PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A CASA DO CHILENO
A “Casa do Chileno” poder-se-ia, na realidade, considerar, na altura em que eu era criança, como o verdadeiro “ex libris”(1) da Fajã Grande.
Situada quase no termo da Via d’Água, à esquerda de quem descia, o deslumbrante e altivo edifício ficava sobranceiro ao caminho, logo a seguir à antiga casa do Senhor Arnaldo, aquela que existia na curva, em frente ao chafariz e que foi derrubada quando da construção da estrada Porto/Ladeira do Pessegueiro, a fim de desfazer e aligeirar aquela enorme curva em L, ali mesmo em frente à casa de José Furtado. O edifício impunha-se aos que por ali passavam, salientando-se entre os pequenos casebres que o rodeavam, ostentando uma imponente sumptuosidade e um soberbo encanto, envolvendo-se num misto de grandiosidade, de mistério e até de sonho.
Habitualmente desabitado, sabia-se que pertencia a um ilustre fajãgrandense que raramente visitava a freguesia e que ainda jovem partira para o Chile, na demanda de sorte e de fortuna, as quais supostamente e a julgar pela grandiosidade e riqueza do edifício, o haviam bafejado. Daí o seu epíteto de “Casa do Chileno”.
A fachada principal tinha três portas uniformemente distribuídas ao nível do piso térreo. A verga da porta central tinha inscrita a presumível data da sua construção - "1884". No piso superior e alinhadas por cima das portadas do inferior, a fachada tinha três vãos: uma janela de peito axial e duas janelas de sacada com guarda em ferro fundido. Lá bem no alto, por cima do restante casario, quase a desafiar em altura a torre da igreja e muito bem centrado, um belo torreão, raridade na freguesia, com duas janelas de sacada geminadas e com varanda comum, rematadas em arco de volta inteira.
A planta da casa era em forma de L correspondendo a fachada lateral esquerda ao braço maior daquela letra, tendo uma porta no piso térreo e outra ao nível do segundo, ao qual se tinha acesso através duma escada exterior, que dava para a cozinha.
A casa do Chileno, como a maioria das da Fajã, era construída em alvenaria de pedra rebocada e pintada de branco, excepto os cunhais, a cornija, as consolas das varandas e as molduras dos vãos. Apenas a fachada principal da torre era em alvenaria de pedra rebocada e caiada, dado que as laterais eram em ripas de madeira pintada de verde. Por sua vez a cobertura era igual à das restantes casas ou seja em telha de aba e canudo com beiral simples e telhão na cumeeira. A torre era rematada por um interessante elemento decorativo em madeira.
As madeiras interiores eram de pinho e dizia-se que era mobilada com luxuosas mobílias e recheada de louças e móveis também de grande valor, a contrastar com a pobreza e miséria da maioria das casa da Fajã Grande, na altura.
(1)“Ex libris” – é uma expressão latina que significa a “marca” ou a característica fundamenal de alguém, de alguma coisa ou lugar. Por exemplo, um dos “ex-libris” da cidade do Rio de Janeiro é a monumental estátua de Cristo-Rei e de Lisboa a Torre de Belém.
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FUGITIVO
MENU 2 – “FUGITIVO”
ENTRADA
Ninho de massa talharim fina, recheado de fios de cenoura.
Tiras de alface e pimento salpicadas de vinagre balsâmico.
Croquetes, simples, de pão e salsicha de soja.
PRATO
Escalopes de porco, em alho, grelhado, perfumados com sumo de limão e barrados com mel.
Pepino grelhado com creme de queijo fresco.
Cerejas estufadas em azeite e barradas com geleia.
SOBREMESA
Pera cozida, borrifada com vinho do Porto.
Gelatina de Morango.
******
Preparação da Entrada: Cozer o talharim em água temperada com alho e casca de limão. Descascar a cenoura e raspá-la em fios. Regar o miolo de um pão com água da cozedura, a ferver, e juntar metade de uma salsicha de soja. Esmagar e formar pequenos croquetes. Colocar os talharim entrelaçados e em círculo, com os fios de cenoura, no interior e colocar, em cima os croquetes. Colocar as tiras de alface e pepino ao lado, salpicando-as com o vinagre balsâmico.
Preparação do Prato – Cortar uma febra de porco em bifes muito pequenos e finos e temperá-los com alho, algumas horas antes. Perfumar seis colheres de chá de azeite, em lume brando, com rodelas de alho. Tirar as rodelas de alho e os caroços às cerejas, salteando-as no azeite. Retirar as cerejas e na mesma frigideira grelhar rodelas de pepino e os escalopes. Dispor todos os ingredientes no prato, não esquecendo colocar o creme de queijo fresco sobre as rodelas de pepino e, depois de os regar com sumo de limão, barrar os escalopes com um pouco de mel e as cerejas com geleia.
Preparação das Sobremesas - Partir a pera em duas partes, retirando-lhes as pevides. Cozê-las e regá-las com vinho do Porto. Gelatina: confecção tradicional.
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O PÁTIO DA MINHA CASA
A minha casa era pobre e muito pequenina, mas era a minha casa e eu gostava muito dela porque tinha poucas coisas, é verdade, mas tinha uma que eu adorava e que um dia me tiraram. A minha casa tinha um pátio em frente, do lado que dava para o caminho.
Era um pátio simples e humilde, mas grande e murado com pedras toscas que o separavam da rua, com a qual comunicava através de dois portões sempre abertos, um em frente à porta da sala e outro em frente à da cozinha.
O meu pátio era muito importante para mim porque era nele que eu brincava, era nele que eu me sentava a ver passar as pessoas e era nele que eu me escondia quando fazia jogos com os meus amigos de infância. Mas o meu pátio também era importante para a minha mãe porque era nele que ela punha a roupa a coarar, era nele que ela plantava sécias e cubres e o enchia de flores e também era a ele que ela assomava quando passava uma vizinha ou uma amiga para lhe dar dois dedos de conversa. O meu pátio era importante para o meu pai, mas mesmo muito importante, porque era lá, na parte superior, junto à porta da cozinha que ele colocava molhos e carradas de lenha que trazia das terras para acender o lume e aquecer o forno e onde havia um enorme cepo, sobre o qual, com um machado, ele cortava e rachava toda aquela lenha e era nele que, à tardinha, fruindo duma bela sombra, se sentava a descansar das pesadas lides do campo. O meu pátio era muito importante para todos nós porque nele havia, em frente à janela da sala, uma enorme “japoneira”, sempre muito verde, a proporcionar-nos uma sombra muito fresquinha, que na Primavera se enchia de flores vermelhas e que, quando se cansava delas, as atirava ao chão formando, ao seu redor, um tapete fofo, brilhante e colorido. O meu pátio era útil, necessário, belo e meu, mas… em frente dele não passavam automóveis.
Um dia, na minha rua, abriram uma estrada, mesmo em frente à minha casa, para que começassem a passar automóveis por ali mas… destruíram completamente o meu pátio, arrancaram-lhe todas as flores, cortaram a “japoneira” e, pior do que isso, obrigaram a minha mãe a ir coarar a roupa para a Ribeira, o meu pai a colocar a lenha bem longe dali e eu a ir brincar para debaixo do estaleiro.
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FIGO
A figueira é originária do Mediterrâneo e teve, em tempos pré-históricos, o seu habitat nas margens do obsoleto rio Cecl Prfum, pelo que se cuida que o seu cultivo se terá iniciado na Idade da Pedra. Trata-se de uma das primeiras plantas cultivadas pelo homem. Os seus ramos são, relativamente, frágeis possuem folhas recortadas, tendo entre cinco e sete lobos. As suas flores são de pequeno tamanho e desenvolvem-se no seu interior quando ainda são inflorescências.
O figo comestível é o fruto da figueira-comum. Tem uma estruturação carnuda e suculenta, com coloração variável entre o branco, amarelado, vermelho e, até, o roxo e é um alimento altamente energético, porque muito rico em açúcar. Mas o grande encanto do figo vem-lhe, sobretudo, do seu sabor agradabilíssimo e extremamente delicioso e da sua textura ramificada em salpicos de envolvimento. O figo é sedutoramente doce e têm uma textura complexa, a que alia um suave tegumento maduro e sementes estaladiças.
O figo, sobretudo quando fresco, é muito delicado e volúvel, pelo que se torna, facilmente, perecível, o que lhe confere uma sua mística de relativa raridade ou enigmático desaparecimento. Apesar de tudo, e para se manter melhor e durante mais tempo, como que se perpetuar sob forma de mito, o figo pode ser seco, quer através da exposição à luz do sol, quer através de um processo artificial, criando-se, assim, o figo seco, que também é muito doce e nutritivo e que pode ser apreciado durante todo o ano, designado, na Fajã Grande, outrora, por figo passado..
O figo varia, drasticamente, de cor e subtileza de textura, dependendo, estas, das diversas variedades, que ultrapassam as cento e cinquenta, sendo a mais apreciada a pingo de mel.
Quer fresco quer seco, o figo é um fruto muito saudável e com muitas qualidades e, por isso mesmo, muito apreciado, pois, para além de saboroso e carnudo, tem um colorido aliciante e atractivo. Mas, em relação ao figo fresco, é necessário ter alguns cuidados na hora de os comprar e comer. Um figo fresco, no ponto certo para comer, é aquele que pinga pequenas gotas de açúcar pela sua extremidade, na zona mais pontiaguda. Se um figo fresco estiver muito maduro ou muito verde, pode facilmente causar alguns transtornos intestinais ou aftas e outras irritações na boca, a quem o ingere. É por isso importante comprar pequenas quantidades de cada vez, já que este fruto não se mantém saudável, por muitos dias.
Por ser muito rico em açúcar, o figo é um alimento muito energético. Sobretudo o figo seco é muito rico em calorias, além disso, sobretudo, o fresco, possui muitas fibras, sendo por isso muito benéfico, ao nível do trânsito intestinal. O figo fresco é, também, ricos em anti oxidantes, óptimos diuréticos, muito eficazes para purificar o sangue e saudáveis para o fígado.
Mas aos doentes que sofrem de insuficiência renal este belo e delicioso manjar, está completamente interdito, tanto em fresco, como, sobretudo, em seco. Resta o doce, uma espécie de reminiscência, sobretudo quando misturado com laranja, que é deliciosíssimo. Uma excelência!
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QUADRA PARA SÃO JOÃO
Eu fui à rusga, sozinho,
Na noite de São João.
Encontrei-te p’lo caminho,
Mataste meu coração.
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ABALADO
MENU 1 – “ABALADO”
ENTRADA
Pimentos salteados em azeite e alho, acamados sobre bolacha cream-caker
e barrados com geleia.
Alface picada, orvalhado com vinagre balsâmico.
PRATO
Bife de peru grelhado em alho e perfumado com limão e hortelã.
Mousse de maçã com creme de queijo fresco, com pedacinhos de cenoura.
Rodela de queijinho fresco acamado em alface.
SOBREMESA
Aletria em calda com canela, limão, melo e vinho do Porto.
Gelatina de Morango.
