PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
SOPAS FRITAS
As chamadas “Sopas Fritas” que outrora se cozinhavam na Fajã Grande não eram nem mais nem menos do que uma espécie destas “Rabanadas”, nalguns sítios também chamadas “Fatias Douradas”, que proliferam nesta altura do Natal, por todo o norte do país, desde o Douro Litoral a Trás-os-Monrtes, passando pelo Minho, Alto Douro e que enchem as casas de perfume a canela, a limão e a Natal. Aqui em Paredes e arredores são feitas com o tradicional “cacete” partido em fatias relativamente finas e fritas em óleo ou banha, depois de serem muito bem encharcadas numa calda feita ao lume com água, açúcar, pau de canela, casca de limão e vinho do Porto ou simplesmente em vinho com açúcar, o que acontece geralmente entre as pessoas mais antigas ou nas casas pobres das zonas rurais. Depois são escorridas, passados por ovo, fritas e polvilhadas com açúcar e canela em pó por ambos os lados. Nalguns sítios são cobertas com uma calda semelhante à primeira e a que é adicionada um colher de sopa de mel. Constituem, juntamente com os “formigos” e os bolinhos feitos de abóbora cozida e farinha, chamados “bolinhos de jerimu”, o conjunto dos doces mais típicos e tradicionais que se servem como sobremesa na noite da Consoada, aqui pelo Norte. Não há casa onde, por esta altura, elas não abundem e, actualmente, até já se podem comprar em padarias ou pastelarias
Na Fajã Grande, porém, nos anos 50 eram chamadas “Sopas Fritas” e embora cozinhadas, nalguns aspectos, de forma um pouco semelhante às Rabanadas do Norte, não eram um doce ou sobremesa típica do Natal, pois cozinhavam apenas quando em casa havia pão de milho velho e de tal maneira enrijecido que já se não podia comer. A sua elaboração também era um pouco diferente, dado que, geralmente eram embebidas em leite com açúcar e não em calda ou vinho. Nas casas mais pobres, porém, ao leite não se misturava açúcar, que não havia dinheiro para o comprar. Depois eram passadas por ovos batidos, se os houvesse, ficando, neste caso, apenas encharcadas no leite, sendo depois fritas em banha de porco. Eram também geralmente cobertas com canela e açúcar, acrescentando-se, por vezes, um pouquinho de raspa de limão que ayé podia substituir o açúcar e lhes dava um cheiro agradável e um sabor muito bom.
Receita semelhante se fazia com fatias de pão de milho, de bolo ou até de escaldadas. Nenhumas destas, porém, eram passadas embebidas em leite e raramente embrulhadasem ovo. Eramapenas fritas em banha de porco, preferencialmente da que cobria a linguiça e que lhes conferia um sabor mais apetitoso, agradável e atraente.
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RECÍPROCO
MENU 6 – “RECÍPROCO”
ENTRADA
Taglierini com pimentos, cebola e mortadela de peru,
salteada em azeite e creme de queijo fresco,
guarnecida com fios de cenoura temperados co vinagre balsâmico
PRATO
Mousse de peixe e brócolos, acamada sobre alface.
Rodelas de pepino grelhadas e barradas com creme de queijo fresco.
Salada de feijão-verde com pimentos e cebola
SOBREMESA
Cerejas com meloa ao natural
Geleia de morango.
****
Preparação da Entrada – Cozer a massa em água com um fio de azeite. Saltear, num pouco de azeite, a cebola, os pimentos e juntar a massa. Retirar do lume e misturar uma colher de creme de queijo fresco. Juntar os fios de cenoura e salpica-los com o vinagre.
Preparação do Prato – Cozer os brócolos com uma batata, cebola, alho e sementes de funcho. Juntar uma colher de creme de queijo fresco, umas gotas de azeite e reduzir a puré. Juntar uma meia folha de gelatina, liquefeita. Grelhar as rodelas de pepino e barrá-las com um pouco de creme de queijo fresco. Em azeite, saltear pedacinhos de cebola, pimentos e juntar feijão verde em grão. Dispor no prato e servir
Sobremesas – Preparação tradicional.
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CORSÕES DE MILHEIROS E BOIS DE SABUGO
Na Fajã, no início dos anos cinquenta, não se compravam brinquedos, por duas razões muito simples: primeiro porque não havia dinheiro e, em segundo lugar, nem sequer havia brinquedos para comprar.
Assim, exceptuando um ou outro automóvel de baquelite ou alguma boneca de loiça que vinham da América, muito bem embrulhados nas roupas que traziam as encomendas, éramos nós próprios, crianças de então, que construíamos, por vezes de maneira tosca e rudimentar, todos, mas mesmo todos, os nosso brinquedos, a maioria dos quais se baseava ou imitava objectos e utensílios utilizados pelos adultos na sua principal faina quotidiana – a agricultura.
Ora um dos objectos mais imitado na elaboração dos nossos brinquedos era o corsão com que brincávamos em cada dia, em cada hora e em cada minuto. Fazíamos corções minúsculos com uma rapidez, uma competência e uma agilidade fantástica. Por vezes fazíamo-los de madeira mas, como esta era rara e mais difícil de trabalhar, utilizávamos habitualmente e como alternativa, as canas do milho. Pegávamos num milheiro ou em dois e cortávamo-los em dois pedacinhos do mesmo tamanho. Depois aguçávamos em forma de proa de navio uma das extremidades de cada um dos pequenos e delgados troncos do milho e arranjávamos cinco ou seis “fochos” a fazer de travessas que cravejávamos nos milheiros, formando assim um verdadeiro corsãoem miniatura. Faltavam apenas os fueiros, tarefa também muito fácil de concretizar pois bastava apenas fixar mais uns pauzinhos na parte de cima dos milheiros e lá estava o corsão completo. Depois era só carregá-lo com lenha, incensos, ervas, casca de milho, produtos que eram sempre bem presos e amarrados com cabos de espadana e apertados com arrochos, como se de um corção de verdade se tratasse.
E o cabeçalho? Bem o cabeçalho era feito com um fio de espadana bem grosso que se prendia a uma canga, também de espadana com duas laças nas pontas onde se enfiavam dois sabugos a fazer de bois que assim ficavam verdadeiramente “encangados”. E então se conseguíssemos um sabugo vermelho!...
E assim nos entretínhamos horas e horas a brincar, tão felizes e alegres, com estes brinquedos tão simples, apesar da pouca durabilidade de que eram dotados, pois o corção desfazia por completo assim que os milheiros secavam.
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MAIS UMA DE BOLO
Rezam as crónicas que minha avó paterna, na sua senectude, terá manifestado algumas atitudes e procedimentos menos vulgares ou pouco normais assim como certas excentricidades ou manias, que terão levado, os que a rodeavam e tratavam, a julgar que tinha ensandecido.
Entre as suas extravagantes exigências, resultantes de um quotidiano amorfo e monótono, próprio de quem entra numa senilidade demente, havia uma muito simples mas estranha e cuja concretização onerava, significativamente, o parco e reduzido orçamento familiar: exigia ela comer sopas de café com pão de trigo, todos os dias. Mas isso era quase um luxo, pelo menos, coisa rara na altura, não tanto pelo café, que este era de favas e chicória, mas pelo pão de trigo, dado que os campos na Fajã nunca produziram quantidades significativas deste cereal e comprar farinha de trigo era, na altura, uma espécie de magnificência, que só os ricos e endinheirados, que diga-se de passagem eram poucos, o conseguiam.
No entanto, com algum sacrifício e significativas alterações nos hábitos de vida caseira, lá iam, os meus familiares a quem estava confiada a sua guarda, arranjando, de vez em quando, alguma farinha e, no meio do bolo e do pão de milho, iam cozendo, um ou outro pão de trigo, satisfazendo assim os sonhos que quem, agora demente, tivera uma vida dolente e sofrida. Mas coziam pouco, muito pouco. Por isso, impunha-se poupá-lo. É que acendia-se o forno, apenas, uma vez por semana e padarias, apenas, existia uma, em Santa Cruz. Daí que ensaiassem uma velha estratégia, baseada no ditado popular “com papas e bolos se enganam os tolos”, de, junto com os pedaços do pão de trigo esmigalhados no café, juntar alguns pedaços de bolo. Tinham como objectivo apenas e tão-somente aumentar o cardápio à mãe do meu progenitor, garantindo-lhe a quantidade de alimento necessário a uma vida eficaz e salutar. Bem-intencionados, sem dúvida, estavam os meus parentes, pois pensavam que misturando o bolo ao pão de trigo, minha avó alimentar-se-ia muito bem e, devido ao seu aparente estado de demência, não daria por nada, nem se aperceberia da “batota” engendrada. Enganaram-se radicalmente!
Então não é que a minha avó, sempre que lhe enfiavam, por meio das sopas de pão de trigo, uma colherada de bolo pelas goelas abaixo, gritava ironicamente, em alto e bom som:
"- Lá vai, mais uma de bolo!”
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A PRINCESA CARLOTA
(CONTO TRADICIONAL)
Era uma vez um rei, jovem e solteiro. Os conselheiros insistiam com ele, que se casasse, para deixar sucessores ao trono. O rei era amigo de caçar, e sempre que saía passava defronte de uma cabana, onde morava um velho pastor e sua formosa filha, chamada Carlota. Um dia disse-lhe o rei:
- Os meus vassalos querem que eu case, e tu és a única mulher de quem eu gosto; queres casar comigo?
- Isso não pode ser, senhor; porque eu apenas sou uma pobre pastora.
- É o mesmo, caso contigo, mas com a condição de nunca me contrariares nos meus desejos, por menos razoáveis que sejam.
- Estou por tudo que Vossa Majestade me ordenar. – Concluiu a pastora
Tudo acertado, realizou-se o casamento. O rei mandou para a cabana do pobre velho fatos de rainha, que ela vestiu, largando os seus trapinhos. Mas o pai disse-lhe:
- Guarda esses trapinhos, pode ser que ainda precises deles.
A filha guardou os trapos em uma caixa, que deixou em poder do pai, e partiu para o palácio, onde passou a viver, como rainha.
Ao fim de nove meses deu à luz uma menina, tão formosa como sua mãe. Passados três dias entrou o rei no quarto da esposa e disse-lhe:
- Trago-te uma triste notícia: os meus vassalos querem que eu mande matar a nossa filha, porque não se conformam serem um dia governados pela filha de uma pastora.
- Vossa Majestade manda, e cumpre-me obedecer, - respondeu a rainha, quase a saltarem-lhe as lágrimas dos olhos.
O rei recebeu a menina e entregou-a a um conselheiro. Tempos depois teve a rainha um filho, que o rei mandou igualmente matar sob o mesmo pretexto.
