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ACABADO, MAS NÃO TANTO

Quarta-feira, 10.07.13

(UM POEMA DE PEDRO DA SILVEIRA)

 

Agora restam-me só dois dentes

e a vista já não é o que antes era;

às vezes sofro de azias e náuseas

e vêm dias, como hoje, em que nem reparo

nas mulheres em flor que passam a meu lado.

 

É Fevereiro ainda, mas o tempo

é como se já fosse a Primavera:

um dia de sol, com flores coroando árvores

no jardim à beira de que estou parado

esperando um autocarro que não chega mais.

 

Olho as árvores enflorando, a relva verde-tenro,

e também uma nuvem que o sol da tarde

faz mais clara no azul claro do céu.

Vejo isto, e vendo-o esqueço

os dois dentes que só tenho, um deles cariado,

a vista baça e tudo o mais que diz

que o meu corpo envelheceu –

como ainda há poucos dias me lembrou o gesto

da rapariga que quis dar-me

o seu lugar no eléctrico à cunha,

de manhã à hora de a caminho do emprego.

 

Sim; o dia parece mesmo de primavera

e com isso apetece estar vivo, embora

sabendo que os anos andaram sobre o corpo que temos

e não renovamos, com rebentos e flores,

como as árvores que vou vendo enquanto não chega

– vem aí, finalmente! –

o autocarro que há bocado espero.

 

Abalando, esqueço de todo os dentes que já mal tenho

e a minha memória, nova agora como a tarde clara,

não tem fundo para além do dia de hoje

e das flores do jardim de há pouco.

 

Sim; mas há as coisas que às vezes me lembram

(e nem sempre sem que doa ou amargue)

que já não tenho a idade em que me diziam:

 

– Pedro, vê lá o que fazes, toma juízo!

 

(Olhem, por lembrar: – esta manhã gostei de ver

como o meu canário começava o seu dia cobrindo

a canária que anteontem lhe pus na gaiola e agora

é a razão por que não me acorda como

dantes, cantando.)

 

Pedro da Silveira

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publicado por picodavigia2 às 13:42

CESTOS DEBAIXO DA LENHA

Quarta-feira, 10.07.13

Outrora, na Fajã Grande, pelo menos um dia por ano, a garotada da escola era recrutada para acarretar e arrumar a lenha do senhor padre, na enorme loja que ficava nos fundos da sua casa.

Depois de transportada por carros de bois, a lenha era serrada, cortada e “rachada” com serras e machados, puxados por valentes braços, que não se poupavam a esforços, nos domingos à tarde, pois cuidava-se que, sendo destinada ao pároco, não era pecado trabalhar ao domingo, até porque de graça.

Finalmente a tarefa do arrumo da lenha, na velha e esconsa loja da casa paroquial, era da exclusiva responsabilidade da garotada da freguesia. Apesar do esforço que a sua consecução exigia, a tarefa era ardentemente desejada pela maioria das crianças, porquanto, por um lado, correspondia a uma folga da escola e, por outro, terminava sempre com um cálice de licor caseiro e alguns biscoitos ou figos passados.

Por isso, em mais uma tarde em que a senhora professora anunciou que os rapazes, no dia seguinte, não precisavam de trazer os livros e a sacola, porque iriam acarretar e arrumar a lenha do senhor padre, poucos foram os que se assumiram como objectores de consciência à sacrossanta tarefa. No entanto como a senhora professora ameaçasse que os que não fossem ficariam a fazer cópias, ditados e contas de dividir o dia inteiro, todos optaram por colaborar no arrumo da lenha, embora alguns o fizessem bastante contrafeitos.

Mas o pequeno grupo dos presumíveis objectores de consciência não desistiu, por completo, dos seus intentos, decidindo-se pela sabotagem da tarefa, jurando que se haviam de vingar.

A sede de represália açulou-se, quando a meio da tarde, com quase toda a lenha já arrumada e empilhada, a irmã do senhor padre, como de costume, apareceu com dois cálices, uma garrafa de licor de ananás e um pratinho de biscoitos, declarando antecipadamente:

- É só um biscoito para cada um! E licor, só meio cálice que é para não fazer mal aos meninos!

- Biscoitos, pelo menos, podiam ser dois, que não fazem mal! - Propôs um dos mais destemidos ao qual se juntou um coro de apoio e, simultaneamente, de protestos. Estes, no entanto, de nada serviram e esbarraram com a persistência da senhora, que permanecia na sua:

- É só um biscoitinho a cada menino! E nada mais!...

Os iniciais objectores de consciência foram aos arames e retiraram-se revoltados. Que aquilo não podia ficar assim! Que agora sim, tinham razões de sobra, para se vingarem. Ó, se tinham! E os cestos onde haviam acarretado a lenha eram o que mais tinham à mão.

Não demorou muito, a vingança. Num ápice todos os cestos se eclipsaram como que de forma mágica, sendo, habilmente, enterrados e escondidos entre as achas da lenha, de forma a que mais ninguém lhes pusesse a vista em cima, a não ser passados alguns meses, na altura de retirar a lenha nos sítios onde haviam sido soterrados.

Bem aflito se viu o pároco, porque sendo os cestos emprestados não os pode devolver, de imediato aos seus donos. Bem procurou, bem coscuvilhou e mandou escarafunchar em tudo o que era sítio, não lhe passando pela cabeça que estariam debaixo da lenha tão bem arrumada e direitinha.

O desaparecimento dos cestos causou grande consternação na freguesia e foi alvo de grandes comentários e de inúmeras suspeitas.

Mas descobrir os ladrões dos cestos foi de todo impossível., simplesmente porque não os havia. «E que afinal os cestos não haviam sido roubados mas sim muito bem guardados debaixo da lenha. E qual não foi a revolta do reverendo, quando, meses ais tarde, os descobriu, debaixo da lenha

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publicado por picodavigia2 às 09:30

OS FISCAIS DOS ISQUEIROS

Terça-feira, 09.07.13

Os fiscais dos isqueiros eram, na Fajã Grande e provavelmente em muitas outras localidades das Flores, talvez mesmo dos Açores, depois do diabo e dos navios russos, um dos principais e mais indesejados arquétipos do medo. É que assim como os navios russos, que o mafarrico pelos vistos nunca chegou a aparecer a quem quer que fosse, os fiscais dos isqueiros apareciam de repente, sem ninguém contar com eles, quanto menos se esperava, disfarçados, à paisana e sem se identificarem. Um dedo a raspar na roda de fuzil do isqueiro e, mesmo que este ou por falta de gasolina ou por excesso de vento, não acendesse ou nem sequer faiscasse, era multa certa e sabida. Pagava-se, não se bufava e ficava-se sem o dito cujo.

É que em Portugal, nos anos cinquenta e nas décadas anteriores, durante o governo ditatorial salazarista, havia uma lei segundo a qual o porte e uso do isqueiro, com o objectivo de acender o cigarro, exigiam uma licença que custava na altura, se bem me lembro, à volta de dez escudos. Muito dinheiro naquela época! Além disso um gasto injustificável e incompreensível, quando afinal o dinheiro rareava para os bens estritamente necessários. Mas a lei era de tal maneira exigente que a licença, para além de ser tirada e devidamente paga, era como a carta de condução, isto é, devia estar na posse do utilizador do isqueiro sempre e em qualquer lugar em que este se encontrasse ou estivesse a fumar, quer fosse fora da porta de casa, sentado à Praça, no Mato ou a até a dançar a chamarrita em cima do Monchique. Os fiscais, por sua vez, eram tão pérfidos, ferozes e safardanas que, para além de actuarem pela calada, como as raposas quando assaltam os galinheiros, tinham a distinta lata de chegar a pedir lume a uns e a outros, para mais facilmente apanharem quem quer que fosse, com a boca na botija. As multas, por sua vez eram pesadíssimas, chegando a rondar os cinquenta escudos, o que significava rigorosamente quase três alqueires de milho ou outros tantos dias de trabalho.