******
Preparação da Entrada: Perfumar seis colheres de chá de azeite, em lume brando com rodelas de alho. Retirar o alho, alourar a bolacha no azeite e, de seguida, partir tirinhas ou pedacinhos de pimentos (verde, vermelho e amarelo) e salteá-los no azeite que sobrou. Picar a alface miudinha e colocá-la no prato em que vai ser servida, borrifando-a, levemente, com vinagre balsâmico. Ao lado, colocar a bolacha e cobri-la com os pedacinhos de pimento, salteados. Finalmente espalhar uma colher de sopa de geleia sobre os pimentos, ainda quentes e servir.
Preparação do Prato – Aparar o bife de peru, cortá-lo muito fino e temperá-lo com alho, algumas horas antes. Grelhar o bife, regando-o com sumo de limão. Cozer a cenoura em tiras juntamente a maçã, reduzindo esta, depois de cozida, a puré, a que se junta uma colher de sobremesa de pasta de queijo fresco. Cortar uma rodela de um queijo fresco. Dispor todos os ingredientes no prato, não esquecendo colocar o queijo fresco sob uma folhinha de alface e uma rodela de limão e uma folha de hortelã, sobre o bife de peru. Servir.
Preparação das Sobremesas – Confecção tradicional.
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COZINHA GOURMET
Gourmet é um termo de origem francesa, cujo significado original designava os bons apreciadores de vinho, aqueles que realmente entendiam de enologia. Actualmente é uma palavra muito difundida em todos idiomas, para falar sobre os prazeres da mesa com qualidade. Assim, Gourmet é o nome que se dá quer a uma cozinha quer a um prato que está associado a uma ideia de alta cozinha, ou cozinha com qualidade, englobando cultura e arte culinária. Mas o Gourmet também pode ser associado a uma pessoa que possui paladar apurado, e que têm um conhecimento ou entendimento avançado de culinária e gastronomia.
Hoje, Gourmet é o nome que se dá a uma cozinha ou produto alimentar (incluindo bebidas) que estejam associados à ideia de haute cuisine ou alta cozinha, evocando assim um ideal cultural, associado com as artes culinárias. Assim um vinho ou um restaurante diz-se gourmet quando é de alta qualidade e está reservado a paladares mais avançados e a experiências gastronómicas mais elaboradas. Quanto a mim ficaria apenas pelas experiências gastronómicas mais elaboradas e sobretudo mais saudáveis, tendo em conta a dieta que devo fazer e o rigor alimentar que devo seguir.
Diz-se que os produtos e as refeições gourmet são, normalmente, mais caras que os seus equivalentes não gourmet, embora essa conclusão não me pareça plausível. Pode fazer-se uma cozinha gourmet com produtos baratos, sobretudo quando ela se cria em função de uma dieta imposta por razões de saúde.
Este termo, por vezes, também é encarado, por alguns, como uma conotação negativa pois poderá estar associado a elitismo ou snobismo, porém a sua utilização geral e mais comum não possui esta conotação
Os produtos Gourmet ou os que se transformam nos mesmos são utilizados não só por acrescerem um valor acrescentado à nossa alimentação, mas também por serem diferenciadores da concorrência e, sobretudo, adequados a um ou outro estado de saúde
A variável qualidade inerente ao produto Gourmet não se limita ao seu paladar, sabor ou aroma, podendo distinguir-se pela sua forma de produção, pela originalidade na embalagem, pela sua idade, pela sua especialidade, ou pelo tipo de matérias-primas usadas na sua confecção
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O MEU CARDÁPIO
Vítima de insuficiência renal crónica, desde há algum tempo, tive e tenho que procurar formas de açaimá-la, evitando o seu progressivo desenvolvimento o qual, inevitavelmente, me conduziria à famigerada Hemodiálise. Para tal e entre algumas outras pequenas precauções, devo ter o maior, absoluto e mais rigoroso cuidado com a minha alimentação. Por um lado, evitar os alimentos que são prejudiciais e que a favorecem e, por outro, regrar a quantidade dos produtos que me são permitidos ingerir e, consequentemente, fruir. Consultada uma nutricionista da especialidade, foi-me indicado o seguinte cardápio, na certeza de que quanto mais rigorosamente o cumprir, melhores serão os resultados obtidos, entre os quais e para já o inequívoco afastamento do tal terrível e catastrófico fantasma da Hemodiálise. É este o meu cardápio diário:
- Pequeno Almoço:
- 120 ml de leite meio-gordo com cevada ou mistura de fazer em chaleira;
- 1 colher de sobremesa rasa de açúcar;
- 1 pão de trigo ou 6 bolachas maria ou 8 de água e sal ou 4 cream-cracher ou 6 colheres sopas rasas de corn-flahes;
- 1 colher de sopa rasa de geleia ou compota ou mel ou 20 gr de marmelada.
- Meio-da-Manhã:
- 3 bolachas maria ou 4 de água-e-sal, ou 2 cream-cracker.
- Almoço:
Prato;
- 110 gr de carne ou peixe, sem gorduras e peles, sendo dois dias seguidos de peixe, intervalados com um de carne;
- 9 colheres sopas rasas de arroz depois de cozinhado ou 60 gr em cru, ou 160 gr de batata cozida ou massa;
- 100 gr.de vegetais: alface, cenoura, cebola, nabo, agrião, pepino, pimento, bróculos, feijão verde, ervilhas de quebrar;
- 6 colheres de chá rasas de azeite para temperar.
Sobremesa:
- 150 gr de maçã ou pera ou ananás ou 210 g de pêssego, ou 135 de manga ou morangos ou 120 de ameixa ou cerejas ou 150 gr de nozes pesadas com casca;
- 1 taça de 4 taças de gelatina vegetal “Gely-Já”.
- Lanche:
- 1 pão de trigo ou 8 de água e sal ou 4 cream-cracher;
- 1 colher de sopa rasa de geleia ou compota ou mel ou 20 gr de marmelada;
- 1 chávena de chá, de saquetas, muito claro (excepto chá preto) ou de cevada ou mistura de fazer em chaleira;
- 1 colher de sobremesa rasa de açúcar.
- Jantar:
Sopa (para dois dias)
- 80 gramas de batata ou 1 mão fechada ou 20 gr de arroz ou massinhas;
- 200 gr de legumes: cenoura, cebola, nabo, abóbora, feijão-verde, couve-branca, sabóia, coração, alface, agrião, brócolos, nabiça. (Mistura ou só um ou alguns).
- 4 colheres de chá rasas de azeite para temperar.
Prato;
- 1 pão de trigo com 30 gr de fiambre ou mortadela de peru, ou 60 gr de queijo fresco pasteurizado, ou uma salsicha de soja ou meia lata de conserva de atum ao natural.
Sobremesa:
- 150 gr de maçã ou pera ou ananás ou 210 g de pêssego, ou 135 de manga ou morangos ou 120 de ameixa ou cerejas ou 150 gr de nozes pesadas com casca;
- Ceia:
- 1 pão de trigo ou 8 de água e sal ou 4 cream-cracher;
- 1 chávena de chá, de saquetas, muito claro (excepto chá preto) ou de cevada ou mistura de fazer em chaleira ou 1 iogurte de soja aromatizado;
- 1 colher de sobremesa rasa de açúcar.
É só isto e nada mais do que isto. Confesso que, inicialmente, de vez em quando, furava o esquema. Agora, porém, já me habituei a ele e creio até que, em virtude dos resultados positivos obtidos, já não o troco por nenhum dos melhores manjares deste mundo.
Custa um pouco, mas vale a pena!
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TRABALHOS DO LINHO E DA LÃ
(UM POEMA DE VALÉRIO FLORENSE)
Eu não conheço na vida
Lida mais alegre e sã
Do que os trabalhos do linho
Mais os trabalhos da lã.
Crianças - aves sem penas
E quantas vezes sem ninho! -
Vamos trabalhar a lã
Vamos trabalhar o linho!
Quando a minha mãe fiava
O fuso é que andava em moda.
Mas as meninas d'agora
Sabem só fiar na roda.
Anda à roda, minha roda,
Vamos fiar esta lã!
Também ando numa roda
Desde o romper da manhã.
O novelo é coração
Que anda na mão bem fechado...
Ai fio da nossa vida
Vais um dia ser cortado!
Não dês força à dobadoura,
Que esse fio é muito fino…
Talvez estejas dobando
O fio de algum destino.
Tecedeira, bate, bate,
Mostra que tens mão segura,
Quem urdira e quem tapara
Teia da boa ventura!
Valério Florense, Atlânticos, 1960.
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O TOLO
Conta-se que, numa certa aldeia, havia um indivíduo que todos julgavam ser tolo. Para se divertirem e o gozarem à grande, sempre que entrava num determinado café, alguns dos aldeões ali presentes, de imediato, lhe colocavam na frente duas moedas: uma de um escudo e outra de dois e quinhentos- Depois diziam-lhe que se ele conseguisse escolher a que achasse mais valiosa, ficaria com ela.
O tolo hesitava um pouco, mas escolhia sempre a maior, ou seja a de um escudo, o que levava os outros a rir, desmesuradamente, e a apoucá-lo, pois cuidavam que, na sua ignorância, associava o valor ao tamanho.
A cena repetia-se todos os dias e o tolo, apesar da risota e da galhofa de todos, não hesitava em eleger, sempre, a moeda de um escudo, como a mais valiosa.
Certo dia um dos aldeões, indignado com aquela forma de gozar o desgraçado e com pena dele, chamou-o, à parte, e disse-lhe:
- Olha lá! Tu és mesmo tolo! Ainda não percebeste que estás a ser gozado todos os dias? Ainda não percebeste que a moeda mais valiosa é a mais pequena?
Resposta do tolo:
- Lá perceber, percebi. Só que no dia em que eu escolher a mais pequena, por considera-la mais valiosa, acaba-se a brincadeira e não ganho nem mais um escudo. Por isso, enquanto puder, vou continuar a escolher sempre a maior. Assim todos continuarão a pensar que sou tolo e a divertirem-se à minha custa mas continuarão, também, a dar-me um escudo todos os dias.
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AUTÁRQUICAS 2009 - FREGUESIAS COM MENOS DE 100 ELEITORES
(TEXTO PUBLICADO NO PICO DA VIGIA EM 12/10/09)
Há uns bons anos atrás, quando, em dia de eleições, nos sentávamos frente ao televisor à espera de resultados eleitorais e quando os meios informáticos disponíveis não eram tão rápidos e eficientes como os de hoje, ouvia-se, tradicionalmente, anunciar entre os primeiros resultados eleitorais, os obtidos na freguesia portuguesa com menor número de eleitores – Vale da Coelha, no concelho de Almeida, distrito da Guarda.
Hoje os dados chegam em catadupa e normalmente as projecções e os primeiros resultados anunciados são os das freguesias ou concelhos considerados mais importantes ou daqueles em que as eleições são, politicamente, mais disputadas. Das freguesias mais pequenas já não se fala. Dos concelhos, de quando em vez, refere-se apenas o Corvo, mais pela sua singularidade do que pela sua pequenez, uma vez que é o único concelho onde não existem freguesias. Curiosamente em Portugal existe apenas um concelho com uma freguesia – São João da Madeira, no distrito de Aveiro.
