PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
VIAJANDO A BORDO DO CARVALHO ARAÚJO
Era geralmente ao anoitecer que o Carvalho levantava ferro da baía das Lajes com destino ao Faial, onde chegava na manhã do dia seguinte. Uma noite inteirinha a marulhar o casco enegrecido contra as ondas, na escuridão e no silêncio do oceano, entrecortado apenas pelo tépido roncar das suas velhas mas portentosas máquinas. Os passageiros, ao lusco-fusco, logo que embarcavam debruçavam-se em chusma, à amarra do convés e entretinham-se a ver as manobras que os guindastes e roldanas da proa executavam a fim de levantarem do fundo do mar a pesada âncora que o prendera em frente às Lajes, durante várias horas. Alguns marinheiros levantavam a escada e fechavam o portaló, trancando-o com duas grossas cavilhas de ferro. O navio, sentindo-se liberto da pesada poita, guinava à retaguarda, apitava por três vezes, orientava-se rumo à saída da baia e zarpava em marcha lenta, em direcção ao Faial, deixando atrás de si, juntamente com o roncar estridente dos motores, uma enorme esteira de espuma esbranquiçada.
Alguns passageiros, sobretudo os que viajavam sem beliche, passavam a noite em vai e vens apreensivos e temerários entre a primeira e a segunda classe, ora subindo escadas ou penetrando em corredores ora entrando nas salas que ainda permaneciam abertas, procurando lugar apetecível para pernoitar. Outros mas afoitos e destemidos subiam ao convés da primeira na luta por descortinarem uma espreguiçadeira desocupada. Os que o não conseguiam voltavam à amarra para ver mais uma vez a ilha, agora já muito longe e de tal maneira confundida com o negrume da noite que quase não se via, apesar de estar perfeitamente assinalada pelos dois enormes e potentes faróis: a Sul o das Lajes e a Norte o do Albarnaz.
O Carvalho navegava durante toda a noite ronceiro e vagaroso mas sem parar balançando-se sobre as ondas, umas vezes altivas e temerosas outras calmas e tranquilas, enquanto ao longe muito tenuemente brilhavam, até desaparecerem por completo, os dois faróis das Flores. Dizia-se que havia um sítio a meio do canal entre as Flores e o Faial donde, em noites muito limpas e bem escuras, se viam ao mesmo tempo os faróis de ambas as ilhas.
Com o despontar da madrugada começavam a vagar cadeiras no convés da primeira. Era ali e pelos corredores ou até sobre o convés, ao lado do porão que se acomodavam os passageiros sem beliche, alheando-se, assim, dos solavancos rítmicos, acompanhados pelo som roufenho das máquinas do velho paquete. Os faróis das Flores desapareciam por completo, com o aproximar-se do Faial. Alta madrugada a maioria dos passageiros quer os sem beliche, quer muitos outros, aguardavam expectantes a aproximação da ilha, na esperança de conseguir vislumbrar, de longe, o vulcão dos Capelinhos.
Quem por ali passou a bordo do Carvalho, entre Setembro de 1957 e Outubro de 1958 afirmava que se via perfeitamente uma enorme e altiva coluna de fogo, a sair do mar. Tudo começara em Setembro 1957. Entre os dias dezasseis e vinte sete de Setembro registara-se uma grave crise sísmica no Faial e no Pico e que culminara com o rebentar de um vulcão, no final do mês, na parte norte da ilha do Faial. Uma enorme coluna de fogo emergira do seio da terra, espalhando uma chuva de cinzas sobre grande parte da ilha. Os abalos sísmicos foram prosseguindo e a coluna de fogo manteve-se bem viva e ameaçadora durante longos meses, pese embora, com o passar do tempo fosse perdendo a pujança e a força iniciais. Mas no início da crise, a lava emersa da terra era tanta e tão forte que até nas Flores, imune a todo o tipo de actividades sísmicas, ter-se-ia visto, por vezes, o céu mais enevoado e mais escuro devido às cinzas e aos fumos libertados pelo vulcão.
Quem viajava, nessa altura, no Carvalho tinha a oportunidade única de observar, aquele fenómeno telúrico, vislumbrando, lá ao longe, uma pequena e trémula coluna de fogo que saía da terra em espiral e se ia enrolando pelo céu acima até se perder no horizonte e na escuridão.
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MINHA MÃE E O “CASAMENTO DO MARUJO”
Há dias, andava eu a folhear uns números da Nova Série da Revista Lusitana e encontrei, no número sete da referida revista (1986), um artigo de Pedro da Silveira, intitulado “CATORZE TROVAS E UM CONTO RECOLHIDOS NA ILHA DAS FLORES”. Por se tratar de textos orais, no final de cada recolha, aquele investigador literário fajãgrandense indicava o nome da pessoa que lhe havia contado o conto ou declamado a trova, entre os quais surgia, entre outros, com relevo os nomes de José Inácio da Ponta e Manuel Mariano da Fajãzinha, que durante anos e anos, praticamente sozinho, cantava missa e afins, em canto chão, na igreja paroquial daquela freguesia.