Alguns anos depois entrou o rei muito apoquentado no quarto da esposa e disse-lhe:
- Vou dar-te uma notícia, de todas a mais triste, os meus vassalos estão indignados comigo; não querem que estejas em lugar de rainha, e dizem-me que te expulse do palácio. Por isso, querida Carlota, prepara-te, que tens de voltar para a cabana de teu pai.
- Não se apoquente, Real Senhor; estou pronta a obedecer; parto já.
- Tens que despir os fatos de rainha.
- É o que já vou fazer, Real Senhor.
E a rainha despiu todo a roupa ficando em camisa.
- Não dispo a camisa, porque encobre o ventre onde estiveram guardados os nossos filhos. – Disse a rainha, lavada em lágrimas.
O rei nada teve que objectar e Carlota partiu com destino à cabana do pai. Estava o velho pastor à porta, quando viu aproximar-se a filha. Recolheu-lhe logo para dentro, tirou da caixa os antigos trapinhos e levou-os à filha para que os vestisse. Ela vestiu-os sem proferir um queixume e recomeçou a sua antiga vida de pastora. Para ela a sua vida de rainha fora apenas um sonho; lembrava-se muito dos seus filhos de quem tinha cada vez mais saudades. Passados anos voltou o rei a casa de Carlota, e disse-lhe que os vassalos instavam com ele, que casasse; e por isso tinha resolvido casar com uma formosa princesa de quinze anos.
- Efectivamente, respondeu a pastora, um rei bom como Vossa Majestade merece ter uma verdadeira princesa por esposa, que lhe dê uma descendência digna e nobre que lhe perpetue o nome.
- Venho pedir-te o favor de voltares ao palácio para dirigires as criadas de cozinha. Bem sabes que a princesa há-de ser acompanhada por fidalgos, e vem igualmente com seu irmão mais novo. Quero servi-los numa lauta mesa.
- Estou pronta, logo que Vossa Majestade ordenar, – disse Carlota
- Chegam amanhã. Deves regressar hoje ao palácio.
Assim fez Carlota, dirigindo-se para o palácio, vestindo um pobre vestido de chita. No dia seguinte chegou a noiva e o irmão, com outros fidalgos, e houve à sua chegada grandes festejos. Carlota estava na cozinha onde o rei a encontrou.
- Não vens ver a minha noiva? – Perguntou-lhe o rei.
Carlota saiu da cozinha e foi cumprimentar a noiva.
- É muito linda! - Disse Carlota, beijando-lhe a mão. - Deus a conserve por muitos anos e lhe dê muita felicidade. É digna do rei que vai receber por seu marido.
A menina ficou estupefacta. Então o rei ajoelhou-se em frente de Carlota, e disse:
- Olha que são os nossos filhos. Quis experimentar o teu coração: és uma pastora que vale mil rainhas.
Houve então mil abraços e beijos de parte a parte. O rei mandara os filhos para casa de uma tia, que os educava como príncipes, em vez de os mandar matar como tinha afirmado à rainha.
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PASSO LENTO
"É melhor um passo lento por caminho recto do que muita velocidade fora do caminho."
(São Leão Magno, teólogo e papa – sec. V)
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O IMPÉRIO DE SÃO PEDRO
Na Fajã Grande existiam 6 Impérios: quatro do Espírito Santo (Casa de Cima, Casa de Baixo, Ponta e Cuada) e dois de S. Pedro (Casa de Cima e Ponta).
Curiosamente a festa organizada pelo Império de S. Pedro da Casa de Cima, assim como o S. Pedro da Ponta, era em tudo ou quase tudo, muito semelhante à festa do Espírito Santo, realizada nos outros Impérios. Apenas as insígnias eram diferentes: não havia bandeira branca, a coroa era muito pequenina e, nos cortejos, era sempre acompanhada por uma imagem de S. Pedro. Como a imagem de S. Pedro, pertencente ao respectivo Império era muito pequenina, no dia da festa e nas procissões e cortejos que se realizavam por essa altura, era a imagem existente na igreja, porque bastante maior, que acompanhava as outras duas insígnias, sendo transportada em andor adequado.
Mas a grande diferença entre o Império de São Pedro e os do espírito Santo era a de que a maior parte dos mordomos pertencentes a este Império eram jovens e crianças. Chamava-se também “Império das Crianças”.
Mas, da mesma forma que na festa do Espírito Santo, na semana que antecedia a de S. Pedro e de forma idêntica, eram cantadas as Alvoradas. Na antevéspera, de tarde, organizava-se o cortejo até rolo da Baía de Água, para a matança do gado, sendo a carne distribuída pelos mordomos na véspera de manhã, acompanhada pela pequenina coroa, pela bandeira, pelos foliões e por muitas crianças.
A festa realizava-se no dia 29 de Junho, dia liturgicamente dedicado a S. Pedro e S. Paulo, quando ainda era “dia santo abolido”. Nesse dia havia idêntico procedimento ao da festa de Espírito Santo, verificando-se apenas uma alteração: da parte da tarde organizava-se uma procissão, com coroa, bandeira e imagem do Santo, até ao Porto Velho, onde os barcos presentes haviam sido devidamente ornamentados e enfeitados. A imagem era colocada num barco juntamente com a coroa e a bandeira, enquanto o pároco, com barco a servir de púlpito, pregava o sermão, procedendo, de seguida, à bênção dos barcos.
O cortejo regressava à Casa de Cima e procedia-se às sortes dos novos cabeças, com um ritual em tudo semelhante ao realizado na festa de Espírito Santo.
A festa terminava, ao início da noite, com o “levar das sortes” aos novos cabeças.
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UMA MULTA NA CIDADE DO PORTO
No dia 31 de Março de 2008 estacionai o meu automóvel na Rua Clemente Meneres, na cidade do Porto, sem pagar a respectiva taxa de estacionamento, tendo sido devidamente actuado por tal irregularidade. Como era óbvio e já esperava, passados alguns dias recebi a devida notificação da Câmara Municipal do Porto, onde me disponibilizava a possibilidade de efectuar o pagamento da respectiva multa através de cheque enviado à mesma pelos correios. No dia 28 de Abril, cumprindo os prazos legais, enviei um cheque com o quantitativo estabelecido no aviso da multa para a Câmara Municipal do Porto, sem no entanto, especificar qualquer departamento daquela edilidade. No dia 8 de Julho o cheque foi debitado da minha conta considerando eu a dívida paga e a questão encerrada.
Para espanto meu, no dia 8 de Agosto do mesmo ano, recebi uma carta assinada pelo Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade da C. M. do Porto informando-me que a dívida não tinha sido paga, de que o seu montante, nesta data, já era três vezes superior, constituído, simultaneamente, arguido num processo judicial.
Dirigi-me ao Porto, numa distância de 60 kms, com portagens e estacionamento pago na invicta, fui à agência da Caixa Geral de Depósitos e requisitei documento comprovativo de que o cheque teria sido levantado e depositado na conta da Câmara Municipal do Porto, expediente que eu próprio tive que pagar. De seguida dirigi-me ao Gabinete do Munícipe da C.M do Porto, fazendo prova de que a multa havia sido paga. Fui informado pela funcionária de que o responsável pelo meu processo não estava de serviço, garantindo-me que durante a tarde desse dia seria contactado por ele.
Como não fui contactado, nem nessa tarde nem em nenhuma outra, no dia 14 de Agosto enviei nova carta registada e com aviso de recepção ao Departamento Municipal Jurídico e de Contencioso da Câmara Municipal do Porto, juntando as provas documentais de que a dívida estava paga, das despesas desnecessárias que tinha feito, exigindo que fosse ressarcido.
Porém, da Câmara Municipal do Porto até hoje, nada recebi. Nem um simples cartão a confirmar que a dívida estava paga e, no mínimo, a pedir desculpas.
NB - Texto publicado no Pico da Vigia, em Janeiro de 2010.
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NOITE DE TEMPORAL NO MAR ALTO
Certa vez em que viajava no Cedros, levantou-se um medonho temporal durante a viagem entre o Faial e as Flores. Logo ao sair da Horta os passageiros haviam sido avisados de que estava previsto mau tempo para a noite que se aproximava e, logo após ao sair da doca, o vento forte já começava a agravar o estado do mar, que piorava a cada momento, provocando um balancear contínuo e exagerado do pequeno navio. Ainda não tinha passado o morro de Castelo Branco e comecei a enjoar, a sentir tonturas, vómitos e enormes dificuldades em segurar-meem pé. O Cedrosnavegava cada vez mais açulado pelo forte vento norte e com um ranger assustador dilacerava ondas enormes e altivas, provocando grandes balanços e sucessivos solavancos, que assustavam sobretudo mulheres e crianças. Sentindo que ia vomitar e não tendo onde, desloquei-me para o salão da terceira classe na tentativa de descobrir lugar onde me recostasse e onde, à socapa, me aliviasse. O salão estava repleto de crianças a chorar, de mulheres a gritar e de homens a gemer. Quase todos vomitavam e muitos outros estavam prestes a fazê-lo. O salão exalava um cheiro insuportável e o ar lá dentro era pestilento a ponto de sufocar. Saí cá para fora, para respirar o ar puro e fresco, acompanhado dos salpicos do mar. Mas sentia-me em piores condições do que quando entrei. O mar piorava a cada momento o que agravava as condições de navegabilidade do navio que balouçava cada vez mais assustadoramente. O Faial havia desaparecido há muito no escuro da noite e no negrume do temporal. À minha volta a maior parte dos passageiros vomitava. Eu não pude evitá-lo. Uma vasca terrificante e nauseativa apoderou-se de mim e o meu corpo, trémulo e inerte, estatelou-se no convés duro e molhado. Ali fiquei por algum tempo. Salpicado com os respingos da água salgada que a proa do navio ao sulcar as ondas projectava no ar e que caíam em chuveiro sobre o convés e sobre mim, reanimei. Decidi aproximar-me mais da borda do navio e permanecer ali com o rosto exposto ao ar frio da noite e à água salgada. Assim sentia-me mais aliviado. Mas o meu corpo continuava inerte e sem forças. Um marinheiro viu-me e veio tirar-me dali, avisando que era perigoso, pois, na opinião dele, alguma vaga maior poderia molhar-me por completo ou até arrastar-me. Amparado pelo homem, sentei-me em cima de uns sacos molhados que por ali estavam mas onde continuava a ser bafejado pelo fresco da noite que me ia aliviando a náusea e a aflição. A noite continuou num suplício permanente, angustiante e desanimador.
Alta madrugada, adormeci. Quando acordei eram nove horas e o navio balouçava assustadoramente no alto mar, bem longe das Flores, à espera que tempo acalmasse para poder fazer serviço na ilha. Caso contrário, estávamos condenados a regressar ao Faial.
