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O CAÇADOR

Terça-feira, 02.07.13

(EXCERTOS DE UM CONTO DE MIGUEL TORGA)

 

Trôpego, o Tafona já não chegava às perdizes da Cumieira. Por isso, arrastava-se até Pedralva e caçava de espera. Caíam rolas no cedo, uma lebre ou outra pelo ano adiante, e coelhos quase sempre. No defeso, fornecia a casa e a barriga sem fundo do compadre Frederico; no tempo da permissão, vendia-lhe a Joana Benta as caveças na Vila.

- Veja vossemecê... - dizia ele, a contratar o preço. - Eu sei lá!...

Com oitenta e cinco anos, a vida fora-lhe sempre estranha como se a não tivesse conhecido. Casara, tivera filhos, mas nada disso o tocara por dentro. Virgem e selvagem na alma, continuava a caçar, e só embrenhado entre giestas e urgueiras é que ouvia, se ouvia, os clamores da mulher e o ganido das crias.

Saía cedo, sempre supersticioso das menstruações da Camila, a vizinha do lado, que lhe mudavam a direcção do chumbo, e regressava altas horas da noite, colado ao granito das paredes, e assim escondido dos olhos curiosos da povoação.

- Por onde andaste?-

A pobre da Catarina, a princípio, ainda tentou encontrar naquele destino pontos de referência em que pudesse firmar-se. Mas as respostas vinham tão vagas, tão distantes, que se atirou às leiras e deixou o homem às carquejas. Não era que ele mesmo enredasse os caminhos e despistasse conscientemente a companheira. As peripécias da caça e a cegueira com que galgava os montes é que o impediam à noite de relatar o trajecto seguido. Se quisesse e soubesse dizer por que trilhos passara, falaria de veredas e carreiros que nunca conhecera, descobertos na ocasião pelo instinto dos pés e rasgados no meio de uma natureza cósmica, verde como uma alucinação, com alguns ramos vistos em pormenor, por neles pousar inquieto um pombo bravo ou se aninhar, disfarçada, uma perdiz. Às vezes até se admirava, ao regressar a casa, de tanta bruma e tanta luz lhe terem enchido simultaneamente os olhos. Serras a que trepara sem dar conta, abismos onde descera alheado, e um toco, um raio de sol, o rabo de um bicho, que todo o dia lhe ficavam na retina. É claro que nem sempre as horas eram assim. Algumas havia de perfeita consciência, em que nenhum pormenor da paisagem lhe escapava, as próprias pedras referenciadas, aqui de granito, ali de xisto. Mas, mesmo nessas ocasiões, qualquer coisa o fazia sonâmbulo do ambiente. Era tanta a beleza da solidão contemplada, despegava-se das serranias tanta calma e tanta vida, os horizontes pediam-lhe uma concentração tão forte dos sentidos e uma dispersão tão absoluta deles, que os olhos como que lhe abandonavam o corpo e se perdiam na imensidão. Simplesmente, essa diluição contínua que sofria no seio da natureza não excluía uma posse secreta de cada recanto do seu relevo. Uma espécie de percepção interior, de íntima comunhão de amante apaixonado, capaz de identificar o panasco de Alcaria pelo cheiro ou pelo tacto.

A caça fora a maneira de se encontrar com as forças elementares do mundo. E nenhuma razão conseguira pelos anos fora desviá-lo desse caminho. A meninice começara-lhe aos grilos e aos pardais, a juventude e a maior idade passara-as atrás de bichos de pêlo e pena, e agora, velho, as contas do seu rosário eram meia dúzia de cartuchos que, sentado, ia esvaziando no que aparecia. E a vida, a de todos os dias e de toda a gente, com lágrimas e alegrias, ambições e desalentos, ficara-lhe sempre ao lado, vestida de uma realidade que que não conseguia ver. A aldeia formigava de questões e de raivas, e ele coava- lhe apenas a agitação de longe, vendo-a fumegar na distância, ao anoitecer, e acariciando-a então num cansaço doce e contemplativo.

- Casou a Dulce...

- Ah, sim?...

Ouvira, de facto, imprecisamente, a voz do sino grande chegar repenicada e festiva ao Falição, mas o seu espírito não pudera nesse momento, nem podia agora, descer da nuvem de abstracção que o envolvia

- Muito bonita ia o demónio da rapariga!

Humana, mulher, a Catarina tentava chamá-lo a uma consciência que reanimasse fogueiras mortas, sonhos desfeitos. Nada. O pensamento dele não estava ali: perdia-se nos projectos do dia seguinte, já cheio do rumor alvoroçado do bando de perdizes que sabia ir levantar da cama ao romper da manhã.

- Morreu a Palhaça...

- Ah, morreu?

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publicado por picodavigia2 às 22:47

PEDRO LAUREANO MENDONÇA DA SILVEIRA

Terça-feira, 02.07.13

(TEXTO DA WIKIPÉDIA)

 

Pedro Laureano Mendonça da Silveira nasceu na Fajã Grande, a 5 de Setembro de 1922 e faleceu em Lisboa, em 2003, mais conhecido por Pedro da Silveira, foi um poeta, crítico literário e investigador, com vasta colaboração dispersa em periódicos e revistas. Fez parte do conselho de redacção da revista Seara Nova (até 1974) e é autor de várias obras de poesia e de recensão literária, estreando-se com o livro A Ilha e o Mundo (1953). É autor de duas antologias de poetas açorianos, a primeira das quais com um prefácio em que autonomiza a literatura deste arquipélago em relação a todas as outras literaturas de expressão lusófona. Integrou a comissão de gestão Biblioteca Nacional de Lisboa, da qual se aposentou como director dos Serviços de Investigação e de Actividades Culturais.

