PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
NORDESTE
Por capricho ou por benevolência ou talvez por insensatez ou loucura (sabe-se lá), os deuses pintaram aquele torrão de lava do Nordeste micaelense de verde, mas de um verde tão verde que jorra por aqui, por além e por toda a parte, atulhando os campos, cobrindo as montanhas, enfeitando as beiras das ruas, ornando os caminhos, salpicando a orla das estradas, abalroando as casas e as igrejas, correndo pelo leito das ribeiras e até se reflectindo enigmaticamente na pureza imensa e infinita do Oceano. Ali tudo é verde! Apenas o céu, de dia clarificado por um Sol amarelado e risonho e de noite escurecido mas cravejado de uma infinidade imensa de estrelas, permanece, na sua essência, azul, muito azul, como se fosse um enorme manto protector de toda aquela aguarela monumental e sublime. Do mar sopra apenas e tão-somente uma brisa suave e fluente que se enrola e aconchega nos beirais das casas, penetrando por frestas e janelas como que a purificar e a fortalecer a esperança e o destino.
Mas não se ficou por aqui a douta e imensa generosidade dos deuses. É que também dotaram aquele extremo mais oriental das nove ilhas açorianas com paisagens naturais raras e extremamente belas, com vistas deslumbrantes e terrivelmente inesquecíveis como os miradouros da Ponta do Sossego, da Ponta da Madrugada, da Vistas dos Barcos, do Pico Longo, fortificaram-no com serras e montanhas alcantiladas de uma medonha excentricidade, como o Pico da Vara, a Serra da Tronqueira, estacaram-lhe as arribas e falésias com promontórios como a Ponta do Arnel, a da Achada, a de S. Pedro e a da Madrugada, encravaram-lhe ali bem no meio a Cascata da Ribeira dos Caldeirões e rasgaram-no com muitas outras ribeiras e grotões que serpenteiam e deslizam por ali, forçando as estradas a vertiginosos traçados curvilíneos, por entre uma vegetação luxuriante, alguma endémica e outra indígena, sob a tímida mas consoladora protecção do priolo.
E como se isto não bastasse os deuses ainda na sua desconhecida mas eficiente tarefa de criação, traçaram ou melhor permitiram que se traçasse por ali, nos contrafortes da Assomada, entre campos repletos de fresca alfombra e sulcados por pequenas ribeiras onde sussurra o murmúrio sibilante das águas, uma rua. Nessa rua há uma casa, apenas uma casa. A rua é erma mas singela e simples e a casa é de um basalto negro, tingido de branco onde sobressaem manchas de lava escura e onde foram rasgadas frestas e janelas por onde penetram a claridade do Sol, a brancura da Lua, o canto dos pássaros, o colorido das flores e o sabor adocicado das ervas perfumadas que a rodeiam.
Mas o mais interessante é que do interior da casa, mesmo quando a aguarela se tinge de um verde mais esbatido ou o priolo afrouxa e roufenha o seu canto, emerge uma enorme torrente de ternura e carinho e irrompe, continuamente, um gigantesco caudal de hospitalidade.
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MANTEIGA
A manteiga é um produto extraído do leite, cuja nata, depois de batida, se transforma numa emulsão de gordura, que pode ser usada, por exemplo, sobre fatias de pão ou bolo, ou ainda para cozinhar. É produzida onde há actividade pecuária, e as suas origens são antiquíssimas, cuidando-se que remontam à pré-história. Existem diversos tipos e marcas de manteiga, mas de excelente qualidade é a dos Açores, nomeadamente a do Pico e Flores, assim como a Vancaten, produzida na Suíça.
A manteiga é composta por cerca de 80% de gordura, sendo a parte restante constituída por água, resíduos de lactose e de butirina, um outro tipo de gordura, pelo que a manteiga se torna um alimento muito rico em gorduras saturadas, colesterol e calorias, sendo recomendável em doses moderadas para desportistas ou pessoas que tenham um grande consumo energético. Salvo especiais condições de saúde, a manteiga, apesar de tudo, parece ser compatível com uma dieta sã e equilibrada e é fácil de digerir apesar do seu conteúdo em gordura.
Paralelamente existe a manteiga vegetal ou margarina que se obtém de gorduras alimentares de origem vegetal e que é utilizada como alternativa à manteiga.
O seu nome deriva da descoberta do "ácido margárico" por Michel Eugène Chevreul, em 1813 mas foi em 1860, que o imperador Napoleão III da França ofereceu uma recompensa a quem conseguisse encontrar um substituto satisfatório e mais barato para a manteiga, a fim de que as classes sociais baixas e para os soldados pudessem dela desfrutar. Então, em 1869, o químico Hippolyte Mège-Mouriés inventou e preparou com gordura de vaca, uma nova substância ou tipo de manteiga, à qual extraía a porção líquida sob pressão e depois deixava-a solidificar; em combinação com butirina e água, resultando assim um substituto para a manteiga, com sabor semelhante ao dela.
Modernamente, a margarina é produzida através de uma grande variedade de gorduras vegetais, geralmente misturadas com leite desnatado, sal e emulsionantes.