E já passava muito do meio-dia quando o barco, timidamente, se aproximou da ilha e a muito custo lá foi despejando passageiros e mercadorias para os frágeis batéis que o circundavam, os quais opondo-se a ondas altíssimas e assustadoras lá conseguiam atirar com os passageiros para cima dos cais de Santa Cruz.
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PRIMITIVO ELENCO DA FILARMÓNICA "NOSSA SENHORA DA SAÚDE"
A Filarmónica “Senhora da Saúde” actuou pela primeira vez, em público, em 7 de Setembro de 1951, precisamente no arraial da véspera da maior festa da Fajã Grande – a Senhora da Saúde. Consta que a ideia de criar uma filarmónica na Fajã Grande, terá surgido dois anos antes, em 1949, precisamente no dia da Senhora da Saúde. Nesse ano a Filarmónica apalavrada para vir abrilhantar a festa da Senhora da Saúde foi a Filarmónica da Lomba, denominada “Manuel Martins”, uma das mais antigas da ilha, fundada em 7 de Agosto de 1971, precisamente no dia do padroeiro daquela freguesia, S. Caetano. Por razões estranhas e inesperadas a Filarmónica da Lomba não apareceu. Devido às dificuldades então existentes, quer a nível de comunicações, quer a nível de transportes, não foi possível contratar outra filarmónica e, para desgosto de todos e raiva de muitos, a festa fez-se sem filarmónica. Foi então que um grupo de notáveis se reuniu e decidiu que a freguesia havia de comprar uma filarmónica. Se bem o pensou melhor o fez. Com o dinheiro do leite de toda a freguesia, no primeiro domingo de cada mês de conseguiu-se comprar não só os instrumentos mas também os fardamentos e todo o restante material.
Muitos rapazes e homens aprenderam música, sob a orientação do Senhor Moniz das Lajes. Escolheram-se os melhores e, finalmente, na véspera da festa da Senhora da Saúde, a Filarmónica saiu em marcha da casa de Cima e actuou num coreto de madeira, montado no adro da igreja.
Aqui ficam os nomes do regente e dos primeiros 17 elementos que constituíram o primitivo elenco da “Senhora da Saúde:
- 1º Contra Baixo – Álvaro do Raulino
- 2º Contra Baixo – José do Lucindo Cardoso
- 1º Bombardino - Ângelo Mancebo
- 2º Bombardino - António de José Cardoso
- 2º Trombone – Roberto do Cristóvão
- 1º Trombone –Rafael da Mariana Felizarda
- Saxofone – José Furtado
- 1º Trompa – José Fragueiro
- 2º Trompa –João Fagundes
- 1º Cornetim – José Lourenço
- 2º Cornetim –Manuel de José Cardoso
- 1º Trompete – José Santos
- 2º Trompete – Luís de Abrão
- Clarinetes - João Cardoso, Jesuíno, José do Gil e Albano
- Requinta – José Lucindo
- Bombo e Pratos – José Felizardo
- Tarola – António de Abraão.
Regente – José Mancebo.
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SILVEIRA, PEDRO DA
(TEXTO DE URBANO BETTENCOURT)
Nasceu Fajã Grande, ilha das Flores, 5.9.1922. Morreu em Lisboa, 13.4.2003.
Fica-lhe bem o epíteto de o mais ocidental poeta europeu, por ter nascido no ponto em que a Europa e a América mais se aproximam uma da outra. Talvez esse facto e a existência de uma forte tradição migratória na família (ele próprio possuía passaporte americano) ajudem a explicar a inquietação e a errância intelectual deste homem, poeta, investigador histórico e literário, tradutor, etnógrafo.
Nos anos 40 do século XX, na cidade de Ponta Delgada, transformou o jornal A Ilha num pólo aglutinador de jovens intelectuais; neste jornal divulgou a moderna literatura cabo-verdiana (revista Claridade, de 1936), cujos autores também nele colaboraram.
O seu primeiro livro de poemas atestaria de forma irrecusável esse contacto com os poetas cabo-verdianos e também com um poeta brasileiro como Manuel Bandeira. De resto, a poesia de Pedro da Silveira soube sempre assinalar uma forte vinculação ao chão açoriano, ao mesmo tempo que se desdobrava num constante e profícuo diálogo com «as ilhas todas do mundo», em termos culturais e poéticos.
Em 1951, Pedro da Silveira fixou residência em Lisboa, tendo exercido aí várias actividades e reformando-se em 1992 como director de serviços da Biblioteca Nacional. Redactor da revista Seara Nova até 1974, deixou colaboração dispersa pela imprensa nacional e estrangeira, do Brasil ao México, de Cabo Verde a Moçambique.
A sua Antologia de Poesia Açoriana – do século XVII a 1975 (Lisboa, Sá da Costa, 1977) reúne um precioso manancial de informação histórica e biobibliográfica; o extenso verbete «Açores» no Grande Dicionário de Literatura Portuguesa e de Teoria Literária, de João José Cochofel, constitui uma excelente amostra do que viria a ser a História da Literatura Açoriana, que andava a preparar quando faleceu.
Pedro da Silveira foi ainda um atento pesquisador literário e etnográfico, como o reconhece o investigador Gerald Moser e o atestam as numerosas recolhas de exemplares da oratura que efectuou e de que deu conta em publicações avulsas.
Deve-se a Pedro da Silveira a reedição de Almas Cativas (Lisboa, Ática, 1973), de outro grande poeta açoriano, o simbolista Roberto de Mesquita, cuja lição de enraizamento poético não deixa de repercutir em Silveira, embora já em diferentes modulações expressivas e estéticas, que passam, entre outras coisas, pela utilização de processos discursivos da oralidade: a transposição da fala popular, o tom narrativizante de alguns poemas e de algumas sequências poéticas que muito devem à tradição narrativa popular.
Obras. Poesia: (1952), A Ilha e o Mundo. Lisboa, Centro Bibliográfico. (1962), Sinais de Oeste. Lisboa, Ed. do autor. (1985), Corografias. Lisboa, Perspectivas & Realidades. (1999), Poemas Ausentes. Santarém, O Mirante. A sua obra completa começou a ser publicada pela Direcção Regional da Cultura, sob o título de Fui ao mar buscar laranjas, de que saiu apenas o 1.º volume (Angra do Heroísmo, 1999).
Diversos: (1986), Mesa de Amigos, Angra do Heroísmo, Direcção Regional dos Assuntos Culturais. (2.ª ed., Lisboa, 2002), traduções de poesia feitas ao longo de mais de trinta anos; (s.d.), 43 Médicos Poetas (antologia). Porto, Laboratório Normal. (1999); Antologia Poética, de Joaquim Fortunato de Valadares Gamboa. Santarém, Ed. O Mirante.
Bibl. Fagundes, F. C. (1999), A Visão da Outra Margem: A emigração em A Ilha e o Mundo de Pedro da Silveira, in Gávea-Brown, Providence, Department of Portuguese and Brazilian Studies, Brown University, Dec., XIX-XX. Sousa, J. R. (2000), Pedro da Silveira: um viajar no tempo e nas palavras, in Atlântida, Angra do Heroísmo, XLV. Bettencourt, U. (2003), Pedro da Silveira- a escrita e o mundo, in Ilhas conforme as circunstâncias. Lisboa, Edições Salamandra.
“Silveira, Pedro da”, verbete da Enciclopédia Açoriana, Urbano Bettencourt
© 2011 Direção Regional da Cultura, Centro de Conhecimento dos Açores
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KETCHUP
O ketchup é um condimento elaborado à base de tomate, utilizado, comumente, para temperar diversos alimentos, nomeadamente "fast-foods", tais como sanduíches e batatas fritas, um tipo de alimentação, muito usado actualmente.
Acredita-se que este condimento tem sua origem na cultura chinesa, onde é chamado de “ketsiap” que significa molho, mas utilizado pelos chineses, apenas para temperar peixe. Na Malásia, uma outra versão deste mesmo molho tem o nome de “kechap”, que significa gosto. Chegou à Europa, pelo médio oriente, instalando-se, inicialmente, com “ketchiren”. Levado para os Estados Unidos pelos britânicos, este molho sofreu algumas alterações, passando a ter como ingrediente principal o tomate e foi baptizado com o nome de “ketchup”. A partir de então passou a dominar também os supermercados europeus, por vezes, abarrotando as caixas. Actualmente o seu caudal parece ser menor, apesar de se ter melhorado a qualidade do produto, concedendo-lhe outro sabor e até outro perfume. Isto porque, hoje sabe-se, que o ketchup é rico em licopeno, um pigmento que dá cor vermelha aos tomates e que, comprovadamente, protege o nosso organismo contra o cancro do seio, da próstata, do intestino e do pâncreas. Além disso, o ketchup, vermelhinho e bem temperado, também previne a aterosclerose. Pesquisadores finlandeses estudaram homens e mulheres de meia-idade e constataram maior comprometimento das carótidas nas pessoas com baixa concentração de licopeno. Como o ketchup é um simples condimento, para ter índices adequados de licopeno deve acrescentar-se à dieta outros alimentos ricos nessa substância, como a papaia ou, até, o próprio tomate, cru.
Mas o ketchup, principalmente o dos restaurantes, também traz alguns malefícios à saúde, sobretudo se ingerido exageradamente. Mas são os doentes que sofrem de insuficiência renal que, assim como do tomate, quem mais deve abdicar daquele saboroso, apetecível e delicioso condimento.
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O CALHAU DAS FEITICEIRAS
Na Fajã Grande, ao cimo da ladeira do Covão, no caminho que dá para o Outeiro Grande e antes do cruzamento da Pedra d’Água, existia, e provavelmente ainda hoje existe, um estranho calhau, que o povo chamava “Calhau das Feiticeiras”.
Tratava-se de um enorme e negro tufo de forma oval, encravado na rocha que ostentava desde a base até ao cume mais de uma dúzia de pequenas pegadas, cuja elegância, delicadeza e graciosidade eram denunciadoras de que pés femininos por ali teriam passado vezes sem conta.
Como este, tantos outros calhaus, montes, morros, ribeiras, lugares e até ilhéus, não apenas na Fajã Grande mas também por toda a ilha das Flores, estão repletos de lendas e “estórias”, umas vulgarizadas outras desconhecidas e que, normalmente, os seus nomes encerram.