Quanto às freguesias mais pequenas ou mais desertificadas, cujo número aumenta assustadoramente de ano para ano, são hoje em dia esquecidas ao longo das cada vez mais curtas noites eleitorais. No entanto já não é Vale da Coelha a liderar o top das freguesias com menos eleitores. Essa “supremacia”, anacrónica e pouco simpática diga-se de passagem, pertence à freguesia do Mosteiro, concelho das Lajes, na ilha das Flores.
Numa pesquisa rápida, talvez por isso mesmo não completa, identifiquei nos quadros dos resultados eleitorais das Autárquicas de 2009, ontem realizadas, 27 freguesias com menos de 100 eleitores inscritos. Destas, quatro pertencem à ilha das Flores: a já referida freguesia do Mosteiro e ainda a Caveira, a Fajãzinha e o Lajedo.
Se a este número se juntar a quantidade impressionante de freguesias com menos de mil habitantes, não será de se pensar novamente numa revisão da actual divisão administrativa do país?
Freguesia |
Concelho |
Distrito |
Eleitores |
Não votaram |
Mosteiro |
Lajes Flores |
Açores |
40 |
7 |
Bigorne |
Lamego |
Viseu |
46 |
16 |
Coura |
Armamar |
Viseu |
54 |
17 |
Aldeia Nova |
Almeida |
Guarda |
60 |
21 |
Mofreita |
Vinhais |
Bragança |
62 |
19 |
Bogalha |
Pinhel |
Guarda |
64 |
19 |
Granjinha |
Tabuaço |
Viseu |
66 |
30 |
Caveira |
Sta Cruz Flores |
Açores |
67 |
15 |
Senouras |
Almeida |
Guarda |
68 |
28 |
Cidadelhe |
Pinhel |
Guarda |
68 |
28 |
Vale da Coelha |
Almeida |
Guarda |
68 |
32 |
Vila Soeiro |
Guarda |
Guarda |
71 |
33 |
Pombares |
Bragança |
Bragança |
73 |
39 |
Monte Margarida |
Guarda |
Guarda |
74 |
35 |
Pêro Soares |
Guarda |
Guarda |
83 |
29 |
Ruivos |
Sabugal |
Guarda |
85 |
33 |
Fajazinha |
Lajes Flores |
Açores |
86 |
25 |
Vilar de Rei |
Mogadouro |
Bragança |
88 |
27 |
Donões |
Montalegre |
Vila Real |
88 |
46 |
Forles |
Sátão |
Viseu |
89 |
19 |
Póvoa d’El Rei |
Pinhel |
Guarda |
92 |
50 |
Vales |
Alfandega da Fé |
Bragança |
93 |
23 |
Lajedo |
Lajes Flores |
Açores |
95 |
17 |
Idanha-a-Velha |
Idanha-a-Nova |
C.Branco |
95 |
23 |
Cabreira |
Almeida |
Guarda |
96 |
36 |
Vale Afonsinho |
Fg.Castelo Rodrigo |
Guarda |
98 |
16 |
Burga |
Mac. Cavaleiros |
Bragança |
99 |
44 |
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CROISSANT
Croissant é uma palavra francesa que significa “crescente”, e por isso, é utilizada para identificar e nomear um tipo de pão característico, feito de massa folhada, em formato de meia-lua, ou seja quarto crescente. Para a sua confecção utiliza-se farinha, açúcar, sal, leite, fermento, manteiga e ovo, para pincelar.
A sua origem, segundo uma antiga lenda, é atribuída a uns padeiros de Viena, cidade onde, noutros tempos, quando ainda desconhecido no resto da Europa, era conhecido pelo nome de Kipferl e era feito de tamanhos variados. Segundo essa lenda, em 1683, ano em que se deu a batalha de Viena, quando trabalhavam, à noite, uns padeiros da cidade, ouviram o barulho que os inimigos otomanos faziam, ao cavarem um túnel, através do qual se introduziriam, secretamente, na cidade. Ao dar o alarme sobre o que estava a acontecer, os padeiros conseguiram impedir o êxito do ataque otomano. Para o fazer, inventaram e cozeram um pão em forma de quarto-crescente, ou seja com o formato semelhante ao símbolo gravado na bandeira do Império Otomano. Outros pesquisadores atribuem a invenção do croissant a um comerciante vienense, de origem polaca, que vivia em Constantinopla. Esse homem conheceu o café nessa cidade, quando em 1475 e, com cerca de 500 sacas de café abandonadas pelos Turcos após derrota numa outra batalha, abriu um "café" onde passou a servir a bebida. Para acompanhar o café, inventou esse pão em formato de crescente.
Coube à rainha Maria Antonieta, originária de Viena, introduzir e popularizar o croissant na França, a partir de 1770, onde hoje ainda é considerado um elemento tradicional do desjejum matinal, da maioria dos franceses, acompanhado com uma boa chávena de café com leite. Os nutricionistas recomendam moderação, no consumo deste tipo de pão, pois contém metade de seu peso em lipídios.
Um croissant deve ter um bom aspecto, com forma semelhante ao quarto-crescente da Lua, uma crosta crocante e uma cor dourada. As pontas devem estar descoladas do meio, e o miolo deve ser alvo e mostrar alguma consistência. O croissant, no entanto, é rico em gordura, devido ao excessivo uso de manteiga, por vezes de menor qualidade e grandes quantidades de açúcar, o que o torna muito doce, sendo que alguns chegam a apresentar-se nos circuitos comerciais, relativamente, mal cozidos.
Mas é sobretudo para os doentes que sofrem de insuficiência renal que o consumo do croissant está totalmente impedido. A estes doentes, sobra a recordação suave, deliciosa e terna, do seu excelente paladar, da sua aveludada suavidade, do seu adocicado sabor, do crocante da sua massa e do tostado da sua côdea exterior. Croissant, doce croissant… exposto em montras de pastelarias, a mostrar-se tentador e provocante, a quem passa e não os pode saborear, nem comer, em Gôndolas del Mar.
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SEPULTURA DO PADRE FRAGA
Faz hoje, 45 anos, que faleceu, em Fall River, nos Estados, quando visitava aquele país norte-americano, um dos mais ilustres fajãgrandense de todos os tempos – o padre José Luís de Fraga. Vítima de um acidente de viação, quando seguia, de automóvel, em passeio, acompanhado de um sacerdote americano. Perante tão inesperada tragédia que entristeceu a alienou os familiares e amigos, muitos deles distantes, foram elementos do clero local que terão providenciado todos os procedimentos relativos ao funeral e ao próprio sepultamento.
Muito possivelmente que a consternação e a dor provocadas por tão súbito e funesto acontecimento, adicionadas à distância a que se encontravam, muito possivelmente, terão obliterado dados referenciais, relativamente ao local onde foi sepultado um dos grandes vultos da religiosidade, das letras e da cultura musical açorianas.
Ao registar umas singelas notas sobre aquele ilustre sacerdote, meu conterrâneo, por altura do 45º aniversário da sua morte, defrontei-me com o desconhecimento do local onde fora sepultado. Diligenciei alguns contactos e consegui alguma informação. Apesar de vaga e pouco precisa e sempre com o aval da sobrinha Maria Antónia Fraga, enviei todos os dados que possuí ao António Manuel Arruda, ali residente e que depressa se disponibilizou para desvendar e esclarecer o imbróglio.
Não demorou o Arruda e hoje recebi dele uma mensagem, através da qual esclarece, sem qualquer dúvida, não só cemitério como até a sepultura onde jaz o padre José Luís de Fraga:
“… encontrei a campa do Sr. tio dela, Pe. José Luis de Fraga, no Cemitério "Gate of Heaven" em Riverside, RI, mesmo aqui quase por detrás de minha casa. A referência que fizeste a Bristol é o condado, e não a vila de Bristol como eu, a princípio, pensei e fui anteontem ao cemitério naquela vila. Ontem localizei a campa, já informei a sobrinha D. Maria Fraga e já lhe mandei fotos, uma das quais ela pôs no Facebook. A campa está localizada na Secção 12, Lote 4461 e no registo do cemitério (no caso de futuras pesquisas) ele está como "Rev. José Fraga"... o "de" está omitido. Dentro de instantes vou passar no cemitério, outra vez, neste dia de aniversário da sua morte, colocar flores na campa, tirar uma foto e mandar à D. Maria Fraga, pois sei que isso lhe vai encher o coração de alegria.”
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PEQUENO POEMA INFINITO
A mão sobre o mapa
não viaja:
interroga.
Mas pousar no teu corpo
é chegar a porto
o navio que deram por perdido.
Pedro da Silveira in Signo nº1
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ESTRANHO
No mínimo é estranho, inexplicável e incompreensível! Faz, precisamente, hoje um mês – dia 21 de Maio pp – que o meu blogue “Pico da Vigia”, com suporte informático na IOL, com mais de quatro de anos de existência e com uma utilização regular e assídua – publiquei 1128 textos – pura e simplesmente desapareceu da plataforma informática que o sustenta. Sendo assim tona-se impossível a qualquer seguidor visitá-lo e, nem sequer, a mim próprio, através da utilização da minha password, me é possível vê-lo e, muito menos, entrar ou aceder, a fim de nele colocar qualquer texto.
Mais estranho ainda é que o mesmo aconteceu com muitos outros blogues, com suporte na Iol. Clica-se para aceder e defrontamo-nos com a mesma mensagem: “404 Not found”. Contactada a Iol, alguns dias depois de o estranho fenómeno acontecer, até hoje não me foi dada nenhuma resposta.
São variadíssimos os apelos enviados por utilizadores. Basta abrir a página da Iol no Facebook para os ver. Eis alguns, dali retirados:
“Vamos de mal a pior.
Agora nem por telefone se consegue contatar a IOL porque diz que não pode atender devidoi a sobrecarga de chamadas...tá bonito!!!”
“Uma vez mais não consigo aceder ao meu e-mail, mas o maior problema não é esse...é enviar mensagens electrónicas e não obter resposta.
É necessário telefonar para resolverem o problema no momento.
Como cada minuto custa .60, faz-me pensar que ideia é terem lucro com esta situação.
O melhor é pôr "os ovos noutra galinha".”
“Desilusão atrás de desilusão, o email que sempre utilizei da iol só me tem causado incómodos e problemas, de tal maneira que já me pós os nervos em franja, (…)”
“… estou há cerca de uma semana a tentar remover uma conta de email da IOL. Já fiz vários pedidos no vosso site de suporte e não obtenho qualquer tipo de feedback da vossa parte. Podem dizer-me por favor a quem, me devo dirigir para obter resposta a este pedido. Obrigada.”
“…será possível, outra vez sem iol? Parece brincadeira ou é só irresponsabilidade?”
E, apenas, mais um, último, para não ser prolixo:
“Podem continuar a reclamar com a IOL por causa dos mails e afins... Acho que ninguém vos liga nenhuma. Não sei se repararam mas desde o dia 9 de Maio que esta página não tem actualizações...”