Durante muito tempo pensou-se que a margarina era mais saudável do que a manteiga, mas actualmente gerou-se alguma controvérsia sobre esta tese. Apesar de tudo, alguns nutricionistas ainda pensam assim, uma vez que a margarina possui menos gorduras saturadas do que a manteiga obtida a partir do leite.
Consumida em quantidades moderadas, a manteiga não eleva o risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares ou outras, mas aos doentes que sofrem de insuficiência renal, está radicalmente interdita. A manteiga, sobretudo fresquinha, saborosa e apetecível, colocada em cima do pão quente, derrete-se e penetra-o, conferindo-lhe um sabor inconfundível e inolvidável.
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NAVIO CAÇA TESOUROS
Li, há dias, algures, uma notícia um pouquinha estranha e algo preocupante e que cito de memória: “O navio inglês “John Lethbridge”, especialista em procurar cargas e tesouros de antigas embarcações naufragadas, tem andado a navegar no mar dos Açores, encontrando-se desde há alguns dias fundeado no porto da Horta, na ilha do Faial”. Ora, todos nós sabemos que os mares açorianos, nomeadamente ao redor das ilhas das Flores e do Corvo se encontram pejados de antigas embarcações naufragadas, cujo o espólio, de uma boa parte, nunca terá sido procurado ou recolhido. Que este navio o faça sob a égide e responsabilidade do governo, das autoridades marítimas e da comunidade científica açoriana parece plausível. Se o faz à revelia destas é, no mínimo, invulgar e lamentável, sobretudo porque originará uma perda irrecuperável para o património histórico e cultural das ilhas. Exemplifique-se com a “Bidarta”, barca francesa capitaneada por Jaqcues Blondel, que na noite de 24 para 25 de Maio de 1915, naufragou, no Canto do Areal, por fora da Poça das Salemas, na Fajã Grande das Flores e, cujo naufrágio ouvíamos contar vezes sem conta. Vinha carregada de níquel que transportava da Nova Caledónia e se destinava a descarregar em Glasgow, na Escócia. Outro exemplo, também narrado outrora com muita frequência, era o do Salavónia, naufragado por fora do Lajedo em 1909, embora, neste caso muito do seu pecúlio, tenha sido recolhido por populares que o guardaram em suas casas, tendo sido já criado, na ilha das Flores o “Museu do Salavónia”. Desde de 1536 existem registos de mais de cem naufrágios nas ilhas das Flores e do Corvo.
NB - Texto publicado no Pico da Vigia 1, em 18/08/09
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MARIA E AS BULAS
Maria fora habituada desde tenra idade a ajudar a mãe nas tarefas domésticas e a cuidar dos irmãos mais novos. Maria, apesar de criança já trabalhava arduamente e só descansava quando ia à escola onde, com uma inteligência prodigiosa, aprendia tanto ou mais do que as outras meninas. Maria de mãozinhas roxas de frio, acarretava baldes de água da fonte e esfregava com escova e sabão o chão de madeira carcomida e remendada da sua casa. Maria de pés descalços levava à cabeça cestos cheios de roupa suja, lavava-a na ribeira e estendia-a ao Sol do estio. Maria, de olhos adormecidos, porque a noite era curta, levantava-se de madrugada, acendia o lume e varria, limpava e clareava a casa abrindo-lhes portas e janelas à luz clarificante das madrugadas primaveris. Maria, menina dos pés descalços, corria os campos ao sabor dos ventos e das tempestades. Maria menina, sentia cansaço, fadiga dor, sofrimento, angústia e achava o mundo injusto.
Maria tornou-se mulher quando era menina e nem sequer teve tempo para ser criança e para brincar.
Maria ficou órfã cedo, muito cedo, cedo demais. E Maria ainda mais mulher se tornou, quando afinal continuava menina porque mais conta tomou dos irmãos, mais lavou, esfregou, cozinhou, varreu, limpou, sacudiu, espanejou, areou, arrumou e até rachou lenha, decidindo, por si própria, que a partir de agora, mesmo continuando a ser menina, seria a senhora e a dona da casa. Maria não se limitava a desempenhar todas as tarefas apenas a dentro de portas mas também ajudava nos campos, no semear e acarretar do milho e das batatas, no plantar das couves e das cebolas, no apanhar do trevo e no acarretar da lenha. Maria também fez topadas nos dedos, teve sarampo, tosse, bexigas, defluxo e “godelhões”. Maria meteu estrepes nos pés, fez golpes nos dedos e até caiu e partiu três dentes.
Maria fez tudo o que uma mãe fazia. Maria até fez mais porque fez de senhora, de dona de casa, de filha, de irmã, de amiga e até de pedagoga, porque se esqueceu de que ainda era criança. E ao seu redor já mais alguém lhe lembrou que afinal ela também era criança.