No caso do “Calhau das Feiticeiras”, contavam os antigos que as pegadas nele assinaladas tinham sido provocadas pelos pés das feiticeiras que ali viviam escondidas e tantas e tantas vezes o haviam subido e descido que ali deixaram, para sempre, as marcas indeléveis dos seus delicados pezinhos. Pelos vistos, as estouvadas, todos os dias, ao anoitecer, pegavam no corpo de alguém que tivesse tido procedimentos menos correctos, praticado actos indecorosos ou feito algumas diabruras e atiravam-no por ali abaixo para castigo do mal que havia praticado. Depois vinham buscá-lo e voltavam a atirá-lo, procedendo assim tantas vezes quantas as maldades cometidas ou as diabruras praticadas pelo prevaricador.
E eu que passava por ali quase todos os dias, quando ia levar as vacas ao Outeiro Grande!... É verdade que quando subia na companhia das rezes, ou porque me abstraísse com o tilintar as suas campainhas ou porque ainda fosse dia claro, não me assustava rigorosamente nada. Mas no regresso… Quando vinha sozinho, já quase noite!?... Oh pernas!... Cheio de medo, passava junto ao calhau numa correria louca. Às vezes, sobretudo quando partia da relva do Outeiro Grande já lusco-fusco, evitava aquele caminho e esgueirava-me pela Cabaceira. É que embora a distância fosse bastante maior, livrava-me de passar junto ao famigerado esconderijo daquelas malditas, impedindo assim que me agarrassem e me atirassem pelo calhau abaixo… Razões para ser abalroado por elas, tinha eu de sobra…
Verdade, verdadinha, é que nunca me agarraram e lá passei muitas vezes. Mas verdade também que por toda a freguesia era voz corrente de que o pai de tia Aniquinha, há muitos anos falecido, todos os dias, à noitinha, era atirado pelo calhau a baixo.
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O ATLÉTICO CLUB. DA FAJÃ GRANDE
Recentemente chegou-me às mãos um livrinho muito interessante, da autoria de José Arlindo Armas Trigueiro, intitulado “Futebol na Ilha das Flores”.
O livro divide-se em duas partes. Na primeira, onde se aborda uma espécie de pré-história do futebol na ilha, ou seja, o futebol nos seus primórdios, numa altura em que ainda não existia qualquer organização federativa, o livro apresenta um resenha da evolução desta modalidade desportiva nas várias freguesias, em seis capítulos, um dos quais, o terceiro, é inteiramente dedicado ao futebol na Fajã Grande.
Na realidade ainda hoje há quem se lembre de nos anos trinta se dar início à prática do Futebol, na Fajã Grande, num campo situado no Estaleiro, entre o Porto e o Calhau Miúdo, num serrado que ali existia e que posteriormente foi dividido por “malhões” dado que pertencia a três donos: ao Laureano Cardoso, ao António Barbeiro e ao Chileno. A prática do futebol na Fajã Grande desenvolveu-se, sobretudo, graças ao empenho e esforço do Dr Mendonça, que normalmente assumia a função de árbitro, do Luís Fraga que foi o primeiro treinador e do guarda Borges, este também integrando o elenco dos jogadores primitivos.
O referido autor ainda refere que o primeiro jogo oficial se efectuou contra uma equipa das Lajes, o “Nacional Sport Club”, tendo-se realizado no dia 24 de Julho de 1939, data em que o campo também foi oficialmente inaugurado e que o clube se chamava “Fajã Grande Sport Clube”, equipando com camisola azul e calção branco. Na realidade, embora o autor do livro não o refira, nessa altura existiam dois clubes na Fajã Grande: o Sport, onde jogavam os melhores jogadores e o Salgueiros onde jogavam os reservas. Mais tarde, no início dos anos 50, depois dos anos de interregno que o futebol sofreu em todo o Mundo, devido à Segunda Guerra Mundial, os dois clubes fundiram-se originando o “Atlético Clube da Fajã Grande” que passou a utilizar o mesmo equipamento e cujo nome ainda hoje se mantém, conforme consta na lista de clubes da actual Associação de Desportos da Ilha das Flores. A equipa da Fajã perdeu o jogo por 2-1, alinhando com os seguintes jogadores: José Luís (de Abrão) (guarda-redes), Francisco Freitas, António Teodósio, Luís Pereira, José Pereira, Laurindo, João Gonçalves, Cristiano, Cardosinho, José Cardoso, Urbano e Nestor. O treinador era o Luís Fraga e os suplentes: José Gonçalves (avançado Grilo), Francisco Inácio, António Cardoso, José Furtado, António Dawling, Arnaldo e João Lourenço, José Rodrigues, este contratado apenas por ser carpinteiro e para consertar as balizas que se desfaziam facilmente com os portentosos remates.
Dizia, quem ainda o viu jogar, que o Nestor foi talvez o melhor jogador de sempre da Fajã Grande, tendo, no entanto, falecido bastante novo e a sua morte deveu-se ao próprio futebol. Anos mais tarde, durante um jogo já no campo das Furnas, a bola terá ido parar ao mar. Como só havia uma, o jogo parou e coube ao Nestor ir buscá-la, para o que teve que se atirar à água. Era Inverno e esta estava muito fria e o Nestor muito suado. O contacto com a água gelada ter-lhe-á provocado uma constipação, seguida de uma pneumonia e depois uma tuberculose que lhe foi fatal.
No dia 8 de Setembro de 1940, festa da Senhora da Saúde, foi inaugurado o campo das Furnas. Alguns jogadores já haviam abandonado a modalidade, entrando outros, entre os quais: Teodósio, Albano, José Fagundes, David Fagundes,(Semilhas), Roberto do Cristóvão, José Santos (da Ponta) e o Abrão que foi o melhor guarda redes de sempre da Fajã. Era voz corrente que em todos os jogos que realizou não sofreu um único golo. Nessa altura o Luís Fraga manteve-se como treinador.
Nos anos 50 o futebol renasceu e o novo clube, o Atlético passou a ter como principais jogadores: Abílio (Guarda-redes), João do Gil, Lucindo e Elviro, Edmundo Pereira, Teodósio, Albino, Álvaro de João Carlos, David do Raulino, Roberto do Cristóvão, Ângelo João Augusto, Mário do Raulino, Luís Cardoso, Manuel Cardoso (Matateu), Álvaro do Raulino, José Borges, António Nascimento, José Augusto e António Greves, entre outros.
Este texto foi publicado no Pico da Vigia, em 30/12/09
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A GARAGEM DOS TERREIROS
Situada bem lá no cimo da Rocha da Fajãzinha, mais para os lados da Caldeira, a Garagem dos Terreiros foi durante muitos e muitos anos um ponto de referência não apenas para a população da Fajã Grande mas também para a da Fajãzinha e do Mosteiro, porquanto representava o fim da única estrada que ligava Santa Cruz e eventualmente as Lajes, mas com um longínquo percurso pela Fazenda, Lomba e Caveira, à zona mais ocidental da ilha.
No início da década de cinquenta havia apenas duas estradas na Ilha das Flores: uma a ligar as Lajes a Santa Cruz e a outra que partindo de Santa Cruz atravessava os Matos, terminando nos Terreiros, precisamente em frente à dita Garagem. Daí a importância, utilidade e interesse que esta assumiu pois, nestas condições e naquela altura, era lá que as pessoas, assim como as mercadorias ou esperavam transporte a Santa Cruz ou, no caso inverso, aguardavam carregamento ou companhia para a freguesia a que se destinavam. As pessoas, muitas vezes, ali descansavam, comiam os seus farnéis e abrigavam-se da chuva ou protegiam-se dos temporais para, sobretudo no caso da Fajã que ficava bem mais longínqua, palmilharem a pé a Rocha da Figueira ou a dos Bredos, atravessar a Fajãzinha, de lés-a-lés, transpor a Ribeira Grande, subir a ladeira do Biscoito até à Eira-da-Cuada e percorrer o Caminho da Missa até entrar na Fajã pelo cimo da Assomada. Também era para lá, onde era guardada à espera de transporte, que era conduzida em mulas toda a manteiga e até a nata destinada à fábrica de Santa Cruz e que a Fajã produzia.
A Garagem era um edifício em pedra, caiada de branco, coberta de telha alaranjada, ficava no lado esquerdo de quem subia o caminho vindo da Fajãzinha e constituiu durante a década de cinquenta não apenas o terminal da Carreira e dos poucos automóveis e carros de praça existentesem Santa Cruzmas também o local de carga e descarga das camionetas dos principais comerciantes da ilha: do Flores, dos Serpa de Santa Cruz e do Germano e da Firma das Lajes. A garagem era portanto, ponto de partida e de chegada obrigatório para as populações do Mosteiro, Caldeira, Fajãzinha, Fajã Grande, Ponta e de grande parte das Flores
Por todas estas razões a Garagem dos Terreiros tornou-se como que um lugar mítico, um ponto de encontro de pessoas que por ali transitavam quase todos os dias em maior ou menor quantidade e que depois seguiam para as vilas ou para outras freguesias, a pé ou de carro. A primeira vez que a vi foi quando fui a pé da Fajã às Lajes acompanhar uma cunhada de meu tio que necessitava de tratar dos papéis para o casamento e me levou por companhia para que não atravessasse os matos da ilha sozinha. Depois por lá passei a pé inúmeras vezes, mesmo depois de construída a estrada que ligava os Terreiros ao Porto da Fajã, dado que a escassez de automóveis a tal nos obrigava. Nessa altura o percurso pelos Bredos e Eira-da-Cuada caiu em desuso, uma vez que a caminhada a pé pela nova estrada era bem mais fácil e acessível e com a vantagem ainda de se encurtar caminho subindo, na volta da Alagoinha, pela Rocha da Figueira, cujo a maior parte do percurso, apesar de tudo, consistia numa autêntica escada de pedra e por isso era bastante íngreme, árduo e cansativo.
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O MEU PAR
O Antonino era o meu maior amigo, nos meus tempos de criança. A amizade que tínhamos um pelo outro definia-se e concretizava-se não apenas nas brincadeiras e folguedos mas também, na escola, na catequese e até na partilha da realização em comum de muitas tarefas e trabalhos. Esta amizade, que quase nos transformava em verdadeiros irmãos, originara-se no facto de sermos da mesma idade e, ainda por cima, termos nascido no mesmo dia. Por isso crescemos juntos e tínhamos muito em comum. Dediferente tínhamos apenas duas coisas: o Antonino, por imperativos genéticos, era um gigante e eu um “lingrinhas” e os pais dele eram ricos e os meus pobres. Mas verdade é que essas diferenças nunca puseram em causa a nossa amizade.
Entrámos juntos para a escola, sentámo-nos na mesma carteira, fizemos passagens de classe e exames ao mesmo tempo, tomámos as vacinas no mesmo dia e até tivemos o sarampo e a papeira pela mesma altura. Na catequese e na missa aos domingos também nos sentávamos lado a lado e raro era o dia em que, depois da escola ou da catequese, não nos juntássemos para a brincadeira ou para fazer em conjunto as contas e as cópias que a senhora professora mandava fazer em casa.
