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DO SEMINÁRIO DE ANGRA AO MUCIFAL

Sexta-feira, 14.06.13

Mucifal é um lugar da freguesia de Colares pertencente ao concelho de Sintra. Protegido a Sul pela Serra de Sintra, encimada pelo seu emblemático palácio e onde ainda se fazem sentir aqui e além os perfumes, as cores e os sons descritos por Eça e Ramalho (talvez apenas a misteriosa e enigmática casa onde foi encontrado o cadáver do inglês Rytmel já lá não esteja), bafejado a Oeste pelas Praias Grande e das Maçãs e a Leste por Nafarros, aí está o Mucifal, um recanto ubérrimo e idílico, repleto de simbolismo e de serenidade, onde se reflectem os tons do verde colorido da Serra, onde se projectam os respingos de espuma azulada do oceano, onde o cantar dos pássaros ainda atulha as madrugadas de magia, onde o Sol, ao pôr-se, se tinge de um azul amarelado, um local onde os ventos chegam carregadinhos de perfume duma abrupta e descarada maresia. Havia de ser este Mucifal, graças à gigantesca disponibilidade, ao titânico carinho, à desmedida hospitalidade e à excelente capacidade organizativa do Agostinho Simas e da Aldina, a congregar muitos dos que outrora viveram e se formaram na “Casa Santa e Mimosa de Deus” da velhinha leal e sempre constante Angra, hoje património mundial da humanidade.

Para lá convergiram quatro dos antigos mestres dos anos sessenta: Cunha de Oliveira (Hebraico, Grego Koiné e Sagrada Escritura) e que colocou em “estado de choque” a Angra de então, com as homilias na igreja da Conceição, transmitidas em directo pelo velhinho Rádio Clube de Angra, o Artur Goulart (Desenho, História da Arte e Liturgia) hoje a realizar uma obra admirável de recolha e defesa do património artístico, cultural e religioso da Arquidiocese de Évora, o Horácio Noronha (História Universal e Director Espiritual) hoje párocoem Pinhal Novoe Director Espiritual do Seminário de Setúbal e o Weber Machado (Matemática e Físico-Quiímica) Director da Caritas Açoriana e recentemente agraciado com a ordem de comendador pela Presidência da República. Para lá afluíram também muitos outros que frequentaram aquele “astro a sorrir de bonança” e que assim se puderam encontrar e rever depois de anos e anos a percorrer caminhos e rumos diferentes e dispersos e, em muitos casos, bem alterados e diferenciados pelo destino. Alguns até pela primeira vez se reencontraram, dado que há mais de 40 anos haviam rumado a vivências diferentes e a locais mais dispersos e longínquos. Ali se concentraram e reencontraram a contar histórias e aventuras de vida, a relembrar os outros que ali não estavam mas trazidos pela memória e amizade dos presentes, a recordar acontecimentos, estroinices e partidas e, sobretudo a cantar, porque era isso talvez o que de mais belo faziam, recordando horas e horas de amizade recíproca, de vivência em comum, de ternura partilhada e de esperanças conjugadas.

De 1958 compareceu o Manuel Pereira, de 1960, o João Esaú, de 1962 o Agostinho Quental e o Antonino Ávila, de 1964 o António Medeiros o António Rego e o Januário, de 1966 o Olegário Paz, de1967 o Andrade Moniz e de 1970 o Carlos Fagundes. Estiveram ainda presentes o Manuel Nóia, o Agostinho Simas, o Manuel Maciel, o Mário Carmo, o Onésimo Teotónio e o Noé Carvalho, os quais, embora não chegando a completar o curso teológico, nos anos que permaneceram no Seminário, da mesma forma que os outros, se entranharam nos mesmos ideais, se empenharam na mesma formação e se embeberam em vivências e partilhas comuns. A maioria dos presentes fez-se acompanhar pelas respectivas esposas e, nalguns casos, até por outros familiares.

Estes encontros e reencontros iniciaram-se precisamente há vinte anos. Daí que este tenha tido um significado muito especial até porque foi ocasião de recordar alguns dos seus propulsionadores, participantes efectivos e grandes dinamizadores, que infelizmente já faleceram: o Raimundo Correia, o Manuel António, o Artur Pereira, o Artur Martins e o Afonso Quental.

 

NB – Este texto foi publicado no Pico da Vigia, em 22/06/09, após eu ter participado pela primeira vez, nestes encontros.

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publicado por picodavigia2 às 18:41

O CARVALHO ARAÚJO

Sexta-feira, 14.06.13

O Carvalho Araújo era um velho paquete pertencente à Empresa Insulana de Navegação que durante anos e anos deteve o monopólio do transporte de passageiros e de carga entre o Continente, a Madeira e as nove ilhas dos Açores, as quais demandava uma vez por mês. Apenas entre as ilhas do grupo central circulavam três pequenos iates. O Carvalho era um barco enorme. Para além dos cerca de noventa e oito tripulantes, tinha capacidade para o transporte de mais de trezentos e cinquenta passageiros e quatro mil e setecentas toneladas de carga. Tinha sido comprado à construtora italiana “Cantiere Navale Trestino” havia uns bons trinta anos. Uma placa colocada na primeira classe, na escadaria que dava acesso à sala de jantar, explicava a razão se ser do nome com que fora baptizado, recordando o episódio em que fora protagonista o comandante Carvalho Araújo. Em Outubro de 1918, durante a primeira Grande Guerra Mundial, o navio S. Miguel fazia uma viagem entre a Madeira e os Açores, transportando passageiros e carga diversa, sendo escoltado pelo navio patrulha Augusto Castilho, sob o comando do tenente José Botelho de Carvalho Araújo. Quando os dois navios se encontravam a algumas milhas da cidade de Ponta Delgada foram atacados a tiro de canhão por um submarino alemão, comandado pelo experiente Lothar Von Arnaul deLa Periére. Iniciou-se, então, uma dura e árdua batalha naval que se prolongou durante algumas horas e durante a qual o comandante Carvalho Araújo ofereceu brava resistência à artilharia alemã, salvando muitos companheiros mas acabando ele próprio por sucumbir durante o combate. Para homenagear o comandante Carvalho Araújo foi posto o seu nome ao paquete que navegou mensalmente durante dezenas de anos, entre o Continente e as ilhas açorianas.

O navio dividia-se em três partes, correspondentes a três classes distintas. A primeira classe, a melhor e mais cara e destinada aos ricos, ficava no centro do navio e constituía a sua parte mais alta, mais nobre e mais luxuosa, com três andares. No terceiro para além do enorme convés com uma parte coberta e outra descoberta ficava ainda a sala de estar, com bar, cadeiras estufadas e mesas de jogo e as salas de comando. No segundo a sala de jantar, a cozinha, as casas de banho e os aposentos dos oficiais de bordo. Por baixo destes e já dentro do bojo do navio ficavam as casas das máquinas e os camarotes, mais amplos, menos susceptíveis aos balanços das ondas, mais limpos, mais arejados e, consequentemente mais caros. Na realidade só os ricos e endinheirados podiam viajar em primeira e aos restantes passageiros era vedada a permanência na sua área. A segunda classe, separada da primeira pelo porão de carga, ficava à popa, também tinha dois andares sobre o bojo. O preço dos bilhetes já era mais acessível e destinava-se aos remediados. No segundo andar ficava a sala de estar reservada aos passageiros que compravam bilhetes de segunda, circundada por um pequeno convés. A sala de jantar e a cozinha ficavam no primeiro andar. Os camarotes, por sua vez, situavam-se no bojo, mas à ré, pelo que eram bem mais ruidosos e menos confortáveis do que os da primeira. Finalmente a terceira classe, a mais barata e a pior em todos os aspectos, ficava à proa. Não tinha convés, nem sala de estar, nem bar. A sala de jantar ficava enfiada no bojo, era apertadíssima, muito suja e acumulava também as funções de sala de estar durante o dia e de dormitório, para muitos passageiros, durante a noite. Os camarotes eram poucos, pequenos e mal cheirosos e os beliches desconfortáveis e apertadíssimos. Além disso a sua colocação à proa do barco, tornava-os muito incómodos, sobretudo durante viagens em que a agitação mais acentuada do mar provocava um balouçar maior do navio e extremamente ruidosos, pois ficavam debaixo dos guindastes do porão da frente. Assim como os camarotes todas as instalações desta classe, incluindo a sala de jantar e a cozinha eram tão pequenas, tão apertadas e tão promíscuas que a maior parte dos passageiros que navegava com bilhete de terceira, fugia dali como o diabo da cruz, preferindo acomodar-se ao longo dos corredores, ao lado dos porões, ou até pelo convés das outras classes, embora, neste caso, a permanência fosse sempre condicionada pela tolerância da tripulação. É que por toda a terceira classe proliferava um pestilento e emético cheiro a vomitado, a latrinas nauseabundas, a comida mal cheirosa, ao bafio dos beliches e até a bosta de vaca, dado que ficava porta a porta com o porão onde viajavam os animais.

O Carvalho Araújo, no entanto, perdura na história dos Açores e na memória de todos os açorianos, de modo muito especial dos habitantes das Flores e Corvo, para quem a escala do navio nestas duas ilhas tinha um significado e uma importância transcendentes. Para os habitantes da Fajã Grande o Carvalho tinha um significado especial, porquanto era a única localidade da ilha onde fazia serviço quando havia mau tempo nos portos de Santa Cruz e das Lajes. O Carvalho na Fajã eram dias de festa que ainda hoje perduram na memória de quantos os viveram em criança.