Nunca se percebeu bem a razão e o fundamento desta inaudita lei, e, sobretudo, da forma pérfida e acutilante como se exigia o seu cumprimento e castigava os prevaricadores. Além disso, a multa era duplicada se o prevaricador fosse funcionário público.

Na altura cuidava-se, que o seu objectivo de tal lei era proteger a Fosforeira Nacional, produtora das célebres caixinhas de “amorfos”, com as quinas portuguesas ou com meninos de várias raças desenhados no seu frontispício. É que o dinheiro das licenças e 70% do das multas revertia a favor daquela empresa que detinha o monopólio da produção das caixas de fósforos, na Fajã Grande designadas, na altura, por “caixas de mechas”. Os restantes 30% revertiam a favor dos próprios fiscais e dos seus informadores, porque os havia também. Uma espécie de “bufos”, camuflados, semelhantes aos da PIDE. Assim se podia compreender a forma intrigante, opressiva, tirânica e gananciosa de actuar dos fiscais sobre os fumadores dos célebres rolos de “1943” de cor azul e dos “Santa Justa” de cor acastanhada, quando puxavam do isqueiro para os acender.

Na Fajã, no entanto, as receitas para a Fosforeira Nacional não eram muitas, nem os lucros dos fiscais volumosos. É que sendo um lugar pequeno e isolado, a chegada daqueles intrusos meliantes era quase sempre detectada por alguém, mormente após a primeira actuação e, a partir daí o grito de - “Estão aí os fiscais!” - espalhava-se como em eco, com uma celeridade impressionante, a tempo dos futuros prevaricadores se prevenirem, geralmente escondendo a “arma do crime” em lugar secreto e bem seguro, como um buraco da parede, numa cova depois de embrulhado numa folha de inhame e que, após a debandada dos “abutres”, seria de novo retomada para se acenderem os cigarros, sem multas, com o devido sossego e à vontade.

Curiosamente os antigos isqueiros feitos de pedra e sem gasolina, na altura já pouco usados, não eram multados.

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publicado por picodavigia2 às 23:54

O FURÃO

Terça-feira, 09.07.13

Na Fajã Grande, na década de cinquenta, havia quem tivesse um furão para caar. Na verdade, durante muito tempo, a principal utilização humana dada ao furão encontrava-se na caça, uma vez que, dotado de corpo magro e alongado e uma enorme curiosidade natural, o furão estava adaptado para entrar em buracos e espantar os coelhos das louras ou tocas.

Relatos históricos indicam que o imperador César Augusto, no ano 6 d C já teria enviado furões para as ilhas Baleares como forma de controle da praga de coelhos e no súlo XVI, os furões teriam sido levados pela primeira vez para a América e terão sido usados extensivamente na Segunda Guerra Mundial como forma de proteção das provisões de cereais nos Estados Unidos, onde a sua popularidade como animal de estimação começou, provavelmente, a partir do século passado.

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publicado por picodavigia2 às 12:45

O LUGAR DA TRONQUEIRA

Terça-feira, 09.07.13

Como era sobejamente conhecido, pelo menos por todos os fajãgrandenses de então, o nome “Tronqueira”, na Fajã Grande, não se aplicava, e creio que continuará a não se aplicar, exclusivamente a uma rua, a Rua da Tronqueira, cujo nome ainda hoje se mantém na topologia da freguesia mais ocidental da Europa mas também a um lugar da mesma freguesia que ficava ali, mesmo ao lado da referida rua.

O lugar da Tronqueira que incluía sobretudo terras de milho, que alternavam a cultura deste cereal, ao longo do ano, com o cultivo da batata-doce, das favas ou das forrageiras, situava-se numa enorme faixa de terreno paralelo à Ladeira e à Ladeira do Mimoio e ficava entrincheirado entre estas e a rua da Tronqueira, que muito provavelmente dele houve nome. Assim, o lugar da Tronqueira fazia fronteira, a Sul, com a Fontinha e ia até ao Porto, ao estaleiro e ao Calhau Miúdo, lá para os lados do caminho que dava para a Ribeira das Casas, Covas e Ponta e constituía uma das zonas de terrenos muito férteis e produtivos. Melhores terras de cultivo, talvez só as do Estaleiro e as do Porto.

De acordo com a Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, a palavra “tronqueira” é um termo tipicamente açoriano. Trata-se de um nome ou substantivo comum com um duplo sentido: um real e outro figurado. No sentido real a palavra tronqueira significa uma “passagem estreita ordinária onde ficam os madeiros laterais de uma portada ou cancela”. Por sua vez e no sentido figurado a mesma palavra significa “os esteiros de madeira ligados por arame utilizados na vedação ou tapume de uma a cerca onde se encontra guardado o gado, nos sítios onde não existe parede ou muro em pedra”. Muito provavelmente que o nome próprio de Tronqueira, talvez atribuído, inicialmente, apenas a um lugar da Fajã Grande e depois originando o nome da rua que lhe ficava contígua, terá a ver com um ou outro destes significados e de certo que poderá ter neles a sua origem. Daqui se pode concluir que este nome dado àquele lugar terá tido a sua origem no facto de outrora ter havido por ali alguma ou algumas “tronqueiras” ou seja alguns tapumes ou mais concretamente cercas ou currais onde se guardava o gado ou simplesmente por ser o lugar, com semelhanças às portadas ou cancelas, por onde o gado passava, nas suas deslocações para as excelentes pastagens da Ribeira das Casas, das Covas e do Vale do Linho.

Mas o importante é que o topónimo, com tantos outros, nasceu, cresceu e ficou a assinalar um dos mais ricos e belos lugares da Fajã Grande. Rico sob o ponto de vista agrícola, pois como acima referi, era local de terras férteis e muito produtivos a darem duas ou três colheitas diferentes durante um ano, terras que, como então se dizia, não precisavam de descanso; belo porque visto do Mimoio ou da Ladeira proporcionava uma ampla e verdejante planície onde os campos divididos por harmónicas e bem delineadas paredes, entrelaçados por simétricos atalhos, com um ou outro “maroiço” aqui ou além e repletas de milho, de favas, ou de trevo, formavam, juntamente com o serpentear das casas branquinhas da rua homónima, um espectáculo deslumbrante e enternecedor.

Muito bem estiveram os nossos antepassados ao dar àquele lugar e àquela rua o interessante e gracioso nome de Tronqueira.

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publicado por picodavigia2 às 12:39

QUICHE

Terça-feira, 09.07.13

Quiche é um tipo de tarte de massa quebrada, feita com recheio à base de ovos batidos misturados com natas, ao qual se adicionam ingredientes diversos: pedacinhos de qualquer tipo de carne, enchidos, cogumelos, milho e outros legumes e que não leva cobertura. Geralmente a quiche faz-se com sobras de comida, que assim se aproveitam de forma excelente e saborosa. Na realidade a quiche, sobretudo a de carne, é um manjar muito apetecível e desejado.

Embora actualmente a quiche seja um prato tradicional da culinária francesa, sua origem é alemã, do reino medieval de Lothringen. Mais tarde os franceses o baptizaram de "Lorraine". A palavra quiche vem do alemão "kuchen", que significa "torta". A quiche Lorraine original, nasceu na França, no século XVI e era uma espécie de torta aberta, recheada com creme feito de leite e ovos, acrescida de bacon defumado. Somente, algum tempo depois, se foi acrescentado queijo à quiche Lorraine. Adicionando cebolas obtém-se a quiche alsaciana.

A quiche também se tornou muito popular na Inglaterra, logo após a Segunda Guerra Mundial e nos Estados Unidos, na década de 1950. Hoje pode-se encontrar uma grande variedade de quiches, em muitos restaurantes, dado que existem muitas variantes da quiche, sobretudo devido à variedade dos ingredientes que se colocam no recheio.