Maria, porque era criança, também ia à catequese e à missa aos domingos, com a cabeça coberta com um mantinho de seda branco. E um dia, do alto do púlpito, Maria ouviu uma coisa estranha! Ouviu anunciar que era pecado grave comer carne às sextas-feiras, mas que ali, na sacristia da igreja, estavam à venda os indultos e as bulas do Santo Padre, os quais autorizavam os cristãos que os comprassem a comer carne em todas as sextas-feiras do ano, excepto nas da Quaresma e nas Têmporas. Quem não as comprasse e comesse carne nesses dias cometia um pecado gravíssimo e sujeitava-se à condenação eterna. Por isso todos, mas mesmo todos os bons cristãos deviam comprar as bulas, para se salvarem, agradarem a Deus, cumprindo, assim, os Mandamentos da Santa Madre Igreja!
Maria ouviu, ouviu muito bem e já mais se esqueceu, mas hesitou. Hesitou simplesmente porque em sua casa não havia nem carne nem dinheiro! Dinheiro? O pouco que havia era todo para a mercearia. Carne? De vaca só pelo Espírito Santo e de galinha só na noite de Natal. Seria pela carne de porco? Mas a salgadeira já ia a mais de meio, a linguiça já quase se acabara e já se via o fundo da panela dos torresmos. “E a talhada do toucinho que colocas no caldo de couves com feijão?” – Lembrou-lhe uma vizinha. “E a colher de graxa que deitas na sopa ou com que fazes o refogado para o mangão?” – Perguntou uma tia. “Tudo isso contava como se fosse carne?” “Oh, se contava!...” “Era carne, carninha, lá isso era.” Por isso Maria, num esforço gigantesco, decidiu juntar algumas moedas, para evitar o pecado e a condenação eterna da sua família. Substituiu o petróleo do candeeiro pela graxa de fritar o peixe, já velha e rançosa, na candeia da cozinha, reduziu a colherada do café e aumentou a das favas torradas e da chicória e até, à ceia, mingou o leite nas tigelas. E o milagre aconteceu! Passado um mês poupara o necessário para comprar as bulas. Lavou-se, asseou-se, calçou-se, penteou-se, colocou laços de fita nos cabelos, vestiu a melhor roupita que tinha e lá foi, pé ante pé, tímida e insegura mas prazenteira e sorridente, com destino à casa do Senhor.
Na sacristia da igreja paroquial havia sido montada a tesouraria. Bateu levemente à porta e esta abriu-se. E eis senão quando à sua frente surge um monstro alto, esguio, negro, barrigudo e pançudo, que de rompante, sem ao memos lhe dar os bons dias ou dirigir uma palavra amiga e meiga, lhe saca da mãozinha trémula e fria que, tímida e hesitante, lhe estendia, as quatro moedas esbranquiçadas que ela com tanto sacrifício amealhara, devolvendo-lhe em troca duas folhas de papel, em cujo cimo e ao lado das armas papais de Sua Santidade o papa Pio XII estavam estampadas as imagens de S. Pedro e S. Paulo, o primeiro de chaves do Céu em riste, anunciando um reino de bondade, de amor e de verdade e o segundo segurando na mão um papiro com as suas cartas anunciadoras da paz, da justiça e da fraternidade.
Maria voltou só, triste, apreensiva e revoltada porque afinal nunca encontrou em sua casa a carne que aqueles abençoados papéis, a que chamavam bulas papais, a autorizavam a comer.
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MELOA
A meloa é uma variedade ou uma quase espécie de melão, mas mais arredondad e enrugada. É originária da Índia e da África, desenvolvendo-se, em tempos idos, com grande predominância, em Moçambique.
Segundo uma lenda, cuida-se que o papa Inocêncio XIII, que governou a Igreja Católica entre 1721 e 1724, depois de lhe retirar as pevides, adorava colocar vinho do Porto na cavidade de meia-meloa, comendo-a, como aperitivo. Um costume que ainda existe entre nós.
A meloa é uma fruta de Verão, por excelência. Devido ao seu elevado teor de potássio e à água que contém, a meloa é recomendada às pessoas que estão sob medicação diurética, como, por exemplo, doentes cardíacos, hepáticos e com cálculos biliares. Estes efeitos, benéficos no equilíbrio de fluídos do organismo, reflectem-se também na prevenção e melhoria dos sintomas da gota, reumatismo e prisão de ventre. No entanto, quando consumida em excesso, a meloa pode provocar cólicas e diarreia devido ao teor de fibra que contem, embora, esta seja benéfica para o trânsito intestinal. Além disso, a fibra, também, ajuda a baixar os níveis de colesterol do sangue e a regular o apetite, tendo, ainda, propriedades antioxidantes que podem melhorar a visão e proteger as mucosas e a pele.
A meloa também é um bom alimento para quem quer perder peso, visto ter um baixo valor energético, conter uma grande quantidade de água e fibras que ajudam a regular o apetite.
No entanto, para mim, a meloa, está quase totalmente interdita, devido aos malefícios que pode causar aos doentes sofredores de insuficiência renal. Apenas, de vez em quando, uma pequena fatia daquela que é um das mais saborosas, desejadas e apetitosas sobremesas do verão, pode ser tolerada.