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publicado por picodavigia2 às 18:33

CERVEJA

Sexta-feira, 14.06.13

A cerveja é um produto natural produzido a partir da cevada, do malte e do lúpulo, a que se acrescenta levedura fermentado. Sob a forma de líquido a cerveja apresenta-se com um colorido brilhante, louro, muito atraente à vista e, sobretudo, ao paladar, tornando-se muita apetecida e desejada, sobretudo numa esplanada, em noites de estio. É uma das bebidas, actualmente, mais consumida, sendo a sua deglutição, por vezes, realizado de maneira excessiva.

A cerveja, por um lado, é uma importante fonte de várias vitaminas, sendo, também rica em flavonóides. Alguns estudos verificaram que o consumo moderado de cerveja, em associação a uma dieta rica em peixes, azeite extra virgem, frutas e vegetais, pode ser benéfico na redução do colesterol e triglicéridos. Mas por outro lado, o consumo de cerveja pode, também, ser malévolo, porquanto apresenta os mesmos antioxidantes encontrados no vinho tinto. Para os doentes que sofrem de insuficiência renal, o consumo da cerveja está radicalmente proibido.

Mas há quem acredite que beber cerveja pode auxiliar o sistema imunológico. Este benefício pode até ser conferido pela presença das vitaminas e minerais em que é rica, porém, há, em contrapartida, neste precioso e atraente líquido, a presença de álcool que prejudica o sistema imunológico, além de aumentar a excreção destes nutrientes, o que faz com que este possível efeito seja neutralizado. Outro factor maléfico é que a cerveja possui leveduras que podem competir com bactérias benéficas existentes no nosso intestino, causando desequilíbrios e doenças intestinais. Como o intestino é o principal órgão que produz as células do nosso sistema de defesa, um intestino íntegro e bem cuidado é fundamental para o sistema imunológico, além disso, o álcool, por si só, pode ser um agressor contra a parede do intestino, prejudicando o funcionamento deste órgão.

Sendo assim, os malefícios, para o nosso organismo, resultantes de um consumo de cerveja, sobretudo se exagerado, parecem ser superiores aos seus possíveis benefícios, o que indica que o mesmo deve ser realizado com muita moderação. Por isso mesmo, para as pessoas saudáveis, há que reduzir e moderar o consumo do precioso líquido. Mas em se tratando de doentes, de modo especial os que, como eu, sofrem de insuficiência renal, devem abster-se, radicalmente, do consumo da refrescante, apetitosa e consoladora lourinha – a cerveja, mesmo que seja sob a forma disfarçada e um “panagé”.

Custa, sobretudo no Verão, quando fustigados pelo calor e pela sede… Mas terá que ser assim, procurando-se outras alternativas saudáveis.

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publicado por picodavigia2 às 18:07

A FAJÃ GRANDE NOS ANOS CINQUENTA

Sexta-feira, 14.06.13

Quando fiz o estágio pedagógico, integrei um grupo, cujos elementos eram oriundos das mais diversas regiões e localidades do país. Na altura, o referido estágio, condição necessária para se obter a profissionalização no ensino e concorrer aos chamados lugares efectivos do quadro das escolas, chamava-se “profissionalização em exercício” e tinha a durabilidade de dois anos. Para além da componente lectiva, a “profissionalização em exercício” implicava duas outras vertentes de actividades que deviam constar nos planos individuais de trabalho de cada formando: a escola e a formação. Relativamente a esta, exigia-se a cada estagiário que apresentasse ao longo de dois anos, uma série de pequenos trabalhos de estudo, pesquisa e aprofundamento de alguns temas relacionados com as disciplinas que leccionava, que seriam apresentados semanalmente, alternando-se, obviamente, as apresentações dos vários estagiários.

Por sugestão de alguns estagiários, com a aprovação do Orientador, dado que os elementos do grupo, na realidade, pouco conheciam dos mais remotos recônditos rurais açorianos, foi-me proposto que, numa das várias sessões semanais destinadas à formação que eu devia orientar, apresentasse uma síntese em que lhes desse a conhecer aquilo que eram os Açores, na sua pureza original, na sua ruralidade mais genuína, descortinando um pouco dos seus costumes, tradições, vivências, actividades, etc. Com esse objectivo, elaborei, na altura, um pequeno texto sob o título “A Fajã Grande das Flores - Uma Pequena Comunidade Rural Açoriana na Década de Cinquenta” através do qual tentava dar a conhecer aos outros estagiários, um pouco da vida, dos costumes, do trabalho, das tradições, das pessoas e suas vivências, numa das mais singulares e genuínas freguesias dos Açores e, talvez de Portugal, nos anos cinquenta – a Fajã Grande, a minha freguesia de origem.

Na altura ainda não tinha sido generalizado o uso do computador, sendo o trabalho “batido” no teclado duma velhinha máquina de escrever, pois dele tinha que “dar prova provada” no dossier que nos era imposto organizar. Há dias encontrei-o, no meio de outras papeladas, Trata-se de um texto de cerca de quinze páginas, escrito em Maio de 1983, mas que, na realidade, se enquadra perfeitamente dentro da temática proposta para o meu recentemente criado blogue “Pico da Vigia 2”.

Decidi passá-lo no computador, dar-lhe alguns retoques, fazer uma ou outra correcção e divulgá-lo no Pico da Vigia 2, divulgando assim, integralmente, um texto que, apesar de prolixo e sintetizador, pode ser publicado globalmente, embora correndo o risco de o tornar maçador e pouco atraente.

Situada no Oceano Atlântico, integrando, juntamente com a ilha do Corvo, o grupo ocidental do arquipélago dos Açores, a ilha das Flores constitui a última e a mais ocidental parcela do Continente Europeu, sendo a longitude do seu ponto mais ocidental – a ponta do Baixio na Fajã Grande – de 31º 16’ e 15’’, ou seja, a máxima da Europa.

Pouco se sabe sob a sua descoberta, onde a lenda se mistura com a história. Se representa um dos últimos resíduos da Atlântida, se por ela passaram os Fenícios, se até ela chegaram os lendários “maghuri” referidos por Abu Abdala hMohamed Ibne Idrisi, no seu livro “Al Rojari”, do século XII, se foi descoberta, como confirmam vários historiadores, entre os anos de 1317-1399, altura em que já aprece desenhada em Atlas e Portulanos diversos, não está ainda suficientemente esclarecido.

Certo, certo, porém, é que a ilha das Flores já vem referida no testamento do Infante Dom Henrique, de 13 de Outubro de 1460, embora com o primitivo nome de “Ilha de São Tomás”. Em 1475, no entanto, numa carta de doação de D. Afonso V já é chamada de “Ilha das Flores”, designação que também incluía a actual ilha do Corvo, na altura considerado como um ilhéu das Flores. A designação de “Ilha das Flores”, para designar exclusivamente a ilha que actualmente mantém esse nome, é do tempo de D. João III.

Em relação às restantes ilhas do arquipélago, com excepção do Corvo, o povoamento da ilha das Flores parece ter-se processado bastante mais tarde e ter-se-á encetado com um flamengo de nome Guilherme Van der Haegan da Silveira, provavelmente entre 1481 e 1485, acabando este por abandonar a ilha ao fim de oito anos de ali permanecer, devido ao isolamento e dificuldades de comunicação.

O segundo e definitivo povoamento ter-se-á feito por volta de 1510, estando à sua frente João da Fonseca, acompanhado por gente do norte do país, mais concretamente do Minho e talvez de alguns açorianos que já se haviam fixado noutras ilhas do arquipélago. O primeiro povoamento ter-se-á verificado nas zonas costeiras de Santa Cruz, Lajes e Ponta Delgada. Mais tarde, alguns colonos, atravessando a ilha, apesar de extremamente montanhosa, desceriam as rochas que delimitam a zona das Fajãs, do lado poente, e fixar-se-iam numa das zonas mais férteis da ilha e que, exactamente, por ser uma zona de terras baixas, junto ao mar e rodeada por altas rochas, recebeu o nome de “Fajãs”. Seria a quarta povoação da ilha, em importância, adquirindo em 1676 o estatuto de freguesia. Tratava-se, porém duma povoação dividida em dois grandes aglomerados populacionais, entrelaçados por meia-dúzia minúsculos lugares povoados, geograficamente distintos e que só em 1861 se haviam de separar administrativamente, originando assim duas freguesias; Fajãzinha e Fajã Grande. O lugar da Ponta, até 1676, pertencia à freguesia de Ponta Delgada, da qual foi separado a quando da criação da freguesia das Fajãs, passando, a partir de 1861 a fazer parte da freguesia da Fajã, assim como a Cuada. É o lugar que, apesar de não ser a sede inicial da freguesia das Fajãs, adquire, a quando da divisão, o qualificativo de “Grande”, enquanto para a antiga sede da freguesia, onde inclusivamente se situava a igreja matriz, de grande dimensões, ficou reservado o sufixo diminutivo.

Crê-se que entre as primeiras pessoas que ocuparam o actual solo da Fajã Grande, provavelmente a chefiá-las, se encontrava o casal, ele, Gomes Dias Rodovalho, ela, Beatriz Lourenço Fagundes.