Assim fomos crescendo e o tempo passando.
Quando se aproximou a Comunhão Solene, marcada para o dia da festa de S. José, por razões mais do que óbvias, decidimos, sem consultar quem quer que fosse, que seríamos o par um do outro.
Nos dias que antecederam a festa, reunimo-nos, na igreja, para ultimar os preparativos, sob a orientação do pároco. Uma das primeiras medidas que ele tomou foi formar os pares. Coloquei-me logo ao lado do Dionísio, sabendo que o senhor padre aceitaria, de bom grado, qualquer formação que nós propuséssemos. E os ensaios começaram com afinco e determinação... Todos os dias, depois da saída da escola, corríamos para a igreja, onde esperávamos que o pároco chegasse. Formávamos no guarda-vento, deambulávamos pelo corredor central e pelo cruzeiro, voltávamos ao baptistério lado a lado e de mãos postas, cantando e rezando como se já fosse o dia da comunhão. Depois o padre sentava-nos em lugar de destaque na capela mor e, colocando-se no meio do altar fazia-nos subir dois a dois, de acordo com os pares formados, até junto dele, ensinando-nos as vénias e genuflexões que devíamos fazer e o que devíamos dizer, depois dele erguer a hóstia muito pequenina e proclamar, traçando uma cruz sobre a píxide: “Corpus Domini Nostri Iésus Christi custodiat animam tuam in vitam aeternam”. Cada um respondia simplesmente: “Amen”. O Dionísio e eu ensaiávamos com o maior empenho, lado a lado, felizes por sermos o par um do outro.
Nas vésperas da festa, porém, uma grande “tragédia” aconteceu. A Dona Maria veio ensaiar os cânticos e, julgando do pouco empenho do irmão nos ensaios anteriores, resolveu dar-lhes os últimos retoques. Começou por analisar os pares um a um, com excessiva meticulosidade e depressa entendeu que alguns estavam muito mal formados. Olhei para o Antonino e trememos. Segundo a eminente irmã do senhor padre, os pares deviam formar-se não em função de “amizadezinhas”, mas sim pelo tamanho e altura dos meninos. Não ficava bem nem era bonito um menino grande ser par de um pequeno. De imediato desfez todos os pares que entendeu, incluindo o nosso.
Reclamámos, barafustámos, rezingámos, alegando como único argumento em nossa defesa que era o senhor padre que assim tinha feito e que assim é que devia ser... Mas nada!
Entrámos numa choradeira desenfreada, a tal ponto de já nem querermos fazer a comunhão. Era o que havia de faltar! Que quem mandava ali era ela, que não queria choramingas, que meninos que iam fazer a Comunhão Solene tinham que ser dóceis e humildes, que o Nosso Senhor assim é que queria, que tinha que ser assim e que por nada deste mundo seria doutra maneira... Nada pudemos fazer… e foi a sua vontade que prevaleceu…
E lá tivemos que fazer a comunhão desgostosos com os pares arranjados à última hora, pela Dona Maria, envoltos em lágrimas e revolta… Mas, quando a missa terminou, dirigimo-nos, como estava ensaiado e programado, para o altar da Senhora do Rosário, que ficava ao lado da capela-mor. Foi então que o Antonino e eu, sem que ninguém se apercebesse ou desse por isso, nos esquivámos e ficámos ao lado um do outro, enquanto oferecíamos as flores a Nossa Senhora, Lhe rezávamos a consagração e cantávamos o cântico final:
“Aceitai estas florinhas,
Óh Virgem pura, cecém.
Aceitai-as como ofertas/
Do nosso amor, doce Mãe.
E na hora da nossa morte
Vinde-nos óh Mãe valer.
Lembrai então as florinhas
Que hoje aqui vimos trazer.”
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MAIONESE
Maionese é um molho espesso, feito à base de azeite e ovo, com a forma de uma emulsão, preparado a frio e condimentado com vários temperos e que é, largamente, utilizado na confecção de sanduíches e de saladas, em todos os continentes do mundo.
Existem várias teorias sobre a origem da maionese, conhecida desde há muito tempo na cozinha europeia. A cidade espanhola de Mahón, em Menorca, nas ilhas Baleares, reclama a origem do nome. Teria sido a partir da tomada da cidade em 1756 pelo Marechal de França, Duque de Richelieu, sobrinho-neto do Cardeal de Richelieu. Conta-se que cozinheiro do Duque de Richelieu conheceu este molho em Mahón, emulsionou-o, a frio e serviu-o, com sucesso, aos vencedores. Levou a novidade para a França, chamando-a de “mahonaise”, a qual mais tarde passou a ser conhecida como mayonnaise, popularizando, actualmente, em todo mundo.
Existem várias receitas de maionese mas os ingredientes básicos são, praticamente, os mesmos: gema de ovo, azeite, limão, vinagre e sal. Outros temperos, frequentemente, utilizados são: mostarda forte, alho, pimenta do reino e suco de limão. A maionese é muito rica em vitamina E, em calorias e em proteínas, devido, sobretudo, à gema do ovo
Muitas marcas comerciais, com destaque para a portuguesa Calvê e para a francesa Red River, geralmente, oferecem uma alternativa light com menos calorias, mas com as mesmas calorias. Essa a razão por que a maionese está interdita a doentes que sofrem de insuficiência renal.
Por ser um alimento com ingredientes de origem animal, com destaque para os ovos, a maionese é susceptível à presença de Salmonellas, uma espécie de bactéria que provoca gastroenterite, septicemia e febre entérica. Para evitar o aparecimento de tais bactérias, aconselha-se que a maionese seja hermeticamente fechada e que, após aberta a embalagem, pela primeira vez, ele seja armazenado num ambiente refrigerado e nunca ao calor.
A maionese já foi considerada uma vilã para o colesterol e para a boa forma. Hoje, porém, o molho está muito mais saudável e pode, inclusive, contribuir para uma dieta saudável. Para os doentes que sofrem de insuficiência renal longe vão os tempos em que podiam temperar as suas sanduiches e saladas com saborosíssimo e agradável molho. No meu caso, sobretudo nos tempos de estudante, em que era forçado a fazer as refeições por entre os pequenos intervalos que mediavam as aulas, a maionese era rainha. Como o tempo era pouco, recorria a refeições ligeiras, geralmente, sanduiches muito frescas, saborosas e muito bem temperadas. O mesmo aconteceu, nos anos de estágio, em que o tempo ainda parecia ser menos. Agora, a fresca apetitosa maionese foi totalmente afastada dos meus cardápios diários.
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IMPONENTE
MENU 5 – “IMPONENTE”
ENTRADA
Salada de pepino assado, frio, com azeite, vinagre balsâmico e raspa de cenoura.
Alface picada com cebola, pepino e azeite.
Cobertura com doce de laranja.
PRATO
Rodela de patê de carne de porco, grelhada e salsicha de soja, perfumado com hortelã
Tiras de pão torrado, barradas com creme de queijo fresco e geleia.
Pedacinhos de melão, melancia, cereja e maçã salteadas em azeite perfumado em alho.
SOBREMESA
Cerejas e gelatina de ananás.
******
Preparação da Entrada: Assar os pimentos de véspera. Depois de os preparar cortar pequenas tiras e misturar-lhes raspa de cenoura. Temperar com azeite e vinagre balsâmico. Misturar pedacinhos de pepino, alface e cebola e borrá-los com uma colher de sobremesa de doce de laranja.
Preparação do Prato – Grelhar a carne de porco e moê-la, juntamente com a salsicha. Amassar e formar uma rodela com forma de queijada e encimá-la com folhas de hortelã. Torrar uma fatia de pão de forma, parti-la em tiras e barrá-las com creme de queijo fresco e geleia. Alourar o alho no azeite, retirá-lo e saltear os pedacinhos das frutas.
Preparação das Sobremesas – Confecção tradicional.
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UM COMENTÁRIO DE GAMA BENTES.
Fiquei deveras lisonjeado com o recente comentário, colocado neste bloque e que recebi por email, do poeta e escritor brasileiro Pedro Paulo da Gama Bentes e do qual no dia 21 de Outubro neste “Pico da Vigia” transcrevi o seguinte pensamento, divulgado por ele próprio, como uma espécie de subtítulo, no seu “Site de Poesias” com o seguinte endereço: http://sitedepoesias.com.br/poetas/Pedro+Paulo e que considero um belíssimo e profundo princípio de vida: “O rugido das feras apenas mantém a floresta em sobressalto. Quem acorda sempre para um novo dia é o cantar dos pássaros. Portanto, façamos versos."
No referido comentário, Gama Bentes, que também foi professor durante 52 anos, confessa-se “… encantado com a descrição e as recordações da população da Fajã…” referenciadas no “Pico da Vigia” e que, segundo ele, têm muitas semelhanças com as lembranças da sua infância e juventude, embora vividas num país longínquo e distante – o Brasil. Não podemos esquecer que de facto, em anos idos, muitos açorianos, incluindo um bom número de florentinos, emigraram para o Brasil, levando consigo a cultura, os costumes e muitos hábitos e tradições das ilhas. Daí talvez alguma das semelhanças encontradas por aquele poeta brasileiro entre as descrições que fiz nalguns dos relatos, nomeadamente no que concerne ao “Ciclo do Milho” e as suas lembranças e vivências de criança, há uns bons sessenta anos.
As palavras elogiosas deste ilustre poeta brasileiro deixaram-me, no entanto, bastante emocionado e constituem um forte incentivo a que continue a divulgar cada vez com mais vigor e empenhamento o que inicialmente foi proposto e que consta no subtítulo deste blogue: “recordar e divulgar pessoas, “estórias”, costumes e tradições da Fajã Grande das Flores no início dos anos cinquenta”.
Em homenagem a Gama Bentes e por reconhecimento pelo seu gesto de nobreza e simplicidade, transcrevo a seguir um dos seus sonetos, até porque o considero de grande actualidade nos dias em que vivemos neste “jardim à beira-mar plantado”:
QUARTEL DE ABRANTES
Fere-se! Mata-se! "Faz-se e acontece...”
Roubam-se verbas, matam-se crianças!
Ninguém faz nada, roubam-se esperanças..
Não se chora, ninguém reza ou padece...
Numa anomia total vota-se na canalha,
Que nos seus gabinetes, perversamente,
Inviabiliza o futuro, com nossa consciente
Cumplicidade preguiçosa, que avacalha...
Qualquer projeto de país. Lá se arma,
A mão do menor que nas ruas mata!
E morre! Como num resignado carma,
Nada se faz, fica tudo como dantes!
Vem aí o carnaval, vamos bater lata!
Neste inominado quartel d’Abrantes...