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PEDRO DA SILVEIRA
Pedro da Silveira, “o Pedro das Senhoras Mendonças” como era conhecido pelos seus vizinhos, nasceu na Fajã Grande, na rua da Assomada,(1) a 5 de Setembro de 1922. Embora fosse meu vizinho, muito amigo dos meus pais e meus irmãos mais velhos, com quem conversava frequentemente e visitasse a Fajã quando eu era criança, apenas tive o privilégio de conversar com ele num encontro de habitantes das ilhas das Flores e Corvo, realizado em Castelo Branco, há alguns anos. Nessa altura tive a honra de lhe entregar um texto meu “Noite de Natal” que ele teve a delicadeza de ler e do qual mais tarde me enviou o seu comentário. Lamentavelmente não mais pude contactar com ele. Faleceu em Lisboa, no dia 13 de Abril de 2003.
Pedro da Silveira, talvez o mais ilustre fajãgrandense de sempre, foi poeta, crítico literário e investigador quer a nível da escrita quer a nível da tradição oral. Fez parte do conselho de redacção da revista “Seara Nova” e é autor de várias obras de poesia e de recensão literária e de duas antologias de poetas açorianos.
Depois de ter completado o ensino primário na Fajã Grande, tendo já demonstrado grande inteligência e interesse pelas letras, partiu para Angra, frequentando primeiro o Seminário e mais tarde o Liceu, o que lhe permitiu completar a sua formação básica e contactar com os mais lídimos representantes da literatura lusófona do tempo e onde, de acordo com as suas palavras «Havia, pelo menos em certos meios, um culto muito fiel por Jaime Brasil e por Aurélio Quintanilha, ambos terceirenses e ambos anarco-sindicalistas. Para aí me inclinei e ainda agora, se alguma ideologia política é capaz de me dizer alguma coisa, essa é o socialismo acrata(2) ou anarquismo.”(1987)
Alguns anos depois radicou-se em Ponta Delgada, cidade onde integrou o grupo intelectual que se formou em torno do jornal “A Ilha”, periódico no qual colaborou assiduamente.
Finalmente fixou-se em Lisboa, onde viveu o resto da sua vida, embora visitando a Fajã com alguma frequência, granjeando, de acordo com o testemunho de muitos dos seus vizinhos e conterrâneos, a simpatia de todos, com os quais partilhava ideias, princípios e conhecimentos. Foi delegado de propaganda médica, promovendo produtos farmacêuticos, iniciando simultaneamente um percurso de estudo e investigação histórico-literária. Mais tarde passou a trabalhar na Biblioteca Nacional, da qual foi director dos Serviços de Investigação e de Actividades Culturais, chegando a integrar a Comissão de Gestão da mesma.
Foi um dos promotores da elaboração da Enciclopédia Açoriana e participou ainda em múltiplos estudos relacionados com a cultura açoriana e em especial com a história e a etnografia da ilha das Flores, com destaque muito especial para a Fajã Grande, onde recolheu variadíssimos textos da tradição literária oral, divulgados mais tarde na revista “Lusitana”. Iniciou a sua obra poética com A Ilha e o Mundo (1953) e prosseguiu com Sinais de Oeste (1962), Corografias (1985) e Poemas Ausentes (1999). Publicou um primeiro volume “Fui ao Mar Buscar Laranjas”, um conjunto de vinte poemas inéditos, escritos entre 1942 e 1946.
Pedro da Silveira revelou sempre um alto sentido de cidadania e uma formação ideológica e política muito firme, convicta e segura, iniciada na sua adolescência nas Flores, onde conheceu alguns exilados políticos, que “lhe revelaram quem era Salazar e ao que vinha”. Com eles, primeiro, e depois com o grupo anarquista em Angra, consolidou os princípios políticos e ideológicos essenciais que o acompanhariam por toda a vida e que fizeram com que os seus direitos políticos fossem apreendidos por Salazar que chegou a retirar-lhe o direito de voto e também que fosse permanentemente perseguido e preso pela PIDE.
Notas – (1) Em recente visita à Fajã Grande, pude verificar que a casa onde ele nasceu foi vendida. Creio que poder-se-ia muito bem ter sido transformada em “Casa museu Pedro da Silveira. Pior. A casa onde o pai nasceu, situada à Praça e que, na década de cinquenta, era um palheiro de gado e arrumos, foi totalmente destruída. Era esta a casa que ele descreve num dos seus mais belos poemas.
(2) Chama-se “acrata” a um partidário ou defensor da acracia. A acracia é uma forma de anarquismo, ou seja, uma ideologia politico-filosófica que não aceita a legitimidade de nenhuma imposição. Sendo assim, para que uma acção humana tenha valor moral deve emanar da decisão livre de quem a empreende e, por isso, todas as actividades humanas devem ser resultantes de compromissos voluntários, tomados por livre arbítrio. Na prática, os acratas defendem que as pessoas não nasceram para obedecer mas sim para decidir por si próprias.
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ARTE POÉTICA
(UM POEMA DE PEDRO DA SILVEIRA)
O meu desejo abarca as ilhas todas do Mar.
Os continentes, que fastio de desertos povoados!
Terra, terra, terra
E rios tristes, ansiosas de deixá-la.