Ocupando quase metade do território de toda a freguesia das Fajãs, que incluía também os lugares do Mosteiro, da Caldeira, da Ponta, da Cuada e ainda os actualmente desabitados lugares da Ribeira da Lapa, da Fajã dos Valadões, do Pico Redondo e de Pentes, a actual freguesia da Fajã Grande tinha a delimitá-la das freguesias vizinhas, pela vertente norte e este, uma rocha de uma altura média de mais de 300 metros, que a separava da freguesia de Ponta Delgada e da Vila de Santa Cruz, A sul, estava separada da Fajazinha pela Ribeira Grande, o maior e mais caudaloso curso de água da ilha das Flores. Finamente, do lado oeste ficava o mar. Daí um isolamento total e absoluto. As deslocações para fora da freguesia, nomeadamente para a sede do Concelho, a vila das Lajes, eram morosas e difíceis. Para Santa Cruz não havia caminhos directos, fazendo-se o trajecto pela rocha e pelos matos. Há relatos antigos de que muitas das pessoas que faziam essa travessia, ao chegar à caldeira da Água Branca, atravessavam-na numa jangada, não tanto para encurtar caminho mas sobretudo para descansar de tão longo e sinuoso percurso. Para Ponta Delgada havia apenas a perigosa vereda da rocha da Ponta a que se seguiam, nos matos, algumas veredas e atalhos, sendo que estes, em muitos sítios, resumiam-se a um atravessar as pastagens, por entre animais, pulando grotões e saltando tapumes. Apenas para a Fajãzinha existia um caminho “O Caminho da Missa”, opondo-se, apenas, à passagem dos interessados, as fortes e frequentes cheias da Ribeira Grande, sobretudo, no Inverno.

Com todos estes condicionalismos históricos e geográficos, nos princípios dos anos cinquenta, rondava a sua população Fajã Grande, pouco mais de 550 habitantes. O povo que a habitava desconhecia o desenvolvimento tecnológico mundial que a década de cinquenta já comportava. Não existindo estradas, não existiam automóveis nem qualquer outro veículo motorizado e o único meio de locomoção dos que eram forçados a se deslocarem em longas distâncias e não o podendo fazer a pé, viajavam de “maca”. Tratava-se de um meio de transporte utilizado geralmente para doentes, velhos e acamados e que consistia em amarrar dois cobertores aos extremos de um forte pau, geralmente o cabeçalho de um corsão, que era carregado por dois homens, um em cada extremidade. Por vezes e para aliviar o esforço destes e o bem-estar do transportado, cruzava-se um segundo pau, de maneira a formar um X com o primeiro, sendo este Inicialmente ocupado por uma floresta selvagem, o solo das fajãs foi sendo desbravado aos poucos pelos primeiros povoadores que viviam sobretudo de actividades que lhe garantiam a subsistência, entre as quais a agricultura e a criação de gado, uma vez que a produção de produtos por exportação, como acontecia noutras ilhas, lhes estava totalmente impedida devido à escassez de meios de transporte.

Na zona mais propícia, entre dois pequenos montes e o mar foram-se construindo as primeiras habitações, embora se creia que inicialmente o povoado se terá situado no lugar chamado de Ribeira das Casas. Essas construções primitivas de pedra solta e cobertas de colmo, deram origem a habitações caiadas de branco e cobertas de telha. Tratava-se de um tipo de habitação com características arquitectónicas muito semelhantes às da casa nortenha, mas relativamente à sua organização e distribuição, muito idênticas à dos burgos medievais, isto é, um povoamento concentrado ao redor da igreja, o maior, mais alto e mais importante edifício da freguesia, na direcção do qual estavam orientadas todas as ruas. À volta da igreja situavam-se os maiores e mais ricos edifícios que, como que iam diminuindo de dimensões, de grandiosidade e de qualidade, à medida que se vão afastando do templo. Mesmo as casas mais simples eram, geralmente, de dois pisos, sendo o inferior ou “loja” destinado ao gado bovino que aí permanecia durante todo o ano, no inverno de noite, no verão de dia. No piso superior habitava a família, numa espécie de comunhão com os animais dos quais, dependiam em grande parte, pois o leite era a base da alimentação. Estas casas tinham geralmente duas ou três divisões, dado que muitas só possuíam cozinha e sala. A cozinha, geralmente a maior dependência da casa e que também servia de sala de jantar e onde se fazia serão, a casa de fora ou a sala onde geralmente dormiam os filhos mais velhos e onde se recebiam as visitas e, nalgumas, o quarto onde dormiam o casal e os filhos mais pequenos. Para além de terem alguns anexos, geralmente em frente à porta de trás e da cozinha, um pátio, o curral do porco, a cerca das galinhas, o estendedouro para corar a roupa, cada casa tinha a sua courela ou pequeno terreno onde se cultivavam os produtos agrícolas mais utilizados na alimentação diária, especialmente couves e cebolas. Era nelas também que se fazia o “canteiro” ou seja o sítio onde germinava a planta da batata-doce, que depois de vingar e crescer era cortada e plantada nas terras mais distantes e que também tinha grande importância na alimentação das pessoas e até dos animais. A importância da “courela” era tal que acabou por influenciar e entrar na toponímia da freguesia, havendo uma rua com o nome de “Courelas”, popularmente designada por “Escourelas” A restante parte do solo, nos arredores do povoado, e em toda a zona até à rocha era ocupada em termos de propriedade privada, o que naturalmente resultou da ocupação inicial e do desbravamento da população primitiva., também, carregado também, nas extremidades por outros dois homens. Que a propriedade era, sempre foi e, provavelmente, será sempre privada, atestam-no as grossas, altas e históricas paredes que separavam as “terras”, as “relvas” , umas das outras e que, geralmente, eram fruto do desnivelamento do terreno, como era o caso das “belgas”, situadas e encravadas nas encostas das colinas, como que encastoando-se em formas de degraus gigantes. Em determinadas zonas, sobretudo nas que predominam as “relvas” ou pastos, ou seja nas pastagens onde cada proprietário soltava os seus bovinos, enquanto os tinha “à porta”, essas paredes delimitativas de cada propriedade, revelavam uma estrutura deveras impressionante, tendo sido construídas, em muitos casos, por enormes pedras que hoje apenas poderosos guindastes ali as colocariam, sendo notáveis as de um local chamado Batel. Como lá foram postas, pois que o foram não há dúvida, é explicação ainda não encontrada. Acrescente-se que estas paredes não deixavam de estar, na maioria dos casos, relacionadas com a rocha. Sendo esta a prumo, eram frequentes e ainda hoje, pelos vistos, o são e, muito provavelmente, o terão sido mais outrora, as quedas quer de pedras isoladas que daqui e dali se desprendem, quer de “ribanceiras” ou seja, quedas conjuntas de terra, pedras, árvores e pedregulhos. Crê-se que, inicialmente, as casas de um povoado primitivo teriam sido construídas noutro sítio, ainda hoje conhecido pelo nome de “A Ribeira das Casas”, as quais devido a uma enorme ribanceira terão sido totalmente soterradas, sendo então o povoado deslocado para um sítio mais distante da rocha, ou seja, aquele onde actualmente se encontra. Trata-se, no entanto, de uma mera hipótese que apenas aquele topónimo permite formular. Que os vestígios claros de uma fatídica e enorme ribanceira ou quebrada lá estão, não há dúvida, se por baixo dos escombros da mesma se encontram os restos duma povoação é facto que só um dia muito longínquo e talvez nunca existente a arqueologia possa vir a demonstrar. Mas não há dúvida que das pedras caídas da rocha, como aliás ainda acontece actualmente, surgiu, noutros tempos, a necessidade de as arrumar e de, consequentemente, fazer com elas as paredes divisórias das propriedades ou construindo os tradicionais e típicos “maroiços”.

Na Fajã Grande, as propriedades tinham aproveitamentos económicos diferentes. Poder-se-ia mesmo dizer que, em função dessa diferença, formavam três semicírculos à volta do povoado, com o mar e as terras circundantes a este ou seja as da beira-mar, do outro lado, tendo cada um dos respectivos semicírculos as suas características e o seu aproveitamento próprio e específico. No primeiro semicírculo, o mais próximo das habitações, situavam-se as “terras” propriamente ditas, ou seja, as que tinham um aproveitamento exclusivamente agrícola, cultivando nelas o milho, a batata-doce e a branca, as couves, e as culturas forrageiras. No segundo semicírculo ficam as “relvas” constituídas por terrenos de pastagens, de pequenas proporções, separadas umas das outras por altas paredes, onde se soltavam os bovinos, de noite no verão e de dia no inverno, enquanto no terceiro e último se localizavam as “terras de mato”, onde cresce uma vegetação arbórea, luxuriante, constituída pelo incenso, a faia, o pau-branco, o sanguinho, o loureiro e por pequenos arbustos, onde sobressaiam os fetos, a cana roca e a erva-santa, os primeiros considerados um flagelo, esta aproveitada para alimento dos animais, sobretudo das galinhas. Apesar de tudo os fetos, depois de ceifados e secos serviam de cama ao gado nos palheiros, enquanto a cana roca, mesmo verde era deitada nos currais dos porcos, para aliviar a sujidade ali muito frequente. Destas terras, sobretudo do incenso e da faia, era extraída, do tronco e ramos, a lenha para o lume e, das folhas, o alimento para os bovinos, sobretudo no inverno, altura em que rareava a erva e as forrageiras. Em muitas destas terras, devidamente trabalhadas, cultivava-se o inhame e as árvores de fruto, nomeadamente laranjeiras, macieiras e ameixeiras. Eram as “hortas” muito frequentes sobretudo no Delgado, na Cuada, na Cabaceira e na Cancelinha.

