PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
DECRÉSCIMO DEMOGRÁFIO
( CONCELHO DAS LAJES DAS FLORES)
A emigração, primeiro, e o envelhecimento natural da população, depois, transformaram o concelho das Lajes das Flores, o mais ocidental dos Açores e de Portugal, no mais grave caso demográfico de entre todos os 19 concelhos que compõem as nove ilhas do arquipélago dos Açores. Com uma densidade populacional que se queda, presentemente, pelos 21,58 hab/km2, sensivelmente um quinto da média dos Açores, o concelho perdeu, também, entre 1950 e 1960, o estatuto, que desde sempre detivera na ilha, de concelho mais populoso, tendo sido, inexorável e definitivamente, ultrapassado pelo de Santa Cruz das Flores. Os seus 1.501 habitantes, segundo os «Censos 2011», estão distribuídos pelas suas sete freguesias da seguinte forma: Lajes 627, Fazenda das Lajes 257, Lomba 206, Fajã Grande 199, Lajedo 93, Fajazinha 76 e Mosteiro apenas 43 habitantes. Estas minúsculas freguesias representam o ponto mais baixo de uma acentuada – e no último meio século, contínua – curva descendente da sua população do concelho das Lajes, e podem ser vistas igualmente como o prenúncio do desaparecimento próximo de algumas pequenas comunidades, a exemplo do que já sucedeu, no último quartel do século XX, com os lugares da Cuada, que nos seus tempos áureos chegou a ter mais de uma centena e meia de almas, e da Caldeira do Mosteiro e ainda, em anos anteriores dos lugares de Pentes e Fajã dos Valadões, na Fajãzinha.
Com uma superfície de 69,59 km2, o concelho de Lajes das Flores terá conhecido a sua população máxima nos já distantes meados do século XIX (5.982 habitantes em 1849). Daí para cá, porém, a sua população tem vindo gradualmente a diminuir, sendo que a década de 1950 fica, para já, a marcar o início de uma viragem sem retorno previsível – 5.865 habitantes em 1864, 5.369 em 1878, 4.999 em 1890, 4.498 em 1900, 3.991 em 1911, 3.518 em 1920, 3.508 em 1930, 3.780 em 1940, 4.041 em 1950, 3.376 em 1960, 2.486 em 1970, 1.896 em 1981, 1.701 em 1991 e 1.502 em 2001. Se a emigração para o Brasil não teve influência significativa na demografia local – pese embora haver notícia de várias embarcações que, na década de 30 do século XIX, com maior ou menor sucesso, aqui tentaram arregimentar braços que supostamente eram depois vendidos “como vis escravos aos plantadores dos ardentes climas das Américas”, já o mesmo não sucedeu em relação aos Estados Unidos e mais tarde o Canadá, que os primeiros florentinos cedo lograram alcançar a bordo das baleeiras americanas que na ilha habitualmente faziam refresco e substituição de tripulantes. Em vésperas, ainda, da grande “corrida ao ouro” na Califórnia, garantia já em 1857 o governador civil da Horta que “das Flores a emigração para as baleeiras, assim como para os Estados Unidos, é feita clandestinamente, não se podendo dizer que seja em pequena escala” E tanto assim foi que, só capitães baleeiros, será possível identificar, nas décadas seguintes, ao serviço da frota americana, uma boa dúzia de florentinos, ou filhos destes – António Caetano Corvelo, Henry Clay, William F. Joseph, Francisco Augusto, Nicholas Rodrigues Vieira, John A. Vieira, Joseph A. Vieira, António José de Freitas, Joseph T. Edwards, Antone T. Edwards, John T. Edwards e Joseph F. Edwards.
A grande sangria populacional da ilha só viria a ocorrer, porém, no último quartel do século XIX e nas duas primeiras décadas do século XX. Não há elementos estatísticos que permitam quantificar essa emigração, avessa a passaportes, mas, a crer na imprensa local, o fenómeno, que tivera como causa próxima a alteração, em Abril de 1873, da lei do recrutamento, eliminando as remissões a dinheiro, depressa atingiu proporções nunca antes vistas. Em 1883, por exemplo, o vapor Açoriano chegou a Boston com duas centenas de florentinos e, na primavera seguinte, também o lugre Paladin e as barcas Sarah e Verónica desembarcam naquela cidade e em New Bedford uma centena acrescida de emigrados. Em Maio de 1889, a logra Mary Frazier zarpou da ilha para Boston “com nada menos de 200 passageiros” viagem que repetiria dois meses depois, tal como o patacho Rival, ambos “cheios de emigrantes” E sob o título “Escravatura Branca”, um jornal local noticiava em Maio de 1891 que a barca Sarah saíra, naquele mês, para Boston abarrotada “de passageiros clandestinos, ou escravatura branca, como lhe chama o próprio capitão” pois só três dos embarcados possuíam passaporte. “Até há poucos anos só emigravam alguns mancebos sujeitos ao recrutamento (...) mas hoje abandonam a ilha famílias inteiras sem distinção de idades nem de sexos”, escrevia o mesmo jornal, adiantando que a emigração “vai tomando proporções assustadoras”, tanto mais que a autoridade “não só deixa embarcar os naturais da ilha, mas ainda aqueles que, não podendo embarcar nas suas terras, vêm aqui para mais livremente seguir o seu destino”.