Terra mais alta,
Mais baixa,
Terra só.
Lonjuras de terra
Horizontes de terra.
Ora esta é a minha razão, a minha ciência:
Horizonte verdadeiro é o d’água e céu.
Com mar à roda a terra sente,
Anima-se, acorda de ser terra.
A água incita-a, fecunda-lhe
O amor de outras terras.
-E navega-nos o sangue, empurra-nos
Para onde reside
(sonhado ou real)
Dentro de nós o Além –de’Aqui.
Terra e mais nada que terra.
Ir de uma terra a outra por terra.
Sem riscos-nem mesmo imaginados.
Sem nenhum sobressalto...
Fiquem os restelos para os secos e pecos
Que tiveram medo da navegação.
A mim, o Mar!
Pedro da Silveira in Sinais de Oeste
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TOLEDOS CAMPEÃO NACIONAL
O Grupo Desportivo e Recreativo dos Toledos da Madalena, ilha do Pico, conquistou, pela segunda vez, na sua história, campeão nacional de Ténis de Mesa, vencendo o Sporting, na final do Play-off.
A equipa picoense já havia ganho a taça de Portugal, conquistando assim a dobradinha.
Em 10 de Maio de 2010, o “Pico da Vigia 1 publicara a notícia da primeira grande vitória, no Ténis de Mesa Nacional, daquela equipa açoriana.
Nos passados dias 8 e 9 de Maio teve lugar, no Centro de Congressos e Desportos de Matosinhos, a fase final da Taça de Portugal em Ténis de Mesa nos escalões masculinos e femininos, sendo vencedora da prova, no escalão masculino, o Grupo Desportivo e Recreativo dos Toledos da Madalena, ilha do Pico.
No dia 8 realizaram-se os oitavos de final sendo apuradas as oito equipas que participariam nos quartos de final, com destaque para o confronto que opôs a equipa dos Toledos, da Madalena do Pico e o Sporting Clube de Portugal, que na eliminatória anterior eliminara o Juncal da ilha Terceira e que culminou com uma brilhante vitória da equipa açoriana que assim obteve o consequente passaporte para as meias finais.
Nos quartos de final verificaram-se os seguintes resultados:
ACM da Madeira 0 – Novelense 3
CP de Oliveirinha 3 – 1º de Maio (Madeira) -2
Sporting 2 – Toledos (Pico) 3
Vitória de Setúbal 2 – S. Roque (Madeira) 3
Por sua vez, no dia 9 de manhã, tiveram lugar as meias finais, tendo a equipa picoense obtido uma clara vitória sobre o São Roque da Madeira, apurando-se assim para a final, a qual teria lugar, no mesmo dia, da parte da tarde.
Resultados das meias-finais da competição:
Toledos (Pico) 3– S. Roque (Madeira) 1
Novelense 3 – CP de Oliveirinha 1
Na final, a equipa dos Toledos da Madalena defrontou e venceu a Associação Recreativa Novelense, de Novelas, Penafiel por 3-2, conquistando assim a Taça de Portugal, edição 2009/10. Num jogo disputado até ao último set, a equipa insular, defrontando um conjunto bastante forte e enfrentando um público que maioritariamente apoiava a equipa continental, acabou por vencer e conquistar o troféuem causa. Trata-sede uma conquista importante e um marco significativo no Ténis de Mesa açoriano, dado que é a primeira vez que, nesta modalidade, uma equipa dos Açores conquista um troféu a nível nacional.
No escalão feminino o vencedor foi o CTM de Mirandela que na final derrotou por 3-1 o Ponta do Pargo da Madeira. Por sua vez a equipa da Casa do Povo da Madalena do Pico, também participante neste escalão, foi eliminada nos quartos de final pelo Garachico da Madeira.
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PICO DA VIGIA CITADO NOUTRO BLOGUE
Foi com muito agrado e enorme alegria que descobri na blogosfera que o blogue “FLORA DE BRINCADEIRAS”, em 18 de Março de 2010, citou o Pico da Vigia, neste caso a primeira versão, com suporte na Iol e, agora misteriosamente desaparecido. Tratou-se de parte do texto que publiquei em 24 de Janeiro do mesmo ano, intitulado “Vacas de fava e porquinhos de batata-doce”. Fiquei muito surpreendido com o registo que a seguir transcrevo:
“Já que as favas estão aí, recordo que, no dia da abertura da exposição "Raiz de brinquedo", fui informado de uma brincadeira que se realizava no Alentejo, mais propriamente em Serpa, por uma visitante dessa localidade. Tratava-se de uma manada de vacas, feitas com favas. Os seus membros eram pequeninos paus de esteva. Numa curta pesquisa pela blogosfera, encontrei também este riquíssimo testemunho, situado na Fajã Grande, Açores, pela mão do autor do blog "picodavigia.blogs.iol.pt":”
" As vacas de fava eram construídas geralmente no tempo em que o gado andava no “oitono”, ou seja, durante os meses da Primavera. À tardinha, enquanto os nossos progenitores e os outros homens, agrupados em função das proximidades das terras onde tinha o gado amarrado à estaca, aguardavam, em amena cavaqueira, a hora da ordenha e enquanto os animais ruminavam a última “cordada”, ou porque as houvesse ali por perto ou porque as fôssemos procurar mais além, apanhávamos algumas vagens de fava, escolhendo as mais compridas e grossas e as que julgávamos de maior beleza estética. Depois arranjávamos quatro “fochos”, cortávamo-los todos do mesmo tamanho e “falquejávamo-los” numa das extremidades. Eram essas extremidades que depois espetávamos no bordo mais côncavo da fava ou seja do lado em que o pé da mesma se curvava, de maneira a simular o focinho do animal, enquanto os pauzinhos espetados representavam as mãos e os pés. Depois descascávamos uma outra fava, escolhíamos um grão que prendíamos entre as pernas da vaca recém-criada, a fazer de “mojo”, e cujo tamanho variava consoante queríamos uma vaca acabadinha de parir ou uma gueixa alfeira. Aos bois era-lhes espetado um pequeno “focho” na barriga a imitar o falo. Finalmente dois “fochos” no lado da fava que representava a cabeça e estava um animal perfeito, com o qual brincávamos durante alguns dias apenas, pois as favas tinham um prazo de validade bastante limitado."