Apenas a Rocha, na sua quase totalidade e sobretudo nas zonas mais altas não era de ninguém e era de todos. Não que houvesse qualquer sentido comunitário nesta posse colectiva, mas por que o seu valor produtivo era fraco e a sua exploração acarretava bastante perigo, pelo que não justificavam a quem quer que fosse apropriar-se dela. Por cima da Rocha e a uma altitude superior a 500 metros ficava o “mato” ou seja, a zona das enormes e quase latifundiárias pastagens. Eram grandes extensões de erva em que o gado bovino, geralmente o alfeiro, e o ovino podiam permanecer durante longos meses ininterruptamente, sem ter que lhes ser acrescentado nenhum outro alimento e para onde era levado, geralmente, no início do verão, no caso do gado bovino alfeiro ou o que estava para a “engorda”. As ovelhas andavam soltas e abandonadas por estas e outras pastagens. Grande parte destas terras, sobretudo as mais próximas do cimo da rocha, pertenciam a particulares, mas a maior parte não. Pelo contrário eram de todos, constituindo o chamado “Concelho”, onde se criava sobretudo o gado ovino, num sistema que tem bastante de comunitário e muito de original. No entanto, quem assim o entendesse também poderia criar gado vacum no concelho, o que raramente acontecia.

Era neste contexto de propriedade individual e de divisão da propriedade numa perspectiva funcional que se fundamentava a economia desta população que ocupava o espaço das fajãs, neste caso a Fajã Grande. Tratava-se de uma economia baseada fundamentalmente na agricultura, mas uma agricultura de subsistência e à qual estava necessariamente ligada a criação de gado. Nesta agricultura de subsistência, a principal cultura era a do milho, cultivado nas terras baixas, próximas do mar e das que ficavam mais próximas do povoado e da qual dependia, em grande parte, a alimentação da população. À cultura do milho ligavam-se diversíssimos costumes e tradições. Simultânea e juntamente com o milho, cultivava-se a batata-doce que também tinha enorme importância na alimentação, bem como a bata branca e o inhame. Este, porém, era cultivado nas terras de mato, juntamente com as árvores de fruto, ou então nas “lagoas”, neste caso chamado “inhame d’água”. “Lagoas” eram as propriedades integradas na zona das relvas, geralmente perto da rocha, ladeadas por grotas e ribeiras, cujas águas, conduzidas através de regos, as alimentavam ou então elas próprias tinham nascentes no seu interior das quais a água brotava espontaneamente, pelo que eram terrenos extremamente alagados, permitindo um notável desenvolvimento e um rápido crescimento não só da erva mas também do agrião e do inhame. Enquanto os dois últimos eram utilizados na alimentação humana, a erva era cortada ou ceifada de madrugada e trazida às costas para os palheiros, para alimento dos animais, sobretudo das vacas pejadas ou para as que já haviam dado cria. O corte da erva efectuava-se sempre de madrugada, porque, sendo um alimento base para as vacas leiteiras a sua frescura era fundamental e reflectia-se na produção quantitativa do leite.

Paralelamente à agricultura e dela dependente mas também ajudando-a estava a pecuária. No que respeita aos bovinos, a sua criação, na Fajã Grande, adquiria foros de originalidade impar no arquipélago açoriano. O calor excessivo que se fazia sentir ao longo do verão, proveniente da concentração e incidência do Sol na rocha e da sua projecção sobre o povoado, não permitia a permanência dos animais, sujeitos a um calor excessivo, durante o dia, nas relvas, daí a necessidade de ser guardado nos palheiros os quais, na maioria dos casos, se situavam na loja ou parte baixa da habitação. Apenas durante a noite o gado podia ficar ao ar livre, nas relvas, pelo que todos os dias, à tardinha, era conduzido às relvas e de madrugada recolhido aos estábulos. No inverno, passava-se, precisamente, o contrário: o gado era conduzido às pastagens de manhã e recolhido aos palheiros à noite, a fim de ser poupado aos rigores invernosos, às tempestades e aos temporais. Assim ajudava também a aquecer a casa nos friorentos dias de inverno. Esta espécie de transumância traduzia-se numa enorme protecção dada aos animais, sobretudo, às vacas leiteiras. Por outro lado, esta constante movimentação do gado fazia com que se processasse nas várias ruas e caminhos da freguesia, uma agitada e quotidiana azáfama, em que os bovinos, ornamentados com as suas campainhas de harmoniosos e diversíssimos sons, penduradas ao pescoço, davam ao povoado um maravilhoso e inédito espectáculo de movimento, de cor e de som. Curioso era o facto de estas campainhas serem diferentes, no que ao som dizia respeito, variando de proprietário para proprietário e, entre estes, de animal para animal. Neste caso os sons agrupavam-se, geralmente, em pares cuja agudeza se relacionava com o lugar que o animal ocupava durante os trabalhos agrícolas ou no puxar do carro ou corsão. Assim o animal que trabalhava do lado direito (os animais eram eximiamente ensinados a trabalhar desde de pequenos) usava uma campainha com o som mais agudo do que a do animal que trabalha pela esquerda. Este era consequentemente um animal mais calmo, mais tranquilo, mais vagaroso e quando caminhava em fila tinha a tendência a seguir em último lugar, enquanto o seu parceiro mais vivo, mais rápido, mais “triqueiro”, caminhava à frente. A vantagem de tal diferença verificava-se sobretudo na lavoura, dado que os campos eram lavrados no sentido contrário ao dos ponteiros de um relógio, o que fazia com que fosse o animal da direita a contornar as paredes e cantos e a movimentar-se mais rápido. A agudeza do som provavelmente provocaria um efeito psicológico persuasivo em cada animal.

O acarretar dos produtos agrícolas e dos alimentos para os animais, quando não às costas, era feito em carro de bois ou, mais frequentemente, em “corsão”. Este era típico da freguesia e consistia num conjunto de dois grossos e trabalhados paus, ambos com uma espécie de proa, à maneira dos barcos, unidos por diversas travessas, deslizando sobre os próprios paus ou sobre duas “alabaças” ou seja duas tiras de madeira colocadas por de baixo dos mesmos e substituíveis quando gastas. A ele se prendiam os animais por um processo semelhante ao dos carros. Sobre ele se colocam os produtos que se pretendiam acarretar, segurados pelos fueiros, sendo estes presos a meio da sua altura, com a “atiradeira” e a carga amarrada com os “cabos”, os quais eram apertados com os “trambolhos”: um direito que se enfiava na carga e outro torto que se ia enrolando â volta do primeiro para apertar bem o cabo. Todo este esquema era substituído por uma “sebe” feita de vimes, para acarretar produtos como o milho, as batatas, os inhames e o estrume.

O trigo era pouco e cultivava-se apenas nas terras próximas do mar. A sua apanha processava-se de forma muito diferente da do milho, mas ambas obedeciam a um ritual interessante e com alguns resíduos de um sistema de trabalho comunitário. Estes dias, apesar de dias de trabalho árduo, tinham um certo sentido de festa. O trigo, uma vez ceifado, era levado para a eira onde se procedia à debulha, a qual era feita com uma grade própria, que rodava à volta de um moirão de ferro espetado no meio da eira, puxada por dois animais “encangados”. A eira era dos poucos espaços de uso comunitário, existentes na Fajã Grande. A sua utilização obedecia a um calendário. A família que apanhava o trigo e os amigos e familiares que a ajudavam faziam uma autêntica festa, não faltando o almoço na eira.

O milho, ao contrário do trigo, depois de apanhado, era levado para as próprias casas e colocado em lugar de honra: na cozinha ou na sala. Depois juntavam-se os amigos, os familiares e um ou outro vizinho para ajudar a “encambulhar”, isto era, a juntar as “maçarocas” com a própria casca em conjuntos, puxando uma fita de casca mais resistente de cada maçaroca, enrolando-as em conjunto nas pontas e, por fim amarrando-as com um fio de espadana, formando os “cambulhões” que eram pendurados nos estaleiros, para tal construídos, geralmente na courela, junto da casa, também chamada “terreno da porta”. Apenas e à medida que ia sendo usado ao longo do ano, lhe era tirada a folha ou casca. A apanha do milho, produto fulcral na alimentação de pessoas e animais também era um dia de festa. 

A criação do porco por cada família também era fundamental para a sua sustentabilidade alimentar. Criado num curral junto de casa, o porco alimentava-se com restos de comida da cozinha que se iam juntando no “balde do porco”, utensílio obrigatório em todas as habitações.

Para além da agricultura e da pecuária não existiam outras actividades de relevo ou de interesse na economia fajãgrandense. Todos os habitantes da freguesia, geralmente, eram agricultores e criadores de gado, incluindo os que eventualmente se dedicavam a outras actividades, sobretudo as de carácter artesanal e que eram as estritamente necessárias. As únicas excepções eram os “serviços” que se resumiam ao pároco, ao professor, ao faroleiro e aos comerciantes, sendo que alguns destes também se dedicavam à agricultura. As actividades artesanais eram poucas e ninguém a elas se dedicava em regime de exclusividade. Estas actividades estavam distribuídas individualmente, havendo apenas um sapateiro, um latoeiro, um relojoeiro, um barbeiro, um relojoeiro e um ferreiro que ao mesmo tempo eram agricultores. Apenas carpinteiros havia mais do que um, mas nenhum em regime de exclusividade. O seu serviço, por vezes era pago em dias de trabalho. Apenas o comércio se distribui por alguns proprietários. A pesca poderia ser uma actividade importante mas, na altura, não o era, provavelmente devido à riqueza do subsolo e ao contínuo mau estado do mar e aos temporais que assolavam a freguesia com frequência. Os poucos pescadores que existiam também eram agricultores, pois embora houvesse abundância de peixe no mar, cada qual podia ir pescar para si. A única pesca digna de tal nome é a da baleia.

