Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]



AUTÁRQUICAS 2009 - FREGUESIAS COM MENOS DE 100 ELEITORES

Sexta-feira, 21.06.13

(TEXTO PUBLICADO NO PICO DA VIGIA EM 12/10/09)

 

Há uns bons anos atrás, quando, em dia de eleições, nos sentávamos frente ao televisor à espera de resultados eleitorais e quando os meios informáticos disponíveis não eram tão rápidos e eficientes como os de hoje, ouvia-se, tradicionalmente, anunciar entre os primeiros resultados eleitorais, os obtidos na freguesia portuguesa com menor número de eleitores – Vale da Coelha, no concelho de Almeida, distrito da Guarda.

Hoje os dados chegam em catadupa e normalmente as projecções e os primeiros resultados anunciados são os das freguesias ou concelhos considerados mais importantes ou daqueles em que as eleições são, politicamente, mais disputadas. Das freguesias mais pequenas já não se fala. Dos concelhos, de quando em vez, refere-se apenas o Corvo, mais pela sua singularidade do que pela sua pequenez, uma vez que é o único concelho onde não existem freguesias. Curiosamente em Portugal existe apenas um concelho com uma freguesia – São João da Madeira, no distrito de Aveiro.

Quanto às freguesias mais pequenas ou mais desertificadas, cujo número aumenta assustadoramente de ano para ano, são hoje em dia esquecidas ao longo das cada vez mais curtas noites eleitorais. No entanto já não é Vale da Coelha a liderar o top das freguesias com menos eleitores. Essa “supremacia”, anacrónica e pouco simpática diga-se de passagem, pertence à freguesia do Mosteiro, concelho das Lajes, na ilha das Flores.

Numa pesquisa rápida, talvez por isso mesmo não completa, identifiquei nos quadros dos resultados eleitorais das Autárquicas de 2009, ontem realizadas, 27 freguesias com menos de 100 eleitores inscritos. Destas, quatro pertencem à ilha das Flores: a já referida freguesia do Mosteiro e ainda a Caveira, a Fajãzinha e o Lajedo.

Se a este número se juntar a quantidade impressionante de freguesias com menos de mil habitantes, não será de se pensar novamente numa revisão da actual divisão administrativa do país?

 

Freguesia

Concelho

Distrito

Eleitores

Não votaram

Mosteiro

Lajes Flores

Açores

40

7

Bigorne

Lamego

Viseu

46

16

Coura

Armamar

Viseu

54

17

Aldeia Nova

Almeida

Guarda

60

21

Mofreita

Vinhais

Bragança

62

19

Bogalha

Pinhel

Guarda

64

19

Granjinha

Tabuaço

Viseu

66

30

Caveira

Sta Cruz Flores

Açores

67

15

Senouras

Almeida

Guarda

68

28

Cidadelhe

Pinhel

Guarda

68

28

Vale da Coelha

Almeida

Guarda

68

32

Vila Soeiro

Guarda

Guarda

71

33

Pombares

Bragança

Bragança

73

39

Monte Margarida

Guarda

Guarda

74

35

Pêro Soares

Guarda

Guarda

83

29

Ruivos

Sabugal

Guarda

85

33

Fajazinha

Lajes Flores

Açores

86

25

Vilar de Rei

Mogadouro

Bragança

88

27

Donões

Montalegre

Vila Real

88

46

Forles

Sátão

Viseu

89

19

Póvoa d’El Rei

Pinhel

Guarda

92

50

Vales

Alfandega da Fé

Bragança

93

23

Lajedo

Lajes Flores

Açores

95

17

Idanha-a-Velha

Idanha-a-Nova

C.Branco

95

23

Cabreira

Almeida

Guarda

96

36

Vale Afonsinho

Fg.Castelo Rodrigo

Guarda

98

16

Burga

Mac. Cavaleiros

Bragança

99

44

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 21:50

CROISSANT

Sexta-feira, 21.06.13

Croissant é uma palavra francesa que significa “crescente”, e por isso, é utilizada para identificar e nomear um tipo de pão característico, feito de massa folhada, em formato de meia-lua, ou seja quarto crescente. Para a sua confecção utiliza-se farinha, açúcar, sal, leite, fermento, manteiga e ovo, para pincelar.