Por conter muitos elementos proibidos aos doentes que sofrem de insuficiência renal, sobretudo a gema do ovo e as natas, a quiche também está interdita a estes doentes. No entanto, se substituir as natas por um pouco de maizena desfeita em água e apenas se utilizar a clara do ovo e ingredientes permitidos a estes doentes, tais como carne de peito de peru ou peixe, legumes e pimentos, é possível fazer uma quiche, embora muito diferente daquela saborosíssima e apetitosa quiche, servido num restaurante da beira-rio, em Vila Nova de Gaia, patrocinado pela edilidade gaiense.

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publicado por picodavigia2 às 12:36

UM ANO DEPOIS

Sexta-feira, 05.07.13

Faz, hoje, seis de Julho de 2013, precisamente um ano que se reencontraram, em Angra, com rumo traçado ao velhinho Seminário Diocesano, cerca de meia centena de antigos alunos e dois professores, também eles outrora alunos, que, nos anos 50 e 60 do século passado, se entrincheiraram naquela que designaram por Santa Casa, e onde viveram, cresceram numa inequívoca e recíproca cumplicidade, construindo uma grande família, de tal modo firme e sólida que nem a imparável corrida do tempo ou contumaz lonjura do espaço haviam de destruir ou fazer desmoronar. Ali também fizeram, se não toda, pelo menos uma boa parte da sua formação académica e humana, pois foi naquela nobre Instituição de Ensino que receberam, para além do carinho e amizade de um punhado de sacerdotes exemplares e dedicados, uma aprendizagem profunda e abrangente da parte de uma equipa de professores sábios e competentes.

Com um programa diversificado e apelativo, sob uma impecável e acariciadora organização, capitaneada por um notável triunvirato - João Carlos Carreiro, Gualter Dâmaso e Carlos Sousa – e com uma plêiade de colaboradores entusiastas, espalhados por todas as ilhas, houve um verdadeiro reencontro, onde soaram trocas de abraços e afectos, onde se rebuscaram memórias e vivências, onde o tempo se converteu em diálogo e reflexão e onde até ressurgiram jogos, brincadeiras e sobretudo, comunicação, na qual a música foi rainha,

 Uns já lá estavam, outros vieram de perto e alguns de longe, de muito longe, mas todos chegaram galvanizados por uma amizade inequívoca e por um estranho sentimento, por uma seminariedade, uma espécie de filha predilecta daquela açorianidade que Nemésio desencantou e que tanto propalou e que o professor Vamberto Freitas, em artigo publicado no último número da revista da SATA, muito bem explicou, afirmando que esta nossa açorianidade não tem a ver com passaportes e fronteiras mas com os que connosco partilham o destino de uma vida em perpétua busca do pão e da realização, o sonho em viagem sem fim.

Foi esta açorianidade, tão exclusivamente nossa, que arrastou, empolgou, uniu, congregou e, consequentemente, apesar de já passado um ano, deixou ecos bem sonoros e imagens bem visíveis, que ainda hoje, por certo, perduram no coração e na memória de todos aqueles que durante três dias trocaram abraços, se encharcaram de emoções, se envolveram em recordações e recriaram a inequívoca proximidade das suas vivências de outrora. Do programa elaborado pela equipa coordenadora, ressaltaram momentos importantes e inesquecíveis, como a recepção e o acolhimento no Hotel Angra, a visita ao Seminário, situado na rua do Palácio, a apresentação de fotos, textos e testemunhos e o convívio durante as refeições, com destaque para o jantar do primeiro dia, precisamente no refeitório do Seminário, nas mesas, nos bancos, onde se sentaram durante doze anos.

Mas cada dia era melhor do que o anterior e assim aconteceu com o segundo, dedicado à recriação, à reflexão, com um passeio pelas ruas de Angra, por onde outrora nas tardes de quintas e domingos, transitavam, com destino ao Monte Brasil, ao Relvão, Pátio da Alfandega e Jardim da Cidade. Mas foi à noite, que teve lugar o epicentro do encontro - a realização duma espécie de réplica dos Saraus Musico-Literários, de outrora que, por altura da festa de São Tomas de Aquino enchiam o Salão Nobre do Seminário e se repercutiam, através do RCA pelas nove ilhas açorianas.

Passado um ano, todas estas vivências nos regressam à memória, congregando-nos, cada vez mais numa enorme família que, apesar das distâncias do tempo e do espaço, cada vez parece mais unida e envolvente. E o Facebook, inequivocamente, tem aqui uma boa parte de responsabilidade.

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publicado por picodavigia2 às 22:54

SWAP

Quinta-feira, 04.07.13

A Export Tudkepod Campanny é uma empresa portuguesa cuja actividade é a exportação de alguns produtos nacionais: galochas de homem e senhora, ferraduras de cavalo, ganchos para a apanha de cracas, pinhas para acender lareiras, calços de janela, pinças para depilação, pegas para tachos, atacadores, palitos, copos de plástico etc e que optou por ter as suas receitas, em dólares e as dívidas em euros, corrigidas umas e outras por juros pós-fixados. Esta empresa quer trocar o "risco cambial" (relativo à variação do dólar) pelo "risco de juros pós-fixados", ou seja, seu objectivo no contrato de swap é de se proteger contra riscos cambiais, conseguindo, obviamente, ganhos mais elevados.

Por sua vez a empresa chinesa Chó Peg Chui é uma empresa retalhista, estabelecida há alguns anos em Portugal, e que tem como objectivo importar produtos chineses, a fim de os vender no nosso país, tais como, bonés, calções de praia e biquínis, soutiens e cuecas senhora, pastilhas elásticas, balões, carrinhos, isqueiros, portas chaves, guarda-chuvas, pisa-papéis etc. Ao contrário da Export Tudkepod, esta empresa optou por ter as dívidas atreladas ao dólar e as receitas, em euros, que assim são aplicadas no mercado e remuneradas a uma taxa de juros. pós-fixada. Esta empresa quer justamente o oposto acima referida: trocar seu risco referente à variação da taxa de juros pelo risco cambial.

As duas empresas optaram por estabelecer um contrato recíproco, com intermediação de uma instituição financeira, para fazer a troca swap Save waste and prosper, ou seja uma "permuta" de operações em que há troca de posições quanto ao risco e rentabilidade, pois o objectivo deste negociate é proteger ambas as empresas de uma eventual escalada das taxas de juro.

O "Swap" ou “troca” é uma transacção financeira em que duas partes concordam em trocar fluxos de pagamentos ao longo de um período, de acordo com uma regra predeterminada. Uma "swap" geralmente é utilizada para transformar a exposição (risco) de mercado associada a um empréstimo ou obrigação realizados com base numa moeda ou taxa de câmbio (termos fixos ou taxa flutuante) para outra

É assim que um leigo em finanças, entende o que é um swap, mas interroga-se, permanentemente: Para além das empresas, acima referidas quem mais beneficia e quem é prejudicado pelos contractos swaps?

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publicado por picodavigia2 às 23:26

RITINHA

Quarta-feira, 03.07.13

No início de um novo ano lectivo, caldeada com matulões de ar vadio e entrelaçada entre moçoilas empavesadas, entrou-me pela sala dentro uma pequerrucha, que a muito custo se ia libertando de atropelos e repelões mas que ultrapassava com denodo e subtileza os obstáculos babélicos, subjacentes à primeiro entrada em tão desconhecida destinação.

A Ritinha – assim chamavam à sirigaita - era na realidade tão pequena que, quando sentada, acima do tampo da carteira se lhe divisava apenas o rosto azevieiro, apoiado em ambas as faces por umas mãozitas, dispostas em forma de concha, muito branquinhas e maneiras, enquanto as pernas balouçavam exageradamente em frustradas e improfícuas tentativas de chegar ao chão.

Mas não era apenas o tamanho que a diferenciava dos restantes. Cedo me apercebi que em perspicácia e inteligência era das maiores. Rosto esbranquiçado e franzino, cabelo muito negro e ondulado, com duas madeixas a destaparem uns olhitos muito escuros, muito atentos e afeitos, consubstanciava a um interesse e atenção permanentes uma gigantesca capacidade de aprender e uma desmesurada apetência de estudar.