Soneto de Gama Bentes feito em parceria com a poetisa mineira,Mena Moreira, em 15/03/07.
Texto publicado bo Blogue Pico da Vigia, em 14/12/09
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BOLA MATOU PAULA
(CONTO POPULAR)
Era uma vez um rei que tinha uma filha bela e formosa. Como não tinha filho varão que lhe sucedesse no trono, seria a princesa a herdar-lhe o reino. Por isso, entendia o velho e sábio monarca que a futura rainha deveria casar-se com um jovem que fosse muito sábio, inteligente, astuto e capaz de o substituir, sabiamente, na governação do reino. Assim, o rei, que se considerava a sua filha, a pessoa mais inteligente e sábia do reino, mandou avisar todos os seus súbditos que a princesa se casaria com o jovem que tivesse a arte e o engenho de lhe propor uma adivinha cuja solução ela não fosse capaz de desvendar. Determinava, ainda, o monarca que todos aqueles que se apresentassem no palácio com uma adivinha cuja solução a princesa deslindasse seriam, imediatamente, enforcados.
Apresentaram-se no palácio real muitos jovens, doutos e inteligentes, com as adivinhas mais diversas e de difícil solução. Porém a todas, a sabedoria da princesa dava resposta pronta e imediata. Assim, dezenas e dezenas de jovens foram enforcadas. É que nenhum conseguia apresentar uma adivinha cuja solução, a princesa não descortinasse.
Ora numa aldeia, muito pobre e humilde, vivia um rapaz que era muito estúpido e insensato. Logo que teve conhecimento do anúncio, decidiu também tentar a sua sorte. Os irmãos, porém, sabendo como ele era tolo, tentaram convencê-lo a não se apresentar no palácio real, pois decerto que iria lá envergonhá-los a eles e à sua família. De nada serviram os pedidos dos irmãos. É que o rapaz, para além de tolo, era muito teimoso e os irmãos, por mais que insistissem, não encontraram maneira de o impedir de sair de casa e de se apresentar no palácio.
Então, para terem a certeza de que ele, apesar da sua teimosia, não chegaria ao palácio real, resolveram deitar-lhe veneno numa bola que ele levava para se alimentar durante a viagem.
No dia seguinte, sem saber o que os irmãos haviam feito, lá partiu o rapaz com a bola dentro de um saco, montado numa mula que se chamava Pala, a caminho do palácio do rei.
A viagem, no entanto, era bastante longa e demorava mais do que um dia. Quando anoiteceu o rapaz deitou-se junto a um castanheiro, ao qual amarrou a mula. Porém, enquanto dormia, a mula que estava muito esfomeada, sem que ele se apercebesse, comeu a bola que os irmãos haviam envenenado.
Quando o rapaz acordou, na manhã seguinte, a mula estava morta. De repente, ao levantar-se, viu aproximarem-se três lobos. Cheio de medo, subiu para o castanheiro, junto ao qual tinha dormido, ao mesmo tempo que os lobos se aproximavam e comiam a mula. De cima da árvore, o rapaz tentou afugentar os lobos, disparando um tiro mas, como tinha fraca pontaria, não acertou em nenhum dos lobos. A bala foi parar lá longe e, por mero acaso, acertou numa lebre, matando-a. Os lobos, no entanto, morreram, imediatamente, após comer a mula. Então o rapaz desceu da árvore e pegou na lebre com a intenção de comê-la, caso encontrasse lume e lenha ou qualquer outra coisa com que fizesse uma fogueira para a assar, pois já estava cheio de fome. Como não encontrasse nada que pudesse queimar, entrou numa igreja, arrancou as folhas de um missal e fez com elas uma fogueira onde assou a lebre. De seguida comeu-a, assim como duas crias que ela tinha na barriga Como ficasse com muita sede foi à pia da água benta e bebeu toda a água que lá havia. Ao sair da igreja chovia torrencialmente. A enxurrada era tanta que arrastou os lobos para um rio que por ali deslizava. Quando parou de chover o rapaz pôs-se, novamente, a caminho e atravessou uma ponte. Olhando para o rio, viu os três lobos arrastados pela correnteza das águas, enquanto apareciam a voar sobre eles, sete corvos muito esfomeados que se atiraram aos lobos e os devoraram.
Finalmente, o rapaz chegou ao palácio do rei. Todos se riram do seu aspecto pacóvio, simplório e apalermado. Mas como pensassem que não haveria problemas, pois um abantesma daqueles nem sequer seria capaz de contar a adivinha mais simples do mundo à princesa, deixaram-no entrar. Decerto que, dentro de momentos, o esperava a forca.
O rapaz chegou junto da princesa e do rei e este pediu-lhe que contasse uma adivinha. Como não sabia mais nada, o rapaz contou, tudo o que lhe acontecera durante a viagem, dizendo:
- Bola matou Pala, Pala, depois de morta, matou três. Atirei ao que vi e matei o que não vi, comi o nascido e o por nascer e com as palavras de Deus minha fome matei. Bebi água que não era do céu nem da terra, passei por cima do duro que estava sobre o mole e vi sobre três mortos sete vivos cantando?
A princesa não foi capaz de descobrir nada do que o rapaz lhe contou. Foi ele que lhe explicou, tim-tim por tim-tim, tudo o que tinha visto e o que lhe acontecera durante a sua viagem até ao palácio real.
E, como palavra de rei não volta atrás, o rapaz casou com a princesa e herdou o trono do velho e sábio monarca.
Conto popular, contado na Fajã Grande.
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VIAJANDO A BORDO DO CARVALHO ARAÚJO
Era geralmente ao anoitecer que o Carvalho levantava ferro da baía das Lajes com destino ao Faial, onde chegava na manhã do dia seguinte. Uma noite inteirinha a marulhar o casco enegrecido contra as ondas, na escuridão e no silêncio do oceano, entrecortado apenas pelo tépido roncar das suas velhas mas portentosas máquinas. Os passageiros, ao lusco-fusco, logo que embarcavam debruçavam-se em chusma, à amarra do convés e entretinham-se a ver as manobras que os guindastes e roldanas da proa executavam a fim de levantarem do fundo do mar a pesada âncora que o prendera em frente às Lajes, durante várias horas. Alguns marinheiros levantavam a escada e fechavam o portaló, trancando-o com duas grossas cavilhas de ferro. O navio, sentindo-se liberto da pesada poita, guinava à retaguarda, apitava por três vezes, orientava-se rumo à saída da baia e zarpava em marcha lenta, em direcção ao Faial, deixando atrás de si, juntamente com o roncar estridente dos motores, uma enorme esteira de espuma esbranquiçada.
Alguns passageiros, sobretudo os que viajavam sem beliche, passavam a noite em vai e vens apreensivos e temerários entre a primeira e a segunda classe, ora subindo escadas ou penetrando em corredores ora entrando nas salas que ainda permaneciam abertas, procurando lugar apetecível para pernoitar. Outros mas afoitos e destemidos subiam ao convés da primeira na luta por descortinarem uma espreguiçadeira desocupada. Os que o não conseguiam voltavam à amarra para ver mais uma vez a ilha, agora já muito longe e de tal maneira confundida com o negrume da noite que quase não se via, apesar de estar perfeitamente assinalada pelos dois enormes e potentes faróis: a Sul o das Lajes e a Norte o do Albarnaz.
O Carvalho navegava durante toda a noite ronceiro e vagaroso mas sem parar balançando-se sobre as ondas, umas vezes altivas e temerosas outras calmas e tranquilas, enquanto ao longe muito tenuemente brilhavam, até desaparecerem por completo, os dois faróis das Flores. Dizia-se que havia um sítio a meio do canal entre as Flores e o Faial donde, em noites muito limpas e bem escuras, se viam ao mesmo tempo os faróis de ambas as ilhas.
Com o despontar da madrugada começavam a vagar cadeiras no convés da primeira. Era ali e pelos corredores ou até sobre o convés, ao lado do porão que se acomodavam os passageiros sem beliche, alheando-se, assim, dos solavancos rítmicos, acompanhados pelo som roufenho das máquinas do velho paquete. Os faróis das Flores desapareciam por completo, com o aproximar-se do Faial. Alta madrugada a maioria dos passageiros quer os sem beliche, quer muitos outros, aguardavam expectantes a aproximação da ilha, na esperança de conseguir vislumbrar, de longe, o vulcão dos Capelinhos.
Quem por ali passou a bordo do Carvalho, entre Setembro de 1957 e Outubro de 1958 afirmava que se via perfeitamente uma enorme e altiva coluna de fogo, a sair do mar. Tudo começara em Setembro 1957. Entre os dias dezasseis e vinte sete de Setembro registara-se uma grave crise sísmica no Faial e no Pico e que culminara com o rebentar de um vulcão, no final do mês, na parte norte da ilha do Faial. Uma enorme coluna de fogo emergira do seio da terra, espalhando uma chuva de cinzas sobre grande parte da ilha. Os abalos sísmicos foram prosseguindo e a coluna de fogo manteve-se bem viva e ameaçadora durante longos meses, pese embora, com o passar do tempo fosse perdendo a pujança e a força iniciais. Mas no início da crise, a lava emersa da terra era tanta e tão forte que até nas Flores, imune a todo o tipo de actividades sísmicas, ter-se-ia visto, por vezes, o céu mais enevoado e mais escuro devido às cinzas e aos fumos libertados pelo vulcão.
Quem viajava, nessa altura, no Carvalho tinha a oportunidade única de observar, aquele fenómeno telúrico, vislumbrando, lá ao longe, uma pequena e trémula coluna de fogo que saía da terra em espiral e se ia enrolando pelo céu acima até se perder no horizonte e na escuridão.
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MINHA MÃE E O “CASAMENTO DO MARUJO”
Há dias, andava eu a folhear uns números da Nova Série da Revista Lusitana e encontrei, no número sete da referida revista (1986), um artigo de Pedro da Silveira, intitulado “CATORZE TROVAS E UM CONTO RECOLHIDOS NA ILHA DAS FLORES”. Por se tratar de textos orais, no final de cada recolha, aquele investigador literário fajãgrandense indicava o nome da pessoa que lhe havia contado o conto ou declamado a trova, entre os quais surgia, entre outros, com relevo os nomes de José Inácio da Ponta e Manuel Mariano da Fajãzinha, que durante anos e anos, praticamente sozinho, cantava missa e afins, em canto chão, na igreja paroquial daquela freguesia.