A sua origem, segundo uma antiga lenda, é atribuída a uns padeiros de Viena, cidade onde, noutros tempos, quando ainda desconhecido no resto da Europa, era conhecido pelo nome de Kipferl e era feito de tamanhos variados. Segundo essa lenda, em 1683, ano em que se deu a batalha de Viena, quando trabalhavam, à noite, uns padeiros da cidade, ouviram o barulho que os inimigos otomanos faziam, ao cavarem um túnel, através do qual se introduziriam, secretamente, na cidade. Ao dar o alarme sobre o que estava a acontecer, os padeiros conseguiram impedir o êxito do ataque otomano. Para o fazer, inventaram e cozeram um pão em forma de quarto-crescente, ou seja com o formato semelhante ao símbolo gravado na bandeira do Império Otomano. Outros pesquisadores atribuem a invenção do croissant a um comerciante vienense, de origem polaca, que vivia em Constantinopla. Esse homem conheceu o café nessa cidade, quando em 1475 e, com cerca de 500 sacas de café abandonadas pelos Turcos após derrota numa outra batalha, abriu um "café" onde passou a servir a bebida. Para acompanhar o café, inventou esse pão em formato de crescente.

Coube à rainha Maria Antonieta, originária de Viena, introduzir e popularizar o croissant na França, a partir de 1770, onde hoje ainda é considerado um elemento tradicional do desjejum matinal, da maioria dos franceses, acompanhado com uma boa chávena de café com leite. Os nutricionistas recomendam moderação, no consumo deste tipo de pão, pois contém metade de seu peso em lipídios.

Um croissant deve ter um bom aspecto, com forma semelhante ao quarto-crescente da Lua, uma crosta crocante e uma cor dourada. As pontas devem estar descoladas do meio, e o miolo deve ser alvo e mostrar alguma consistência. O croissant, no entanto, é rico em gordura, devido ao excessivo uso de manteiga, por vezes de menor qualidade e grandes quantidades de açúcar, o que o torna muito doce, sendo que alguns chegam a apresentar-se nos circuitos comerciais, relativamente, mal cozidos.

Mas é sobretudo para os doentes que sofrem de insuficiência renal que o consumo do croissant está totalmente impedido. A estes doentes, sobra a recordação suave, deliciosa e terna, do seu excelente paladar, da sua aveludada suavidade, do seu adocicado sabor, do crocante da sua massa e do tostado da sua côdea exterior. Croissant, doce croissant… exposto em montras de pastelarias, a mostrar-se tentador e provocante, a quem passa e não os pode saborear, nem comer, em Gôndolas del Mar.

Autoria e outros dados (tags, etc)

tags:

publicado por picodavigia2 às 19:03

SEPULTURA DO PADRE FRAGA

Sexta-feira, 21.06.13

Faz hoje, 45 anos, que faleceu, em Fall River, nos Estados, quando visitava aquele país norte-americano, um dos mais ilustres fajãgrandense de todos os tempos – o padre José Luís de Fraga. Vítima de um acidente de viação, quando seguia, de automóvel, em passeio, acompanhado de um sacerdote americano. Perante tão inesperada tragédia que entristeceu a alienou os familiares e amigos, muitos deles distantes, foram elementos do clero local que terão providenciado todos os procedimentos relativos ao funeral e ao próprio sepultamento.

Muito possivelmente que a consternação e a dor provocadas por tão súbito e funesto acontecimento, adicionadas à distância a que se encontravam, muito possivelmente, terão obliterado dados referenciais, relativamente ao local onde foi sepultado um dos grandes vultos da religiosidade, das letras e da cultura musical açorianas.

