PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
INHAMES
Na década de cinquenta, na Fajã Grande, o inhame, paralelamente à batata branca e à doce, era um dos alimentos mais utilizados como acompanhamento do conduto. Comia-se inhame ao meio-dia e, por vezes, até à noite, a acompanhar os torresmos, a linguiça, o peixe frito, uma torta de ovo ou, nos dias de Espírito Santo, de São José e da Senhora da Saúde, carne guisada, umas vezes de galinha, outras de vaca. Considerado um bom alimento e de cultivo fácil, os inhames existiam, na Fajã, em grande quantidade e eram de excelente qualidade. Uns, os chamados inhames de água, abundavam nos terrenos alagadiços das Covas, das Águas, da Rocha do Vime, da Figueira, dos Paus Brancos e junto às margens de quase todas as ribeiras e grotas, enquanto os outros, os inhames de seco, se cultivavam nas hortas e terras de mato, juntamente com as árvores de fruto, nas belgas e terrenos mais soalheiros. Eram famosos os inhames do Delgado, da Cuada, da Lombega, da Cancelinha, do Moledo Grosso e de muitos outros lugares.
Os inhames, também chamados cocos nalgumas das outras ilhas açorianas, são desconhecidos na Europa, mas existem noutras partes do globo, nomeadamente no Brasil e na África. A sua raiz é a única parte comestível da planta e tem a forma de um tubérculo, cujo tamanho varia, desde os que se assemelham a pequenas batatas de apenas alguns centímetros de diâmetro até inhames gigantes, embora os da Fajã não fossem nem muito grandes, nem muito pequenos. A pele do tubérculo é áspera e pelosa, difícil de raspar, provocando, por vezes, graves alergias aos que executam a sua preparação, tornando-se difícil descascá-los e ainda mais raspá-los, tarefa necessária antes de os cozer em caldeirões de ferro, durante horas e horas. Antes da chegada à Fajã das panelas de pressão, os inhames geralmente eram cozidos em gigantescos caldeirões de ferro e em grandes quantidades, quase um cesto de cada vez. É que o tempo que demoravam a cozer e a lenha que gastavam não permitiam que se cozinhassem em pequenas quantidades. Os inhames também se comiam fritos, às rodelas, mas sempre depois de cozidos.
Em fresco, quando cortado, o inhame expele uma seiva viscosa e irritante para a pele e mucosas, devido aos ráfides de oxalato de cálcio que contêm. Depois de cozido, o seu interior é farinhoso e a superfície exposta ao ar enegrece rapidamente por oxidação. A porção comestível do inhame é a polpa, que sendo esbranquiçada, depois de cozida fica com uma cor diferente, nuns casos acastanhada, noutros rosada ou roxa e, nos inhames de água, ligeiramente esbranquiçada. Esta cor ainda era mais avermelhada, na chamada carapeta, ou seja, na parte inferior do inhame, geralmente menos saborosa e mais aguada do que a parte contrária. Quando a carapeta do inhame ou até algum inhame na totalidade era “rum” isto é, quando o inhame era muito aguado e pouco gostoso, era utilizado como alimento dos porcos. Havia também quem os tivesse em excesso e alimentasse os porcos com inhames crus mas de boa qualidade. A plantação do inhame faz-se de forma inédita mas simples: tiram-se as folhas e uma boa parte do caule, corta-se o tubérculo na parte superior e planta-se. As folhas do inhame, sobretudo as maiores e mais resistentes, também conhecidas por “orelhas de elefante” eram muito usadas, na Fajã Grande, para transporte de água, quando os homens andavam a trabalhar em terras perto de nascentes e, nos anos sessenta, até houve, nos Açores, mais concretamente na ilha de São Miguel, uma tentativa para as secar e com elas fazer cigarros, substituindo assim o tabaco e evitando a nicotina. Este projecto, no entanto abortou, pois os cigarros para além de possuírem fraca qualidade, desfaziam-se facilmente e eram intragáveis.
Devido ao seu exótico e excelente paladar para a maioria dos humanos e possuindo um valor nutricional muito bom e utilizando-se numa gama variada e diversa de composições culinárias em que pode ser incorporado, o inhame é considerado uma cultura de alto valor, sendo hoje cultivado em todas as regiões tropicais e subtropicais e em algumas regiões temperadas não sujeitas a geadas, como acontece nas ilhas açorianas. Nos Açores e na ilha das Flores, o inhame tornou-se num alimento de luxo, sendo cultivado em grande escala para ser servido na restauração, sobretudo no acompanhamento de produtos regionais como os torresmos, a linguiça, a morcela e a molha de carne.
Em finais do século XVII, nos Açores, uma tentativa de alteração das regras de cobrança do dízimo sobre o inhame levou a um levantamento popular conhecido como a “Revolta dos Inhames”, com o epicentro na ilha de São Jorge, o qual foi somente debelado após do envio de tropas do continente que chegaram a todas as ilhas.