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BALEIA À VISTA

Sexta-feira, 01.11.13

Ainda era manhã cedo, pese embora os primeiros raios de Sol começassem a surgir amarelados e tremulantes, lá por cima da Rocha dos Paus Branco. Ruas, vielas, caminhos e canadas já se haviam enchido de pessoas e animais. Os homens dirigiam-se para as suas terras, para ceifar erva, para cortar feitos, para sachar o milho, para cavar uma courela, para apanhar batatas ou plantar “coivinha”. Rapazes e crianças conduziam o gado às relvas e depois haviam de encaminhar-se para a escola que ficava na Casa do Espírito Santo de Baixo. As mulheres, umas acompanhavam os homens nas idas para os campos, outras ficavam em casa, a lavar, a limpar, a varrer, a por a roupa a corar ou a preparar o almoço que depois haviam de ir levar aos campos.

Subitamente, no alto do Pico da Vigia, soou um foguete, ecoando de seguida na rocha, desde as Águas até aos Lavadouros:

- “Baleia à vista!” – Ouviu-se em uníssono.

- “É cardume, porque foi um foguete.” – Explicavam os mais entendidos.

 De imediato uma boa parte dos homens largaram o que faziam. Os sachos foram atirados para o chão, as enxadas ficaram caídas por terra e as foices espetadas nas paredes. Muita erva ficou por ceifar, as vacas amarradas à pressa e muitos homens iniciaram uma corrida louca em direcção ao Porto, onde estavam varados os botes e fundeado o gasolina.

Muitas das mulheres que estavam nos campos também abalaram para casa a fritar, à pressa, uma posta de peixe ou um toro de linguiça, a partir um pedaço de pão ou de bolo e a preparar uma garrafa de vinho, de água ou uma “termus” de café. Enfiando tudo numa cesta ou numa saca de pano, partiam, também a correr na direcção do Porto Velho, a fim de chegarem a tempo, com a comida que os seus homens haviam de levar, dado que, muito provavelmente, permaneceriam todo o dia todo no mar. No varadouro arreavam-se os botes, sob as ordens dos oficiais e outros baleeiros profissionais que haviam chegado, uns dias antes, vindos do Pico, das Lajes e da Vila. Os homens, à medida que iam chegando, agarravam-se aos botes com unhas e dentes e ajudavam a pô-los na água. Assim que a tripulação de cada um dos botes estava completa, partia. De cima da rocha negra do baixio, circundante ao Boqueirão, as mulheres ficavam aflitas, a abanar, a suspirar e algumas a chorar, conscientes dos perigos que aqueles homens corriam. Os botes, finalmente, iniciavam a marcha lenta, primeiro a remos, carregados de homens e de esperança. Já no mar alto içaram as velas, uma vez que o vento de nordeste beneficiava a sua marcha. Finalmente partiu a “Santa Teresinha”, com os seus três tripulantes, carregada com lanças e arpões suplentes e com os sacos e as cestas dos baleeiros cujas mulheres se tinham atrasado. Não demorou muito e o potente gasolina alcançou os botes, lançou-lhes cabos e começou a rebocá-los, seguindo todos, oceano fora, orientados pelo pano que os vigias haviam estendido nas encostas do Pico do Areal, acabando por se perderem de vista. Mas sabia-se que, algum tempo depois, lancha e botes estavam em cima do cardume.

A lancha afastou-se, para não assustar as baleias com o barulho do motor e os homens dos botes começaram a remar com quanta força tinham, enquanto os mestres mandavam os “trancadores” prepararem-se para atirar o arpão sobre os enormes cetáceos, que resfolgavam, soltavam esguichos de respingos no ar, mergulhavam para voltarem a aparecer metros mais á frente. Um dos botes colocou-se em melhor posição para arpoar. O “trancador” curvou-se para a frente, fez pontaria aquele monstro negro e, sob a ordem do oficial, atirou o arpão, acertando de raspão no cetáceo. A baleia ferida acelerou a sua marcha, afastando-se do bote, a alta velocidade, arrastando-o consigo e levando no corpo o arpão amarrado a uma corda forte, que se ia desenrolando de uma selha no fundo do bote. A corda, porém, não teve comprimento suficiente e o mestre deu ordens que amarrassem uma segunda, enrolada noutra selha. Esta também depressa se escoou pelo fundo do mar. Desesperado o mestre mandou que a cortassem, não fosse o diabo tecê-las. O bote paralisou e a baleia desapareceu por completo nas profundezas do oceano, enquanto o segundo bote permanecia ali perto para o que fosse necessário. A confusão resultante da caça falhada foi medonha. Gritos, berros, remos caídos ao mar, o roncar do motor do gasolina… O cardume afastou-se e, pouco depois, desapareceu. Homens, botes e até a lancha perderam-lhe o rasto. Os almas do diabo haviam-se enfiado nos quintos dos infernos! Agora só mar, céu e lá ao longe a mancha esfumaçada da ilha. Nada mais havia a fazer. Os botes aproximaram-se um do outro, os mestres conversaram e finalmente decidiram. Só havia uma coisa a fazer: voltar para terra, pois naquele dia mais nada lhes era possível. Rebocados pelo gasolina voltaram ao Porto Velho e vararam, na esperança de que o dia seguinte não fosse apenas mais um dia de “baleia à vista” mas sim um dia de “baleia trancada”.

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publicado por picodavigia2 às 14:06





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