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VACAS DE MADEIRA

Segunda-feira, 25.11.13

Quando eu era criança, a minha principal brincadeira eram as vacas. Tentando imitar a actividade quotidiana dos adultos, fazia-as com o material mais diversificado e de todos os tamanhos, formas, cores e feitios. Umas vezes construía-as com todo e qualquer objecto que se lhes assemelhasse, desde os sabugos de milho às vagens das favas, outras, simplesmente, imaginava-as. Mas foi precisamente quando o meu tio Luís reconstruiu e assoalhou a sua casa na Via d’Água, que o meu pueril e jocoso pecúlio, em termos de bovinos enriqueceu substancialmente e o meu currículo recreador se transformou, melhorando a olhos vistos.

Das pontas das tábuas que sobraram do soalho, havia eu de encontrar um pequeno rectângulo de madeira. Como tudo o que via se me assemelhava a vaca ou a algo que nela se transformasse, aquele minúsculo toro permitiu-me logo concluir que, depois de devidamente trabalhado, transformar-se-ia numa linda vaquinha e, assim, eu havia por termo definitivamente a sabugos, favas e a vacas virtuais. Para facilitar o meu trabalho, o pedacinho de madeira era de criptoméria e, consequentemente, muito mais dúctil e fácil de trabalhar com um pequeno e frágil canivete.

 Mal tinha começado a executar o plano arquitectado, quando meu tio se apercebeu das minhas intenções. Vendo que eu não atava nem desatava, aproximou-se de mim, olhou o pequeno paralelepípedo e perguntou-me:

- O que queres fazer com isto?

- Uma vaca. – Respondi, de imediato.

Então meu tio, sem dizer palavra e cheio de paciência, tirou-me das mãos aquele pedacinho de criptoméria e com uma navalha, bem melhor do que o meu canivete, e com outras ferramentas que o carpinteiro ali deixara, cortou, falquejou, aplainou, arredondou, raspou, alisou e em breve o transformou no corpo de um bovino com cabeça e tudo. Depois fez-lhe quatro buraquitos na barriga, espetou-lhes outros tantos pauzinhos a fazer de pés e pregou-lhe duas tachas na cabeça a simular os cornos com as respectivas cabeças a parecerem ponteiras. Para que a obra ainda ficasse mais perfeita, bela e completa pregou-lhe um pedacinho de corda fina, na parte de trás a fazer de rabo. Uma perfeição suprema! Uma obra de arte! Uma vaca como eu nunca imaginara possuir. Coloquei-a no chão. Só lhe faltava andar. Agora concluía que era realmente o fim da era dos sabugos, das favas e das vacas virtuais.

Regressei a casa feliz e guardei muito bem a minha “Formosa”, pois era assim que ela se havia de chamar. Fiz-lhe um palheiro, com manjedoura, rego, poça e tudo.

Mas uma vaca era pouco para as minhas brincadeiras quotidianas. Necessitava pelo menos de duas e um ou dois bezerros. É verdade que arranjei umas tiras de madeira, mas duras e pouco adequadas. É verdade que fiz dois ou três bezerros e uma vaca, mas esta saiu-me um autêntico “cramilhano”. Feia, magra, mal feita, quase não se aguentando em pé. Parecia realmente uma autêntica vaca velha, sobretudo porque ao lado da outra, da “Formosa” que era nova e bonita. Mas eram ambas as minhas vacas de madeira com as quais brinquei tantos anos e que hoje gostava muito de voltar a possuir

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publicado por picodavigia2 às 17:04





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