Entre estas quinze preciosidades recolhidas todas elas na Fajã Grande e Fajãzinha entre 1941 e 1951, realçou-me o “Casamento do Marujo”, não tanto pelo texto em si, mas pela pessoa que lho recitara. Nada mais, nada menos do que Angelina Fagundes, ou seja, a minha mãe! A recolha daquela trova foi feita em Julho de 1942 e, segundo Pedro da Silveira, minha mãe tê-la-ia ouvido a uma sua antiga vizinha chamada Ana Fraga, ou seja, a popular “tia Fraga” que morava na Fontinha, na velhinha “Casa de Lá” ou “Casa do Tear” que meu avô arrematara, dado que após a morte daquela, segundo se dizia, bondosíssima senhora, a casa foi leiloada a favor da igreja paroquial. Foi lá que os meus avós montaram um dos poucos teares existentes, na altura na Fajã, no qual foram tecendo, durante anos e anos, quase toda as minhas tias, sucedendo-se umas às outras, à medida que se iam esquivando para a América ou para o convento. Segundo o testemunho da minha progenitora, tia Fraga havia ouvido e decorado o “Casamento do Marujo” quando rapariga a uma mulher de S. Miguel, por volta de 1860-1865, altura em que se crê que algumas famílias de pedreiros de S. Miguel, nomeadamente de Vila Franca e Ponta Garça terão emigrado para as Flores, estabelecendo-se muitos deles, na Fajã Grande.
Reza assim a dita Trova: “O Casamento do Marujo”:
“No gozo da minha infância,
Ainda quase uma criança,
Das amadas fui querido.
Logo me ficou no sentido,
A mais bela e engraçada.
Lhe falei p’ra minha amada,
Nem o pai nem a mãe quis.
Ai de mim tão infeliz!
Com quinze anos de idade,
Fui então para a cidade,
E embarquei na “Salvaterra”,
Por ser boa nau de guerra.
Corri todos os Açores
Para ver se achava amores,
A minha satisfação.
Foi uma bela ocasião,
A filha de mestre Amaro,
Que o pai tinha por amparo,
E era uma bela costureira,
Dava pontos à frieira;
Aquilo era um gosto vê-la,
Mais linda do que uma estrela.
Tinha olhos bonitos,
Os meus ficaram aflitos.
Logo ao sair da missa,
Fez-me uma linda malícia;
Meu coração deu um ai,
Fui logo falar ao pai.
O pai ficou muito contente,
Foi dizer à sua gente
Quem casava com a filha.
Até da ponta ilha
Veio gente ao casamento,
Homens de grande talento,
O regedor e o cura,
Mais o filho do Ventura,
Com violas e rebecas,
Vinho em potes e canecas,
O dia do meu noivado
Deixou tudo admirado!”
Pedro da Silveira In Revista Lusitana (Nova Série) 1968, nº 7 pag.s 121 e 122.
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EXTREMOSO
MENU 4 – “EXTREMOSO”
ENTRADA
Bolacha cream craker grelhada em azeite, perfumado com alho e
coberta com pimentos e cebola salteados e barrados com geleia.
Rodela de queijo fresco com hortelã acamado sobre alface picada, orvalhado com vinagre balsâmico.
PRATO
Salmão grelhado, coberto com tiras de pimento verde assado e ameixas grelhadas em azeite e alho acamados sobre fatia de pão torrado
Puré de batata com creme de queijo, fresco, azeite e salsa.
SOBREMESA
Melão embebido em vinho do Porto, mousse de chocolate com whisky e
gelatina de ananás.
******
Preparação da Entrada: Perfumar seis colheres de chá de azeite, em lume brando com rodelas de alho. Retirar o alho, alourar a bolacha no azeite e, de seguida, partir tirinhas ou pedacinhos de pimentos (verde, vermelho e amarelo) e a cebola, salteando-os no azeite que sobrou. Picar a alface miudinha e colocá-la no prato em que vai ser servida, borrifando-a, levemente, com vinagre balsâmico. Em cima colocar a rodelinha de queijo fresco, encimando-a com uma folha de hortelã.
Preparação do Prato – Assar o pimento. Grelhar o salmão e cozer a bata. Torrar uma fatia de pão de forma, sem côdea, e, de seguida, passa-la, ao de leve, pelo grelhador onde se grelhou o salmão. Lavar e tirar os caroços às cerejas, salteando-as em azeite, perfumado com alho. No prato, dispor sobre a fatia de pão, o salmão, coberto com tiras de pimento assado e, as cerejas salteadas. Reduzir a batata a puré e temperar com um fio de azeite e uma colher de sobremesa de creme de queijo. Dispor no prato, encimado por um ramo de salsa.
Preparação das Sobremesas – Confecção tradicional.
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ESQUECERAM AS PASSADEIRAS
A estrada que liga Paredes a Paços de Ferreira e à A42, na rua Padre Augusto Correia, logo à entrada da cidade de Paredes, sofreu, já há bastante tempo, obras de beneficiação, sendo-lhe colocado um novo tapete. Só que as obras já terminaram e as passadeiras que antes existiam, no termo da referida rua e à entrada da Rotunda “20 de Junho”, também conhecida por “Rotunda das Finanças”, ficaram-se pelas intenções. Simplesmente não foram lá recolocadas ou melhor, nunca mais foram pintadas.
Acontece que se trata duma artéria da cidade que liga as ruas José Bragança Tavares e José Leite Vasconcelos à Circular Rodoviária Interna, à Madalena e Besteiros e ao Parque da Cidade, transitando por ali a pé, diariamente muitos peões, entre os quais crianças, senhoras com carrinhos de bebé e pessoas de idade.
O perigo de atropelamento é permanente.
Ora sendo este um período pré-eleitoral, ou seja, uma altura em que se faz aquilo que se devia ter feito e não se fez, seria uma boa altura para que, quem de direito, mandasse recolocar naquela importante artéria de acesso à cidade de Paredes as respectivas passadeiras. Provavelmente poderia até nem dar votos a quem quer que fosse, mas decerto evitar-se-iam as situações de perigo eminente que ali se verificam diariamente.
NB – Este texto continua a ter actualidade, porquanto publicado no Pico da Vigia 1, em 21 de Setembro de 2009, passados quase quatro anos, as passadeiras no lugar referido, continuam, completamente, esquecidas.
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UMA NOITE MÁGICA
Acredita-se, hoje, que as tradicionais e populares festas em honra de S. João terão tido, muito provavelmente, a sua origem nas chamadas festas juninas, de origem pagã e relacionadas com a celebração do solstício do Verão, que se crê terão tido a sua origem no Norte da Europa, onde naturalmente a chegada do Estio era muito desejada e, consequentemente, efusivamente festejada. Depressa, no entanto, essas celebrações se foram alastrando por outras regiões e latitudes, sendo mais tarde, já em plena Idade Média, cristianizadas como festas em homenagem a S. João, permanecendo, no entanto, eivados de costumes interessantes e estranhos e de tradições muito antigas, que permaneceram enraizados naquelas festas e que foram sendo enriquecidos com outros costumes, tradições e até lendas da Igreja Católica. É o caso das fogueiras que se acendem por toda a parte, nesta noite e a que a Fajã Grande, dos anos cinquenta e da minha meninice, não era alheia.
Segundo uma lenda católica, este antigo costume de acender fogueiras na noite de S. João tem as suas raízes num acordo feito entre as primas Maria e Isabel. Para avisar Maria, de que o nascimento de São João Baptista se aproximava e ter a sua ajuda após o parto, Isabel terá acendido uma fogueira sobre um monte. Segundo outras fontes, as fogueiras já seriam acesas, em tempos anteriores, sobretudo nos países nórdicos, a fim de darem, no início do Estio, uma ajuda simbólica ao Sol, a fim de que este se fortalecesse e transmitisse sua força vital ao planeta Terra. Também se pensa que as fogueiras teriam, inicialmente, como objectivo afastar os seres místicos, como as bruxas e outras forças do mal, naquela importante noite de Verão, pois acreditava-se que, durante a mesma, tais seres vagavam ainda mais, obstruir os tempos menos escuros que se seguiriam.
Na Fajã Grande, na véspera de São João, acartávamos molhos e molhos de loureiro, bem verde, a que juntávamos ramos de tamujo, para que, ao arder, o lume estalejasse melhor. Não havia casa com crianças que, em frente à porta da cozinha, não acendesse a sua fogueira, a qual se ia activando e saltando ao longo da noite.
Para além das fogueiras, da magia das suas labaredas, do estalejar das folhas verdes do loureiro e do tamujo e do vermelho do brasido final, a noite também era mágica porque outros costumes e tradições se cumpriam e encenavam. Um deles era o da clara do ovo: à meia-noite partia-se um ovo e deitava-se a clara num copo com água, deixando-o assim, na rua, ao relento, até de manhã, preferencialmente, entre verduras. O fresco da noite e o sereno provocavam na clara formas de objectos diversos que, seguramente, davam pistas de como seria o destino futuro de quem a colocara. Quem não se sentisse seguro sobre o amor, colocava num prato um pouco de água e dentro ele deixava cair duas agulhas, que assim permaneciam durante a noite. Se estas, de manhã, aparecessem juntas na água era sinal de que o ser amado era fiel e também amava a pessoaem causa. Se, ao contrário, as agulhas se separassem, era sinal de infidelidade e de que o amor não era correspondido. Outro costume era o de colocar debaixo do travesseiro três grãos de favas: uma, toda descascada, outra, com meia casca e a terceira com a casca toda. De manhã, tirava-se uma das favas, de repente. A que tirássemos dir-nos-ia, se seríamos pobres, remediados ou ricos. As pessoas solteiras que colhessem sete flores de tipos diferentes e as colocassem debaixo do travesseiro teriam a possibilidade de sonhar com a pessoa com quem se casariam. Por sua vez, torrar favas era um hábito muito comum, no dia seguinte, assim como bordejar no mar e a cantar. Por isso neste dia se davam muitos passeios, de barco, no mar
Também se dizia que as fontes, nessa noite, jorravam vinho. Quem, à meia-noite em ponto, procurasse uma bica para beber água, seria surpreendido pois esta era substituída por um bom vinho. Mas pelos vistos nunca ninguém o conseguiu, pois era impossível colocar a boca na bica, à meia-noite, com rigor absoluto, em tempos em que os relógios rareavam
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DOS PISA-PAPÉIS AOS PAPA-PAPÉIS
Um pisa-papel é um objecto destinado a exercer um determinado peso sobre folhas, cartas ou outros documentos para os imobilizar, impedindo-os de voar e, consequentemente, desaparecer.
Reza a história que o pisa-papel surgiu com a Revolução Industrial, quando nos escritórios se começaram a usar vários tipos de documentos, muitos deles importantes e alguns até confidenciais, como facturas, cartas, projectos e até cheques, sendo colocadas sobre as mesas. Como vulgarmente os edifícios tinham janelas que se abriam com regularidade, sobretudo em alturas de grande calor e sem ar condicionado, tornou-se necessário colocar um objecto pesado sobre eles para os pressionar e evitar que voassem com o vento.