Ao registar umas singelas notas sobre aquele ilustre sacerdote, meu conterrâneo, por altura do 45º aniversário da sua morte, defrontei-me com o desconhecimento do local onde fora sepultado. Diligenciei alguns contactos e consegui alguma informação. Apesar de vaga e pouco precisa e sempre com o aval da sobrinha Maria Antónia Fraga, enviei todos os dados que possuí ao António Manuel Arruda, ali residente e que depressa se disponibilizou para desvendar e esclarecer o imbróglio.

Não demorou o Arruda e hoje recebi dele uma mensagem, através da qual esclarece, sem qualquer dúvida, não só cemitério como até a sepultura onde jaz o padre José Luís de Fraga:

“… encontrei a campa do Sr. tio dela, Pe. José Luis de Fraga, no Cemitério "Gate of Heaven" em Riverside, RI, mesmo aqui quase por detrás de minha casa. A referência que fizeste a Bristol é o condado, e não a vila de Bristol como eu, a princípio, pensei e fui anteontem ao cemitério naquela vila. Ontem localizei a campa, já informei a sobrinha D. Maria Fraga e já lhe mandei fotos, uma das quais ela pôs no Facebook. A campa está localizada na Secção 12, Lote 4461 e no registo do cemitério (no caso de futuras pesquisas) ele está como "Rev. José Fraga"... o "de" está omitido. Dentro de instantes vou passar no cemitério, outra vez, neste dia de aniversário da sua morte, colocar flores na campa, tirar uma foto e mandar à D. Maria Fraga, pois sei que isso lhe vai encher o coração de alegria.”

Autoria e outros dados (tags, etc)

tags:

publicado por picodavigia2 às 17:50

PEQUENO POEMA INFINITO

Sexta-feira, 21.06.13

A mão sobre o mapa

não viaja:

interroga.

Mas pousar no teu corpo

é chegar a porto

o navio que deram por perdido.

 

Pedro da Silveira in Signo nº1

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 16:40

ESTRANHO

Sexta-feira, 21.06.13

No mínimo é estranho, inexplicável e incompreensível! Faz, precisamente, hoje um mês – dia 21 de Maio pp – que o meu blogue “Pico da Vigia”, com suporte informático na IOL, com mais de quatro de anos de existência e com uma utilização regular e assídua – publiquei 1128 textos – pura e simplesmente desapareceu da plataforma informática que o sustenta. Sendo assim tona-se impossível a qualquer seguidor visitá-lo e, nem sequer, a mim próprio, através da utilização da minha password, me é possível vê-lo e, muito menos, entrar ou aceder, a fim de nele colocar qualquer texto.

Mais estranho ainda é que o mesmo aconteceu com muitos outros blogues, com suporte na Iol. Clica-se para aceder e defrontamo-nos com a mesma mensagem: “404 Not found”. Contactada a Iol, alguns dias depois de o estranho fenómeno acontecer, até hoje não me foi dada nenhuma resposta.

São variadíssimos os apelos enviados por utilizadores. Basta abrir a página da Iol no Facebook para os ver. Eis alguns, dali retirados:

“Vamos de mal a pior.

 Agora nem por telefone se consegue contatar a IOL porque diz que não pode atender devidoi a sobrecarga de chamadas...tá bonito!!!”

“Uma vez mais não consigo aceder ao meu e-mail, mas o maior problema não é esse...é enviar mensagens electrónicas e não obter resposta.

 É necessário telefonar para resolverem o problema no momento.

 Como cada minuto custa .60, faz-me pensar que ideia é terem lucro com esta situação.

 O melhor é pôr "os ovos noutra galinha".”

“Desilusão atrás de desilusão, o email que sempre utilizei da iol só me tem causado incómodos e problemas, de tal maneira que já me pós os nervos em franja, (…)”

 “… estou há cerca de uma semana a tentar remover uma conta de email da IOL. Já fiz vários pedidos no vosso site de suporte e não obtenho qualquer tipo de feedback da vossa parte. Podem dizer-me por favor a quem, me devo dirigir para obter resposta a este pedido. Obrigada.”