Excerto extraído do endereço:
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O CHARABÃ
A abertura do troço da estrada que liga a ladeira do Pessegueiro aos Terreiros foi de enorme alegria para os habitantes da Fajã Grande. É que não mais percorreriam a pé a difícil e íngreme caminhada até ao cimo da rocha da Fajãzinha, quer nos dias da chegada do Carvalho, quer noutros em que por diversas razões, mormente por doença, tinham que se deslocar a Santa Cruz ou às Lajes.
Foram anos e anos a calcorrear veredas, a subir escarpas, a transpor ribeiras e a saltar grotões, numa árdua e difícil maceração. O percurso iniciava-se no cimo da Assomada, seguindo-se depois pelo Caminho da Missa. Até à Eira da Quada o trajecto era fácil, mas a descida da ladeira do Biscoito consubstanciava um perigo permanente! Mais difícil ainda era a passagem da Ribeira Grande sobretudo depois da derrocada da ponte e em dias de grande caudal. Apesar de povoada de “passadeiras”, temiam-se escorregadelas fatídicas e saltos em falso sobretudo por parte de mulheres e crianças. Os próprios animais tinham muita dificuldade em atravessá-la e eram obrigados por vezes a lutar contra a força da corrente. A seguir a Fajãzinha, com paragem no Rossio para saborear a água fresca e límpida que ali corria em duas bicas, dia e noite. Aí o percurso estava facilitado. Por fim a parte mais temida e perigosa - a subida da Rocha dos Bredos.
Assim, toda a população da freguesia desejava ardentemente o fim de tão acerbo suplício. Por isso, a chegada dos empreiteiros e construtores do troço da nova estrada entre o Porto da Fajã e o Pessegueiro e, mais tarde, entre este e os Terreiros foi um desvairamento. Mas a obra demorou anos. Por um lado as limitações e insuficiências da maquinaria disponível, por outro, a dificuldade em abrir brechas naquele alcantil escarpado, abrupto e pétreo que era a rocha da Fajãzinha.
Ao fim de alguns anos, no entanto, para gáudio de todos, a obra concluiu-se e a nova estrada que ligava a Fajã aos Terreiros foi inaugurada.
Nos dias e meses que se seguiram, porém, o desânimo voltou. Afinal a estrada estava ali, lisa e plana que era um regalo, coberta de asfalto e bagacina, mas de pouco ou nada servia. É que não havia automóveis na Fajã e ninguém dispunha de arte ou engenho e muito menos de dinheiro para comprar um. Assim uma estrada, na opinião de muitos, tornava-se inútil, até porque fora interdito o uso dos velhos e tradicionais corções puxados por bovinos. É verdade que havia algumas camionetas de carga e outros veículos em Santa Cruz, mas eram poucos e vinham sempre cheios. Carros de Praça eram apenas três. Fretá-los só em caso de doença grave e nem era para todos.
Perante este imbróglio, o Venceslau pensou comprar um automóvel. Serviria a freguesia e valorizava o seu estatuto de comerciante. Porém, bem-feitas as contas, considerou de todo impossível. É que os lucros do botequim não davam para meia missa.
Mas o sonho do Venceslau, no entanto, não desvaneceu de todo. Quando o Fra-gueiro regressou do Faial, onde se fora operar ao estômago, segredou-lhe:
- Homem, na Horta a moda agora é comprar automóveis e os tipos estão a vender carroças, charabãs e até coches ao preço da chuva. Vendem-nos aparelhados com animais e tudo! Um charabã, aqui, é que dava... Já que não podes comprar um automóvel, compra um charabã. Eu não trouxe um porque, como sabes, não tenho dinheiro. O pouco que tinha ficou todo no Hospital e na Pensão. Agora tu… Bem podias aproveitar...