Talvez porque sentisse que sendo a mais pequena necessitaria de maior protecção, talvez pelo seu ar angélico e doce, talvez pela ternura que transparecia do seu olhar e da firmeza que trazia nas suas atitudes, talvez por isto e por aquilo, afeiçoei-me excessivamente a ela, gerando-se entre nós uma amizade recíproca, uma consideração mútua e uma estima emparelhada. A garota perdia-se e achava-se por estar a meu lado e conversar comigo. Tal enlevo provocou-lhe o hábito de todos os dias, terminada a aula, enquanto preenchia o sumário, assinava o ponto ou arrumava a pasta, vir ela, ansiosa e expectante, postar-se junto à minha secretária, em bicos de pés e, com um misto de vergonha e à vontade, extravasar:

- Professor, hoje tenho uma coisa para lhe dizer – e todos os dias trazia algo de novo, de diferente, sob a forma de notícia, que necessariamente partilhava comigo. Desde o gato que lhe tinha arranhado a cara até ao Satisfaz Plenamente que tirara em Inglês, passando pelo filho da vizinha que fora tomar uma vacina e gritara imenso ou por um rapaz do 6º I que lhe deitara a língua de fora. Tudo, mas mesmo tudo, me caía em catadupa sobre a mesa.

Ouvia-a com atenção, carinho e enlevo, pese embora muitas vezes me atrasasse excessivamente. E não é que me habituei de tal modo à bisbilhotice da pequerrucha que por nada deste mundo trocava tão denodado contubérnio!

Certo dia a Ritinha aproximou-se mais tímida e hesitante do que nunca. De imediato cuidei que algo de estranho a tivesse contrariado. Mas não. A novidade lá estava e saiu jactante e convicta:

- Professor, hoje tenho para lhe dizer…  que nada tenho para lhe dizer.

 

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publicado por picodavigia2 às 16:41

EU SOU DO MAR

Quarta-feira, 03.07.13

(POEMA DE PEDRO DA SILVEIRA)

Água: mar: lonjura...

Sangue e força

da vida!

Meu caminho às avessas,

Desaguado na terra.

 

Não reneguei.

Hei-de tornar!

 

 Pedro da Silveira

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publicado por picodavigia2 às 15:47

A PEQUENA VENDEDORA DE FÓSFOROS

Quarta-feira, 03.07.13

(UM CONTO DE HANS CHRISTIAN ANDERSEN)

 

Fazia um frio terrível; caía a neve e estava quase escuro; a noite descia: a última noite do ano. Em meio ao frio e à escuridão uma pobre menininha, de pés no chão e cabeça descoberta, caminhava pelas ruas.

Quando saiu de casa trazia chinelos; mas de nada adiantavam, eram chinelos tão grandes para seus pequenos pzinhos, eram os antigos chinelos de sua mãe.

A menininha os perdera quando escorregara na estrada, onde duas carruagens passaram terrivelmente depressa, sacolejando.

Um dos chinelos não mais foi encontrado, e um menino se apoderara do outro e fugira correndo.

Depois disso a menininha caminhou de pés nus – já vermelhos e roxos de frio.

Dentro de um velho avental carregava alguns fósforos, e um feixinho deles na mão.

Ninguém lhe comprara nenhum naquele dia, e ela não ganhara sequer um níquel.

Tremendo de frio e fome, lá ia quase de rastos a pobre menina, verdadeira imagem da miséria!

Os flocos de neve lhe cobriam os longos cabelos, que lhe caíam sobre o pescoço em lindos cachos; mas agora ela não pensava nisso.

Luzes brilhavam em todas as janelas, e enchia o ar um delicioso cheiro de ganso assado, pois era véspera de Ano-Novo.

Sim: nisso ela pensava!

Numa esquina formada por duas casas, uma das quais avançava mais que a outra, a menininha ficou sentada; levantara os pés, mas sentia um frio ainda maior.

Não ousava voltar para casa sem vender sequer um fósforo e, portanto sem levar um único tostão.

O pai naturalmente a espancaria e, além disso, em casa fazia frio, pois nada tinham como abrigo, exceto um telhado onde o vento assobiava através das frinchas maiores, tapadas com palha e trapos.

Suas mãozinhas estavam duras de frio.

Ah! bem que um fósforo lhe faria bem, se ela pudesse tirar só um do embrulho, riscá-lo na parede e aquecer as mãos à sua luz!

Tirou um: trec! O fósforo lançou faíscas, acendeu-se.

Era uma cálida chama luminosa; parecia uma vela pequenina quando ela o abrigou na mão em concha…

Que luz maravilhosa!

Com aquela chama acesa a menininha imaginava que estava sentada diante de um grande fogão polido, com lustrosa base de cobre, assim como a coifa.

Como o fogo ardia! Como era confortável!

Mas a pequenina chama se apagou, o fogão desapareceu, e ficaram-lhe na mão apenas os restos do fósforo queimado.

Riscou um segundo fósforo.

Ele ardeu, e quando a sua luz caiu em cheio na parede ela se tornou transparente como um véu de gaze, e a menininha pôde enxergar a sala do outro lado. Na mesa se estendia uma toalha branca como a neve e sobre ela havia um brilhante serviço de jantar. O ganso assado fumegava maravilhosamente, recheado de maçãs e ameixas pretas. Ainda mais maravilhoso era ver o ganso saltar da travessa e sair bamboleando em sua direção, com a faca e o garfo espetados no peito!

Então o fósforo se apagou, deixando à sua frente apenas a parede áspera, úmida e fria.

Acendeu outro fósforo, e se viu sentada debaixo de uma linda árvore de Natal. Era maior e mais enfeitada do que a árvore que tinha visto pela porta de vidro do rico negociante.

Milhares de velas ardiam nos verdes ramos, e cartões coloridos, iguais aos que se vêem nas papelarias, estavam voltados para ela. A menininha espichou a mão para os cartões, mas nisso o fósforo apagou-se. As luzes do Natal subiam mais altas. Ela as via como se fossem estrelas no céu: uma delas caiu, formando um longo rastilho de fogo.

“Alguém está morrendo”, pensou a menininha, pois sua vovozinha, a única pessoa que amara e que agora estava morta, lhe dissera que quando uma estrela cala, uma alma subia para Deus.

Ela riscou outro fósforo na parede; ele se acendeu e, à sua luz, a avozinha da menina apareceu clara e luminosa, muito linda e terna.

 - Vovó! – exclamou a criança.

 - Oh! leva-me contigo!

Sei que desaparecerás quando o fósforo se apagar!

Dissipar-te-ás, como as cálidas chamas do fogo, a comida fumegante e a grande e maravilhosa árvore de Natal!

E rapidamente acendeu todo o feixe de fósforos, pois queria reter diante da vista sua querida vovó. E os fósforos brilhavam com tanto fulgor que iluminavam mais que a luz do dia. Sua avó nunca lhe parecera grande e tão bela. Tornou a menininha nos braços, e ambas voaram em luminosidade e alegria acima da terra, subindo cada vez mais alto para onde não havia frio nem fome nem preocupações – subindo para Deus.

Mas na esquina das duas casas, encostada na parede, ficou sentada a pobre menininha de rosadas faces e boca sorridente, que a morte enregelara na derradeira noite do ano velho.

O sol do novo ano se levantou sobre um pequeno cadáver.

A criança lá ficou, paralisada, um feixe inteiro de fósforos queimados. – Queria aquecer-se – diziam os passantes.

Porém, ninguém imaginava como era belo o que estavam vendo, nem a glória para onde ela se fora com a avó e a felicidade que sentia no dia do Ano­ Novo.”

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publicado por picodavigia2 às 15:29

O ESPIRRO

Quarta-feira, 03.07.13

(CONTO POPULAR DA FAJÃ GRANDE)

 

O conto que a seguir transcrevo era um daqueles que ouvi tantas e tantas vezes em criança e do qual me havia, parcialmente, esquecido. Em boa hora o recolheu, entre 1941 e 1951, Pedro da Silveira, o mais ilustre fajãgrandense de sempre, poeta, crítico literário e investigador quer a nível da escrita quer a nível da tradição oral, o recolheu e divulgou esta preciosidade, publicando-o na Nova Série da Revista Lusitana, nº 7, 1968, permitindo-me assim avivá-lo na memória de quantos, como eu, o ouviram e dá-lo a conhecer.