“…será possível, outra vez sem iol? Parece brincadeira ou é só irresponsabilidade?”

E, apenas, mais um, último, para não ser prolixo:

“Podem continuar a reclamar com a IOL por causa dos mails e afins... Acho que ninguém vos liga nenhuma. Não sei se repararam mas desde o dia 9 de Maio que esta página não tem actualizações...”

Apetece, pois, perguntar de novo: afinal o que se passa com a Iol e por que razão não responde aos contactos dos utentes?

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 16:21

LEITE

Sexta-feira, 21.06.13

O leite de vaca, depois da gema do ovo, é dos produtos alimentares que, uma vez ingerido, mais prejudica os doentes que sofrem de insuficiência renal. É que o leite é  uma secreção nutritiva de cor esbranquiçada e opaca, produzida pelas glândulas mamárias das fêmeas dos mamíferos e, assim como a gema, muito rico em proteínas animais. A secreção láctea de uma fêmea nos dias que se seguem ao parto chama colostro, designado popularmente, na Fajã Grande, por “crostes”.

A principal função do leite é alimentar os filhotes da progenitora até que sejam capazes de digerir outros alimentos. “O leite materno cumpre as funções de proteger o trato gastrointestinal das crias contra antígenos, toxinas e inflamações e contribui para a saúde metabólica, regulando os processos de obtenção de energia, em especial, o metabolismo da glicose e da insulina.”

No entanto, o leite dos animais domesticados também faz parte da alimentação humana adulta, especialmente o de vaca, que, além disso, ainda se torna a matéria-prima de numerosos lacticínios, como a manteiga, o queijo, o iogurte, entre outros. Também é muito frequente, o uso de derivados do leite nas indústrias alimentícias, químicas e farmacêuticas, assim como em produtos como o leite condensado, leite em pó, soro de leite, caseína ou lactose.

Hoje sabe-se que o primeiro animal domesticado foi a vaca e, em seguida, a cabra e, finalmente, a ovelha, entre 9000 e 8000 a.C.. Talvez, por esta razão, o leite destes mamíferos, ainda hoje tem um papel fundamental na alimentação humana, com destaque, obviamente, para o da vaca, o que mais se consome e o que mais se utiliza na produção de lacticínios, sobretudo, devido às propriedades de que é detentor, às quantidades que se obtém, ao agradável sabor que possui, à fácil digestão que lhe é inerente, assim como, à grande quantidade de derivados que dele se pode obter. Contudo, não é o único leite que o ser humano insere no seu cardápio diário. Também são consumidos, pela maioria dos povos, no seu dia-a-dia, os leites de cabra, de burra, de égua, de camela e até de búfala. O consumo de determinados tipos de leite depende da região e do tipo de animais que nela são criados. O leite de cabra é ideal para fazer doce de leite e nas regiões árcticas, por mais estranho que pareça, usa-se o leite de baleia. O leite de burra e o de égua, assim como o de cabra, são os que contêm menos gordura, pelo que, por vezes, são utilizados, quer em dietas específicas, quer em tratamento de algumas doenças.

Mas de todos os leites, o de vaca é o mais importante para a alimentação humana e o que tem mais aplicações industriais, pois, além de ser fonte de cálcio e rico em proteínas, também é essencial para de hidratar o organismo. Além disso, tem muitos nutrientes importantes para a nossa saúde: cálcio, proteínas, potássio, a vitamina A e a vitamina D, etc. Ingerir leite de vaca ajuda na redução de risco da osteoporose, obesidade, síndrome metabólica, hipertensão e câncer de cólon. Os nutrientes que o leite contém são benéficos para os ossos, pois o seu consumo retarda a perda óssea, conforme envelhecemos. O leite também ajuda a manter o peso, apesar de algumas pessoas acreditarem que ajuda a engordar. Actualmente o leite mais indicado para se tomar é o que existe, no mercado, sob a forma de “meio gordo”.