Apetece, pois, perguntar de novo: afinal o que se passa com a Iol e por que razão não responde aos contactos dos utentes?
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LEITE
O leite de vaca, depois da gema do ovo, é dos produtos alimentares que, uma vez ingerido, mais prejudica os doentes que sofrem de insuficiência renal. É que o leite é uma secreção nutritiva de cor esbranquiçada e opaca, produzida pelas glândulas mamárias das fêmeas dos mamíferos e, assim como a gema, muito rico em proteínas animais. A secreção láctea de uma fêmea nos dias que se seguem ao parto chama colostro, designado popularmente, na Fajã Grande, por “crostes”.
A principal função do leite é alimentar os filhotes da progenitora até que sejam capazes de digerir outros alimentos. “O leite materno cumpre as funções de proteger o trato gastrointestinal das crias contra antígenos, toxinas e inflamações e contribui para a saúde metabólica, regulando os processos de obtenção de energia, em especial, o metabolismo da glicose e da insulina.”
No entanto, o leite dos animais domesticados também faz parte da alimentação humana adulta, especialmente o de vaca, que, além disso, ainda se torna a matéria-prima de numerosos lacticínios, como a manteiga, o queijo, o iogurte, entre outros. Também é muito frequente, o uso de derivados do leite nas indústrias alimentícias, químicas e farmacêuticas, assim como em produtos como o leite condensado, leite em pó, soro de leite, caseína ou lactose.
Hoje sabe-se que o primeiro animal domesticado foi a vaca e, em seguida, a cabra e, finalmente, a ovelha, entre 9000 e 8000 a.C.. Talvez, por esta razão, o leite destes mamíferos, ainda hoje tem um papel fundamental na alimentação humana, com destaque, obviamente, para o da vaca, o que mais se consome e o que mais se utiliza na produção de lacticínios, sobretudo, devido às propriedades de que é detentor, às quantidades que se obtém, ao agradável sabor que possui, à fácil digestão que lhe é inerente, assim como, à grande quantidade de derivados que dele se pode obter. Contudo, não é o único leite que o ser humano insere no seu cardápio diário. Também são consumidos, pela maioria dos povos, no seu dia-a-dia, os leites de cabra, de burra, de égua, de camela e até de búfala. O consumo de determinados tipos de leite depende da região e do tipo de animais que nela são criados. O leite de cabra é ideal para fazer doce de leite e nas regiões árcticas, por mais estranho que pareça, usa-se o leite de baleia. O leite de burra e o de égua, assim como o de cabra, são os que contêm menos gordura, pelo que, por vezes, são utilizados, quer em dietas específicas, quer em tratamento de algumas doenças.
Mas de todos os leites, o de vaca é o mais importante para a alimentação humana e o que tem mais aplicações industriais, pois, além de ser fonte de cálcio e rico em proteínas, também é essencial para de hidratar o organismo. Além disso, tem muitos nutrientes importantes para a nossa saúde: cálcio, proteínas, potássio, a vitamina A e a vitamina D, etc. Ingerir leite de vaca ajuda na redução de risco da osteoporose, obesidade, síndrome metabólica, hipertensão e câncer de cólon. Os nutrientes que o leite contém são benéficos para os ossos, pois o seu consumo retarda a perda óssea, conforme envelhecemos. O leite também ajuda a manter o peso, apesar de algumas pessoas acreditarem que ajuda a engordar. Actualmente o leite mais indicado para se tomar é o que existe, no mercado, sob a forma de “meio gordo”.
O leite e seus derivados, também, ajudam na redução da pressão sanguínea. Uma pesquisa do Dash, o Dietary Approaches to Stop Hypertension, descobriu que pessoas que incluem frutas, legumes, hortaliças e lacticínios não gordurosos, tem a sua pressão reduzida. Algumas pessoas possuem intolerância à lactose, o que o leva a eliminar os lacticínios de sua dieta. Mas, o indivíduo saudável pode tomar até duas chávenas de leite por dia, preferencialmente, durante as refeições, pois a restrição do leite, pode causar alguma deficiência nutricional.
Perante todos benefícios que contém aquele completo e saudável alimento, lamentavelmente, dele tenho que me abastecer, em virtude dele estar interdito aos doentes que sofrem de insuficiência renal. Tenho que me contar com um “pingo” diário para clarear o café da manhã e sonhar com uma boa tigelinha do saboroso, apetecível e perfumado líquido, tão abundante tantos nos Açores, assim como no Douro Litoral e Vale do Sousa, incluindo o lugar das Pias, nos arrabaldes de Paredes.
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O MILAGRE DO AMOR
Enquanto caminhava pelo Parque da Cidade, num dia destes, uma jovem elegante e, aparentemente, muito simpática cruza-se comigo e sorri com um misto de ternura e sinceridade. Parámos lado a lado. Perante o meu inqualificável espanto, perguntou-me, com um sorriso ainda mais simpático do que o primeiro:
- O senhor já não se lembra de mim? Fui sua aluna.
Não, não me lembrava. As minhas alunas foram sempre meninas entre os dez e os treze anos e que me perdoasse mas ao vê-la já mulher feita, declaradamente elegante e bonita, não a revia a ouvir-me ler o Capuchinho Vermelho ou o Fato Novo do Imperador.
Esclarece daqui, lembra dacolá, nomes para trás e aulas para diante e lá consegui, por entre aqueles olhos de safira e aquele sorriso de ternura e bondade, descobrir a pequenina Alexandra, muito esperta e reguila, que há uns bons anos atrás, me entrava pela sala de aula dentro, em correria louca a disputar aquele lugar da primeira carteira da frente, ali bem juntinho à minha secretária e que, durante a aula, vezes sem conta, me segredava baixinho: - Professor, estou a adorar esta aula.
Sim lembrava-me perfeitamente dela. Meu Deus! Só que sentia que aquilo tinha acontecido há tão pouco tempo que não entendia como tinha crescido tão depressa e como se tinha transformado em mulher tão de repente.
Ela explicou-me. Explicou-me que tinha sido o milagre do amor! Explicou-me que foi quando percebeu que amava alguém que se tornou-se mulher, depois esposa, depois mãe e, finalmente, como muito esforço, com muito trabalho e ainda com mais sacrifício se transformara em professora – professora de Educação Física. Recordava-se muito da escola, dos colegas, dos passeios, das festas e dos professores, especialmente de dois, nos quais eu estava incluído.
Lisonjeado despedi-me e continuei a caminhar. Olhei-a de longe e por entre os ramos acastanhados das árvores e os ziguezagues dos passeios do Parque pareceu-me voltar a vê-la, menina de dez anos, agarrando com ambas as mãos a luz dos sonhos perdidos, erguendo com os braços bem levantados a ternura das quimeras desfeitas mas aspergindo com sorrisos de esperança o alvoroço da felicidade conquistada.
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O ESTREPE
Certo dia, era eu ainda muito miúdo, fui ao Outeiro Grande buscar dois gueixos. Os estouvados, talvez devido ao estapafúrdio tratamento que, habitualmente, lhes dava, ao cimo da ladeira do Covão, haviam de se desviar do caminho, enfiando-se por entre umas canas e fetos que por ali abundavam. Travei-me de razões, com os malditos. Passa fora! Cacetada dali, pancadaria dacolá e lá os consegui tirar dali, sem que antes não tivesse arranjado uns valentes arranhões por todo o corpo. Aparentemente nada de grave e os bezerros lá foram conduzidos ao seu destino.
Alguns dias depois, ao brincar na sala da casa da minha avó, senti uma dor no braço e queixei-me à tia S. José que, de imediato, solícita e gentil, veio passar os seus dedos macios e suaves, mais habituados a rendas e bordados do que às lides do campo, no local onde, supostamente, me doía. Do diagnóstico realizado, minha tia concluiu que eu tinha ali alguma coisa que não era carne nem osso, nem um simples “godelhão”. Reunido o conselho das tias, ala para a Fajãzinha, consultar o padre António, muito experiente em mazelas do género. Manifestei ferrenha e contumaz oposição. De nada me serviu e lá fomos, rumando à Fajãzinha.
Mas o reverendo nesse dia não estaria nos ajustes para grandes e eficientes diagnósticos medicinais talvez porque mais preocupado com as coisas divinas. Muito superficialmente viu, mirou, apalpou o local do meu braço, onde me queixava, concluiu que nada de anormal havia ali e mandou-nos embora. Nada. Não tinha nada e minhas tias regressaram satisfeitas e descansadinhas por quanto, na opinião delas, o veredicto do senhor padre da Fajãzinha era logo abaixo do de Deus.
Minha mãe é que não se contentou com a diagnose do padre e decidiu levar-me a casa da Senhora Mariquinhas do Carmo, pessoa muito experiente e imiscuída não apenas em doenças e achaques mas também na sua cura e que, também, exercia as funções de parteira na freguesia.
Lá fomos. Em tais ocasiões, a senhora Mariquinhas do Carmo transformava a sua cozinha em sala de urgência e a amassaria, por sinal junto à janela, muito iluminada e limpinha, em mesa de tratamentos e, até, de operações. Foi aí que me deitou e, observando-me meticulosamente, depressa concluiu que ali havia marosca… e da grossa. Era preciso actuar e urgentemente.
Chorei, gritei, berrei, esperneei e quase deitei a casa abaixo, enquanto a minha mãe me segurava e ela me abria um buraco no braço donde extraiu um enorme estrepe de cana. Mas horror dos horrores! Como a cana já estava humedecida e podre partiu-se ao sair, ficando ainda um bom pedaço do estrepe lá dentro. Então é que foi o bom e o bonito! Os meus berros e gritos de nada serviram, nem para alarmar os vizinhos que a casa dela ficava paredes-meias com o cemitério. Mas ao fim de muitos apertos, puxanços e espremidelas, juntamente com muito sangue e pus, lá saiu o resto do estrepe, enquanto ela desinfectava a ferida que abrira e a minha progenitora me enchia de abraços e carinhos para que não gritasse tanto.
Voltamos para casa e, compadecida do meu sofrimento, minha mãe trouxe-me ao colo. Como estava grávida e bastante doente, à Praça, areópago institucionalizado da crítica, do mexerico e da má-língua, homens e mulheres criticaram-na severamente:
- Nesse estado e com esse malandro ao colo! Bem burra és!
Sem responder ou dizer palavra, minha mãe sentou-me em cima de um muro circundante e, abrindo o lenço da mão onde guardara os pedaços do enorme estrepe, mostrou-os a toda a gente, dizendo:
- Vejam o que o meu menino tinha no seu bracinho!
Esta é uma das últimas lembranças que tenho da minha progenitora, que faleceu, algum tempo depois.