Como o Fragueiro era sensato e de confiança, o Venceslau aceitou de bom grado a sugestão. Nos dias seguintes não pensava em mais nada. A ideia parecia-lhe genial, embora sofresse grande contestação por parte da mulher. Mas como ele é que mandava lá em casa, no Carvalho seguinte partiu para o Faial.
O Charabã foi recebido com foguetes, filarmónica e sinos a repicar. Até padre Silvestre acedeu ao pedido da Bernarda e, juntando-se ao povo que se aglomerava à Praça, preparou-se para a bênção de estola, caldeirinha e hissope em riste. O reverendo, inicialmente, havia recusado o pedido da consorte do Venceslau, dado o seu habitual afastamento das cerimónias e celebrações litúrgicas, agravado, vezes sem conta, com o facto de ela manter o botequim aberto durante a missa e, ainda por cima, lhe roer na casaca de vez em quando. Mas decidiu-se pela bênção. É que sendo ele provavelmente um dos mais frequentes futuros utilizadores do charabã, um pouco de água benta e um bocado de latim dariam mais segurança às rédeas do Venceslau ao descer a rocha da Fajazinha ou a Ventosa.
Mal a carripana emergiu na primeira curva da Assomada, por ordem da Bernarda, os foguetes começaram a estralejar, a banda a tocar a Maria da Fonte, os sinos a repicar e o povo a dar uma enorme salva palmas.
O Venceslau saiu do assento do cocheiro em ombros. Nem a Bernarda, com saudades acumuladas de um mês, o pôde abraçar. O povo acotovelava-se para ver de perto a engenhoca que mudaria o seu destino, dificultando a acção litúrgica do padre, que a muito custo atirava para cima do veículo e dos animais água benta e salmos: - “In êxitu Israel Egipto...” Depois, fazendo uma cruz, retirou-se, enquanto todos lutavam por ver de perto e tocar a nova coqueluche dos transportes fajãgrandenses.
O charabã era um veículo grande, de quatro rodas com raios de ferro, sobre as quais assentava uma estrutura de madeira, à qual se prendiam quatro varões que sustentavam o tejadilho – um toldo de lona esverdeada, já muito desbotado pelo sol e pela chuva. Os assentos eram quatro bancos, dois laterais e outros dois transversais, um logo atrás do assento do cocheiro e outro na retaguarda. Puxavam-no três muares devidamente identificados: a Mulata à esquerda, a Moirata ao centro e o Lopes na direita.
O resto da tarde foi de regabofe no botequim onde a Bernarda, na ausência do Venceslau, pontificava. Uma viagem ao Porto para convidados e a garotada toda a correr atrás do charabã. Garrafas de anis, genebra e aguardente a abrirem-se, pirolitos e figos passados para a miudagem, enfim, uma comemoração de arromba. Depois, a Bernarda, transformando o balcão ainda sujo das bebidas em secretária, deu início às marcações com reservas e tudo. A primeira semana em poucos minutos esgotou. Um sucesso!
No dia seguinte às seis da manhã, o charabã partia na sua viagem inaugural. Os candidatos a passageiros eram muitos e excediam, de longe, a lotação. O Venceslau não quis ficar mal e, confiando excessivamente na força dos muares, acrescentou mais três bancos transversais, o que quase permitiu duplicar a lotação da carripana, enchendo-a como sardinha dentro de lata.
Envergando o chicote e sentando a seu lado a Bernarda, que decidiu fechar o botequim, já que não trocava aquela primeira viagem por nada deste mundo, o Venceslau deu o sinal de partida, proferindo a senha de ignição:
- Salta mula lá p’ra diante mula!...
E batendo ao de leve nos três muares, iniciou o périplo, com dezenas de mirones a ver aquela primeira partida, apesar de a manhã ainda não se ter clarificado de todo.
Até à rocha da Fajãzinha a viagem correu muito bem, pese embora os animais começassem a suar e a escumar em demasia. Ainda a rocha não ia a meio e a Mulata, depois de levar uma valente chicotada, porque começava a atrasar-se, ajoujou-se, perante um grito de susto e de espanto da comitiva. O Venceslau, querendo mostrar a força e valentia da mula, ferrou-lhe nova chicotada, mas com tal força que a pobre, muito a custo lá se levantou. Mas pouco depois, quase desfalecida, voltava a ajoujar-se por completo, arrastando consigo a Moirata.
O Venceslau ficou lívido ferrando nova e mais pesada tareia nas mulas indefesas.
Tal violência provocou grande contestação entre os passageiros. Alguns apiedando-se dos animais desceram do veículo, caminhando a pé. Dois homens vieram levantar as mulas, comprometendo-se a empurrar o charabã, se necessário, até ao cimo da rocha.
Ao chegar aos Terreiros, como a estrada fosse plana e a Mulata e a Moirata já estivessem mais descansadas, o Venceslau deu ordens para que todos subissem. A viagem correu normalmente até à Casa do Estado.
Aí procedeu-se a uma paragem devidamente programada. Era metade do caminho entre a Fajã e Santa Cruz. Pessoas e animais deviam abastecer-se e descansar por alguns minutos. Pouco depois reiniciou-se a viagem, que continuou calma e tranquila, apesar de lenta, até ao alto da Ventosa. Aí o coração do Venceslau deu um pulo. Não se contendo, segredou para a Bernarda:
- Isto agora é canja! É sempre a descer até Santa Cruz. Vamos andar depressa porque temos que recuperar o tempo perdido.
