Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]



O EMBARQUE

Sexta-feira, 15.11.13

Em cima do cais das Lajes, no meio de uma confusa miscelânea de pessoas animais, bagagens e mercadorias, aguardava a minha vez de embarcar no velhinho Carvalho Araújo, ancorado ao largo da ampla baía, mas estava, momentaneamente, impedido, parcialmente de o fazer. É que para além duma mala castanha, levava comigo um pequeno baú, que por rigorosa determinação do senhor Jerónimo, o agente da “Insulana” nas Lajes, tinha que ir no porão. Por isso esperei horas a fio. É que a bagagem de porão para as ilhas só poderia ser carregada depois de toda a mercadoria que se destinava ao continente estar devidamente colocada e arrumada nos fundos dos porões do navio.

Abracei-me a meu pai e comecei a chorar e a esmoncar-me. Olhava para a carga amontoada em cima do cais e concluía que a minha viagem começava ali a complicar-se. Muito provavelmente só seguiria para bordo numa das últimas lanchas e o meu progenitor já não me poderia acompanhar. Assim não chegaria a tempo de arranjar beliche. Foi o senhor Aurélio, aos cuidados de quem eu havia de viajar até à Terceira, que me salvou. O senhor Aurélio há muitos anos que era o porteiro do Seminário de Angra, onde vivia durante todo o ano. Tinha casa na Fajã e ali vinha passar os meses de Verão. Comprava sempre passagem de ida e volta, mas em Angra, onde era mais fácil arranjar acomodação. Já tinha o beliche marcado no seu bilhete e não necessitava de pressas para embarcar, por isso sugeriu a meu pai que seguisse comigo para bordo e que fosse falar com o Senhor Artur, o responsável pela terceira classe, a ver se ainda havia um beliche livre para mim. Ele ficava em terra e comprometia-se a embarcar apenas quando tivesse a certeza de que o meu baú já seguira para bordo.

Por entre apertos e empurrões, entrei no primeiro batel que encostou ao cais, seguido de meu pai que carregava a minha mala às costas. Apertados como sardinha dentro de lata, com o barco a transbordar de gente e de bagagem, com a água quase a dar-lhe pela borda, seguia temeroso, atravessando aquele troço de mar, que à medida que a embarcação se afastava de terra parecia ir tornando-se cada vez mais agitado. Ao fim de algum tempo, por entre solavancos e tropeções, o batel aproximou-se do monstruoso e vetusto paquete, ao redor do qual o mar parecia tornar-se mais calmo e mais tranquilo, transformando o navio numa espécie de rochedo encravado ali, na enorme baía, bem em frente à vila das Lajes. A barcaça encostou-se ao vapor. Esperei pela minha vez e, amedrontado, subi as escadas. Através dos vãos via lá em baixo o mar liso, azulado e escuro e sentia um medo terrível. Não fosse algum pé escorregar-me e eu escapulir-me-ia por ali abaixo, perdendo-me definitivamente no fundo do Oceano. Por isso, à medida que subia as escadas, agarrava-me ao corrimão de lona, dúctil e maleável, com ambas as mãos. Ao portaló o Imediato e outros tripulantes, vestidos de farda branca e boné da mesma cor, davam a mão aos passageiros mais enrascados e temerosos e as boas vindas a todos. Entrei no corredor do velho paquete, a abarrotar de malas e caixotes, como se penetrasse num mundo estrambólico e tenebroso e onde tudo me era desconhecido e estranho. Esperei por meu pai que subia um pouco atrás carregando a minha mala.

Iniciava ali a minha primeira grande aventura.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 16:40





mais sobre mim

foto do autor


pesquisar

Pesquisar no Blog  

calendário

Novembro 2013

D S T Q Q S S
12
3456789
10111213141516
17181920212223
24252627282930