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O SEMINÁRIO MENOR DE PONTA DELGADA NA DÉCADA DE CINQUENTA
O primitivo Seminário Menor de Santo Cristo, criado em Ponta Delgada na segunda metade da década de cinquenta, como uma espécie de sucursal do Seminário de Angra, situava-se na Avenida Gaspar Frutuoso, logo no início da mesma, à direita de quem a subia, nas traseiras do semicircular jardim Antero de Quental. O acesso ao vetusto e emblemático edifício, outrora sede dos frades da Companhia de Jesus, que em tempos idos, ali haviam fixado residência e construído escola, fazia-se por um alto e rígido portão, que raramente se abria e através do qual se entrava num grande pátio, feito de gigantescas pedras basálticas, rectangulares, algumas já rilhadas pelo tempo e recobertas de um musgo esverdeado e sombrio. Ao fundo do pátio e à direita de quem entrava, uma porta de madeira esbranquiçada, com vidros encastoados em taliscas brancas, muito limpos mas embaçados, dava acesso ao interior do edifício, onde se situava um pequeno hall. Ao lado direito ficava a sala de visitas, onde os seminaristas de São Miguel, às quintas e aos domingos de manhã, recebiam as visitas dos familiares. Ao hall de entrada, seguia.se um amplo e vasto corredor, ladeado de paredes muito brancas e altas, ao fundo do qual e do lado direito se situava o quarto do Dr Simão Leite de Bettencourt, director Espiritual e professor de Religião. O corredor terminava logo a seguir, formando esquina com um outro muito semelhante e posterior. Era no vértice desta esquina que ficavam duas camaratas destinadas aos alunos do segundo ano, no meio das quais se encastoava um velha e decrépita arrecadação que servia de porão para guardar as malas e baús dos alunos que ali dormiam. As camaratas eram resultantes da transformação de pequenos e antigos quartos, comportando apenas uma dúzia de camas, cada uma. Por isso alguns alunos do segundo ano eram encaminhados para a camarata do primeiro, bem maior e mais ampla. No segundo corredor, que seguia na direcção oeste – leste, tinham lugar as salas de aula: à direita a dos alunos do segundo ano, mais alta, mais clara, mais bafejada pelo ar, com várias janelas, cercadas com varandas, viradas para o jardim interior ou claustro; à esquerda a sala de aula destinada aos alunos do primeiro ano, maior, mas mais escura, mais acabrunhada, apenas com duas janelas que, apesar de enormes, lhe condicionavam, irregularmente, a claridade interior. Este corredor terminava numa espécie de T, prolongando-se, à esquerda, para o refeitório e para a cozinha e à direita, para uma enorme varanda que raramente se abria, e que, paralela à sala do segundo ano, projectava uma vista exterior para o jardim e para a parte sul da cidade. A este corredor, seguia-se um outro do qual se separava por uma descomunal e gigantesca porta. Era o corredor mais pequeno, mais escuro, uma vez que a luz apenas lhe entrava por uma pequena clarabóia encastoada no tecto e também o mais enigmático do edifício e onde os seminaristas nunca podiam parar. Nele ficavam, do lado direito o quarto do padre José Franco e a reitoria e à esquerda os aposentos episcopais, cujas portas estavam sempres fechados, pois destinavam-se exclusivamente a receber o prelado diocesano, quando visitava ilha do Arcanjo. Este corredor, através duma porta que, ao contrário da sua antípoda, estava sempre aberta, desembocava num outro, o maior, o mais claro e o mais ocupado pelos alunos, uma vez que servia, simultaneamente, de sala de recreio, de sala de estar, de salão de festas e até para projecção de filmes, o que raramente acontecia.
Na parte norte, este enorme corredor terminava numa grande varanda, voltada para um pequeno pátio interior, oposto ao do claustro, situado na parte setentrional do edifício, entre o refeitório e a sala de estudo e que também servia de campo de futebol, para os mais “toscos”. Era aí, suspensa da parede exterior por uma adequada ganchorra, que ficava a sineta ou “cabra” que, tocada à vez e semanalmente por um aluno mais velho, indicava o início e o termo das aulas, das horas de estudo, dos recreios, das refeições, dos tempos destinados à missa e à oração e a todas as outras actividades em que os seminaristas se envolvessem. Seguindo este corredor na direcção Norte – Sul, do lado direito apenas havia uma porta, aquela que comunicava com o corredor anterior, a seguir à qual o primeiro corredor amplamente se prolongava, fazendo fronteira com a reitoria e com o pátio interior ou claustro. Por sua vez do lado esquerdo, ligava-se a uma pequena escadaria que dava acesso ao salão de estudo, à camarata do primeiro ano e ao quarto do padre Agostinho Tavares. A seguir a esta escadaria, um quarto onde o cabeleireiro assentava arraiais, onde, às segundas-feiras, se colocavam as sacolas com a roupa suja à espera de que as lavadeiras, na sexta-feira seguinte as viessem entregar lavadinha e que também, de vez em quando, era adaptado a quarto de hóspedes e uma outra pequena arrecadação, contígua à capela-mor da vetusta igreja, pejada de arcaboiços de madeira que serviam de roupeiro geral, pois era ali que todos os alunos guardavam os fatos e as batinas, sendo que estas últimas, poucos as tinham, uma vez que não eram obrigatórias. O salão ou corredor, embora separado por uma ampla porta, prolongava-se enorme, comprido, com o piso em mosaicos, paralelo à igreja, terminando, ao fundo, num pequeno cubículo, onde havia uma escadaria, finda a qual, através duma porta situada à esquerda do frontispício da igreja de Todos os Santos, existia um outro acesso ao exterior. Por sua vez, o salão de estudo, situado na extremidade mais norte do edifício, postava-se na direcção sul-norte e era muito baixo, muito comprido, muito velho, mas muito claro porque ladeado de ambos os lados por um número quase infinito de pequenas janelas. Era a meio desse salão, do lado direito, que havia uma porta que comunicava directamente com a camarata do primeiro ano. Esta camarata que se estendia na direcção oeste – leste era o espaço mais comprido e estreito de todo o edifício, um autêntico corredor sem continuidade, de estrutura semelhante à sala de estudo e que se prolongava até à rua de Santana, constituindo a parte mais oriental do edifício.
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SE NÃO FOSSE O BRASILEIRO
As primeiras aulas de cada ano lectivo destinavam-se, geralmente, ao conhecimento recíproco dos alunos e do professor, o qual, no fim do tempo indicado no horário e no espaço que lhe era reservado, gatafunhava no livro do ponto: “Apresentação professor/aluno”. No entanto, alguns professores, sobretudo os que consideravam aquela tarefa precursora de um eficiente relacionamento pedagógico que decerto havia de reflectir-se positivamente na aprendizagem dos alunos durante os três longos períodos lectivos, dedicavam-lhe mais uma aula, registando, desta feita no livro de ponto: “Apresentação aluno/professor”. Outros, com a denodada intenção de fazer “render o peixe”, chegavam a prolongar a referida tarefa por uma terceira aula. Neste caso, porque o número de alunos por turma era bastante elevado, muito simplesmente escreviam no dito livro:”Continuação da aula anterior”.
No ano do meu quadragésimo quinto aniversário, numa dessas aulas - confesso que geralmente dedicava àquela tarefa apenas uma aula - ao apresentar-me, esqueci-me de referir um dado que os alunos consideravam importante – a idade. Não me perdoaram o olvido. Foi um garoto de olhos vivos e ar de espertalhote, sentado na fila da frente, que me exprobrou de imediato:
- E a idade?! Esqueceu-se da idade. Que idade é que o “Setô” tem?
Lamentei o meu imperdoável esquecimento. Depois, como que a querer recompensá-lo pela sua atenção e perspicácia, desafiei-o:
- Olha lá! Que idade é que achas que eu tenho?
O Rui, era assim que se chamava o arguto, olhou para mim de alto abaixo, avaliou-me com denodado rigor e atirou sem hesitação:
- Quarenta! Aposto que “Setô” só tem quarenta anos.
Fiquei lisonjeado mas, com a maior das inocências, retorqui:
- Mais!... Tenho mais…
Eis senão quando, lá do fundo da sala, um sonso mas bargante mocetão levantou-se e, de rompante, antes que alguém alvitrasse alguma alternativa mais plausível, gritou exasperadamente:
- Cinquenta! Cinquenta!
Fiquei perplexo. Eram cinco a mais. Mas já que me dava cinquenta, decidi continuar, com um misto de expectativa e jocosidade, aquela espécie de leilão pedagógico que ali se iniciava, a fim de tentar descobrir até onde a minha aparência anatómica me poderia levar, perante o inocente mas sincero julgamento dos meus jovens interlocutores. Por isso, em ar de desafio, de maneira que sentissem que eu estava a falar a sério e não descortinassem a minha perplexidade, insisti:
- Mais… Mais…
Uma miúda, tímida, hesitante e como que a arrepender-se a meio da conversa, lá disse:
- Cinquenta e… três?
Logo uma outra, sentada ao seu lado, muito lesta a corrigi-la:
- Cinquenta e cinco.
Como eu continuasse a insistir no “mais e mais” de forma aparentemente convicta, a fasquia foi subindo assustadoramente. Ultrapassou os sessenta, sessenta e cinco, sessenta e seis, sessenta e oito e fixou-se, provisoriamente, nos setenta.
Confesso que me arrepiei dos pés à cabeça, ao mesmo tempo que me arrependia de ter provocado semelhante imbróglio, do qual eu era obviamente o culpado número um. Temia, seriamente, que aquilo não parasse por ali…
Foi então que um brasileiro, o único que havia na sala, levantou o braço e pediu autorização para falar. Como lhe acenasse afirmativamente, ele, com um misto de seriedade, de convicção e de certeza, pôs, finalmente, a devida água na fervura, esclarecendo definitivamente a amargosa e desconfortante trapalhada em que eu, minutos antes, me havia metido:
- Puxa, professor! Não pode ser! Você está a mangar co’a gente. Então meu avô tem sessenta e cinco e você parece muito mais novo do que ele.
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FIAMBRE E MORTADELA
O fiambre, curiosamente, é um prato tradicional da Guatemala, que é preparado e consumido anualmente para celebrar o Dia dos Mortos, havendo relatos pouco fidedignos que esse costume existiu, outrora, nalgumas regiões do norte da Península Ibérica, nomeadamente, em Recarei-Revanches, na Galiza. É uma salada, servida fresca, onde predominam carnes variadas e que pode ser constituída mais de cinquenta ingredientes.
O fiambre começou, pois, a partir duma tradição da Guatemala, de levar aos familiares mortos os seus pratos favoritos, no Dia de Finados. Este prato varia, de família para família, sendo baseado em receitas, tradicionalmente, transmitidas às gerações mais jovens.
Mas o fiambre que hoje consumimos é produzido a nível industrial, pelo que não tem, nem de longe nem de perto, o sabor e, sobretudo, a qualidade daquelas receitas tradicionais e, nalguns casos, até contém ingredientes pouco saudáveis, uma vez que, assim como a mortadela e até as salsichas, o fiambre têm, na sua composição, alguns conservantes prejudiciais à saúde humana. Os nitritos e os nitratos, por exemplo, são altamente cancerígenos, pois quando chegam ao estômago transformam-se em nitrosaminas, responsáveis pelo aumento da incidência de cancro no estômago e bexiga.