Pedro da Silveira recolheu-se, na sua originalidade pura e simples, com modos, palavras e ditos utilizados, nas Flores. Transcrevo-o, aqui, tal qual como aquele etnógrafo o reproduziu, na sua forma original, com palavras e expressões então utilizadas na linguagem diária fajãgrandense e a que eu, tomei a liberdade, de acrescentar um pequeno e esclarecedor glossário.

 

“Era ua vez além dos más um casal, ele chomado Nicolau, ela já nã se sabe, só que era de mum mau génio, sempre a atazanar o pobrezito, que aquilo nunca se viu mulher de tã má pinga, nã havia nada que fazer com ela, sempre com tirapuxas, sempre a peleijar, na vizinhança nã na podiam ver nin pintada, era temivle, da pel’ do eiramá. Como o Nicolau a aturava todos se admiravam e por isso ainda más diziam bem dele, um home bem criade com toda a gente, e curzidozo como aí há poucos.

Pois vai um dia, mal o home chegou a casa, horas da ceia deveram de ser, por um coisa de nada os estraloiços e arrebate daquela bisca malina! A pontos que se desintinderam de todo, nem se sabe que ele teve que a malhar, só que a fim dua peleija que parecia vir tud’abaixo, assentaram devedir quanto tinham dentro in casa, cada um p´ra seu lado e sim más se falarem. E como só havia ua barra, o modo de também a devedirem foi por um tabuão pelo meio da cama debaixo arriba, quer-se dezer da tarje aos pés, e cada um a dormir de sua banda. E este amanho durou somanas e somanas, ua grandeza de tempo. O demonho da mulher bem se metia, ora braba ora más à mansa, dia in dia más mansa que brada, mas o Nicolau boca calada, nin ua nin duas, nã le dava troco.

E deu-se antão o caso que andando ele lá nos seus amanhos das terras apanhou ua molhadura e daí veio ua defluxama e uma tosse que o pobre levava o dia naquilo, o dia e a noite, a tossir e a ‘spirrar. Até que uma dessas noites, deitados cada um deles de sua banda da cama, o home deu um tal espirro que a mulher, agora já com pena dele, nã s’aguentou más e disse:

- Deus t’ajude, Nicolau.

Ele ainda quis fazer que nã tinha oivido, que aquilo nã era consigo, mas ao despous intindeu que já era bastante p’ra castigo dela, e Antão respondeu-le:

- Ó mulher, se é do coração tira-se já o tabuão.

E tiraram-no e quanto se sabe e deve ser vardade daí in diente nunca mais hoive inticas nin guerras entre os dous.”

 

Glossário: - Era uma vez além dos más – expressão usada no início dos contos.

                  - Nã – não.

                  - Mum – muito.

                  - Tã – tão.

                  - Temivle – temível.

- De tã má pinga – de tão mau carácter ou mau feitio.

- Tirapuxas – discussões.

- Da pel’ do eiramá – parecida com o diabo.

- Bem criade – educado.

- Curzidozo – perfeito no trabalho.

- Estraloiços – extravagâncias.

- Bisca malina – pessoa de mau feitio.

- A pontos que – a dada altura.

.- Dua – duma.

- Barra  - cama.

- Tarje – cabeceira da cama.

- Uma grandeza de – muitíssimo.

- Demonho – demónio.

- Defluxama – grande constipação.

- Inticas – intrigas.

 

 

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publicado por picodavigia2 às 00:35

O CAÇADOR

Terça-feira, 02.07.13

(EXCERTOS DE UM CONTO DE MIGUEL TORGA)

 

Trôpego, o Tafona já não chegava às perdizes da Cumieira. Por isso, arrastava-se até Pedralva e caçava de espera. Caíam rolas no cedo, uma lebre ou outra pelo ano adiante, e coelhos quase sempre. No defeso, fornecia a casa e a barriga sem fundo do compadre Frederico; no tempo da permissão, vendia-lhe a Joana Benta as caveças na Vila.

- Veja vossemecê... - dizia ele, a contratar o preço. - Eu sei lá!...

Com oitenta e cinco anos, a vida fora-lhe sempre estranha como se a não tivesse conhecido. Casara, tivera filhos, mas nada disso o tocara por dentro. Virgem e selvagem na alma, continuava a caçar, e só embrenhado entre giestas e urgueiras é que ouvia, se ouvia, os clamores da mulher e o ganido das crias.

Saía cedo, sempre supersticioso das menstruações da Camila, a vizinha do lado, que lhe mudavam a direcção do chumbo, e regressava altas horas da noite, colado ao granito das paredes, e assim escondido dos olhos curiosos da povoação.

- Por onde andaste?-

A pobre da Catarina, a princípio, ainda tentou encontrar naquele destino pontos de referência em que pudesse firmar-se. Mas as respostas vinham tão vagas, tão distantes, que se atirou às leiras e deixou o homem às carquejas. Não era que ele mesmo enredasse os caminhos e despistasse conscientemente a companheira. As peripécias da caça e a cegueira com que galgava os montes é que o impediam à noite de relatar o trajecto seguido. Se quisesse e soubesse dizer por que trilhos passara, falaria de veredas e carreiros que nunca conhecera, descobertos na ocasião pelo instinto dos pés e rasgados no meio de uma natureza cósmica, verde como uma alucinação, com alguns ramos vistos em pormenor, por neles pousar inquieto um pombo bravo ou se aninhar, disfarçada, uma perdiz. Às vezes até se admirava, ao regressar a casa, de tanta bruma e tanta luz lhe terem enchido simultaneamente os olhos. Serras a que trepara sem dar conta, abismos onde descera alheado, e um toco, um raio de sol, o rabo de um bicho, que todo o dia lhe ficavam na retina. É claro que nem sempre as horas eram assim. Algumas havia de perfeita consciência, em que nenhum pormenor da paisagem lhe escapava, as próprias pedras referenciadas, aqui de granito, ali de xisto. Mas, mesmo nessas ocasiões, qualquer coisa o fazia sonâmbulo do ambiente. Era tanta a beleza da solidão contemplada, despegava-se das serranias tanta calma e tanta vida, os horizontes pediam-lhe uma concentração tão forte dos sentidos e uma dispersão tão absoluta deles, que os olhos como que lhe abandonavam o corpo e se perdiam na imensidão. Simplesmente, essa diluição contínua que sofria no seio da natureza não excluía uma posse secreta de cada recanto do seu relevo. Uma espécie de percepção interior, de íntima comunhão de amante apaixonado, capaz de identificar o panasco de Alcaria pelo cheiro ou pelo tacto.

A caça fora a maneira de se encontrar com as forças elementares do mundo. E nenhuma razão conseguira pelos anos fora desviá-lo desse caminho. A meninice começara-lhe aos grilos e aos pardais, a juventude e a maior idade passara-as atrás de bichos de pêlo e pena, e agora, velho, as contas do seu rosário eram meia dúzia de cartuchos que, sentado, ia esvaziando no que aparecia. E a vida, a de todos os dias e de toda a gente, com lágrimas e alegrias, ambições e desalentos, ficara-lhe sempre ao lado, vestida de uma realidade que que não conseguia ver. A aldeia formigava de questões e de raivas, e ele coava- lhe apenas a agitação de longe, vendo-a fumegar na distância, ao anoitecer, e acariciando-a então num cansaço doce e contemplativo.

- Casou a Dulce...

- Ah, sim?...

Ouvira, de facto, imprecisamente, a voz do sino grande chegar repenicada e festiva ao Falição, mas o seu espírito não pudera nesse momento, nem podia agora, descer da nuvem de abstracção que o envolvia

- Muito bonita ia o demónio da rapariga!

