PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O DESCANSADOURO DO CIMO DA LADEIRA DO CALHAU MIÚDO
Um dos mais importantes, talvez mesmo o mais útil dos descansadouro da Fajã Grande era incontestavelmente o que se situava no Cimo da Ladeira do Calhau Miúdo. Útil e importante porque era ali que descansavam todos os homens que vinham carregados com os pesadíssimos molhos de erva, ainda molhada e a pingar-lhes pelos ombros abaixo, que todas as madrugadas iam ceifar para as lagoas da Ribeira das Casas, dos Moinhos, do Rego do Burro, das Covas, da Rocha do Vime e até dos lados da Ponta. Eram grupos e grupos de homens que caminhavam em coluna pelo caminho e que depois de subir a íngreme e comprida ladeira do Calhau Miúdo, sentiam uma insaciável necessidade de poisarem os molhos sobre as paredes das terras da Cambada e se sentarem a descansar numas toscas banquetas ali construídas ou nuns calhaus soltos que por ali proliferavam, uns colocados ali de propósito outros caídos das altas paredes circundantes. Para além de útil e importante este descansadouro proporcionava aos que ali se sentavam, usufruir de duas belas vistas: uma a norte com a ampla planície da Ribeira das Casas, do rolo e do Vale do Linho a impor-se lado a lado com o oceano e o Monchique lá ao fundo e as casinhas da Ponta, acolhidas à volta da igreja e como que encastradas no sopé da Rocha; outra a Sul, com a Fajã a servir de cenário muito bem alinhadinha entre o Pico da Vigia e o Outeiro. Simplesmente maravilhoso!
A importância deste descansadouro advinha-lhe também e sobretudo pelo facto de ele se situar no cimo duma ladeira, enquanto quase todos os restantes descansadouros da Fajã se localizavam em terrenos planos ou então em ladeiras como as do Batel, da Silveirinha ou do Espigão mas que os homens, em vez de subir, desciam quando carregados com molhos, cestos ou outras cargas. Ali, no Calhau Miúdo era precisamente ao contrário, isto é, os homens subiam a ladeira carregando tudo o que as terras davam para aqueles lados, pois para além dos encharcados molhos de erva, ainda acarretavam às costas cestos de milho ou de inhames da Ribeira das Casas e do Rego do Burro, molhos de incensos ou de lenha das Covas, sacos de batatas daqui e de além e até as moendas que se iam levar moinho ti Manuel Luís. Além disso era também ali que parava, não apenas para descansar mas até para dar dois dedos de conversa e partilhar novidades e mexericos, muita gente da Ponta, nas suas vindas e idas à Fajã para tratar disto ou daquilo ou até no regresso das suas viagens provenientes de locais mais longínquos, como seja das Lages ou da Vila. O descansadouro do Cimo da Ladeira do Calhau Miúdo até servia às gentes da Ponta como local de espera dos passageiros vindos em dia de Carvalho Araújo.
Por estes dias procurei o descansadouro do Cimo da Ladeira do Calhau Miúdo, ali mesmo ao lado da casa do Manuel Branco. Procurei mas não o encontrei, por uma razão muito simples: porque ele simplesmente já não existe, nem sequer uma única pedra dele ali se pode ver, a não ser alguma que eventualmente esteja escondida debaixo dos muros de cimento que actualmente ladeiam grande parte da rua da Tronqueira, no local onde outrora existiu o mais importante e mais útil e um dos mais belos descansadouro da Fajã Grande.
O descansadouro do Cimo da Ladeira do Calhau Miúdo é hoje um mito perdido no tempo, talvez apenas guardado na memória de alguém que também por ali passou, outrora, carregado com um pequeno molho de erva a pingar-lhe por todo o corpo, cansado, desgastado, molhado e desfeito, ansioso por ali colocar o pesado fardo que trazia aos ombros e dele aliviar-se durante alguns minutos, sentando-se, de seguida, não apenas para descansar mas também para conversar com algum amigo