De facto, esses produtos têm muito menos gordura e, por isso, são mais saudáveis no sentido de não fazerem mal ao coração e artérias, mas não deixam de conter esses conservantes. O ácido ascórbico, vulgarmente conhecido por vitamina C, que o fiambre e a mortadela contêm, é um poderoso antioxidante, e tem o poder de anular o efeito cancerígeno das nitrosaminas, pelo que, para as pessoas saudáveis, estes produtos podem ser consumidos, mas com moderação. No entanto para os doentes que sofrem de insuficiência renal estão proibidos. Excepção feita para o fiambre e a mortadela feita de peito de peru.
A mortadela, de origem italiana, é feita de carne de porco e cubos de gordura, geralmente do pescoço do suíno. Os temperos usados incluem pimenta preta, murta, noz-moscada e coentro, que lhe dão um sabor típico.
Existem várias teorias sobre a origem da palavra mortadela. A primeira indica que o recheio de porco que este enchido contém era, no passado, moído finamente, de forma tradicional, até chegar a uma consistência de goma, sendo usado para este efeito um almofariz, conhecido em Italiano como mortaio. O nome poderia, assim, ser proveniente da utilização deste instrumento. A segunda teoria sugere que o nome mortadela possa ter derivado de uma salsicha romana temperada com murta, em vez de pimenta, designada pelos romanos como farcimen mirtatum. Há ainda uma outra teoria, que considera que a origem deste nome está relacionada com a indústria alimentícia, que retira a matéria prima para o fabrico da mortadela, a carne do boi, da região dorsal do animal ou seja, da parte do corpo do animal que leva uma martelada e morre nos matadouros, o que daria o nome "mortadela".
A actriz italiana Sophia Loren é considerada madrinha do produto, após ter estrelado um filme chamado La Mortadella em 1971. Correm rumores, embora pouco prováveis, de que será feita uma nova realização do mesmo filme, em que a protagonista será a actriz galega, Carlromer Otero.
Infelizmente este delicioso e apetitoso pitéu que pode ser consumido só, ou introduzido em sandes ou ainda, enrolado com uma fatia de queijo, para mim, está radicalmente proibido, por sofrer de insuficiência renal.
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A MINHA TOUCADA
Meu pai tinha uma vaca chamada “Toucada” de que eu gostava muito. Tinha um andar elegante, um aspecto altivo e era muito mansa. Era malhada de branco e preto, mas um preto acastanhado e muito luzidio. A cabeça também era preta, com uma grande mancha branca na testa, a qual lhe valera o epíteto de “Toucada”.
Eu adorava-a e, por isso, fiquei muito triste quando o meu progenitor decidiu embarcá-la, para Lisboa, para “ ir ver os senhores de bengala”.
Mas a decisão estava tomada e a vaca entrou, de imediato, em fase de engorda. Erva fresquinha todos os dias, maçarocas de milho de vez em quando, não saía do palheiro, não se lhe tirava mais leite e, além disso, nunca mais puxou o arado ou o corção, tarefas, agora, atribuídas à Benfeita, não habituada à canga, pois era a vaca de estimação de meu pai.
O empenho na engorda da vaca, no entanto, intensificou-se excessivamente. Cuidava meu pai que, se a engordasse bem, ela valeria mais dinheiro.
Alguns dias antes da chegada do Carvalho, o Portela, de Santa Cruz, como de costume, veio à Fajã arrolar gado para o próximo embarque.
Meu pai, meus irmãos e eu abdicámos das tarefas do campo e, em ar de festa, esperamo-lo sentados à porta da sala. O homem, ao chegar, entrou no palheiro e observou minuciosamente a vaca. Apalpou-lhe as virilhas e a rabada, passou-lhe a mão sobre o dorso duas ou três vezes, abraçou-a pelo pescoço. Depois, com voz convicta perante a expectativa de meu progenitor, sentenciou: “Sim senhor! Bonito animal! Um conto."
Meu pai ficou um pouco perplexo e hesitante. Aproximou-se mais da vaca, anafou-lhe o pêlo com muito carinho, fez-lhe umas festas na cabeça e, argumentando que estava muito pesada, com o pelo muito luzidio, pediu-lhe mais cem escudos.
Como o Portela teimasse em não dar nem mais um escudo, meu pai ainda arriscou: “Mil e cinquenta..." Mas o Portela persistia no seu carracismo e a Toucada foi vendida por mil escudos.
Na véspera do dia de vapor meu pai decidiu que seria eu a acompanhá-lo a Santa Cruz, para a embarcar. Partimos alta madrugada: eu à frente, aguentando a corda da Toucada, meu pai atrás, tangendo-a com uma aguilhada, para que ela não se atrasasse no longo caminho que teríamos de percorrer, até Santa Cruz. Ao chegar aos Terreiros, porém, a vaca já ostentava indícios de grande cansaço. Subíramos a rocha da Fajãzinha pela ladeira da Figueira, para encurtar caminho e parámos junto à Casa do Estado. Meu pai tirou, de uma das mangas da froca que trazia ao ombro, meia dúzia de maçarocas de milho que a Toucada comeu frugalmente. Da outra manga tirou um pedaço de pão de milho e outro de queijo, repartiu-os comigo.
Terminado o bródio, reiniciámos a longa caminha até Santa Cruz. Só ao descer a Ventosa avistámos o Carvalho, ancorado na enorme baía da Ribeira da Cruz.
Quando chegámos a Santa Cruz já o Sol ia muito alto. A vila vivia um burburinho excitante e belicoso. Homens e mulheres, vindos de toda a ilha, dirigiam-se, instintivamente, para o Boqueirão. Era dia de “São Vapor”!
O Portela havia montado escritório em cima do cais, ao lado das dezenas de grades onde estavam empacotadas as latas com a manteiga que a ilha produzia e exportava. Tivemos que aguardar a nossa vez. Eu, agarrando a corda da Toucada, observava as primeiras barcaças que chegavam a transbordar com malas e passageiros. Antes da lancha atracar, de cima do cais, lenços brancos abanavam em direcção ao mar e eram correspondidos com acenar de mãos dos que vinha na embarcação. Depois, era a confusão geral: uns abraçavam-se, outros choravam e outros simplesmente cumprimentavam-se. O cais era um mar de gente, misturada com animais, caixas, caixotes e malas. Tudo o que o “Carvalho” descarregava e o que havia de carregar...
A nossa vez chegou. Meu pai aproximou-se do Portela e este puxou a corda da Toucada. Observou-a minuciosamente, como que a certificar-se de que era a vaca que, dias antes, observara. Depois, um dos seus ajudante pegou num ferro em brasa e cravou-o num dos quartos da vaca. A pobrezinha emitiu um forte rugido e começou aos coices, tentando uma fuga louca, sem que eu a pudesse aguentar. Meu pai agarrou-a e trouxe-a novamente para junto do Portela. Este depois de preencher uns papéis onde constava, entre outros elementos, a cor, o peso e o número com que a haviam marcado, soltou-a da corda que eu trazia de casa e amarrou-a com uma corda nova. Um empregado, aproximando-se, puxou-a abruptamente, enquanto ela, estranhando o novo dono e o ambiente que se vivia sobre o cais, teimavaem movimentar-se. Ohomem puxou-a com mais força, deu-lhe uns fortes pontapés na barriga e a pobrezinha teve mesmo que andar. Começava ali o seu cruel cativeiro e a sua caminhada para a morte. Senti uma enorme dor e comecei a chorar agarrando-me ao seu pescoço. Ela também berrava, de dor e desespero, sentindo não só a violência com que era tratada mas como que entendendo a inevitável separação do seu dono e amigo. O homem aproximou-a da borda do cais, enlaçou-lhe uma lona por baixo da barriga e prendeu-a num guindaste, que de imediato a levantou, colocando-a dentro do barco onde já se encontravam muitos outros animais. Eu chorava desalmadamente...
Meu pai dirigiu-se para junto do Portela. Esperou algum tempo até que o homem lhe deu uma nota de mil escudos. Pedi-lhe para a ver. Era a primeira vez que eu via uma nota de mil escudos!...
Algum tempo depois, o barco que levava a Toucada, repleto de animais que se empurravam e atrapalhavam uns aos outros, partiu. Lá ia a minha Toucada comprimida entre dois enormes touros. O barco foi-se afastando e a mancha negra e branca da Toucada foi-se desvanecendo, até eu a perder de vista, enquanto lágrimas corriam de meus olhos, cada vez mais abundantes. Meu pai, compreendendo a minha dor e disse-me que voltaríamos pelos Lajes para comprar outra vaca.
Regressámos, pernoitamos na Lomba e viemos para as Lajes, onde meu pai comprou outra vaca. Era mansa, toda preta, com os chifres arredondados, boa de leite. Oitocentos escudos. Meu pai ficou feliz e eu triste porque a achava tão feia, comparada com a minha Toucada, que aquela hora, na abalizada opinião do meu progenitor já devia estar no Pico ouem S. Jorge.
Atravessámos novamente a ilha de lés-a-lés, com a vaca, que vezes sem conta, se recusava a andar. Chegámos a casa já de madrugada. Durante a viagem e nos dias seguintes lá me fui afeiçoando à Trigueira, (assim chamámos à nova aquisição) mas a verdade é que nunca esqueci a minha Toucada.
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MITOS E LENDAS
Desde os tempos mais remotos, quiçá anteriores ao paleolítico, que o ser humano revelou sentimentos de espiritualidade transcendente, embora excessivamente dominados, por um lado pela sua condição animal e, por outro, pela superstição.
A esses sentimentos estão necessariamente associadas emoções e actos que, apesar de ainda revelarem acentuado cunho tipicamente animal, de alguma forma se transferiram para agentes ultra humanos e sobrenaturais, originando mitologias diversas e religiões diversificadas.
Nesses tempos, o homem, ainda não dominador do conhecimento do mundo e dos prodígios naturais de que se rodeava, presenciava fenómenos que, apesar de simples na sua origem, não podia entender, nem compreender ou explicar as suas causas, dificilmente admitindo o movimento e a acção sem vontade e consciência. Tudo era motivo de admiração e medo: desde a deslocação dos astros no espaço e as correrias loucas dos meteoritos ao simples transbordar da água do leito de um rio ou uma nascente a brotar da rocha. Daí a necessidade de explicar estes fenómenos, através duma “sobrenaturalização” dos mesmos e a tendência para simplificar tudo o que transcendia os limites da compreensão e do entendimento e de atribuir a todos esses fenómenos uma dependência das vontades de forças estranhas e sobrenaturais, responsáveis por tudo o que de bem ou mal ia acontecendo, através dos tempos, sobre a face da Terra.
Esses agentes, muitas vezes eram amigos porque provocavam o bom, o sublime, o agradável e o útil. Outras, porém, eram maus, terríveis, pérfidos e assombrosos, porque eram a origem e a causa de todos males, desgraças e destruições.
A esperança de poder apaziguar estes últimos fez surgir a ideia de sacrifício, enquanto da intenção de mover os primeiros a agirem mais frequente e proficuamente, nasceu a oração. Assim surgiram criações míticas e religiosas, cuja forma e conteúdo variaram substancialmente, ao longo dos séculos e dos milénios, segundo as características dos meios e os costumes dos povos.
