PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O "BANHO" DA SENHORA DA SAÚDE
Desde há décadas, talvez mesmo séculos que a paróquia da Fajã Grande das Flores e as suas gentes prestam uma expressiva e glorificante homenagem à Virgem Nossa Senhora, sob a invocação de Senhora da Saúdem, consubstanciando-a numa das maiores e mais importantes festas da ilha. Outrora celebrada no dia oito de Setembro, dia em que a Igreja Católica comemora a festa litúrgica da Natividade ou do nascimento da Mãe de Deus, a festa passou a celebrar-se, desde há alguns anos, no segundo domingo de Setembro. A actual imagem, que se reporta parcialmente ao início da década de cinquenta, representa a Virgem com uma digna e virtuosa simplicidade: de mãos postas, vestida com uma túnica cor-de-rosa e um manto azul e com uma coroa dourada na cabeça.
A antiga imagem, no que respeita à sua forma, aspecto ou desenho, era rigorosamente igual à actual, sendo, no entanto, muitíssimo diferente no que à sua pintura diz respeito, Tratava-se de uma bela, artística e valiosíssima imagem, bastante semelhante à actual Senhora do Rosário, que ainda existe num dos altares laterais da igreja paroquial, mas sem rosário e sem o Menino, pintada a ouro em estilo barroco. Uma autêntica e verdadeira obra de arte, ou seja uma imagem com um notável valor histórico.
No início da década de cinquenta, por indicação de algumas pessoas mais importantes ou com maior influência na freguesia e mais afectas à igreja e com o apoio económico de um ou outro americano, o pároco da freguesia, na altura, entendeu que se tratava duma imagem “velha, estragada e sem graça nenhuma”. Muitos paroquianos partilhavam a mesma concepção e apoiaram a ideia do pároco. Havia pois que mudá-la, torná-la moderna e, sobretudo, mais bonita. Comprar uma nova não era fácil e o povo podia não gostar. Por isso a solução foi dar-lhe uma espécie de “banho” e reciclá-la ou seja mandar pintá-la com umas cores alegres, garridas que toda a gente gostasse, o azul celeste e o cor-de-rosa, o primeiro, simbolicamente, puro e o segundo, caracteristicamente, feminino. E lá seguiu Nossa Senhora da Saúde, muito bem embalada, dentro de um caixote, protegida com trapos velhos e papelões a bordo do Carvalho Araújo, com destino a Braga, para regressar uns meses depois, bonitinha, airosa, pintadinha de fresco, com as tais cores alegres, garridas, bonitas puras e femininas que ainda agora ostenta.
A mim não me repugna imaginar que o pintor a quem foi destinado aquele trabalho de pintar a imagem com cores modernas, ou alguém por ele, tivesse a sensibilidade artística necessária e suficiente para entender o valor artístico daquela imagem e, em vez de a pintar ou melhor de destruir a pintura primitiva, a tivesse guardado nalgum museu de arte sacra ou vendido para algum coleccionador de arte antiga, limitando-se a fazer uma outra imagem “fac símile”, pintando-a com as cores desejadas e que remeteu para a Fajã Grande como se fosse, de facto, a verdadeira imagem da Senhora da Saúde.