A pesca da baleia efectuava-se apenas no Verão. Para a freguesia deslocavam-se uma lancha e os botes, alguns vindos das Lajes, trazendo umou outro baleeiro especializado, sobretudo os mestres dos botes. Os interessados em arrear nesse ano inscreviam-se. Um vigia colocava-se, diariamente, no cimo de um monte, onde havia sido construída uma casota adequada, chamada vigia. Com um potente binóculo e com o seu ajudante, desde de o amanhecer até à tardinha, olhavam permanentemente o mar à procura de baleia. Quando alguma aparecia à tona de água, atirava, imediatamente, um foguete ou uma bomba se fosse cardume. Toda a freguesia se alvoroçava. Os homens baleeiros e outros por simples curiosidade ou para ajudar no arrear dos botes, encaminhavam-se apressadamente para o Porto. As mulheres corriam atrás com os sacos da comida: pão de milho, queijo, uma torta de ovo ou conduto de porco e café. Vinho havia pouco na freguesia e tinha que ser comprado nas lojas. Uma vez no mar, botes e lancha navegavam na procura da baleia. Os botes eram orientados por um pano branco que o vigia e o seu ajudante colocavam aqui ou acolá, indicando o presumível local do mar em que o cetáceo havia sido avistado. Se a baleia fosse apanhada tinha que ser levada à fábrica, na Vila, sendo a ausência dos baleeiros mais prolongada, mas, em contrapartida, compensada com maior ganho, uma vez que os baleeiros eram pagos às soldadas.

As actividades artesanais, em geral, também não tinham grande significado económico, mas eram várias e diversificadas. Geralmente cada família fabricava o que necessitava. Apenas os artigos de sapataria como galochas e chinelos eram fabricados pelo sapateiro, que também procedia ao restauro e amanho do calçado. As latas, fundamentais para o transporte do leite, bem como objectos de carpintaria e poucos mais eram fabricados por especialistas. As mulheres que em muitos casos ajudavam na vida agrícola, dedicavam-se, nas horas vagas, às rendas e aos bordados, para uso pessoal ou aos trabalhos de preparação da lã: cardar, fiar e tecer. Trabalhos em vimes, incluindo mobiliário, cestos e sebes para os carros e corsões, também eram fabricados por um ou outro especialista. Os capachos de casca de milho ou de espadana e chapéus de palha eram feitos por quem os havia de usar ou por um seu familiar ou parente. O único produto, considerado talvez mais industrial do que artesanal, embora uma indústria extremamente rudimentar e que a freguesia comercializa e até exportava era a manteiga. Era fabricada apenas por um trabalhador, numa espécie de zona industrial situada no lugar do Alagoeiro. Ali havia a casa da manteiga, na qual trabalhava apenas um funcionário, com a colaboração do latoeiro e de um carpinteiro que trabalhava num casebre mais pequeno, ao lado do primeiro. Na recolha e desnatação do leite, nas máquinas, trabalhavam dois funcionários, mas apenas duas horas de manhã e outras duas à tarde. O queijo, produzido em grande quantidade, era fabricado apenas para uso caseiro, assim como o pão que era cozido por cada dona de casa, dado que geralmente cada cozinha tinha o seu forno. Quando comercializados estes produtos eram-no, através de troca directa que se traduzia geralmente na troca de um produto por um outro equivalente ou por um determinado tempo de trabalho agrícola ou então por produtos agrícolas, mais concretamente por milho. Na Fajã Grande, um dia de trabalho equivalia a um alqueire de trigo e este a dezasseis ou dezassete escudos.

A administração da freguesia, em primeiro lugar e teoricamente, estava dependente do Administrador do Concelho, mais vulgarmente conhecido por presidente da Câmara, neste caso da Câmara Municipal das Lajes, autarquia a que a Fajã Grande pertencia. No entanto, dado o isolamento verificado e a escassez de meios de vias de acesso e de transporte, a administração da freguesia era da responsabilidade do presidente da Junta que, simultaneamente, também era Juiz de Paz. Estes cargos, praticamente, eram vitalícios e quase, tendencialmente, hereditários. Por sua vez, a administração da justiça era feita pelo Regedor, figura respeitável e como que temida por todos e que detinha poderes para prender, quem disso fosse merecedor.

Nos anos cinquenta, na freguesia da Fajã Grande, eram ainda extremamente palpáveis vestígios de uma gerontocracia, outrora, porventura mais enraizada e com forte peso administrativo, como é próprio das sociedades agrárias. Mantinha-se ainda o costume de, nos momentos de grandes decisões ou de difíceis contendas, se chamar um ou mais homens mais velhos, carinhosa e docemente tratados por “Ti”. Na realidade, permanecia ainda o hábito da chamar um ou mais “homem velho”, por exemplo, a quando das partilhas de uma herança ou da demarcação dos limites de uma propriedade, ou ainda por questões de água. As questões de água eram frequentes, pois correndo a água em regos com destino a várias propriedades, por vezes era cortada por um, prejudicando outro. Era geralmente um “homem velho” conhecedor como ninguém dos usos e costumes da terra que era chamado para resolver estas questões, para dizer quem tinha razão e o que devia ser feito. Muitas destas questões de água, relacionavam-se com os moinhos que proliferavam nas margens da Ribeira das Casas. Movidos a água, estes moinhos tinham uma engrenagem bastante complicada, à base da movimentação de rodas dentadas. Eram explorados por proprietários particulares a quem os outros pagavam a maquia para terem as suas “moendas” de milho transformadas em farinha.

Nesta sociedade, mão havia, na verdade, uma divisão social. Mas havia um grupo de famílias dominante, mais ricas e poderosas, vulgarmente designadas pelos “quarenta maiores”. Eram os mais importantes, mais respeitados, os que mandavam em tudo, que estavam à frente de tudo, que detinham maior poder económico, que levavam os andores nas procissões, que eram os “cabeças” das festas, enfim, os que punham e dispunham de tudo e de todos. Isto criava, necessariamente, uma certa divisão social que se manifestava em certas guerrilhas originadas a partir de outras questões mas que eram, ao fim e ao cabo, fruto de tal desigualdade. Três pessoas, porem, se distinguiam, de sobremaneira, neste micro universo social: o pároco, o professor e o faroleiro. A sua abastada situação económica comparativamente com a maioria da população, a não necessidade de se dedicarem à agricultura e à criação de gado, dava-lhes um estatuto especial, aureolando-os com uma situação de privilégio e bem-estar, de bem vestir e descansar, a todos os níveis invejáveis. Mas como eram necessários a todos com as suas actividades e como toda a freguesia lhe devia favores, todos lhes enchiam as casas do necessário para os alimentar abastadamente. Eles como que também eram uma espécie de factor de produção nesta sociedade. Extremamente isolada da restante parte da ilha e, sobretudo, do mundo, a população da Fajã Grande tinha que criar os seus passatempos e distracções, os seus jogos e brincadeiras, os seus momentos de lazer. Tinha que procurar aliciantes, por um lado, para aliviar o seu árduo, difícil e cansativo trabalho quotidiano e, por outro, para ocupar os seus raros e escassos tempos livres. O trabalho agrícola era muito duro, pois grande parte das colheitas e alimentos dos animais e dos homens eram acarretados aos ombros dos homens ou à cabeça das mulheres. Eram os molhos enormes e pesadíssimos, os cestos a abarrotar e os sacos cheíssimos que os homens acarretavam às costas e as mulheres à cabeça, muitas vezes debaixo de chuva torrencial, outras, assolados por tempestades e ventos fortíssimos. O burro era monopólio dos mais ricos e os bovinos destinavam-se, sobretudo à produção de leite. Era preciso poupá-los, porque, quando encangados, a puxar o carro, o corsão ou o arado, a produção de leite diminui, levava-se menos para máquina e entrava menos dinheiro em casa. Daí que o homem se tornasse num autentico “animal de carga”, para além de ainda executar todas outras tarefas agrícolas: cavar, sachar, semear, ceifar erva, fetos e cana roca, etc. Deste árduo e difícil trabalho surge a necessidade desta sociedade criar por si formas de lazer. Primeiro surgiam as de carácter familiar, as que cada família realizava na sua própria casa e que se resumiam praticamente aos dias a matança do porco e a apanha do milho. O porco e o milho, juntamente com o leite, eram a base da alimentação e, por isso, os seus dias maiores são dignos de festejos. Transformavam-se assim, os dias de trabalho em dias de festa. Não havia festejos de aniversários, nem datas comemorativas ou o que quer que fosse. Nos próprios dias das grandes festas religiosas e nos domingos e dias santos havia mesmo que realizar algumas tarefas obrigatórias, como tratar do gado, tirar-lhe o leite, levá-lo à máquina, bem como tratar do porco e das galinhas. A matança do porco tinha um ritual interessante e uma duração bastante prolongada. Primeiro marcava-se o dia, dentro de uma espécie de calendário muito tempo antes estabelecido e que tinha em conta as matanças dos outros, sobretudo dos que haviam de ser convidados. Depois, convidavam-se os parentes, os vizinhos e os amigos, serrava-se e rachava-se a lenha para derreter os torresmos e afoguear as linguiças, iam apanhar-se as queirós ao Mato para o chamusco e cortava-se a cana roca para enxugar o curral, guardando-se as folhas mais verdes e mais frescas para colocar debaixo da carne. O ritual da matança propriamente dita, iniciava-se na véspera, com o amolar das facas e o picar das cebolas, tendo-se antes adquirido e comprado tudo o necessário para um acto de tal import¬ância, nomeadamente o sal, os temperos, uma ou duas garrafas de aguardente “Cinco Estrelas”, jocosamente designada pelo “chichi do porco”. No dia da matança todos se levantavam muito cedo. Como ainda era Inverno, acendiam-se todas as luzes, lanternas e candeias existentes na casa. Nas primeiras o combustível já era o petróleo, nas candeias, colocadas exclusivamente na cozinha, a enxúndia de galinha. O porco era apanhado no curral, ainda de madrugada e conduzido à mesa da imolação. Metia-lhe a faca o homem com mais experiente, uma espécie de profissional da modalidade. Tratava-se duma faca enorme, muito bem afiada, exclusiva e própria para este acto e que era conhecida por “faca bengala”. Acrescente-se que esta designação, muito provavelmente não seria alheia a uma outra que se usava para designar os bovinos exportados para Lisboa e que era a seguinte: “Iam ver os senhores de bengala”, expressão que designava o destino do animal: morrer para alimento dos senhores ricos de Lisboa, “senhores de bengala”. Daí que a morte dos animais ou a matança se ligasse à bengala. Enquanto o matador efectuava a delicada operação de enfiar a faca certeira no cachaço do suíno, depois de bem lavado, os outros homens seguravam o animal de maneira a que não escapasse. As mulheres com os seus aventais novos e apropriados e alguidar em punho, aparavam o sangue para as morcelas. De seguida iam preparar o jantar, a seguir ao qual, faziam as morcelas, depois de lavarem muito bem as tripas, na Ribeira, esfregando-as com ervas aromáticas e laranjas azedas. As morcelas eram um misto de sangue, cebola e arroz cozidos, a que se juntava um pouco de gordura da barriga. Os homens, depois de o chamuscarem, rasparem e lavarem muito cuidadosamente, abriam o porco de cima abaixo, primeiro pela frente, tirando-lhe as vísceras e, de seguida, pelas costas para que arrefecesse, tarefas também feitas por um especialista e “desfranchavam-no” de seguida. De tarde enquanto as mulheres continuavam a trabalhar na cozinha, os homens jogavam às cartas e os rapazes à bola com a bexiga do porco. À noite, depois da ceia, em que já se comiam morcelas e caçoila, havia serão com “estórias” e jogo de cartas. Passados três dias faziam-se as linguiças, picava-se a carne, temperava-se com azedas e outros temperos, enchiam-se as tripas finas e depois afogueavam-se ao longo de vários dias, sobre o lar, dentro da própria cozinha. Uma vez frita, estava pronta a comer, sendo as restantes guardadas juntamente com os torresmos, debaixo de banha. Só então termina a festa da matança.