O que começou como um elemento puramente funcional, talvez uma pedra ou um pedaço de metal, evoluiu gradualmente, para objectos estéticos e artísticos. Por volta de 1840 na França, emergiu uma grande indústria dedicada aos pisa-papéis, transformando-os em peças de arte.
Actualmente, existem em uma imensa variedade de formas e cores, tendo apenas em comum o peso suficiente para manter as folhas de papel presas e seguras, impedindo-as se serem levadas pelo vento.
Hoje existem muitos coleccionadores de pisa-papéis em todo o mundo. Chegou-se ao ponto de já se constituírem associações de coleccionadores, de se realizarem diversas convenções nacionais e, até, internacionais, sobre pisa-papéis, desenvolvendo-se, paralelamente, inúmeras actividades sobre os mesmos, como excursões, palestras e leilões.
Um papa-papel é um conceito novo que parece ser o sucessor natural e legítimo do pisa-papel, mas com função inversa. É que enquanto o objectivo do pisa-papel é guardar e proteger um documento, o papa-papel é alguém que, vendo-se enrascado, para impedir que um papel ou documento revele ou demonstre qualquer prova que o comprometa, fá-lo desaparecer, pura e simplesmente, papando-o. Se estiver com fome, a tarefa torna-se bastante mais fácil.
Os ingleses parecem ter sidos os inventores desta arte, cujos primórdios estão na criação e desenvolvimento daquilo a que chamam “pica” e que consiste em comer ou ingerir todo o tipo de objectos não digestivos, nem nutritivos, hábito, também existente, noutros países, inclusivamente em comunidade rurais africanas. Entre nós, é muito frequente, entre as crianças e nas cadeias, entre os presos, aquelas por inconsciência, estes por sandice. Ultimamente, este hábito, no que a papéis diz respeito, parece ter chegado ao nosso país, onde pretende instaurar-se.
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URBANO BETTENCOURT
Hoje, recebi o último número do jornal picoense, “O Dever”, onde Victor Rui Dores publicou mais um dos seus excelentes textos, neste caso sobre o Urbano Bettencourt, com o título Urbano Betencourt ou a demanda poética.
É muito gratificante e, até, ufanoso para os que fizeram grande parte da sua formação académica e humana no Seminário de Angra, vermos realçar e elogiar o valor e o mérito de colegas que se sentaram nas salas de estudo e aulas daquela instituição de ensino açoriana. Tudo se torna mais enobrecedor quando os méritos referidos dizem respeito à cultura, à arte, à ciência, às letras e à música. E os exemplos abundam. O Urbano é um deles e, por isso, não resisto a “respigar” aqui, alguns parágrafos do artigo citado.
“… um poeta que, de furtivo em furtivo livro, reabilita a palavra poética e o sentido mágico do poema. Urbano Bettencourt, cavaleiro andante por amor à literatura, picaroto que vive entre a ilha e a viagem , e de quem acaba de ser lançado um livrinho (de bolso” imperdível: Outros nomes e outras guerras – Antologia. “
“Há em Urbano Bettencourt , uma íntima ligação entre a vida e a escrita, ou seja, mistura de vida vivida e sentida com (re)invenção e (re)elaboração do real.”
“Desde Raiz de Mágoa, seu primeiro livro, que Urbano Bettencourt é poeta do equilíbrio formal, da economia do verso bem urdido e sonoro, e da requintada arte de finalizar o poema, sendo que um constante sentido de rigor de exigência e de minúcia orientou a demanda de uma linguagem depurada e erguida sobre a palavra iluminada, única e essencial. Resultado: o percurso poético de Urbano tem sido sempre de sentido ascendente. Diria mais: ele é excelente e imenso poeta porque tem a policiá-lo um grande sentido crítico.”
Em Outros nomes outras guerras estamos perante um poeta que age e reage, que questiona as mitologias do quotidiano que denuncia e renuncia, não faltando leves doses de ironia nalguns poemas.”
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KIWI
O kiwi é uma planta originária do sul da China, típica de locais com clima temperado ou subtropical de montanha. O seu fruto, também chamado kiwi, possui uma polpa rústica, suculenta e substanciosa, de cor esverdeada, com ranhuras brancas no centro, onde se agregam minúsculas grainhas ou sementes. A polpa está envolvida por uma casca castanho-esverdeada e é coberta por uma espécie de pequeninos pelos que lhe dão um aspecto fibroso e hirsuto. É considerado um dos frutos comerciais com maior quantidade de vitamina C, além de ser, particularmente, rico em alguns oligoelementos, como o magnésio, o potássio e o ferro.
O kiwi mais comum tem um formato oval, com o tamanho aproximado de um ovo de galinha e, quando maduro, é um fruto muito sumarento e macio, com um paladar e cheiro muito característicos.
A boa combinação entre as vitaminas A e E, existentes no kiwi, faz com que o seu consumo possa fazer diminuir o risco de doenças cancerosas e circulatórias, incluindo as coronárias, e activar um melhor desempenho do sistema imunológico. Além disso, também possui, embora em quantidades menores, a vitamina B 6 e a niacina. A niacina, também conhecida como vitamina B3, vitamina PP ou ácido nicotínico, é uma vitamina hidrossolúvel cujos derivados desempenham um importante papel no metabolismo energético celular e na reparação do DNA. Outras funções da niacina incluem remover substâncias químicas tóxicas do corpo e auxiliar a produção de hormônios esteróides pelas glândulas supra-renais, como os hormônios sexuais e os relacionados ao stress. Os elementos minerais, como o cálcio, o magnésio, o ferro e especialmente o potássio, que o kiwi também possui, contribuem para equilibrar a tensão arterial e aumentam as defesas do organismo na prevenção das gripes e resfriados. O kiwi fornece também quantidades razoáveis de fibras solúveis, que auxiliam a diminuição dos níveis de colesterol no sangue. É devido à sua riqueza em clorofila, o kiwi mantém a coloração verde quando maduro, o que é raro noutros frutos.
Perante tão grande riqueza, pelas suas qualidades e até pelo seu sabor e perfume, o kiwi parece ser um fruto que não se pode olvidar na nossa alimentação. No entanto o seu consumo também me está interdito, por constar da lista de alimentos que me são proibidos, em virtude sofrer de insuficiência renal. Por isso resta recordar o seu sabor, o seu colorido, a sua doçura e sublimidade, quando, suspenso nas latadas contíguas ao parque da cidade, lançava os seus ramos ternos e maviosos, e donde suspendia os seus deliciosos e apetecíveis e suculentos frutos.
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INTENSO
MENU 3 – “INTENSO”
ENTRADA
Salada de queijo fresco, laminado e barrado com geleia.
Folha de alface, coberta com mortadela de peru,
borrifada com azeite e vinagre balsâmico
PRATO
Febra de porco, grelhada e barrada com mel.
Arroz de forno guarnecido com alface ripada.
Couve brócolos gratinada com creme de queijo fresco.
Fios de cenoura, envolvidos em azeite.
SOBREMESA
Fruta da época.
Gelatina de Morango.
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Preparação da Entrada: Limpar e lavar uma folha de alface, forrar, com ela o fundo de um prato, borrifando-a com o azeite e vinagre. Cobri-la com uma rodela da mortadela, colocando-lhe, em cima, metade de um queijinho fresco. Barrar o queijo com geleia.
Preparação do Prato – Febra e arroz, confeccionados pelos processos tradicionais. Pincelar a febra, ainda quente, com mel e encher uma chávena de arroz, vazando-a no prato e cobri-la com tiras de alface. Cozer os brócolos, cobri-los com creme de queijo fresco e gratiná-los. Raspar a cenoura em fios e borrifá-la com azeite e vinagre balsâmico,
Preparação das Sobremesas – Preparar e descascar a fruta. Gelatina: confecção tradicional.
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A NOIITE DE SÃO JOÃO NO PORTO
Embora festejado em muitas outras cidades, vilas e aldeias de Portugal, assim como por toda a Europa, deve ser a cidade do Porto aquela que mais entusiasmada e fantasticamente festeja a noite mágica de S. João.
A festa de S. João, no Porto, origina uma grandiosa manifestação de pessoas que se agregam e reúnem de forma natural, eminentemente festiva, de puro cariz popular e que dura a noite inteira. Não apenas um bairro nem dois bairros, nem sequer todos os bairros ou a cidade inteira mas é o Norte em peso, que sai à rua e se organiza em alegre e fraterno convívio colectivo. Por todas as ruas e vielas, sobretudo da Baixa, da zona Ribeirinha, das Fontainhas e do Cais de Gaia passeiam milhares de pessoas, empunhando o alho-porro ou os martelos de plástico, com os quais trocam, reciprocamente, carícias, mimos e carinhos, acompanhados de gentis sorrisos, ao mesmo tempo que se compram manjericos e outras bugigangas de plástico, a maioria agora importada da China. Comem-se sardinhas assadas, febras, costeletas e caldo verde, vitualhas que proliferam por inúmeras, curiosas e tradicionais tasquinhas. Os que ficam em casa, depois de jantar a tradicional sardinha assada, atiram ao ar balões multicolores que brilham nos céus como sóis iluminados sob o impulso do fumo e o calor de uma chama que consome uma mecha de petróleo ou resina. A noite de S. João no Porto cheira a gente que se diverte, a magia, a manjerico, a erva-cidreira, a alegria, a convívio, a poesia popular e às cores do arco-íris.
À meia-noite tem lugar um já tradicional e admirável espectáculo de fogo-de- artifício no Rio Douro. Um estupendo espectáculo de cor, som e alegria que ilumina a noite inteira.
Após o espectáculo a festa e as rusgas espalham-se pelos recantos da cidade e difundem-se de bairro em bairro, de freguesia em freguesia só terminando ao nascer do Sol. Por todas as ruas da cidade, nessa noite, registam invulgares enchentes de povo organizam-se bailaricos, espontâneos e variados e compram-se as ervas santas e as plantas aromáticas com evidente predominância do manjerico, a planta símbolo por excelência desta festa, o alho-porro, os cravos e a erva-cidreira.
E no Porto a festa tem como ponto de honra as cascatas S. Joaninas. Pelas montras e janelas coloca-se a imagem do Santo, num altar com o seu inseparável carneirinho e um sem fim de elementos da natureza ou outros referenciais da própria festa.
É por tudo isto que a noite de S. João, no Porto, nos transporta indelevelmente a um mundo fantástico de magia, de convívio, de som, de cor, de serenidade e de alegria.
Não há noite como a de S. João, no Poro, este amo enriquecida e iluminada com um deslumbrante espectáculo de Lua Cheia, que a tornou ainda mais mágica, mais deslumbrante e mais bela.