PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A POPULAÇÃO DAS COURELAS
Para que fique completo mais um grupo de sete famílias regressaríamos ao chafariz da Rua Direita, onde do lado contrário, ficava a Rua das Courelas, nome que lhe advinha do facto de ali, como aliás em quase toda a freguesia, todas as casas terem a seu lado um pequeno terreno ou “courela”, onde semeavam e plantavam os produtos mais necessários à alimentação quotidiana: couves, feijão, cebolinho, abóboras e batatas. Era, também, na courela que geralmente se fazia o “canteiro” da batata-doce e onde se edificava o estaleiro.
Lá bem no fundo e já no Caminho do Areal morava a tia Cristóvão juntamente com uma familiar de avançada idade, que, no entanto, já nem saía de casa. Pelo contrário a tia Cristóvão, porque muito religiosa e devota, frequentava diariamente a igreja, participava em todas as novenas e vias sacras e visitava assiduamente muitas das casas da Fajã, colaborando assiduamente na proliferação e consolidação dos habituais e tradicionais mexericos, próprios dos lugares pequenos e isolados. Contava-se que estando certa vez de visita a uma casa teria aparentemente desmaiado. Trouxeram-lhe um copo de água. Ao aperceber-se de que era água que lhe estavam a dar, apesar de desmaiada, ripostou:
- Água não me faz bem! Tragam-me antes chá. Quero é chá.
Ali perto, numa casa alta e estrategicamente muito bem situada, envolvida por um cenário paisagístico de sonho, com o Pico da Vigia de um lado e o mar do outro, vivia o José Ti’Ania, com a irmã e um sobrinho, o João Luís, filho de mestre Jorge e que alguns anos mais tarde casou com a Maria Mateus e emigrou.
Mais acima e já em plena Courelas morava o João Cardoso, casado com a Deolinda Rafael e com um filho. A Deolinda para além da vida da casa trabalhava muito no campo, acompanhando sempre o marido em todas as tarefas agrárias e de tratamento do gado. Esta família também cedo deixou a Fajã, emigrando para os Estados Unidos.
A maioria das famílias que moravam no extremo das Courelas ou seja na parte mais afastada da Rua Direita e mais próxima do Areal, partiu para a América ou para o Canadá.
Se não vejamos. Ali ao lado da casa do João Cardoso morava o Francisco Gonçalves, com a mulher, uma filha de Tio Domingos da Tronqueira e os filhos. Toda a família emigrou. Numa transversal que havia imediatamente a seguir à casa do Francisco, num edifício construído naquela época, morava o António do Raulino, casado com uma filha de Tio Antonho de Melo. Este casal, embora não tendo filhos, também abalou para o Canadá. Mais acima, o mesmo aconteceu com o João de Tio Francisco Inácio que partiu para a América com toda a família.
Logo a seguir e no edifício sob o ponto de vista arquitectónico mais emblemático e imponente das Courelas e entre os mais interessantes da freguesia, morava o Lourenço, com a mulher e uma filha. Esta, depois de casar, também partiu para a América. O Lourenço era um lavrador abastado e um homem muito calmo, forte e alto. Também criava gado que ele próprio, todos os dias conduzia, já pelo avançado da noite, a umas relvas que tinha no Vale de Linho, para os lados da Ponta, mas fazendo o trajecto de ida e volta sempre pela Via d’Água, apesar de ser mais longe do que pela Tronqueira e Calhau Miúdo. Geralmente ocupava cargos de responsabilidade, como cabeça de festas e do Fio, director da Sociedade e, quando o António Augusto partiu para Angra, foi nomeado seu substituto como Regedor e Juiz de Paz. Contava-se que as enormes lojas da sua casa teriam sido, em 1915, uma espécie de hospital de campanha aquando do naufrágio da barca Bidart, dado que teria sido lá que os náufragos foram alojados, alimentados e onde teriam recebido os primeiros tratamentos.
Em frente ficava a casa do Vítor, filho do Faroleiro e casado com uma filha de um meu tio paterno que por ali morava. Tinha vários filhos e contígua à sua casa havia um edifício na altura a servir de casa de arrumos e palheiro, mas com algum suposto interesse histórico. É que uma das pedras das portadas deste edifício que supostamente outrora havia sido casa de habitação, tinha assinaladas cruzes, datas e outros sinais de índole religiosa. Como este prédio era contíguo à igreja, cuidava-se que teriam sido pedras pertencentes à primitiva capela, existente antes de igreja paroquial e que provavelmente não teriam sido utilizadas na construção desta, por inadequadas.
Do outro lado da rua ficava a casa do único irmão de meu pai que não se havia esquivado para a América. Meu tio António Joaquim, vivia ali com a tia Adelina e dois filhos. No entanto, como era bastante mais velho do que meu pai, já pouco trabalhava. Passava os dias sentado à Praça a descansar e a cavaquear. Tinha o apelido de “Grota” e como dois dos outros companheiros com quem habitualmente ali se juntava também tinham apelidos começados pela letra G – “Gadelha e “Galinhola”, - este grupo tornou-se célebre, sendo alcunhado pelo “3 Guês”. Raramente ia a casa do meu tio, mas bem me lembro de lá ver um lindo candeeiro a petróleo, com o vidro ornamentado com cores variadas e que se dizia ter tido origem nos destroços do Slavónia, naufragado para os lados do Lajedo em 1909.
A última casa das Courelas era do João Augusto, homem simplório, humilde e bondoso mas, aparentemente, pouco inteligente. Por isso, por vezes, era motivo de chacota e zombaria dos outros. Era o coveiro da freguesia, mas como o negócio não era muito rentável, pois numa população pouco numerosa, apenas morria alguém de vez em quando, também era agricultor e criador de gado, tarefas em que era ajudado pelos dois filhos. A filha Aldina foi das poucas jovens que na altura abandonou a ilha para estudar, fazendo o Curso Geral dos Liceus, no Colégio de Santo António, na Horta.