Acresce dizer-se que havia uma tradição na freguesia, segundo a qual cada família não devia comer a língua do seu porco, antes devia oferecê-la pelas almas seus parentes e e todos os defuntos. Assim as línguas eram levadas para a igreja e arrematadas aos domingos, depois da missa. O dinheiro resultante do leilão destinava-se a celebrar missas pelas almas.

Outra actividade a que se associava mais uma espécie de festa familiar já referida, era o apanhar do milho. Também se iniciava de madrugada com a apanha das maçarocas dos milheiros, a qual, por vezes, até se fazia de noite, sobretudo, quando havia luar. O milho depois de apanhado e colocado em cestos, era acarretado em carros de bois ou nos corsões para as casas e colocado em lugar de honra: na cozinha ou na sala, no caso desta ser muito pequena. Depois todos se sentavam à volta do monte de milho para encambulhar, ou seja, fazer pequenos conjuntos em que as maçarocas eram presas por uma folha, juntando-se umas às outras e amarrando-as nas pontas. Os mais pequenos acarretavam os “cambulhões” para junto do estaleiro, onde os homens mais experientes os iam pendurando de modo a que resistissem à chuva e ao vento, ao longo do ano. O milho que não servia para encambulhar era descascado, o melhor era encambulhado sem casca e pendurado na parte interior do estaleiro ou nas traves da cozinha ou duma casa velha, O restante era debulhado, às vezes posto a secar, e guardado para ser usado em primeiro lugar. O milho das maçarocas mais verdes, ainda a “verterem leite”, era moído em pequenos moinhos manuais ou “pedras de moer” e, com ele faziam-se as tradicionais e típicas papas grossas. À noite depois de realizado todo o trabalho havia serão, com estórias e jogo de cartas.

Importante acrescentar que decerto não estava alheio a este espírito festivo a importância, quer do porco, quer do milho na alimentação desta população. Era imperioso venerar e festejar aquilo que, quase de forma divinal e misteriosa, era fundamental para a própria existência. Esta dependência das pessoas do porco e do milho, como que se prolongava para além da morte. Dois pequenos factos o comprovam. Primeiro o que acima referi, ou seja o de ninguém na freguesia comer a língua do seu próprio porco, uma vez que a oferecia para as almas. Estas tinham um mordomo que as leiloava e com o dinheiro mandava celebrar missas pelas almas dos defuntos de toda a freguesia. Algo de semelhante acontecia com o milho. Depois da época das colheitas, no dia um de Novembro, mês das almas, o referido mordomo chefiava um grupo de homens que andavam pelas portas de todas as casas da freguesia a pedir o milho para as almas. Cada qual dava uma parte do que havia colhido, consoante quisesse e entendesse. O milho que se recolhia era vendido, tendo o produto de tal venda destino igual ao da língua dos porcos.

Festa familiar também era a do dia em que se ceifava o Bracéu, embora nem todas as famílias a realizassem, simplesmente porque, na década de cinquenta, muitas famílias já não tinham bracéu. Bracéu era uma espécie vegetal, do tipo junco, mas muito mais fino, chamado cientificamente de “Fetusca jubata”, que crescia nas terras do mato, acima da rocha. As famílias que iam para a apanha do bracéu também marcavam o dia, com alguma antecedência e para lá se deslocavam, alta madrugada, com o respectivo e devidamente preparado jantar. Lá passavam o dia, uns ceifando, outros acarretando aos ombros os molhos de bracéu para cima da rocha. Aqui verificava-se um fenómeno muito curioso Estes molhos eram colocados e presos com ganchos num arame grosso, propriedade de todos, que em poucos segundos os fazia deslizar pela rocha até cá abaixo, junto do povoado, onde alguém os ia tirando da verga e arrumando, acarretando-os depois em carro ou corsão para o palheiro ou casa velha, onde devia ser guardado. O bracéu depois de seco destinava-se a fazer cama ao gado no Inverno, substituindo os fetos, que, por vezes, rareavam. Era também com este bracéu que se faziam os pincéis para caiar as casas, mas, neste caso a quantidade necessária era muitíssimo pouca, mas era sempre ir busca-lo ao mato ou pedir a alguém que o trouxesse.

Em relação às festas comunitárias, realizadas na freguesia, pode dizer-se que tinham duas variantes: uma religiosa e outra profana.

As festas religiosas estavam, obviamente, marcadas por padrões religiosos e costumes cristãos comuns a outras regiões do país e eram orientadas por normas canónicas ou litúrgicas e por orientações e decisões do pároco, obedecendo a cânones preestabelecidos. Apenas as festas do Espírito Santo, realizadas nos seis impérios existentes na freguesia, tinham um carácter mais laico, uma vez que o pároco não intervinha na sua orientação e, além disso, adquiriam aqui e em toda a ilha das Flores, matizes próprias e características, diferentes das outras ilhas açorianas, tendo, no entanto, mais de profano do que de religioso. Estas festividades traduziam, fundamentalmente, a pobreza e as carências alimentares da população, para as quais procuravam ser uma resposta. Isto porque na sua génese estavam os jantares de Espírito Santo, que implicavam a distribuição de pão de trigo e de carne pelos pobres, manjares raros nos cardápios diários da maioria da população. Estas festas também adquiriam um cunho notavelmente clubista. A freguesia tinha quatro impérios de adultos e dois de crianças, os quais representavam uma espécie de agremiações ou clubes, destacando-se dois, mais fortes, mais poderosos e maiores e que eram: a Casa de Baixo e a Casa de Cima. Quase toda a população ou pertencia a um ou a outro império, o que implicava uma acentuada rivalidade, fazendo cada um deles a sua festa em dias diferentes, devendo ser sempre maior e melhor do que a do outro, em autêntico espírito competitivo. As festas de cada um dos seis impérios eram precedidas de oito dias de alvoradas e folia, reunindo-se toda a população na sede de um ou outro Império. Os foliões acompanhados por tambor e pratos dançavam diante da coroa, cantando loas e imprecações ao Divino Espírito Santo. A cantoria das alvoradas iniciava-se fora da porta da casa e terminava em frente ao altar onde estavam os símbolos do Senhor Espírito Santo: a coroa e a as bandeiras, uma vermelha símbolo da carne e outra branca a simbolizar o pão. Depois da folia e das Alvoradas iniciavam-se jogos populares variadíssimos, sendo alguns de canto e dança. No dia da festa realizava-se um majestoso cortejo com destino à igreja, precedido pelas coroas e bandeiras de todos os impérios que assim se associavam nas festas, uns aos outros. Depois da missa o cortejo voltava para a sede. De seguida o povo recolhia às suas casas para o jantar. Este jantar fora, porém, cuidadosamente preparado e era parte integrante da festa. Incluía dois alimentos que a população habitualmente não comia: o pão de trigo e a carne de vaca. O pão era mandado cozer pelos “cabeças” da festa e oferecido aos mais pobres. Quanto à carne todos os irmãos de cada império se inscreviam antecipadamente, indicando a quantidade que pretendiam para a festa. Os “cabeças” calculavam, então, a carne necessária e compravam os animais. Estes,
na sexta-feira antes da festa, eram conduzidos para o local apropriado, que por isso mesmo recebera o nome de Matadouro, em cortejo e devidamente ornamentados e acompanhados, pelo repicar dos sinos, pelos foliões, pela coroa e bandeiras por muito povo, onde eram abatidos. Na noite seguinte a carne era partida e eram feitos os quinhões de cada irmão ou mordomo. No sábado organizava-se novo cortejo, com coroa, bandeira e foliões e sinos sempre a repicar. Percorriam as casas de todos os mordomos, enquanto meninos e meninas iam distribuindo, em cestinhas e açafates, a carne e o pão. De tarde, depois do jantar, continuava a festa com jogos, arraial, quermesse, bailes, terminando tudo ao anoitecer com as sortes. Para a realização das sortes, ou seja, da escolha dos “cabeças” do ano seguinte, punham-se na coroa bilhetes enrolados, com o nome de cada um dos irmãos que tinham capacidade para serem cabeças. Eram então tirados dois nomes à sorte. Mas podia acontecer algo de insólito: eram os “cabeças” que efectuavam a operação das sortes e se o povo tivesse gostado deles se tivessem feito uma boa e bonita festa, enquanto estavam a tirar as sortes, os presentes tentavam cobri-los com a bandeira. Se o conseguissem antes de saírem as sortes, estas já não se efectuavam, eles seriam os novos “cabeças” para a festa do ano seguinte. A festa terminava com o levar as sortes, isto é, com uma visita a casa dos novos “cabeças” com coroa, bandeia e foliões. Esta festa podia repetir-se várias vezes durante o ano no mesmo império, embora com matizes diferentes. Isto acontecia quando alguém, geralmente um “calafona”, prometia e dava um jantar. A festa repetia-se quase nos mesmos moldes, só que, neste caso, não eram os irmãos a pagar a carne, mas sim aquele que tinha prometido o jantar.