O leite e seus derivados, também, ajudam na redução da pressão sanguínea. Uma pesquisa do Dash, o Dietary Approaches to Stop Hypertension, descobriu que pessoas que incluem frutas, legumes, hortaliças e lacticínios não gordurosos, tem a sua pressão reduzida. Algumas pessoas possuem intolerância à lactose, o que o leva a eliminar os lacticínios de sua dieta. Mas, o indivíduo saudável pode tomar até duas chávenas de leite por dia, preferencialmente, durante as refeições, pois a restrição do leite, pode causar alguma deficiência nutricional.

Perante todos benefícios que contém aquele completo e saudável alimento, lamentavelmente, dele tenho que me abastecer, em virtude dele estar interdito aos doentes que sofrem de insuficiência renal. Tenho que me contar com um “pingo” diário para clarear o café da manhã e sonhar com uma boa tigelinha do saboroso, apetecível e perfumado líquido, tão abundante tantos nos Açores, assim como no Douro Litoral e Vale do Sousa, incluindo o lugar das Pias, nos arrabaldes de Paredes.

Autoria e outros dados (tags, etc)

tags:

publicado por picodavigia2 às 14:20

O MILAGRE DO AMOR

Sexta-feira, 21.06.13

Enquanto caminhava pelo Parque da Cidade, num dia destes, uma jovem elegante e, aparentemente, muito simpática cruza-se comigo e sorri com um misto de ternura e sinceridade. Parámos lado a lado. Perante o meu inqualificável espanto, perguntou-me, com um sorriso ainda mais simpático do que o primeiro:

- O senhor já não se lembra de mim? Fui sua aluna.

Não, não me lembrava. As minhas alunas foram sempre meninas entre os dez e os treze anos e que me perdoasse mas ao vê-la já mulher feita, declaradamente elegante e bonita, não a revia a ouvir-me ler o Capuchinho Vermelho ou o Fato Novo do Imperador.

Esclarece daqui, lembra dacolá, nomes para trás e aulas para diante e lá consegui, por entre aqueles olhos de safira e aquele sorriso de ternura e bondade, descobrir a pequenina Alexandra, muito esperta e reguila, que há uns bons anos atrás, me entrava pela sala de aula dentro, em correria louca a disputar aquele lugar da primeira carteira da frente, ali bem juntinho à minha secretária e que, durante a aula, vezes sem conta, me segredava baixinho: - Professor, estou a adorar esta aula.

Sim lembrava-me perfeitamente dela. Meu Deus! Só que sentia que aquilo tinha acontecido há tão pouco tempo que não entendia como tinha crescido tão depressa e como se tinha transformado em mulher tão de repente.

Ela explicou-me. Explicou-me que tinha sido o milagre do amor! Explicou-me que foi quando percebeu que amava alguém que se tornou-se mulher, depois esposa, depois mãe e, finalmente, como muito esforço, com muito trabalho e ainda com mais sacrifício se transformara em professora – professora de Educação Física. Recordava-se muito da escola, dos colegas, dos passeios, das festas e dos professores, especialmente de dois, nos quais eu estava incluído.

Lisonjeado despedi-me e continuei a caminhar. Olhei-a de longe e por entre os ramos acastanhados das árvores e os ziguezagues dos passeios do Parque pareceu-me voltar a vê-la, menina de dez anos, agarrando com ambas as mãos a luz dos sonhos perdidos, erguendo com os braços bem levantados a ternura das quimeras desfeitas mas aspergindo com sorrisos de esperança o alvoroço da felicidade conquistada.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 09:52

O ESTREPE

Sexta-feira, 21.06.13

Certo dia, era eu ainda muito miúdo, fui ao Outeiro Grande buscar dois gueixos. Os estouvados, talvez devido ao estapafúrdio tratamento que, habitualmente, lhes dava, ao cimo da ladeira do Covão, haviam de se desviar do caminho, enfiando-se por entre umas canas e fetos que por ali abundavam. Travei-me de razões, com os malditos. Passa fora! Cacetada dali, pancadaria dacolá e lá os consegui tirar dali, sem que antes não tivesse arranjado uns valentes arranhões por todo o corpo. Aparentemente nada de grave e os bezerros lá foram conduzidos ao seu destino.

