdido.” Guardou-as muito bem guardadas nos caninhos de uma caixa e, a partir de então, sempre que ia para o mato, quer estivesse sol de rachar, quer se previsse nevoeiro ou se adivinhasse temporal, lá ia Abraão, de cordas ao ombro e bordão em riste, com os papelinhos escritos, bem escondidos num dos bolsos.
E não é que o previsto aconteceu! Ia Abraão, certo dia, com destino a Santa Cruz, atravessando o Rochão Grande, prestes a chegar à Burrinha. Um forte nevoeiro tapou-lhe os olhos, tolheu-lhe os passos e entonteceu-o de tal modo que perdeu o rumo. Estava completamente perdido mas muito animado, recorrendo de imediato ao seu segredo, aos papéis que continha num bolso. Lá foi deixando cair os papéis um após outro, enquanto deambulava sem saber o rumo. Passou a noite numa furna, onde facilmente o encontraram aqueles que, seguindo os papelinhos, na manhã seguinte, o foram procurar.