PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
MILHO PR'ÁS ALMAS
Todos os anos, no dia de todos os Santos, grupos de homens munidos de cestos ou sacos de serapilheira percorriam as ruas da Fajã Grande, desde a primeira casa da Assomada até à última da Via d’Água e, batendo à porta de todas e cada uma das casas, gritavam: “Milho pr’ás almas”. Era um costume ancestral e que tinha como objectivo recolher as ofertas de milho destinadas às benditas almas do purgatório ou seja aos seus próprios defuntos. Esta actividade era devidamente planificada e programada pela mordoma das almas, cargo que durante as décadas de quarenta e cinquenta foi desempenhado pela minha avó, por ser a mãe do sacristão. Dias antes minha avó requisitava os homens que julgava serem necessários para executar com sucesso e eficiência o peditório, disponibilizando, aos que os não tinham, os cestos ou sacos julgados necessários. Convidava também uma grande quantidade de mulheres para, durante e após o peditório, recolher o milho, debulhá-lo e enchê-loem sacos. As pessoas nas suas casas já tinham seleccionado e descascado a quantidade do milho que pretendiam oferecer, muito ou pouco, consoante as posses que tinham. Casa que não cultivasse milho deveria dar o equivalenteem dinheiro. O milho era trazido para casa da minha avó e colocado na sala que se enchia com as maçarocas quase até ao tecto. Sentadas ao redor as mulheres debulhavam-no e colocavam os grãos dentro de cestos e balaios, enquanto a criançada ia escorregando sobre os montes das maçarocas. Minha avó muito atarefada recolhia o dinheiro e, com algumas ajudantes, media o milho com razoiras e enchi-oem sacos. Alguns sacos tinham comprador imediato, enquanto outros eram colocados na casa velha a fim de serem vendidos nos dias seguintes. Por vezes até vinham compradores doutras freguesias comprá-lo. É que, devido à enorme concorrência, sobretudo nos anos em que havia muito milho, o das almas era, geralmente, mais barato. Todo o dinheiro, quer oferecido directamente quer resultante da venda do milho, era guardado pela mordoma que o ia entregar ao pároco. Destinava a celebrar missas e rezar os responsos dos defuntos, todos os dias, durante o mês de Novembro, por alma dos defuntos de todas as famílias da Fajã.