Alguns dias depois, ao brincar na sala da casa da minha avó, senti uma dor no braço e queixei-me à tia S. José que, de imediato, solícita e gentil, veio passar os seus dedos macios e suaves, mais habituados a rendas e bordados do que às lides do campo, no local onde, supostamente, me doía. Do diagnóstico realizado, minha tia concluiu que eu tinha ali alguma coisa que não era carne nem osso, nem um simples “godelhão”. Reunido o conselho das tias, ala para a Fajãzinha, consultar o padre António, muito experiente em mazelas do género. Manifestei ferrenha e contumaz oposição. De nada me serviu e lá fomos, rumando à Fajãzinha.

Mas o reverendo nesse dia não estaria nos ajustes para grandes e eficientes diagnósticos medicinais talvez porque mais preocupado com as coisas divinas. Muito superficialmente viu, mirou, apalpou o local do meu braço, onde me queixava, concluiu que nada de anormal havia ali e mandou-nos embora. Nada. Não tinha nada e minhas tias regressaram satisfeitas e descansadinhas por quanto, na opinião delas, o veredicto do senhor padre da Fajãzinha era logo abaixo do de Deus.

Minha mãe é que não se contentou com a diagnose do padre e decidiu levar-me a casa da Senhora Mariquinhas do Carmo, pessoa muito experiente e imiscuída não apenas em doenças e achaques mas também na sua cura e que, também, exercia as funções de parteira na freguesia.

Lá fomos. Em tais ocasiões, a senhora Mariquinhas do Carmo transformava a sua cozinha em sala de urgência e a amassaria, por sinal junto à janela, muito iluminada e limpinha, em mesa de tratamentos e, até, de operações. Foi aí que me deitou e, observando-me meticulosamente, depressa concluiu que ali havia marosca… e da grossa. Era preciso actuar e urgentemente.

Chorei, gritei, berrei, esperneei e quase deitei a casa abaixo, enquanto a minha mãe me segurava e ela me abria um buraco no braço donde extraiu um enorme estrepe de cana. Mas horror dos horrores! Como a cana já estava humedecida e podre partiu-se ao sair, ficando ainda um bom pedaço do estrepe lá dentro. Então é que foi o bom e o bonito! Os meus berros e gritos de nada serviram, nem para alarmar os vizinhos que a casa dela ficava paredes-meias com o cemitério. Mas ao fim de muitos apertos, puxanços e espremidelas, juntamente com muito sangue e pus, lá saiu o resto do estrepe, enquanto ela desinfectava a ferida que abrira e a minha progenitora me enchia de abraços e carinhos para que não gritasse tanto.

Voltamos para casa e, compadecida do meu sofrimento, minha mãe trouxe-me ao colo. Como estava grávida e bastante doente, à Praça, areópago institucionalizado da crítica, do mexerico e da má-língua, homens e mulheres criticaram-na severamente:

- Nesse estado e com esse malandro ao colo! Bem burra és!

Sem responder ou dizer palavra, minha mãe sentou-me em cima de um muro circundante e, abrindo o lenço da mão onde guardara os pedaços do enorme estrepe, mostrou-os a toda a gente, dizendo:

- Vejam o que o meu menino tinha no seu bracinho!

Esta é uma das últimas lembranças que tenho da minha progenitora, que faleceu, algum tempo depois.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 09:48





mais sobre mim

foto do autor


pesquisar

Pesquisar no Blog  

calendário

Junho 2013

D S T Q Q S S
1
2345678
9101112131415
16171819202122
23242526272829
30