Os detrás bem gritavam:
- Vai devagar, Venceslau, que as mulas não aguentam!
Mas ele nem lhes dava ouvidos.
De repente, ao rodar uma curva junto à relva do Mantes, a Mulata, sem que ninguém o esperasse, ajoujou-se de novo e caiu, arrastando desta feita a Moirata, o Lopes, o charabã e todos os seus ocupantes. É que com o balanço a viatura desprendeu-se dos temões e amarras que a prendiam aos muares, rolou pela borda da estrada e, dando duas cambalhotas, foi parar à relva assustando umas vacas que ali pastavam mansamente.
O pânico foi geral entre os acidentados. Os feridos foram poucos e os achaques leves. Para além do susto, apenas umas arranhadelas e algumas mâmulas. O charabã ficou completamente desfeito.
Uma camioneta de carga que passou, horas depois, com alguns trabalhadores, recolheu os sinistrados e trouxe-os de regresso à Fajã, perante protestos e lamentações, enquanto a Bernarda não cessava de atirar culpas ao Venceslau, que maldizia a sua sorte.
O charabã ficou a apodrecer por ali. A Moirata e o Lopes foram vendidos para as Lajes. A Mulata de tão velha e fraca que era, ninguém a quis comparar. Morreu pouco depois. O Venceslau e a Bernarda venderam o botequim e partiram para a América.
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PÃO DE MILHO
Na Fajã Grande, nas décadas de cinquenta e sessenta o pão tinha um papel primordial na alimentação das famílias, sobretudo das mais pobres. Cozido em cada casa, em grande quantidade, geralmente às sextas-feiras, o pão era guardado e armazenado a fim de que durasse para toda a semana. Cozia-se, geralmente, pão de milho, o qual tinha estatuto de elemento fundamental na alimentação de uma população que, lhe acrescentava, apenas, leite, queijo, um ovo estrelado ou conduto de porco. Pouco mais havia para nos alimentarmos. Para mim, na altura ainda criança, o pão de milho era o meu alimento fundamental, principal e preferido. Adorava-o, sobretudo, quando fresquinho e acabadinho de sair do forno… E então se acompanhado de leite…
O pão que se cozia na Fajã Grande, naqueles tempos, era feito com farinha de milho, a que se acrescentava, simplesmente, água e sal e era saborosíssimo. A massa, depois de fermentada, era cozida em forno de lenha, transformada em brasido. Uma vez varrido o forno era lá que se colocava o dito cujo, a cozer.
O pão de milho, geralmente, era acompanhado com leite quando acabado de cozer, mas também se comia quando já não era fresco, neste caso, migado no leite fervido. Outras vezes era estufado ou frito, mas também era muito apreciado quando barrado com manteiga, compotas, doce, queijo, ou banha de porco, daquela de guardar a linguiça e que trazia o seu sabor.
O pão, na realidade, é uma excelente fonte de hidratos de carbono e o nosso principal fornecedor de energia. Mas é também uma boa fonte de proteína vegetal e contem fibra e vitamina B. Apenas o pão de trigo, mas daquele muito branco, é permitido aos doentes portadores de insuficiência renal, porque este pão é feito de amido e é pobre em nutrientes: vitaminas e sais minerais, enquanto o integral contem todas as substâncias alimentares numa proporção conveniente e, além disso, contem fibras que ajudam a colaborar no bom funcionamento do intestino e auxilia no controle do colesterol e da glicemia, ao mesmo tempo que proporciona uma maior sanidade, por ser rico em fibras. O pão de milho, assim como o bolo e até o próprio milho cozido ou torrado, também está vedado aos doentes que sofrem de insuficiência renal.
Para as pessoas saudáveis, o pão, quer o de milho quer o de trigo, é um alimento que pode ser ingerido por todas as idades e só não devem comer pão, aquelas pessoas que tenham graves intolerâncias alimentares aos cereais constituintes, como a doença celíaca, assim como os hipertensos. Vale lembrar, que o pão por si só, não engorda, o que engorda é o consumo excessivo de pão e o que se mete nele. É essencial existir um equilíbrio entre aquilo que se ingere e o que se gasta, em termos energéticos.
O milho é um cereal natural, muito utilizado em virtude das suas propriedades nutricionais que possui. É um dos alimentos mais nutritivos que existem, contendo muitos aminoácidos. O segredo para o bom consumo do milho é, primeiro, nunca exagerar na dose e, segundo, procurar consumi-lo das formas mais naturais possíveis. Uma espiga de milho verde cozida ou assada, por exemplo, é preferível a uma lata em conversa.
O pão de milho, actualmente, está banido do meu cardápio. Dele, apenas a suave e doce lembrança da minha infância. Para além de degustar o seu adorável sabor, adorava ver as espiguinhas tenras e loiras, a florir, a encher os campos da Assomada do seu perfume dolentemente adocicado.