Entre estas quinze preciosidades recolhidas todas elas na Fajã Grande e Fajãzinha entre 1941 e 1951, realçou-me o “Casamento do Marujo”, não tanto pelo texto em si, mas pela pessoa que lho recitara. Nada mais, nada menos do que Angelina Fagundes, ou seja, a minha mãe! A recolha daquela trova foi feita em Julho de 1942 e, segundo Pedro da Silveira, minha mãe tê-la-ia ouvido a uma sua antiga vizinha chamada Ana Fraga, ou seja, a popular “tia Fraga” que morava na Fontinha, na velhinha “Casa de Lá” ou “Casa do Tear” que meu avô arrematara, dado que após a morte daquela, segundo se dizia, bondosíssima senhora, a casa foi leiloada a favor da igreja paroquial. Foi lá que os meus avós montaram um dos poucos teares existentes, na altura na Fajã, no qual foram tecendo, durante anos e anos, quase toda as minhas tias, sucedendo-se umas às outras, à medida que se iam esquivando para a América ou para o convento. Segundo o testemunho da minha progenitora, tia Fraga havia ouvido e decorado o “Casamento do Marujo” quando rapariga a uma mulher de S. Miguel, por volta de 1860-1865, altura em que se crê que algumas famílias de pedreiros de S. Miguel, nomeadamente de Vila Franca e Ponta Garça terão emigrado para as Flores, estabelecendo-se muitos deles, na Fajã Grande.
Reza assim a dita Trova: “O Casamento do Marujo”:
“No gozo da minha infância,
Ainda quase uma criança,
Das amadas fui querido.
Logo me ficou no sentido,
A mais bela e engraçada.
Lhe falei p’ra minha amada,
Nem o pai nem a mãe quis.
Ai de mim tão infeliz!
Com quinze anos de idade,
Fui então para a cidade,
E embarquei na “Salvaterra”,
Por ser boa nau de guerra.
Corri todos os Açores
Para ver se achava amores,
A minha satisfação.
Foi uma bela ocasião,
A filha de mestre Amaro,
Que o pai tinha por amparo,
E era uma bela costureira,
Dava pontos à frieira;
Aquilo era um gosto vê-la,
Mais linda do que uma estrela.
Tinha olhos bonitos,
Os meus ficaram aflitos.
Logo ao sair da missa,
Fez-me uma linda malícia;
Meu coração deu um ai,
Fui logo falar ao pai.
O pai ficou muito contente,
Foi dizer à sua gente
Quem casava com a filha.
Até da ponta ilha
Veio gente ao casamento,
Homens de grande talento,
O regedor e o cura,
Mais o filho do Ventura,
Com violas e rebecas,
Vinho em potes e canecas,
O dia do meu noivado
Deixou tudo admirado!”
Pedro da Silveira In Revista Lusitana (Nova Série) 1968, nº 7 pag.s 121 e 122.
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EXTREMOSO
MENU 4 – “EXTREMOSO”
ENTRADA
Bolacha cream craker grelhada em azeite, perfumado com alho e
coberta com pimentos e cebola salteados e barrados com geleia.
Rodela de queijo fresco com hortelã acamado sobre alface picada, orvalhado com vinagre balsâmico.
PRATO
Salmão grelhado, coberto com tiras de pimento verde assado e ameixas grelhadas em azeite e alho acamados sobre fatia de pão torrado
Puré de batata com creme de queijo, fresco, azeite e salsa.
SOBREMESA
Melão embebido em vinho do Porto, mousse de chocolate com whisky e
gelatina de ananás.
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Preparação da Entrada: Perfumar seis colheres de chá de azeite, em lume brando com rodelas de alho. Retirar o alho, alourar a bolacha no azeite e, de seguida, partir tirinhas ou pedacinhos de pimentos (verde, vermelho e amarelo) e a cebola, salteando-os no azeite que sobrou. Picar a alface miudinha e colocá-la no prato em que vai ser servida, borrifando-a, levemente, com vinagre balsâmico. Em cima colocar a rodelinha de queijo fresco, encimando-a com uma folha de hortelã.
Preparação do Prato – Assar o pimento. Grelhar o salmão e cozer a bata. Torrar uma fatia de pão de forma, sem côdea, e, de seguida, passa-la, ao de leve, pelo grelhador onde se grelhou o salmão. Lavar e tirar os caroços às cerejas, salteando-as em azeite, perfumado com alho. No prato, dispor sobre a fatia de pão, o salmão, coberto com tiras de pimento assado e, as cerejas salteadas. Reduzir a batata a puré e temperar com um fio de azeite e uma colher de sobremesa de creme de queijo. Dispor no prato, encimado por um ramo de salsa.
Preparação das Sobremesas – Confecção tradicional.
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ESQUECERAM AS PASSADEIRAS
A estrada que liga Paredes a Paços de Ferreira e à A42, na rua Padre Augusto Correia, logo à entrada da cidade de Paredes, sofreu, já há bastante tempo, obras de beneficiação, sendo-lhe colocado um novo tapete. Só que as obras já terminaram e as passadeiras que antes existiam, no termo da referida rua e à entrada da Rotunda “20 de Junho”, também conhecida por “Rotunda das Finanças”, ficaram-se pelas intenções. Simplesmente não foram lá recolocadas ou melhor, nunca mais foram pintadas.
Acontece que se trata duma artéria da cidade que liga as ruas José Bragança Tavares e José Leite Vasconcelos à Circular Rodoviária Interna, à Madalena e Besteiros e ao Parque da Cidade, transitando por ali a pé, diariamente muitos peões, entre os quais crianças, senhoras com carrinhos de bebé e pessoas de idade.
O perigo de atropelamento é permanente.
Ora sendo este um período pré-eleitoral, ou seja, uma altura em que se faz aquilo que se devia ter feito e não se fez, seria uma boa altura para que, quem de direito, mandasse recolocar naquela importante artéria de acesso à cidade de Paredes as respectivas passadeiras. Provavelmente poderia até nem dar votos a quem quer que fosse, mas decerto evitar-se-iam as situações de perigo eminente que ali se verificam diariamente.
NB – Este texto continua a ter actualidade, porquanto publicado no Pico da Vigia 1, em 21 de Setembro de 2009, passados quase quatro anos, as passadeiras no lugar referido, continuam, completamente, esquecidas.