PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
UM ATAQUE DE PIRATAS (DIÁRIO DE TI’ANTONHO)
Uma outra “estória” que meu avô contava era a de que há muitos anos, ali para os lados do Canto do Areal, por fora da Poça das Salemas, muito antes da Barca Bidarta ali se afundar, ancorou um navio muito grande e estranho. O povo percebeu logo que se tratava de um navio de piratas e ficou muito alarmado porque todos sabiam que eles queriam roubar e levar consigo tudo o que pudessem.
As pessoas começaram a fugir para o mato, levando o que podiam e deixando o resto para os piratas. Era sempre bom deixar alguma coisa de valor, batatas, milho, hortaliças, alguma cabra ou ovelha, ou alguns porquinhos, até porque não podiam levar consigo ou esconder tudo o que possuíam. As pessoas sabiam que se os piratas não ficassem satisfeitos com o que encontrassem, destruíam tudo, lançando fogo às casas, matando quem apanhassem pela frente.
O povo ainda mais se assustou quando ouviu o navio disparar, na direcção da rocha, tiros de canhão. Os malditos dos piratas tinham percebido que as pessoas fugiam para se esconderem e protegerem lá no alto e, por isso, começavam a atirar. As pessoas lá foram subindo a rocha, de maneira que não fossem vistas, escondendo-se nas furnas e nas abas das paredes, mas os piratas insistiram nos tiros e arriaram de bordo alguns botes conduzindo um grupo de piratas armados para terra, os quais desembarcaram mesmo junto à Poça das Salemas. Bem armados, entraram pelas casas, destruíram muitas e largaram fogo a outras, antes porém tiraram e roubaram tudo o que lhes interessava. E o povo, escondido, lá em cima, a ver destruído e saqueado tudo o que era seu e sem poder fazer nada. Meu avô contava que tinham entrado em todas as casas, a certificarem-se de que não havia ninguém e pilharam, à vontade, e levaram tudo o que as pessoas tinham deixado, ao fugirem para o mato. As pessoas, muito caladas e cheias de medo, espreitavam lá de longe por entre os ramos das árvores. As mães acalentavam os bebés ao colo para eles não chorarem. Os homens, furiosos, de não lhes poder resistir, rogavam pragas terríveis aos piratas, “diabos vos levem”,” “raios vos partam”,“bandidos”! “Um fogo vos abrase”! Só os cães é que não se calavam, ladravam como danados, rosnavam, latiam.
E ninguém tinha coragem de descer a rocha e aproximar-se das casas, ou de se expor à violência dos malditos piratas.
Depois de darem a volta ao povoado e de entrarem em todas as casas, os piratas voltaram ao navio e foram, buscar várias vasilhas e sacos. Voltaram a terra, juntaram muitos animais, sobretudo as galinhas dos currais e muito do que havia nos campos o milho dos estaleiros, as batatas, o feijão e as cebolas guardadas nas lojas e até foram aos moinhos roubar os sacos de farinha que lá estavam à espera que os donos os fossem buscar. Depois levaram tudo para o navio. Meu avô contava que não ficou uma única galinha viva.
As pessoas esperavam que à noitinha, o navio de piratas se fosse embora, a fim de poderem regressar às suas casas, pelo menos às que não tinham sido destruídas ou incendiadas. Mas isso não aconteceu. O navio ficou ali toda a noite, pois os piratas esperavam que as pessoas descessem, ao anoitecer, para durante a noite atacar de surpresa e matá-las. Por isso mesmo, só na tarde do dia seguinte, depois de o navio desaparecer no horizonte, por de trás do Monchique, as pessoas desceram à povoação. Primeiro soltaram os cães que desceram correndo, a ladrar, depois desceram os homens, e por fim os velhos e as mulheres com as crianças. E o povo começou, então, a trabalhar na reconstrução das suas casa e muitos tiveram que construir outras novas, pois muitas tinham sido incendiadas e totalmente destruídas.