PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A RIBEIRA DE JOSÉ FRAGA
Uma das mais interessantes, bonitas e constantes ribeiras, das muitas e variadas que a freguesia da Fajã Grande possuía, era a Ribeira de José Fraga, também conhecida por Ribeira da Ponta, dado que ficava situada no lugar da Ponta, atravessando a localidade de lés-a-lés, constituindo um misto de encanto, mistério, persistência e proficuidade. Cheia de pequenos lagos, na sua parte final, quando deslizava por entre as pequenas hortas e as terras de mato do Grotão da Ponta ou, já mais perto do mar, ladeando as belgas, os cerrados e as terras de cultivo do Grotão do Areal, esta Ribeira, cuja origem toponímia se perde no tempo e que naturalmente terá a ver com o nome de algum dos primeiros povoadores deste lugar, proporcionava-se a uma utilidade inequívoca, pois era lugar onde, para além da lavagem da roupa ou das tripas dos porcos, por alturas das matanças, dava de beber aos animais e alimentava os moinhos das suas margens, tornando-se também uma espécie de éden, um local paradisíaco e idílico. O som suave e cavernoso das suas águas, baqueando nos rochedos escalavrados e perfurando terrenos lamacentos, prolongava-se como que em eco ao longo da rocha e simulava sinfonias inverosímeis, cadenciadas e transcendentes e as cores verdes, amarelas e alaranjadas das suas margens adicionadas ao azul esbranquiçado e cristalino das suas águas, transformavam-na numa aguarela natural, mítica e miraculosa. Com a sua nascente nos matos da Ponta, lá para os lados da Caldeirinha, a Ribeira de José Fraga, na sua fase inicial e infantil, até à beira da rocha, deslizava suave e tranquila mas tímida e hesitante por grotões crivados de silvados e hortênsias, alimentando os animais soltos naqueles descampados, servindo de tapume às pastagens que a rodeava. Porém, ao chegar ao cimo da rocha, atirava-se abruptamente e à socapa sobre penedos e andurriais, calcorreando ladeiras e empedrados, sempre paralela e como que a pedir amparo à sua vizinha Ribeira do Cão. No Verão, mal se via a deslizar pelas falésias. Era uma pinga de água a escorrer pela rocha. Era um minúsculo veio a deixar-se cair timidamente por entre os arbustos e os arvoredos de pequeno porte que enxameavam aqueles penedos agrestes e aterradores. No Inverno, porém, o seu caudal excedia-se, tornava-se avassalador e transformava-se como que numa espécie de lençol esbranquiçado dependurado ao longo daquele altíssimo alcantil. Finalmente, mais cá em baixo, no seu último trajecto, já perto do povoado, a Ribeira transformava-se em pequenos lagos, ladeados por pedregulhos, a servirem de passadeiras ou lavadouros, espécies de piscinas naturais junto às quais ainda se podiam encontrar vestígios de alguns moinhos outrora ali existentes.
A Ribeira de José Fraga com toda a sua beleza e funcionalidade tornou-se de grande utilidade para a população da Ponta. Mas em dias de grande tempestade, quando devido a chuvas torrenciais o seu caudal se excedia e ultrapassava as margens, tornava-se uma ameaça permanente, um tormento contínuo, um motivo de acentuada aflição. Foram várias as ocasiões em que de facto a Ribeira de José Fraga se excedeu em demasia provocando o caos e a desolação no povoado.