Humana, mulher, a Catarina tentava chamá-lo a uma consciência que reanimasse fogueiras mortas, sonhos desfeitos. Nada. O pensamento dele não estava ali: perdia-se nos projectos do dia seguinte, já cheio do rumor alvoroçado do bando de perdizes que sabia ir levantar da cama ao romper da manhã.

- Morreu a Palhaça...

- Ah, morreu?

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publicado por picodavigia2 às 22:47

PEDRO LAUREANO MENDONÇA DA SILVEIRA

Terça-feira, 02.07.13

(TEXTO DA WIKIPÉDIA)

 

Pedro Laureano Mendonça da Silveira nasceu na Fajã Grande, a 5 de Setembro de 1922 e faleceu em Lisboa, em 2003, mais conhecido por Pedro da Silveira, foi um poeta, crítico literário e investigador, com vasta colaboração dispersa em periódicos e revistas. Fez parte do conselho de redacção da revista Seara Nova (até 1974) e é autor de várias obras de poesia e de recensão literária, estreando-se com o livro A Ilha e o Mundo (1953). É autor de duas antologias de poetas açorianos, a primeira das quais com um prefácio em que autonomiza a literatura deste arquipélago em relação a todas as outras literaturas de expressão lusófona. Integrou a comissão de gestão Biblioteca Nacional de Lisboa, da qual se aposentou como director dos Serviços de Investigação e de Actividades Culturais.

Depois de ter cursado as primeiras letras na sua freguesia natal, na costa oeste da ilha das Flores, período em que demonstrou a sua inteligência e interesse pelas letras, partiu para a Terceira, ilha onde completa sua formação básica e contacta com o corpus mais relevante da literatura lusófona do tempo.

A partir de 1945 transfere-se para Ponta Delgada, cidade onde integra o grupo intelectual que se formou em torno do jornal A Ilha, periódico no qual colabora assiduamente.

Em 1951 muda-se para Lisboa, cidade onde viveria o resto da sua vida. Aí começou por se empregar como delegado de propaganda médica, promovendo produtos farmacêuticos, ao mesmo tempo que inicia um percurso de estudo e investigação histórico-literária que o levaria a funcionário da Biblioteca Nacional, da qual se aposentou como director dos Serviços de Investigação e de Actividades Culturais.

Ao longo do seu percurso intelectual e profissional dedicou-se à crítica literária, à tradução, à criação poética e à investigação de temas da história e etnografia açorianas. Com opiniões pouco conformistas, entre as quais a defesa de um único concelho para a sua ilha natal, foi uma voz incómoda, em geral mal amada pelos poderes instituídos.

Foi um dos promotores da elaboração da Enciclopédia Açoriana, projecto que abraçou com grande entusiasmo. Participou ainda em múltiplos estudos relacionados com a cultura açoriana e em especial com a história e a etnografia da ilha das Flores.

A obra poética de Pedro da Silveira começou com A Ilha e o Mundo (1953) e Sinais de Oeste (1962) e prosseguiu com Corografias (1985) e Poemas Ausentes (1999). Publicou também o primeiro volume de Fui ao Mar Buscar Laranjas, um conjunto de vinte poemas inéditos, escritos entre 1942 e 1946, a que foi dado o subtítulo de Primeira Voz, assumindo ser a sua primeira produção poética. Urbano Bettencourt analisa assim a obra de Pedro da Silveira:1

 Em Pedro da Silveira, a fidelidade à ilha, a resposta poética ao seu apelo insistente, deu-nos a conhecer o pequeno mundo insular, (…) os seus acontecimentos à escala reduzida, nem por isso menos importantes do ponto de vista da afectividade e da relação humana. Mas isso não anulou o sentido de viagem, a abertura a novos espaços e escritas, numa salutar dinâmica entre o interior e o exterior, sinal de um espírito naturalmente inquieto e ávido de saber, sempre pronto a agarrar o mais pequeno acaso que lhe permitisse entrar em contacto com o outro lado, facto mais relevante ainda em tempo de comunicações escassas e difíceis

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publicado por picodavigia2 às 22:27

AO RITMO DA NATUREZA

Terça-feira, 02.07.13

O “Público” e o “Jornal de Notícias”, nas edições de dia 12 de Janeiro, de 2010, publicaram nos seus respectivos suplementos, uma revista exclusivamente dedicada aos Açores e intitulada “ Açores 2010 – Ritmo da Natureza”.

Embora referindo o arquipélago açoriano de uma forma global e analisando temas comuns à região, como a pesca, a observação de baleias, a vida subaquática, o iatismo, a beleza das paisagens, as festas, a gastronomia e o património natural e histórico, a referida revista dedica uma página a cada uma das ilhas, com excepção de S. Miguel que merece a honra de duas.

Na página referente à ilha das Flores, para além de várias fotos sobre algumas lagoas, a Rocha dos Bordões e o Poço da Alagoinha, esta com grande destaque, a revista faz uma breve mas objectiva referência à “beleza reflectida” da ilha e à sua paisagem natural “onde desponta o verde exuberante, entrecortado aqui e ali pelo azul das lagoas e das hortênsias.” Outro aspecto referenciado pela revista é o das inúmeras ribeiras e cascatas que descem pelas encostas, salientando a da Ribeira das Casas, na Fajã Grande, assim como o Poço do Bacalhau. Um outro aspecto não esquecido ao jornalista autor do texto são os trilhos pedestres, através dos quais é permitido aos visitantes observar singelas e indescritíveis paisagens, saborear a água fresca e natural que nasce por toda a parte e apreciar a fauna e, sobretudo, a interessantíssima flora da ilha das Flores.

 

Publicado no Pico da Vigia, em 17/01/10

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publicado por picodavigia2 às 09:44

ILHA DAS FLORES

Terça-feira, 02.07.13

De longe chegou-me mais este poema, sobre a “Ilha das Flores” escrito, segundo me informaram, por uma senhora de nome Lurdes Costa.

Quantos homens e mulheres terão cantado, na solidão do seu silêncio, as maravilhas da ilha das Flores, das suas freguesias, das suas ruas, atalhos, outeiros, montes, grotões e ribeiras…

 

“Voltei para juntar os meus pedaços,
Aliviar a alma dos cansaços,
Descansar nas tuas penedias
E acordar ao teu Sol, todos os dias.

Voltei, para beber de frescas fontes,
Correr alegremente pelos montes,
Escutar a tua voz, na maresia,
A segredar-me divina poesia.

Voltei…Meu coração, em alvoroço,
Palpita um segredo que é só nosso…
Porque preciso, hoje, saber de ti,
Voltei de novo amor, estou aqui.”

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publicado por picodavigia2 às 08:02

MELANCIA

Segunda-feira, 01.07.13

A melancia é uma fruta, para além de saborosíssima e muito apetecível, hidratante, diurética e depurativa e muito cultivada, aqui bem perto, na região do Vale do Sousa, nomeadamente, Paredes-Penafiel. Quem não gosta de um bom pedaço de melancia? Ela é tão docinha, susceptível, esbelta, saborosa, apetecível e muito saudável para o nosso organismo, pois possui muitas propriedades benéficas para a saúde humana, assim como elementos funcionais para o nosso organismo e, além disso, ajuda a prevenir e curar algumas doenças.

A melancia contém muitas e variadas vitaminas e alguns nutrientes muito funcionais, semelhantes aos que contém o tomate, que ajudam a prevenir o cancro da próstata. Além disso, a vermelhinha melancia possui minerais, como ferro, fósforo, cálcio, zinco e magnésio, que, também, são de extrema importância para o funcionamento de nosso organismo.

Assim, o consumo da melancia ajuda a evitar algumas enfermidades e a curar muitas outras. É um óptimo diurético, já que a sua composição, contém mais de 90% de água, o que é excelente para quem sofre de problemas renais, pressão alta, reumatismo e gota, sendo, também, aconselhável para dietas de emagrecimento.