Estas criações existentes, então, em quantidades impossíveis de conhecer ou de contar, originadas sobretudo a partir de esforços frustrados, sucessivos e contínuos de compreensão e entendimento da natureza e dos fenómenos em que era profícua, foram marginalizadas, na sua globalidade, pela História e pela Lógica. Apenas sobreviveram as que, retidas na memória ou gravadas em pedras e tábuas, marcaram de tal modo a conduta do ser humano, os seus princípios e a sua filosofia, a ponto de se tornarem património de grandes aglomerados culturais e de grandes civilizações, que nelas procuraram a razão de ser da sua existência e, também, da sua fé.
Destas últimas apoderou-se a História e chamou-lhes mitos e lendas, enquanto as primeiras, não menos mitológicas, se perderam na torrente imperturbável e fatídica do tempo. Conhecê-las impossível! Imaginá-las será percorrer montanhas e planícies, saltar precipícios e ravinas, conhecer povos e civilizações, pesquisando culturas, costumes e tradições, alterando os limites da razão, da lógica, do pensamento humano e da própria História. Será investigar o impossível, conhecer o infinito, dominar o transcendente e, sobretudo, penetrar nos domínios da fé e da crença.
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NORDESTE
Por capricho ou por benevolência ou talvez por insensatez ou loucura (sabe-se lá), os deuses pintaram aquele torrão de lava do Nordeste micaelense de verde, mas de um verde tão verde que jorra por aqui, por além e por toda a parte, atulhando os campos, cobrindo as montanhas, enfeitando as beiras das ruas, ornando os caminhos, salpicando a orla das estradas, abalroando as casas e as igrejas, correndo pelo leito das ribeiras e até se reflectindo enigmaticamente na pureza imensa e infinita do Oceano. Ali tudo é verde! Apenas o céu, de dia clarificado por um Sol amarelado e risonho e de noite escurecido mas cravejado de uma infinidade imensa de estrelas, permanece, na sua essência, azul, muito azul, como se fosse um enorme manto protector de toda aquela aguarela monumental e sublime. Do mar sopra apenas e tão-somente uma brisa suave e fluente que se enrola e aconchega nos beirais das casas, penetrando por frestas e janelas como que a purificar e a fortalecer a esperança e o destino.
Mas não se ficou por aqui a douta e imensa generosidade dos deuses. É que também dotaram aquele extremo mais oriental das nove ilhas açorianas com paisagens naturais raras e extremamente belas, com vistas deslumbrantes e terrivelmente inesquecíveis como os miradouros da Ponta do Sossego, da Ponta da Madrugada, da Vistas dos Barcos, do Pico Longo, fortificaram-no com serras e montanhas alcantiladas de uma medonha excentricidade, como o Pico da Vara, a Serra da Tronqueira, estacaram-lhe as arribas e falésias com promontórios como a Ponta do Arnel, a da Achada, a de S. Pedro e a da Madrugada, encravaram-lhe ali bem no meio a Cascata da Ribeira dos Caldeirões e rasgaram-no com muitas outras ribeiras e grotões que serpenteiam e deslizam por ali, forçando as estradas a vertiginosos traçados curvilíneos, por entre uma vegetação luxuriante, alguma endémica e outra indígena, sob a tímida mas consoladora protecção do priolo.
E como se isto não bastasse os deuses ainda na sua desconhecida mas eficiente tarefa de criação, traçaram ou melhor permitiram que se traçasse por ali, nos contrafortes da Assomada, entre campos repletos de fresca alfombra e sulcados por pequenas ribeiras onde sussurra o murmúrio sibilante das águas, uma rua. Nessa rua há uma casa, apenas uma casa. A rua é erma mas singela e simples e a casa é de um basalto negro, tingido de branco onde sobressaem manchas de lava escura e onde foram rasgadas frestas e janelas por onde penetram a claridade do Sol, a brancura da Lua, o canto dos pássaros, o colorido das flores e o sabor adocicado das ervas perfumadas que a rodeiam.
Mas o mais interessante é que do interior da casa, mesmo quando a aguarela se tinge de um verde mais esbatido ou o priolo afrouxa e roufenha o seu canto, emerge uma enorme torrente de ternura e carinho e irrompe, continuamente, um gigantesco caudal de hospitalidade.
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MANTEIGA
A manteiga é um produto extraído do leite, cuja nata, depois de batida, se transforma numa emulsão de gordura, que pode ser usada, por exemplo, sobre fatias de pão ou bolo, ou ainda para cozinhar. É produzida onde há actividade pecuária, e as suas origens são antiquíssimas, cuidando-se que remontam à pré-história. Existem diversos tipos e marcas de manteiga, mas de excelente qualidade é a dos Açores, nomeadamente a do Pico e Flores, assim como a Vancaten, produzida na Suíça.
A manteiga é composta por cerca de 80% de gordura, sendo a parte restante constituída por água, resíduos de lactose e de butirina, um outro tipo de gordura, pelo que a manteiga se torna um alimento muito rico em gorduras saturadas, colesterol e calorias, sendo recomendável em doses moderadas para desportistas ou pessoas que tenham um grande consumo energético. Salvo especiais condições de saúde, a manteiga, apesar de tudo, parece ser compatível com uma dieta sã e equilibrada e é fácil de digerir apesar do seu conteúdo em gordura.
Paralelamente existe a manteiga vegetal ou margarina que se obtém de gorduras alimentares de origem vegetal e que é utilizada como alternativa à manteiga.
O seu nome deriva da descoberta do "ácido margárico" por Michel Eugène Chevreul, em 1813 mas foi em 1860, que o imperador Napoleão III da França ofereceu uma recompensa a quem conseguisse encontrar um substituto satisfatório e mais barato para a manteiga, a fim de que as classes sociais baixas e para os soldados pudessem dela desfrutar. Então, em 1869, o químico Hippolyte Mège-Mouriés inventou e preparou com gordura de vaca, uma nova substância ou tipo de manteiga, à qual extraía a porção líquida sob pressão e depois deixava-a solidificar; em combinação com butirina e água, resultando assim um substituto para a manteiga, com sabor semelhante ao dela.
Modernamente, a margarina é produzida através de uma grande variedade de gorduras vegetais, geralmente misturadas com leite desnatado, sal e emulsionantes.
Durante muito tempo pensou-se que a margarina era mais saudável do que a manteiga, mas actualmente gerou-se alguma controvérsia sobre esta tese. Apesar de tudo, alguns nutricionistas ainda pensam assim, uma vez que a margarina possui menos gorduras saturadas do que a manteiga obtida a partir do leite.
Consumida em quantidades moderadas, a manteiga não eleva o risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares ou outras, mas aos doentes que sofrem de insuficiência renal, está radicalmente interdita. A manteiga, sobretudo fresquinha, saborosa e apetecível, colocada em cima do pão quente, derrete-se e penetra-o, conferindo-lhe um sabor inconfundível e inolvidável.
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NAVIO CAÇA TESOUROS
Li, há dias, algures, uma notícia um pouquinha estranha e algo preocupante e que cito de memória: “O navio inglês “John Lethbridge”, especialista em procurar cargas e tesouros de antigas embarcações naufragadas, tem andado a navegar no mar dos Açores, encontrando-se desde há alguns dias fundeado no porto da Horta, na ilha do Faial”. Ora, todos nós sabemos que os mares açorianos, nomeadamente ao redor das ilhas das Flores e do Corvo se encontram pejados de antigas embarcações naufragadas, cujo o espólio, de uma boa parte, nunca terá sido procurado ou recolhido. Que este navio o faça sob a égide e responsabilidade do governo, das autoridades marítimas e da comunidade científica açoriana parece plausível. Se o faz à revelia destas é, no mínimo, invulgar e lamentável, sobretudo porque originará uma perda irrecuperável para o património histórico e cultural das ilhas. Exemplifique-se com a “Bidarta”, barca francesa capitaneada por Jaqcues Blondel, que na noite de 24 para 25 de Maio de 1915, naufragou, no Canto do Areal, por fora da Poça das Salemas, na Fajã Grande das Flores e, cujo naufrágio ouvíamos contar vezes sem conta. Vinha carregada de níquel que transportava da Nova Caledónia e se destinava a descarregar em Glasgow, na Escócia. Outro exemplo, também narrado outrora com muita frequência, era o do Salavónia, naufragado por fora do Lajedo em 1909, embora, neste caso muito do seu pecúlio, tenha sido recolhido por populares que o guardaram em suas casas, tendo sido já criado, na ilha das Flores o “Museu do Salavónia”. Desde de 1536 existem registos de mais de cem naufrágios nas ilhas das Flores e do Corvo.
NB - Texto publicado no Pico da Vigia 1, em 18/08/09
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MARIA E AS BULAS
Maria fora habituada desde tenra idade a ajudar a mãe nas tarefas domésticas e a cuidar dos irmãos mais novos. Maria, apesar de criança já trabalhava arduamente e só descansava quando ia à escola onde, com uma inteligência prodigiosa, aprendia tanto ou mais do que as outras meninas. Maria de mãozinhas roxas de frio, acarretava baldes de água da fonte e esfregava com escova e sabão o chão de madeira carcomida e remendada da sua casa. Maria de pés descalços levava à cabeça cestos cheios de roupa suja, lavava-a na ribeira e estendia-a ao Sol do estio. Maria, de olhos adormecidos, porque a noite era curta, levantava-se de madrugada, acendia o lume e varria, limpava e clareava a casa abrindo-lhes portas e janelas à luz clarificante das madrugadas primaveris. Maria, menina dos pés descalços, corria os campos ao sabor dos ventos e das tempestades. Maria menina, sentia cansaço, fadiga dor, sofrimento, angústia e achava o mundo injusto.
Maria tornou-se mulher quando era menina e nem sequer teve tempo para ser criança e para brincar.
Maria ficou órfã cedo, muito cedo, cedo demais. E Maria ainda mais mulher se tornou, quando afinal continuava menina porque mais conta tomou dos irmãos, mais lavou, esfregou, cozinhou, varreu, limpou, sacudiu, espanejou, areou, arrumou e até rachou lenha, decidindo, por si própria, que a partir de agora, mesmo continuando a ser menina, seria a senhora e a dona da casa. Maria não se limitava a desempenhar todas as tarefas apenas a dentro de portas mas também ajudava nos campos, no semear e acarretar do milho e das batatas, no plantar das couves e das cebolas, no apanhar do trevo e no acarretar da lenha. Maria também fez topadas nos dedos, teve sarampo, tosse, bexigas, defluxo e “godelhões”. Maria meteu estrepes nos pés, fez golpes nos dedos e até caiu e partiu três dentes.
Maria fez tudo o que uma mãe fazia. Maria até fez mais porque fez de senhora, de dona de casa, de filha, de irmã, de amiga e até de pedagoga, porque se esqueceu de que ainda era criança. E ao seu redor já mais alguém lhe lembrou que afinal ela também era criança.