Outras festas religiosas importantes eram a da Senhora da Saúde, uma das maiores da ilha das Flores, a do padroeiro, São José e ainda outras menores como a de Santo Amaro, da Senhora do Rosário, a do Senhor dos Passos e a de Nossa Senhora do Carmo, na ermida do lugar da Ponta.

 Das festas estritamente profanas e ligadas ao trabalho, era digna de menção o Fio, ou seja, a tosquia colectiva dos ovinos. Estes eram criados em conjunto na zona do “concelho”, grande espaço comunitário de pastagens no mato, onde se juntavam indistintamente todas as ovelhas do povoado. A festa também tinha à sua frente dois “cabeças”. Estes antecipadamente faziam anunciar o dia do Fio, duas vezes por ano, uma em Abril e outra em Setembro, geralmente através de um edital colocado à porta da igreja. Na véspera preparava-se o jantar ou a merenda e amolavam-se as tesouras para a tosquia. No dia de manhã, bastante cedo, os primeiros a partir para o mato eram os homens. As mulheres e as crianças seguiam mais tarde, subindo a rocha em autênticos bandos. No povoado ficavam apenas os velhos, os doentes, as crianças de berço e quem não possuía ovelhas. As mulheres levavam à cabeça os cestos com os alimentos para todo o dia. Os homens, ajudados pelos cães e orientados pelos “cabeças”, distribuíam-se em grupos, por uma ampla zona, fazendo cerco às ovelhas, conduzindo-as e juntando-as todas num curral apropriado - o Curral das Ovelhas, que dera nome ao local onde se situava. Quando aí chegavam com o enorme rebanho, já os esperavam as mulheres e as crianças. Todos se sentavam sobre a erva, em lugares previamente escolhidos e nos quais haviam de permanecer até ao fim do dia. Terminada a primeira refeição, os homens saltavam para o curral a fim de que cada um procurasse as suas ovelhas que eram identificadas através de sinais convencionais que lhes tinham sido marcados nas orelhas. Cada chefe de família tinha o seu sinal, diferente dos outros todos, distribuído pelos “cabeças” e guardado por estes, a fim de não haver confusão e, assim, cada um identificar apenas e tão só os seus animais. Exemplifiquemos um destes sinais: orelha direita – forcada e troncha; orelha esquerda – troncha fendida com três moças.

Uma vez escolhidas e retiradas as ovelhas do curral, seguia-se a tosquia, finda a qual os animais eram soltos e enviados para o “concelho”, de novo. No curral apenas ficavam os que não tinham sinal, ou seja, as crias pequeninas e algum animal adulto, nunca assinalado e que não era de ninguém. Estes eram arrematados, ficando o dinheiro para a organização. Os cordeirinhos eram identificados pelas próprias mães. Era a petizada que de tal se encarregava. Se uma ovelha desse leite, tinha cria. O dono assinalava-a com uma peça de roupa e colocava-a de novo no curral, sob a vigilância, geralmente, de um filho mais novo. Dentro em pouco a cria procurava a mãe para mamar e logo eram apanhadas: mãe e cria. Esta, então, era assinalada nas orelhas com o sinal do dono, ficando apta a ser identificada nos próximos Fios. Terminada a tosquia todos regressavam a casa, desta feita em conjunto. A freguesia povoava-se de novo e em quase todas as casas berrava um carneirinho que seria refeição nos dias seguintes.

Outra festa, ou melhor outro trabalho festejado era o sargaço, cuja efectuação, no entanto, dependia do mar. Algumas vezes, durante o ano, certas marés traziam para a costa enormes quantidades de algas marinhas que tinham grande utilidade para estrumar e adubar os campos. A sua recolha era feita quase como se fosse uma festa. O Rolo, onde saía o sargaço, era dividido aos pedaços e assinalado pelos que primeiro iam chegando. Mas tinha que dar para todos. Cada qual, munido de um garfo de tirar esterco dos palheiros, tirava o sargaço no seu sítio, conforme podia, por vezes esquivando-se às ondas bravias, para um monte onde o mar não chegasse e donde mais tarde seria acarretado para os “lagos”, às costas e em cestos, num contínuo vai e vem do qual resulta um extraordinário espectáculo de movimento e cor. Aí se passava o dia, aí se jantava e aí se ceava, prolongando-se a azáfama pela noite dentro, transformando o espectáculo numa movimentação sublime de luzes e luzinhas que se reflectiam na tranquilidade das águas do Atlântico.

Outra festa estritamente profana, mas não ligada ao trabalho, era o “Intrude”, que durava três dias. Eram célebres as danças realizadas nesses dias.

Eram estas festas de trabalho ou às quais o trabalho se associava ou talvez ainda mais correctamente, este dar-se ao trabalho um sentido de festa que, juntamente com as restantes festividades religiosas que, de alguma forma destruíam e destronavam o isolamento e a monotonia do quotidiano desta população. Começando a trabalhar, geralmente, antes do amanhecer e até muito depois do pôr do Sol, estes homens e estas mulheres eram limitados por natureza e sentiam que algo lhes faltava. Daí a necessidade de criarem ainda outros meios de lazer e outras formas estruturais de sociabilidade que ultrapassassem, sobretudo em frequência, as próprias festas. Era aqui que tinham grande significado os serões, sobretudo os das longas noites de Inverno, nas casas uns dos outros. Fazer serão, em casa de um amigo ou de um parente ou familiar era um hábito corrente. As mulheres, numa quase perfeita cadeia de moderna montagem industrial, trabalhavam a lã em série: umas depenicavam-na retirando-lhe a sujidade, outras cardavam, outras fiavam e outras dobavam-na em novelos. Os homens geralmente deitavam-se cedo e quando o não faziam, jogavam às cartas. Também se contavam estórias maravilhosas e fantásticas, rimances antigos em forma de poesia ou então narravam-se as antigas viagens por terras da América. Às vezes, até se cantava.

Sair à noite sozinho, porém, era perigoso, sob o ponto de vista de “medos” e pouco aconselhável. Só os mais “anamudos” o podiam fazer, isto porque “as almas do outro mundo” proliferavam por toda a parte e apareciam, a torto e a direito, por tudo o que era sítio escuro. Já muitos as haviam visto e contavam-se coisas terríveis e tenebrosas que a todos assustavam. Nos serões muitas destas histórias eram repetidas vezes sem conta. A meia-noite era a hora pior e a mais perigosa, pois era a hora do diabo. Este era mesmo designado pelo epíteto de “o que anda â meia-noite”. O seu nome nunca devia ser pronunciado, por isso também era designado pelo “não dei que diga”, o “coiso mau”, o “cão da noite”. Invocava-se Lúcifer, sem no entanto pronunciar o seu nome. “Entregar”, isto é, dizer o nome do diabo ou chamar diabo a alguém era uma palavra feia, proibida de ser pronunciada por uma criança, um pecado muito grave. Na origem das estórias contadas, estava geralmente a aparição do próprio diabo.

Que sofrida que era a vida desta gente. Sacrifícios e mortificações faziam parte do seu quotidiano e consubstanciavam-se de forma permanente e contínua com o viver deste povo. Esta vida sofrida talvez também tivesse alguma relação com os medos e com as crenças do além que povoavam o seu imaginário. Uma das manifestações desse sentimento de sacrifício, perdão, ou até de expiação, de que a igreja e o clero tinham a sua cota parte de responsabilidade, estava exemplificada no “cantar no Outeiro”. Tratava-se duma cerimónia de cariz religioso, muito curiosa e interessante, em que directa ou indirectamente se envolvia toda a população, realizada todas as segundas, quartas e sextas-feiras da Quaresma. Nesses dias, por volta das nove horas da noite, um grupo de homens, alguns já de avançada idade, dotados de boa voz e ainda melhores pulmões, quer chovesse ou fizesse vento, subiam o Outeiro sobranceiro à freguesia e de joelhos, junto a uma cruz que ali ainda existe, cantavam em altas vozes, orações apropriadas e antigas. Pediam a Deus clemência para os infelizes e abandonados, perdão para os pecadores, porto de salvação para os perdidos no mar, auxílio para os desamparados, saúde para os doentes e salvação para os agonizantes. As suas fortes vozes faziam-se ouvir ressonantes sobre as casas da freguesia e, por isso, ao mesmo tempo, todas as pessoas ajoelhavam nos seus lares e em silêncio iam acompanhando as preces dos cantores, intercalando-as com orações de acordo com as suas ordens. Só terminado o canto se voltava à conversa.