O suco da melancia é excelente para limpar o estômago e o intestino, pois elimina o ácido úrico, ajuda no tratamento de acidez estomacal, bronquites crónicas e afecções de boca e garganta. O suco de melancia deve ser feito batendo a polpa com as sementes no liquidificador e depois coado e convém ser consumido, logo após ser feito.

As sementes da melancia são ricas em lipídios e, por conseguinte, usadas como diurético e vermífugo. Existe, entre o povo, uma espécie de mito, segundo o qual, as sementes da melancia, torradas, aliviam a dor, quando aplicadas sobre feridas.

O consumo de uma fatia de melancia por dia ajuda na eliminação de toxinas do organismo, auxilia no funcionamento dos rins, é refrescante. Mas doentes que sofrem de insuficiência renal, como eu, devem limitar-se a uma fatia por semana.

A melancia é considerada, justamente, a rainha das frutas de Verão. Leve, antioxidante e diurética, a melancia fornece água e minerais essenciais para o correcto funcionamento do nosso organismo, sobretudo durante o estio. É que, além de ser muito refrescante, uma vez que cerca de 90% da sua polpa é constituída por água, não engorda e é rica em vitaminas e minerais. A melancia é um diurético excelente, uma vez que reduz a retenção de líquidos e, também, tem propriedades depurativas, ajudando a eliminar substâncias residuais através da urina. Desta forma, é indicada para pessoas que sofrem de cálculos renais, ácido úrico elevado ou hipertensão.

Também se cuida que tem um efeito calmante sobre a mente e as emoções. Para potenciar esta acção, é aconselhável ingeri-la em sumo, separando as sementes. Se, para além disso, lhe juntar cerejas sem caroço, obtém-se um bom aliado para a pele e um método natural para combater o stress. Pena que a minha ração da belle fruit, para mim se tenha eclipsado, deixando um rasto ténue e suave, anexo a uma leve e supérflua esperança residual de apenas comer uma pequena fatia de melancia por semana.

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publicado por picodavigia2 às 15:54

O JOÃO GRANDE E O JOÃO PEQUENO

Segunda-feira, 01.07.13

Numa pequena freguesia viviam dois compadres muito amigos. Como ambos se chamavam “João”, o povo para os distinguir chamava ao mais alto e esguio João Grande, enquanto alcunhava o outro, por ser mais baixo e roliço, de João Pequeno. Cada qual vivia sozinho e cada qual tinha apenas por companhia a sua velha avó. Uma outra grande diferença, porém, os distinguia: é que o João Grande era muito rico e poderoso, pois para além de possuir uma boa casa, muito dinheiro e muitas terras tinha também muitos animais e, sobretudo muitos cavalos, dos quais gostava muito. Eram a menina dos seus olhos. Ao contrário o João Pequeno era muito pobre e possuía apenas uma pequena courela junto à sua humilde casa, onde, com a ajuda de um único cavalo, lá ia cultivando apenas o necessário para o seu sustento e o da sua avó. Dinheiro, nem vê-lo. No entanto, como eram grandes amigos, sempre que o João Pequeno necessitava de qualquer coisa ia ter com o compadre João Grande que de imediato lhe disponibilizava alimentos, cavalos para o trabalho ou até dinheiro.

Certo dia, ao pretender lavrar o pequeno e único campo que possuía junto de casa e cuidando que o não conseguiria fazer apenas com o seu cavalo, foi pedir emprestados alguns cavalos ao compadre João Grande. Este sem demoras cedeu-lhe quatro dos melhores cavalos que possuía.

O João Pequeno, todo contente, juntou-os ao seu e atrelou-os todos ao arado. Toca a lavrar o campo muito bem lavrado que as semeaduras querem a terra revolvida e fofa. Como os animais puxassem o arado com alguma lentidão, o João Pequeno incentivava-os a andar mais depressa, chicoteando-os ao de leve e dizendo:

- P’rá frente meus cinco cavalos!

O compadre João Grande passou por ali, parou, ouviu e não gostou rigorosamente nada. Como o compadre insistisse, repreendeu-o:

- Ó compadre, não fale assim com os animais. É que, bem vistas as coisas, apenas um dos cinco cavalos é seu. Os outros quatro são meus.

Mas o João Pequeno não lhe dava ouvidos e repetia constantemente com maior intensidade de voz:

- P’rá frente meus cinco cavalos!

O João Grande avisou mais uma vez, uma outra e mais uma outra, mas nada. O compadre permanecia na sua e repetia insistentemente, em altos gritos:

- P’rá frente meus cinco cavalos! P’rá frente meus cinco cavalos!

O João Grande perdeu a paciência. Saltou a parede, entrou no campo, forçou o compadre a parar o seu trabalho e, olhando de frente com um misto de zanga e raiva, ameaçou:

- Ó compadre, não volte a falar assim com os animais. Ouviu? Ouviu? Se o compadre repete essa maneira de tratar os animais retiro-lhe os meus e não acaba de lavrar o seu campo, nem de fazer as sementeiras.

Mas não o João Pequeno fez ouvidos de mercador, isto é, não ouviu nem quis ouvir, e continuou na sua, repetindo com um tom de voz cada vez mais elevado:

- P’rá frente meus cinco cavalos!

Uma mecha em palha não faria maior incêndio. Compadre João Grande enfureceu-se por completo. Agarrou o compadre João Pequeno pelo pescoço e como era muito valente, levantou-o ao ar duas e três vezes, sentenciando em altos berros:

- Mais uma vez, compadre, mais uma única vez e mato o seu cavalo! Ouviu bem? Uma única vez! Ouviu? Se o compadre repete essa conversa mais uma vez, mais uma só vez, terá o seu cavalo morto.

Apesar da terrível ameaça o compadre João Pequeno não alterou a forma de se dirigir aos cavalos e repetiu com um tom de voz altíssimo:

- P’rá frente meus cinco cavalos!

Ainda não tinha pronunciado a última palavra e o João Grande já tirara do bolso uma enorme navalha que trazia sempre consigo. Enfiando-a à socapa no pescoço do cavalo do João Pequeno deitou-o por terra. O pobre animal estremeceu, estremeceu, esticou as quatro patas e ficou inerte no chão, esvaindo-se numa enorme poça de sangue O João Grande retirou-se levando consigo os quatro cavalos que havia emprestado ao compadre.

Só então o João Pequeno caiu em si. É que nunca pensara que o compadre fosse capaz de tamanha barbaridade.

- E agora? O que será de mim, sem cavalo e com a terra por semear? – Murmurava, o João Pequeno, para os seus botões.

Sentou-se no chão, inclinou a cabeça sobre o arado e pensou, cogitou, magicou, matutou… mas nada. Algum tempo depois, decidiu tirar a pele ao seu cavalo, cuidando que a poderia vender e ganhar assim algum dinheiro. Mesmo sendo pouco daria para o seu sustento e da sua avó, durante uns dias. E depois? Bem, depois havia de se amanhar, com a ajuda de Deus.

Esfolou cuidadosamente o cavalo, enterrou o corpo no campo, secou a pele e meteu-a num saco, pondo-se de imediato a caminho, na mira de a vender.

Andou, um dia, dois dias e nada. Ao anoitecer do terceiro dia já estava cheio de fome e de sono e sem dinheiro. Bateu à porta da primeira casa que viu. Uma bela mulher recebeu-o e logo se apaixonou por ele. O marido não estava em casa e a mulher para conquistar o visitante, sabendo que ele estava cheio de fome, matou um galo, depenou-o, temperou-o e meteu-o no forno a assar, acompanhado de uma bela travessa de batatas.

Inesperadamente e enquanto os dois aguardavam que o galo assasse para iniciar o bródio, chegou o marido. A mulher ficou muito aflita e não quis de forma nenhuma que o consorte se apercebesse de que tinha assado, propositadamente, um galo para aquele desconhecido intruso. Por isso mentiu-lhe, dizendo que o homem tinha acabado de chegar e que estava cheio de fome pelo que ia preparar uma refeição para os três. Sentaram-se à mesa a comer cada qual uma simples tigela de leite com pão de milho esmiolado, acompanhada de um pedaço de queijo fresco.

