PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
MORCELAS
Na Fajã Grande, como em todos os outros lugares, freguesias ou regiões do país, as morcelas eram feitas por altura do Natal, normalmente nos dias que o antecediam, sendo confeccionadas no próprio dia da matança do porco.
Para a sua realização utilizavam-se as tripas grossas, o bucho e o velho, sendo tudo muito bem limpo, lavado, tornado a lavar, virado e revirado, areado com laranjas azedas, folhas de cebola e farinha e novamente muito bem lavado até ficar completa e absolutamente limpo. Como,”sem sangue não se fazem morcelas”, o sangue do porco era ingrediente obrigatório. Para tal o porco devia ser muito bem degolado a fim de “deitar” a maior quantidade de sangue possível, o qual era aparado num enorme alguidar, onde se juntava uns punhados de sal, mexendo-se constantemente com as mãos ou com colheres de pau, para que não coagulasse. Ao sangue de um porco normal ou médio devia juntar-se mais ou menos um quilo de arroz cozido, duas tigelas médias de rama de cebola picada e também cozida, duas mãos cheias de salsa picada, alhos igualmente picados, pedacinhos de carne e de toucinho da barriga e temperos variados: canela, cominhos, noz-moscada, cravo-da-índia, sal e malaguetas. Um pormenor curioso era o de que a rama da cebola depois de cozida deveria ser muito bem espremida, o que se fazia geralmente apertando-a dentro de uma toalha ou outro pano. Uma vez juntos todos os ingredientes, misturavam-se muito bem, provava-se e acertavam-se os temperos, deixando-se repousar durante algumas horas.
Só então se enchiam as tripas grossas, o bucho e o velho com todo este preparado, devendo atar-se, antecipadamente, uma das extremidades da tripa com um fio barbante ou outro que se tivesse mais à mão. As tripas não deviam ser muito cheias ou acoguladas a fim de não rebentarem, sobretudo durante a cozedura. Depois de encher a tripa, amarrava-se a outra extremidade, prendiam-se os fios das duas pontas uns nos outros de modo a que a morcela formasse uma espécie de semicírculo, prendiam-se pelos cordões em grupos ou cachos, em varas de vime e mergulhavam-se, durante algum tempo, em água a ferver e a que, antecipadamente, se juntara um mão cheia de sal. Para saber se as morcelas já estavam cozidas, retirava-se uma e bicava-se com uma agulha; se não vertesse sangue era sinal de já estarem cozidas e prontas a retirar.
As morcelas geralmente serviam-se cortadas às rodelas ou fritas em banha e comiam-se acompanhadas de pão de milho, de bolo, de batata-doce ou de inhame. Eram um excelente e saboroso manjar! Também se guardavam algumas, debaixo de banha, para se conservarem melhor e comerem mais
Era tradição, em muitas casas da Fajã Grande, cozer os pés do porco junto com as morcelas, os quais, juntamente com o bucho, constituíam a ceia no dia da matança, na qual participavam apenas as pessoas da casa e uma ou outra mais chegada ou amiga.