PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
OS “FIOS” DAS PALAVRAS DE ARTUR GOULART
Não é todos os dias que temos o privilégio de receber, como oferta, um livro de poemas. Esse privilégio, no entanto, torna-se supremo, se for o próprio poeta e autor do livro a distinguir-nos com tão excelsa regalia, embora, neste caso seja bastante mais raro.
Quanto a mim confesso que já tive essa honra duas vezes. Uma há muitos anos. O livro que, nessa altura, recebi como oferta e autografado pelo próprio autor, com uma pequena dedicatória, foi o livro “Caminhos”, da autoria de Valério Florense, pseudónimo literário do padre José Luís de Fraga, meu conterrâneo. Mais recentemente fui presenteado por Artur Goulart com livro “No Fio das Palavras” de que é autor
Artur Goulart foi meu mestre e companheiro. Homem de uma sensibilidade notável, de uma cultura elevadíssima e de um profundo saber, sobretudo no domínio das artes, foi o professor que durante mais anos me acompanhou como mestre ao longo da minha formação académica e de quem recebi, para além dos conhecimentos das disciplinas por ele leccionada, um notável exemplo de nobreza de carácter e de defesa de valores morais. Afável nas suas atitudes, compreensivo na nossa inquietude e alegre nas horas de convívio, Artur Goulart fazia das suas aulas autênticos momentos inesquecíveis de diálogo, de partilha, mas sobretudo duma aprendizagem eficaz e profícuo, utilizando, na década de sessenta, paralelamente a Edmundo Oliveira, audiovisuais nas suas aulas, o que as tornava obviamente, num e noutro caso, muito mais atractivas e motivadoras.
Ao receber “No Fio das Palavras” e recordando o meu saudoso mestre e actual companheiro, interroguei-me de qual seria o sentido deste “fio” das suas palavras. Li-as todas e voltei a ler alguns dos poemas, ou melhor reescrevi-os porque acredito que cada leitor ao ler um poema como que o reescreve à sua maneira. E descobri então que nestas palavras dos poemas de Artur Goulart existem, afinal, não um, mas três “fios”. Primeiro porque as palavras de Artur Goulart estão de tal modo escritas e elaboradas com tal sensibilidade que realmente parecem ligar-se umas às outras como o fio de um enorme e misterioso novelo. E é precisamente com esse suave e macio “fio” que elas contêm e encerram que vamos construindo, elaborando e tecendo, a pouco e pouco, imagens de sonho, de beleza e de graciosidade reais. É o que acontece se na realidade seguirmos esta espécie de “fio” “sobranceiro ao mar, à solidão, ao luar, ao vento, perdido nas ondas, carregado de bruma, de saudade, de distância...” construiremos facilmente as imagens de sonho dos nossos “ilhéus”. Mas as palavras de Artur Goular têm um outro fio cortante, uma espécie de gume com o qual as vamos abrindo uma a uma, penetrando no su interior semântico, bebendo a beleza profunda do seu significado e saboreando a amplitude magna da sua compreensão: “…na entrega há o segredo inteiro da subida.”. Mas as palavras do poeta ainda contêm um terceiro “fio”, aquele que derramam ou despejam sobre o leitor como uma espécie de bálsamo purificante, como um perfume de suavidade e doçura, como gotas enternecedoras de sublimidade que lentamente nos vão envolvendo numa perene e infinita maré de açorianidade: “Só/Ilha/o mar/ e eu.”,
Acrescente-se que o livro de Artur Goulart editado pela Santa Casa da Misericórdia da Vila das Velas, ilha de São Jorge, donde é natural, contém um excelente prefácio de Olegário Paz.