Maria, porque era criança, também ia à catequese e à missa aos domingos, com a cabeça coberta com um mantinho de seda branco. E um dia, do alto do púlpito, Maria ouviu uma coisa estranha! Ouviu anunciar que era pecado grave comer carne às sextas-feiras, mas que ali, na sacristia da igreja, estavam à venda os indultos e as bulas do Santo Padre, os quais autorizavam os cristãos que os comprassem a comer carne em todas as sextas-feiras do ano, excepto nas da Quaresma e nas Têmporas. Quem não as comprasse e comesse carne nesses dias cometia um pecado gravíssimo e sujeitava-se à condenação eterna. Por isso todos, mas mesmo todos os bons cristãos deviam comprar as bulas, para se salvarem, agradarem a Deus, cumprindo, assim, os Mandamentos da Santa Madre Igreja!
Maria ouviu, ouviu muito bem e já mais se esqueceu, mas hesitou. Hesitou simplesmente porque em sua casa não havia nem carne nem dinheiro! Dinheiro? O pouco que havia era todo para a mercearia. Carne? De vaca só pelo Espírito Santo e de galinha só na noite de Natal. Seria pela carne de porco? Mas a salgadeira já ia a mais de meio, a linguiça já quase se acabara e já se via o fundo da panela dos torresmos. “E a talhada do toucinho que colocas no caldo de couves com feijão?” – Lembrou-lhe uma vizinha. “E a colher de graxa que deitas na sopa ou com que fazes o refogado para o mangão?” – Perguntou uma tia. “Tudo isso contava como se fosse carne?” “Oh, se contava!...” “Era carne, carninha, lá isso era.” Por isso Maria, num esforço gigantesco, decidiu juntar algumas moedas, para evitar o pecado e a condenação eterna da sua família. Substituiu o petróleo do candeeiro pela graxa de fritar o peixe, já velha e rançosa, na candeia da cozinha, reduziu a colherada do café e aumentou a das favas torradas e da chicória e até, à ceia, mingou o leite nas tigelas. E o milagre aconteceu! Passado um mês poupara o necessário para comprar as bulas. Lavou-se, asseou-se, calçou-se, penteou-se, colocou laços de fita nos cabelos, vestiu a melhor roupita que tinha e lá foi, pé ante pé, tímida e insegura mas prazenteira e sorridente, com destino à casa do Senhor.
Na sacristia da igreja paroquial havia sido montada a tesouraria. Bateu levemente à porta e esta abriu-se. E eis senão quando à sua frente surge um monstro alto, esguio, negro, barrigudo e pançudo, que de rompante, sem ao memos lhe dar os bons dias ou dirigir uma palavra amiga e meiga, lhe saca da mãozinha trémula e fria que, tímida e hesitante, lhe estendia, as quatro moedas esbranquiçadas que ela com tanto sacrifício amealhara, devolvendo-lhe em troca duas folhas de papel, em cujo cimo e ao lado das armas papais de Sua Santidade o papa Pio XII estavam estampadas as imagens de S. Pedro e S. Paulo, o primeiro de chaves do Céu em riste, anunciando um reino de bondade, de amor e de verdade e o segundo segurando na mão um papiro com as suas cartas anunciadoras da paz, da justiça e da fraternidade.
Maria voltou só, triste, apreensiva e revoltada porque afinal nunca encontrou em sua casa a carne que aqueles abençoados papéis, a que chamavam bulas papais, a autorizavam a comer.
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MELOA
A meloa é uma variedade ou uma quase espécie de melão, mas mais arredondad e enrugada. É originária da Índia e da África, desenvolvendo-se, em tempos idos, com grande predominância, em Moçambique.
Segundo uma lenda, cuida-se que o papa Inocêncio XIII, que governou a Igreja Católica entre 1721 e 1724, depois de lhe retirar as pevides, adorava colocar vinho do Porto na cavidade de meia-meloa, comendo-a, como aperitivo. Um costume que ainda existe entre nós.
A meloa é uma fruta de Verão, por excelência. Devido ao seu elevado teor de potássio e à água que contém, a meloa é recomendada às pessoas que estão sob medicação diurética, como, por exemplo, doentes cardíacos, hepáticos e com cálculos biliares. Estes efeitos, benéficos no equilíbrio de fluídos do organismo, reflectem-se também na prevenção e melhoria dos sintomas da gota, reumatismo e prisão de ventre. No entanto, quando consumida em excesso, a meloa pode provocar cólicas e diarreia devido ao teor de fibra que contem, embora, esta seja benéfica para o trânsito intestinal. Além disso, a fibra, também, ajuda a baixar os níveis de colesterol do sangue e a regular o apetite, tendo, ainda, propriedades antioxidantes que podem melhorar a visão e proteger as mucosas e a pele.
A meloa também é um bom alimento para quem quer perder peso, visto ter um baixo valor energético, conter uma grande quantidade de água e fibras que ajudam a regular o apetite.
No entanto, para mim, a meloa, está quase totalmente interdita, devido aos malefícios que pode causar aos doentes sofredores de insuficiência renal. Apenas, de vez em quando, uma pequena fatia daquela que é um das mais saborosas, desejadas e apetitosas sobremesas do verão, pode ser tolerada.
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PEDRO DA SILVEIRA
Pedro da Silveira, “o Pedro das Senhoras Mendonças” como era conhecido pelos seus vizinhos, nasceu na Fajã Grande, na rua da Assomada,(1) a 5 de Setembro de 1922. Embora fosse meu vizinho, muito amigo dos meus pais e meus irmãos mais velhos, com quem conversava frequentemente e visitasse a Fajã quando eu era criança, apenas tive o privilégio de conversar com ele num encontro de habitantes das ilhas das Flores e Corvo, realizado em Castelo Branco, há alguns anos. Nessa altura tive a honra de lhe entregar um texto meu “Noite de Natal” que ele teve a delicadeza de ler e do qual mais tarde me enviou o seu comentário. Lamentavelmente não mais pude contactar com ele. Faleceu em Lisboa, no dia 13 de Abril de 2003.
Pedro da Silveira, talvez o mais ilustre fajãgrandense de sempre, foi poeta, crítico literário e investigador quer a nível da escrita quer a nível da tradição oral. Fez parte do conselho de redacção da revista “Seara Nova” e é autor de várias obras de poesia e de recensão literária e de duas antologias de poetas açorianos.
Depois de ter completado o ensino primário na Fajã Grande, tendo já demonstrado grande inteligência e interesse pelas letras, partiu para Angra, frequentando primeiro o Seminário e mais tarde o Liceu, o que lhe permitiu completar a sua formação básica e contactar com os mais lídimos representantes da literatura lusófona do tempo e onde, de acordo com as suas palavras «Havia, pelo menos em certos meios, um culto muito fiel por Jaime Brasil e por Aurélio Quintanilha, ambos terceirenses e ambos anarco-sindicalistas. Para aí me inclinei e ainda agora, se alguma ideologia política é capaz de me dizer alguma coisa, essa é o socialismo acrata(2) ou anarquismo.”(1987)
Alguns anos depois radicou-se em Ponta Delgada, cidade onde integrou o grupo intelectual que se formou em torno do jornal “A Ilha”, periódico no qual colaborou assiduamente.
Finalmente fixou-se em Lisboa, onde viveu o resto da sua vida, embora visitando a Fajã com alguma frequência, granjeando, de acordo com o testemunho de muitos dos seus vizinhos e conterrâneos, a simpatia de todos, com os quais partilhava ideias, princípios e conhecimentos. Foi delegado de propaganda médica, promovendo produtos farmacêuticos, iniciando simultaneamente um percurso de estudo e investigação histórico-literária. Mais tarde passou a trabalhar na Biblioteca Nacional, da qual foi director dos Serviços de Investigação e de Actividades Culturais, chegando a integrar a Comissão de Gestão da mesma.
Foi um dos promotores da elaboração da Enciclopédia Açoriana e participou ainda em múltiplos estudos relacionados com a cultura açoriana e em especial com a história e a etnografia da ilha das Flores, com destaque muito especial para a Fajã Grande, onde recolheu variadíssimos textos da tradição literária oral, divulgados mais tarde na revista “Lusitana”. Iniciou a sua obra poética com A Ilha e o Mundo (1953) e prosseguiu com Sinais de Oeste (1962), Corografias (1985) e Poemas Ausentes (1999). Publicou um primeiro volume “Fui ao Mar Buscar Laranjas”, um conjunto de vinte poemas inéditos, escritos entre 1942 e 1946.
Pedro da Silveira revelou sempre um alto sentido de cidadania e uma formação ideológica e política muito firme, convicta e segura, iniciada na sua adolescência nas Flores, onde conheceu alguns exilados políticos, que “lhe revelaram quem era Salazar e ao que vinha”. Com eles, primeiro, e depois com o grupo anarquista em Angra, consolidou os princípios políticos e ideológicos essenciais que o acompanhariam por toda a vida e que fizeram com que os seus direitos políticos fossem apreendidos por Salazar que chegou a retirar-lhe o direito de voto e também que fosse permanentemente perseguido e preso pela PIDE.
Notas – (1) Em recente visita à Fajã Grande, pude verificar que a casa onde ele nasceu foi vendida. Creio que poder-se-ia muito bem ter sido transformada em “Casa museu Pedro da Silveira. Pior. A casa onde o pai nasceu, situada à Praça e que, na década de cinquenta, era um palheiro de gado e arrumos, foi totalmente destruída. Era esta a casa que ele descreve num dos seus mais belos poemas.
(2) Chama-se “acrata” a um partidário ou defensor da acracia. A acracia é uma forma de anarquismo, ou seja, uma ideologia politico-filosófica que não aceita a legitimidade de nenhuma imposição. Sendo assim, para que uma acção humana tenha valor moral deve emanar da decisão livre de quem a empreende e, por isso, todas as actividades humanas devem ser resultantes de compromissos voluntários, tomados por livre arbítrio. Na prática, os acratas defendem que as pessoas não nasceram para obedecer mas sim para decidir por si próprias.
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ARTE POÉTICA
(UM POEMA DE PEDRO DA SILVEIRA)
O meu desejo abarca as ilhas todas do Mar.
Os continentes, que fastio de desertos povoados!
Terra, terra, terra
E rios tristes, ansiosas de deixá-la.
Terra mais alta,
Mais baixa,
Terra só.
Lonjuras de terra
Horizontes de terra.
Ora esta é a minha razão, a minha ciência:
Horizonte verdadeiro é o d’água e céu.
Com mar à roda a terra sente,
Anima-se, acorda de ser terra.
A água incita-a, fecunda-lhe
O amor de outras terras.
-E navega-nos o sangue, empurra-nos
Para onde reside
(sonhado ou real)
Dentro de nós o Além –de’Aqui.
Terra e mais nada que terra.
Ir de uma terra a outra por terra.
Sem riscos-nem mesmo imaginados.
Sem nenhum sobressalto...
Fiquem os restelos para os secos e pecos
Que tiveram medo da navegação.
A mim, o Mar!
Pedro da Silveira in Sinais de Oeste