Depois de ter cursado as primeiras letras na sua freguesia natal, na costa oeste da ilha das Flores, período em que demonstrou a sua inteligência e interesse pelas letras, partiu para a Terceira, ilha onde completa sua formação básica e contacta com o corpus mais relevante da literatura lusófona do tempo.

A partir de 1945 transfere-se para Ponta Delgada, cidade onde integra o grupo intelectual que se formou em torno do jornal A Ilha, periódico no qual colabora assiduamente.

Em 1951 muda-se para Lisboa, cidade onde viveria o resto da sua vida. Aí começou por se empregar como delegado de propaganda médica, promovendo produtos farmacêuticos, ao mesmo tempo que inicia um percurso de estudo e investigação histórico-literária que o levaria a funcionário da Biblioteca Nacional, da qual se aposentou como director dos Serviços de Investigação e de Actividades Culturais.

Ao longo do seu percurso intelectual e profissional dedicou-se à crítica literária, à tradução, à criação poética e à investigação de temas da história e etnografia açorianas. Com opiniões pouco conformistas, entre as quais a defesa de um único concelho para a sua ilha natal, foi uma voz incómoda, em geral mal amada pelos poderes instituídos.

Foi um dos promotores da elaboração da Enciclopédia Açoriana, projecto que abraçou com grande entusiasmo. Participou ainda em múltiplos estudos relacionados com a cultura açoriana e em especial com a história e a etnografia da ilha das Flores.

A obra poética de Pedro da Silveira começou com A Ilha e o Mundo (1953) e Sinais de Oeste (1962) e prosseguiu com Corografias (1985) e Poemas Ausentes (1999). Publicou também o primeiro volume de Fui ao Mar Buscar Laranjas, um conjunto de vinte poemas inéditos, escritos entre 1942 e 1946, a que foi dado o subtítulo de Primeira Voz, assumindo ser a sua primeira produção poética. Urbano Bettencourt analisa assim a obra de Pedro da Silveira:1

 Em Pedro da Silveira, a fidelidade à ilha, a resposta poética ao seu apelo insistente, deu-nos a conhecer o pequeno mundo insular, (…) os seus acontecimentos à escala reduzida, nem por isso menos importantes do ponto de vista da afectividade e da relação humana. Mas isso não anulou o sentido de viagem, a abertura a novos espaços e escritas, numa salutar dinâmica entre o interior e o exterior, sinal de um espírito naturalmente inquieto e ávido de saber, sempre pronto a agarrar o mais pequeno acaso que lhe permitisse entrar em contacto com o outro lado, facto mais relevante ainda em tempo de comunicações escassas e difíceis

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publicado por picodavigia2 às 22:27

AO RITMO DA NATUREZA

Terça-feira, 02.07.13

O “Público” e o “Jornal de Notícias”, nas edições de dia 12 de Janeiro, de 2010, publicaram nos seus respectivos suplementos, uma revista exclusivamente dedicada aos Açores e intitulada “ Açores 2010 – Ritmo da Natureza”.

Embora referindo o arquipélago açoriano de uma forma global e analisando temas comuns à região, como a pesca, a observação de baleias, a vida subaquática, o iatismo, a beleza das paisagens, as festas, a gastronomia e o património natural e histórico, a referida revista dedica uma página a cada uma das ilhas, com excepção de S. Miguel que merece a honra de duas.

Na página referente à ilha das Flores, para além de várias fotos sobre algumas lagoas, a Rocha dos Bordões e o Poço da Alagoinha, esta com grande destaque, a revista faz uma breve mas objectiva referência à “beleza reflectida” da ilha e à sua paisagem natural “onde desponta o verde exuberante, entrecortado aqui e ali pelo azul das lagoas e das hortênsias.” Outro aspecto referenciado pela revista é o das inúmeras ribeiras e cascatas que descem pelas encostas, salientando a da Ribeira das Casas, na Fajã Grande, assim como o Poço do Bacalhau. Um outro aspecto não esquecido ao jornalista autor do texto são os trilhos pedestres, através dos quais é permitido aos visitantes observar singelas e indescritíveis paisagens, saborear a água fresca e natural que nasce por toda a parte e apreciar a fauna e, sobretudo, a interessantíssima flora da ilha das Flores.

 

Publicado no Pico da Vigia, em 17/01/10

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publicado por picodavigia2 às 09:44

ILHA DAS FLORES

Terça-feira, 02.07.13

De longe chegou-me mais este poema, sobre a “Ilha das Flores” escrito, segundo me informaram, por uma senhora de nome Lurdes Costa.

Quantos homens e mulheres terão cantado, na solidão do seu silêncio, as maravilhas da ilha das Flores, das suas freguesias, das suas ruas, atalhos, outeiros, montes, grotões e ribeiras…

 

“Voltei para juntar os meus pedaços,
Aliviar a alma dos cansaços,
Descansar nas tuas penedias
E acordar ao teu Sol, todos os dias.

Voltei, para beber de frescas fontes,
Correr alegremente pelos montes,
Escutar a tua voz, na maresia,
A segredar-me divina poesia.

Voltei…Meu coração, em alvoroço,
Palpita um segredo que é só nosso…
Porque preciso, hoje, saber de ti,
Voltei de novo amor, estou aqui.”

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publicado por picodavigia2 às 08:02





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