Na viragem do século XIX para o XX já eram mais de quinhentos, na ilha, os americanos in nomine, muitos deles guindados agora, nesse seu regresso à terra-mãe, à condição de pequenos proprietários, graças às águias amealhadas nas longínquas Califórnias de abundância.
Não se ateve, todavia, a esta vertente económica a influência americana na vida dos florentinos, antes podemos encontrá-la, também, no cancioneiro popular, na arte do scrimshaw, na linguagem recheada de americanismos, até na introdução das ideias protestantes, chegadas, no dizer de um periódico local, sob a forma de um “verdadeiro aluvião de livros heréticos e bíblias falsas” que de Lowel remetera um emigrante dos Cedros. Foi dessa América, também, que à ilha chegaram quase todas – a grande excepção terá sido o primeiro coupé, trazido de Lisboa em 1889 – as “suas” inovações da época – as primeiras caliveiras e debulhadoras mecânicas para os milhos, a primeira impressora tipográfica, as primeiras canoas baleeiras e seus apetrechos, os primeiros aparelhos de rádio, etc.
Estancou-se, finalmente, a emigração. Mas quantos sobram hoje, também?! Como cantou, há quase meio século, o poeta Pedro da Silveira. “É uma família morta, a de meu pai: / uma família morta, / de ausentes e mortos. / Na Europa só eu resto: os outros / desertaram a casa, / abalaram, são hoje / nos que não sei, / americanos, filipinos, cubanos / e brasileiros, / venezuelanos / e uruguaios / - primos dispersos, / parentes / entre si ignorados.”
Obs – Texto elaborado a partir de dados retirados da Internet e actualizados com os do Censos 2011,
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O CAIS DAS LAJES
A ilha das Flores era a única ilha dos Açores em que o velhinho Carvalho Araújo, que as visitava mensalmente, atracava em duas localidades:em Santa Cruz, durante a manhã e nas Lajes, ao longo da tarde e até à noite.
Os habitantes da Fajã Grande que nele viajavam, como grande parte dos de toda ilha, normalmente desembarcavamem Santa Cruz.É verdade que a deslocação para a Fajã era um pouco mais longa, mas, em compensação era possível fazer o trajecto até aos Terreiros de carro. Além disso desembarcando da parte da manhã, os passageiros chegavam sempre mais cedo a casa. Pelo contrário, o embarque era quase sempre feito pelas Lajes, permitindo assim sair-se de casa no próprio dia, percorrendo o longo e sinuoso caminho, entre a Fajã e as Lajes, durante a madrugada e manhã.
Por isso no cais da Lajes, em dia de chegada do Carvalho, reinava uma confusão tremenda e uma barafunda descomunal. Homens, mulheres, crianças, malas, baús, grades, bidões, caixotes, barris, sacos de serapilheira, bois, vacas e até alguns cavalos amontoavam-se em desusada caldeação. Aguardava-se a chegada de mais uma das duas pequenas barcaças que iam e vinham, alternadamente, entre o cais e o enorme paquete ancorado a umas duas ou três milhas de terra. Eram lanchas pequenas, vagarosas e frágeis que iam e vinham à vez, chegando carregadíssimas, a abarrotar de pessoas e bagagens. Encostavam-se às escadas de acesso ao porto e dois marinheiros, de calças arregaçadas pelo joelhos e descalços, uma à proa e outra à ré, atiravam as cordas que traziam amarradas nas bordas da embarcação para cima do cais a fim de que as alças das pontas fossem presas nos moitões de ferro cravados no cais, permitindo aos passageiros saltar para terra com maior segurança. Só depois lhes era retirada a bagagem, que, a conta gotas, ia sendo atirada pelos marinheiros para cima do cais onde estavam os bagageiros que a apanhavam com mestria e a seguravam com perícia de forma a que nenhuma mala ou caixote caísse no chão ou escapulisse para o fundo mar. Assim que as lanchas ficavam livres das pessoas e das malas que traziam de bordo, seguia-se uma lufa-lufa medonha, por parte dos que estavam em terra e pretendiam embarcar. Acompanhados da respectiva bagagem, todos queriam ser os primeiros a entrar e a ocupar os melhores assentos nos pequenos batéis, enquanto as malas iam sendo arrumadas à proa e à ré das embarcações.
Mais fora, mas antes do molhe, dois botes maiores do que as lanchas e com motores mais potentes, carregados com sacos de farinha, de açúcar, de adubo, de cimento, caixotes de sabão e de bebidas, bidões de cal ou de petróleo, grades com garrafas de cerveja e de pirolitos e muita outra carga, também se iam, à vez, encostando ao cais. Em terra, um pequeno e desengonçado guindaste levantava, muito lentamente, toda aquela carga e colocava-a, desordenadamente, em cima do cais. Depois alguns homens entretinham-se a arrumá-la e ordená-la de acordo com os comerciantes da vila a quem se destinava e dos quais se destacavam: o Germano e a Firma.