Muitas expressões, provérbios e adágios deste povo, permitem ajudar a compreender esta específica e muito especial a maneira de ser bem como as agruras, as atrocidades, o sofrimento e o trabalho árduo do seu dia-a-dia.

Eram estas, em linhas gerais, as características duma população situada quase no meio do mar, apesar de pouco influenciada por ele, que até ao início dos anos cinquenta mantinha uma idiossincrasia, própria e específica de um povo cujo quotidiano era dominado pela insularidade e, dentro desta, por um isolamento que quase a fazia única no contexto insular açoriano.

Tudo isto, porém, a partir de meados da década de cinquenta, aproximar-se-ia do início do seu fim. Grandes e importantes transformações se verificaram, a todos os níveis, no viver, no sentir, nos costumes e, sobretudo, nos anseios e aspirações desta gente, perdendo-se assim, no entanto, uma originalidade de vida, uma pureza de costumes e uma singularidade vivencial que, não sendo única, pelo menos era rara. Vários foram os factores que contribuíram para tal mudança, sendo de destacar como mais importantes os seguintes:

1) O grande surto emigratório para os Estados Unidos e para Canadá, verificado a partir da década cinquenta, uns por que encontraram no fundo dos baús e de velhas gavetas os tão almejados “papeles” que os seus antepassados, outrora, haviam obtido naqueles países e lhes garantiam a entrada no novo “el-dorado, outros por carta de chamada que os parentes lhes faziam.

2) A chegada da Telefonia e Rádio, que a partir dos finais dos anos cinquenta começa a ser uma presença continua em todas as casas.

3) A construção duma estrada, aparentemente e outrora quase impossível, ao longo da rocha e que passou a ligar este povoado ao resto da ilha, também nos finais da década de cinquenta.

4) A implantação de uma fábrica de Agar-Agar nos Açores, cuja matéria-prima, as algas, passaram a ser compradas a preços muitíssimo altos. Muitos dos habitantes da freguesia abandonam por completo a agricultura, alguns vendendo as próprias terras para se dedicarem à apanha e recolha das algas, das quais outros se tornam intermediários, arrecadando sofríveis fortunas.

Em menos de cinco anos, o progresso, a técnica, o desenvolvimento industrial e a emigração transformaram totalmente esta micro sociedade, fazendo-a abandonar e até esquecer alguns dos seus usos e costumes, uma boa parte da sua própria cultura, impondo-lhe um ritmo, uma maneira de ser e de viver quase totalmente diferente da antiga e primitiva

Era uma sociedade agrícola que sentia aproximar-se o princípio do seu fim e o início da sua passagem a uma quase sociedade industrial. Essa mudança, porém, será longa e morosa.

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publicado por picodavigia2 às 18:02

VALÉRIO FLORENSE

Sexta-feira, 14.06.13

Valério Florense ou Florence, como consta no “Dicionário de pseudónimos e iniciais de escritores portugueses” é o pseudónimo literário de um dos mais ilustres filhos da Fajã Grande, o padre José Luís de Fraga e que, ao lado de Pedro da Silveira, ocupa lugar de destaque, entre os mais importantes vultos da cultura açoriana, naturais da ilha das Flores.

Filho de “Ti’Antonho do Alagoeiro”, nasceu em 1901, numa casa da rua da Tronqueira, na década de cinquenta já transformada em palheiro de gado, mas passou a sua meninice e foi criado na casa do Alagoeiro, situada no lugar do mesmo nome, lá para além das últimas casas da Fontinha, rua que actualmente herdou o seu nome. A casa situava-se ao lado daquele descansadouro onde parei tantas vezes para tomar fôlego, aliviar-me dos molhos que trazia às costas e, sobretudo, beber a água fresquinha que saia duma bica encravada num muro, que corria, permanentemente, a manter cheio o poço onde as vacas bebiam. Dizem os que o conheceram e privaram com ele que “era um menino forte, inteligente e bonito. De boa estrutura orgânica, escapou com vida, enquanto os seus cinco irmãos mais velhos, como ele todos Josés, tinham descido a rua empedrada da Fontinha nos seus caixõezinhos de cedro, de branco alvaiados”. Abandonou a ilha para fazer a tropa e estudar e “anos mais tarde voltou, revestido da glória e de feitos intelectuais, para dizer a missa nova na velha igreja de São José; cheia à cunha, a freguesia em peso lhe foi beijar a mão”. Precursor dos padres operários dos anos 60, pois, “apesar de padre ia lavrar com os lavradores, caiar a Igreja com os caiadores, à pesca com os pescadores”. Para além de sacerdote humilde e exemplar, distinguiu-se como músico exímio, como orador eloquente e como poeta de sensibilidade requintada. Deixou um espólio notável, quer a nível musical quer literário, encontrando-se o mesmo, felizmente, em boas mãos, até que alguém com responsabilidades a nível da cultura açoriana o divulgue junto dos seus conterrâneos, prestando-lhe a homenagem que merece.

Tive o privilégio de privar com ele no último Verão em que visitou a Fajã Grande. Apesar de vítima de Parkinson, revelava uma lucidez, uma sabedoria e uma cultura invejáveis aliadas a uma bondade, a uma ternura e a uma sensibilidade adoráveis. A cegueira de que também sofria levara o Bispo da Diocese a autorizar que celebrasse apenas as duas missas, naquele tempo ainda em latim, com textos mais pequenos e que ele sabia de cor: a missa votiva de “Santa Maria in Sabato” e a “Quotidiana dos Defuntos”. Naquela altura habituado a revirar, de trás para frente e da frente para trás, compêndios, manuais e outros calhamaços em latim, ofereci-me para ler, em vez dele, as partes variáveis da missa, permitindo-lhe assim recordar e saborear a liturgia da palavra e mensagem litúrgica de cada dia. Também adorava passear, sobretudo, pela tardinha. Pressentindo-o, dispus-me a acompanhá-lo. Percorremos e voltamos a percorrer o Areal, as Furnas, o Porto, o Delgado e a Bandeja e creio que se lhe tivesse proposto subirmos a Rocha ele teria aceitado de bom grado. Foram longos e quotidianos passeios, durante os quais muito aprendi sobre história, sobre literatura, sobre cultura geral e, muito especialmente, sobre poesia.

Nascido na Fajã Grande, Lajes das Flores, a 6 de Outubro de.1902, faleceu em Fall River, nos Estados Unidos da América, a 21 de Junho de 1968, sendo sepultado no cemitério "Gate Heaven's" de Bristol. José Luís de Fraga fez os estudos primários na Fajã Grande, depois de estudou no Liceu de Angra do Heroísmo e cumpriu o serviço militar obrigatório. Só então deu entrada no Seminário de Angra, completando o curso de Teologia e ordenando-se sacerdote, em 1927. Depois de ter ensinado naquele Seminário a disciplina de Música e exercer o cargo de prefeito, foi colocado nas paróquias de Santa Luzia, ilha Terceira, Castelo Branco, ilha do Faial, e Santa Cruz das Flores, esta em 1929. Por razões que provocaram a contestação dos paroquianos, em 1940, foi transferido para a paróquia da Ribeira Seca, ilha de S. Jorge. Onde se manteve até ao início da década de quarenta. Em 1943, foi colocado na vila do Nordeste, ilha de S. Miguel, sendo, em 1947, transferido para a paróquia de São Pedro, da cidade de Ponta Delgada e em 1957, para Vila Franca do Campo, onde exerceu as funções de ouvidor.

Quando, em 1968, visitava os Estados Unidos da América, morreu no seguimento de um acidente de viação.

Com o pseudónimo Valério Florense, deixou colaboração dispersa por jornais e revistas. No jornal As Flores, publicou, entre outros, os conjuntos de artigos Cartas de Longe e Impressões de uma Viajem a Roma. Deixou várias obras que interessam à música popular, fez recolha do folclore açoriano. Publicou vários livros de poesia, sobre a qual Ruy Galvão de Carvalho escreveu: « (...) é de feição geralmente tradicional, e os temas que trata inspiram-se em fontes populares, regionais e bíblicas. É, além disso, uma poesia descritiva e sugerida, evocativa e circunstancial, sem todavia deixar de ser pessoal e sincera, íntima e espontânea.»

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publicado por picodavigia2 às 14:27

A VAQUINHA VITÓRIA

Sexta-feira, 14.06.13

Quando eu era criança, era, sobretudo, a minha avó materna que me contava a maioria das estórias. Muitas foram as que ouvi. Lamentavelmente, de poucas me recordo, talvez porque, sabendo ela muitas, poucas vezes se repetia, o que obviamente, dificultava o armazenamento na minha memória pueril. ainda pouco treinada.

Havia, no entanto, uma tão pequenina, tão pequenina que nem chegava a ser estória e que me contava muitas vezes, sempre que lhe pedia e ela ou não dispunha de tempo ou não tinha disposição ou paciência para tal.

Rezava assim a tal estória:

 

“Era uma vez um rei e uma rainha,

Queriam fazer papinhas,

Mas não tinham farinha!

Mas tinham uma vaquinha,

Chamada Vitória.

Um dia, a vaquinha morreu

 e acabou-se a história.”

 

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publicado por picodavigia2 às 09:44





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