PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A POPULAÇÃODO PORTO
Finalmente, chegámos ao último grupo de casas, lá do fundo da Via dÁgua, ou seja, no Porto e já bem pertinho do mar. Antes, porém, impõem-se integrar neste último grupo, uma família que morava mais acima, junto à casa de João Inácio. Tratava-se também duma mãe solteira, a Luísa Vieira, que vivia juntamente com a filha, a Maria Fagundes e eram ambas excelentes pessoas e muito simpáticas.
As restantes famílias a integrar-se neste grupo eram as que moravam nas casas logo a seguir à última curva da Via d´Água. A primeira casa a referir pertencia a Tio Francisco Inácio, homem já de avançada idade mas sempre muito respeitado e tido em grande consideração por todos. Os filhos já haviam casado, excepto o António e o Luís, tendo alguns deles partido para a América. O António frequentara o Seminário de Angra, tendo-se ordenado presbítero em 1943, sendo na altura pároco da freguesia da Praia do Norte, na ilha do Faial. Destino semelhante teve o Luís, o mais novo, na altura, frequentando também o Seminário de Angra, vindo a ordenar-se alguns anos mais tarde, tendo, em seguida, partido para os Estados Unidos, onde se fixou definitivamente. Seguia-se uma casa desabitada, na qual, passados alguns anos, se fixou uma família vinda da Ponta.
Na última travessa da Via d’Água, do lado esquerdo de quem descia, moravam o Cardosinho, o Cristóvão e Tio Malvina.
O Cardosinho vivia numa pequena casa com a mulher e o filho. Era da idade de meu pai e um dos seus grandes amigos. Ajudavam-se bastante um ao outro, acompanhavam-se reciprocamente nas idas e vindas para os campos, dado que, por mera coincidência, tinham algumas terras muito próximas, nomeadamente nas Covas, onde também tinha uma “lagoa” mesmo ao lado da de meu pai e para onde iam ceifar erva, todos os dias, alta madrugada, carregando, depois às costas enormes molhos da dita cuja fresquinha, com muitos agriões à mistura e a escorrer água por todos os lados, que nem as sacas de serapilheira que traziam de capuz os impedia de chegarem a casa alagados que nem pintos. Certo dia meu pai levou-me para um terra de mato que também tinha nas Covas, mesmo bem junto à Rocha. Estávamos no cimo da terra, debaixo da Rocha a apanhar “erva-santa” e a cortar “cana-roca”. De repente, começaram a cair pedras enormes, autênticos calhaus por cima de nós. Assustamo-nos a valer, pensando que ficaríamos ali soterrados. Queríamos fugir, pois víamos a morte pintada de negro e a pairar por cima de nós. O Cardosinho estava cá em baixo na sua lagoa e começou a gritar e a pedir-nos que nos aproximássemos mais e mais da rocha. É que ele, de longe, percebeu que não era ribanceira que caía mas apenas pedras e assim quanto mais perto estivéssemos da rocha menos perigo corríamos. E lá nos safámos, com a orientação do Cardosinho!
Mais dentro ficava o Cristóvão que cedo emigrou juntamente com toda a família, sendo que um dos filhos, o Roberto também fez parte do primitivo elenco de músicos da Senhora da Saúde. Ao lado morava a viúva do Tio Malvina, irmão de meu avô materno e, segundo se dizia, um dos homens mais cultos e sabedores de toda a freguesia. Tio Malvina, dotado de uma inteligência prodigiosa e de uma memória invulgar, trouxera livros e conhecimentos da América, lia muito, pensava ainda mais e reflectia e interrogava-se filosófica e cientificamente muito e por isso falava sobre todos os assuntos cujos conhecimentos dominava. Contava-se que a quando da Aurora Boreal, em 1941, fenómeno celeste inesperado e repentino que criou pânico, terror e medo em toda a população da freguesia, que cuidava tratar-se do fim do mundo e ter chegado o dia do juízo final, Tio Malvina terá sido a única pessoa a sorrir de alegria por ter a possibilidade única de ver e observar tão raro e extraordinário fenómeno da natureza. Ninguém acreditou nele.
Finalmente, no termo da Via d’Água e fim da freguesia, já quase no Porto e bem pertinho do matadouro da Baía d’Água, onde se matava o gado pela festa do Espírito Santo, ficavam duas casas. Uma pertencia ao José de Lima, originário de Santa Maria mas que se fixara e casara na Fajã, vivendo ali com a esposa e dois filhos. Ao lado e na última casa morava o José Tomé, juntamente com a mulher e a filha, numa casa que fora da mãe, Tia Ana Tomé e que alguns anos depois a vendeu, vindo fixar-se na Rua Direita, numa casa geminada com a do Mancebo, ali quase à Praça.