O João Pequeno, porém, nunca deixava longe de si o saco com a pele do cavalo, por isso, enquanto comia, colocou-o debaixo da mesa. De vez em quando suspendia a refeição, dava um pontapé no saco, ordenando de forma simuladamente provocadora:

- Cala-te!

Daí a pouco, dando novo pontapé no saco, repetia:

- Cala-te! Já ouvi. Cala-te!

Como repetisse a cena várias vezes, o dono da casa começou a intrigar-se e não se contendo, perguntou:

- O que tem o senhor aí debaixo da mesa?

- Nada, nada, absolutamente nada – esclarecia o João Pequeno, simulando grande atrapalhação.

Mas como continuasse a dar pontapés no saco e a dizer “cala-te”, o dono da casa voltou a indagar:

- Desculpe amigo! Alguma coisa estranha o senhor tem aí? Gostava de saber o que é que o amigo tem dentro desse saco e que está continuamente a mandar calar.

Que não era nada de especial, que não podia dizer, que era um segredo. Lá se foi desculpando o João Pequeno. Mas o dono da casa, cada vez mais apreensivo e curioso da casa, foi taxativo:

- O senhor está em minha casa, por isso exijo que me explique o que tem debaixo da mesa.

O João Pequeno, muito a medo, lá foi explicando, dando sempre mostras de uma cada vez maior atrapalhação:

- Bem se assim o exige… Mas eu não posso… Eu não devo… Mas… Bem… Como o senhor é o dono da casa onde tenho sido tão bem tratado, sempre lhe vou dizer…

- Ora diga, diga! – Solicitava o dono da casa, cada vez mais curioso.

- Eu tenho aqui um animal, um animal muito especial. Mas muito especial, mesmo muito especial – esclarecia timidamente o João Pequeno. - Um animal misterioso. É que adivinha todos os meus desejos e concretiza-os de imediato. Tudo o que eu desejo, discretamente, claro, ele arranja-me logo.

O dono da casa nem queria acreditar. “Um animal misterioso em minha casa!”

Muito admirado, olhava para baixo da mesa, olhava para o João Pequeno e voltava a olhar para baixo da mesa.

- Então e o que adivinhou ele agora que o senhor deseja? – perguntava cada vez mais intrigado.

- Como ele sabe que eu agora gostava era comer um galo assado em vez desta tigela de sopas, está a dizer-me para ir ao forno, pois tem lá dento um galo assado, prontinho a comer, com batatas e tudo.

- Não pode ser! – Exclamou o dono da casa.

- Lá que pode, pode. Vá o senhor ver.

Levantou-se o homem, destapou o forno e qual não foi o seu espanto ao ver lá dentro um galo assado, acompanhado com umas batatinhas muito louras e apetitosas. De olhos esbugalhados, pegou na travessa, tirou-a do forno e, incrédulo, colocou-a em cima da mesa. Uma delícia! Comeram, voltaram a comer e por fim o homem pediu com ar autoritário:

- Tem o amigo que me vender esse animal.

- O quê!? Era o que faltava! Isso é que nunca! – Retorquiu o João Pequeno.

O homem insistia, insistia e o João Pequeno fazia-se cada vez mais rogado:

- Era o que faltava! Vender um animal destes! Nem todo o dinheiro do mundo o pagaria!... Então ia eu lá vender um animal que adivinha os meus desejos e, mais do que isso, me disponibiliza as formas de os concretizar.

Porém como a insistência do homem fosse cada vez maior, o João Pequeno a pouco e pouco foi cedendo ao ponto de aceitar a proposta do homem:

- Pois muito bem! Já que insiste tanto… Mas terá que ser por muito, muito dinheiro. Um saco cheio de moedas não o pagaria. Mas como é para o senhor que me tratou tão bem…

Negócio fechado. O homem dava-lhe um saco cheio de moedas e o animal era dele.

- Mas atenção, muita atenção – esclarecia o João Pequeno. – Não se esqueça de que nunca poderá abrir o saco para ver o animal. Se o fizer ele morre imediatamente.

O homem bateu à porta de vizinhos, parentes e amigos a pedir dinheiro emprestado. Depressa arranjou o dinheiro necessário para encher o saco.

Bicho para lá, dinheiro para cá e o João Pequeno regressou a casa podre de rico, que é como quem diz, carregado de dinheiro. Tratou da avó que durante a sua ausência definhara a olhos vistos e resolveu ir a casa do compadre João Grande pedir-lhe uma rasoira para medir as moedas e assim saber quantos alqueires de dinheiro tinha.

O João Grande, que já mostrara grande arrependimento pela malvadeza que fizera ao compadre, prontificou-se de imediato para lhe emprestar não só a rasoira mas tudo aquilo que o compadre precisasse. Mas pensou com os seus botões: “ Que irá este unhas-de-fome medir com a rasoira? É que este miserável não tem terras para produzir cereais, nem quintas para cultivar frutos, numa palavra, não tem onde cair morto!” Por isso, pretendendo saber o que ele iria medir, untou o interior da rasoira com graxa de porco para que no regresso trouxesse algo agarrado que lhe permitisse saber o que o pobretanas do compadre ia medir.

Foi-se o João Pequeno e regressou no dia seguinte devolvendo a rasoira que, para espanto do João Grande, trazia uma moeda colada no fundo.

- Mau! Mau! Então compadre, sem nada de seu, sem cavalo, sem terra semeada e anda a medir dinheiro aos alqueires?

Depois, em tom ameaçador, ordenou com firmeza:

- Sempre me vais dizer onde arranjaste tanto dinheiro? Caso contrário, dou cabo de ti.

Que não, que isso é que nunca e que era um segredo que não podia revelar. Tanto insistiu João Grande e tanto negou João Pequeno que aquele enfurecendo-se agarrou-o pelo pescoço e ameaçou:

- Ou dizes ou morres.

O João Pequeno, revelando sempre uma simulada relutância, lá foi dizendo que era um segredo mas que se ele o deixasse em paz lhe contaria. O compadre suspendeu as hostilidades e ele de imediato confessou:

- Pois foi muito simples, compadre. Não se lembra de matar o meu cavalo? Esfolei-o antes de o enterrar e fui vender a pele.

- E quanto te deram por ela?

- Um saco de dinheiro. Um grande saco cheio de moedas! Era tanto, tanto que nem consegui contá-lo por isso lhe vim pedir emprestada a rasoira para o medir.

O João Grande nem esperou mais um minuto. Foi ao estábulo e duma assentada matou os seus vinte cavalos dizendo de si para si: “Ora, ora! Se com a pele de um encheste um saco, eu com a peles destes encho vinte, bem cheiinhos. Ai se encho!.”

De seguida esfolou os cavalos, enterrou-os e pôs as vinte peles num carro. Em seguida dirigiu-se para a cidade mais próxima, cujas ruas percorreu durante dias e dias, apregoando com voz muito alta:

- Quem compra peles de cavalos? Quem compra peles de cavalos?

Mas vendê-las é que não! Nem uma! Além disso, a algazarra que fazia era enorme e o cheiro das peles nauseabundo. Chegou a tal ponto que as pessoas da cidade se fartaram de o ouvir, ainda por cima acompanhado daquele cheiro horroroso. Queixaram-se dele à polícia que, de imediato o prendeu durante alguns dias, por andar a perturbar a ordem pública.

Uma vez libertado, o João Grande regressou a casa furioso jurando a pés juntos que se havia de vingar do compadre maldito que mais uma vez o tinha enganado e ainda por cima originado que tivesse sido preso.

Dirigiu-se a casa do João Pequeno, sem passar pela sua, com denodadas intenções de lhe dar uma tareia que lhe havia de servir de lição para o resto da vida. Como o João Pequeno não estivesse em casa e o João Grande não pudesse conter a fúria, deu a tareia prometida na avó do compadre. A pobre mulherzinha que já era velha e doente ficou em tal estado de debilidade que pouco depois faleceu.

Quando o João Pequeno voltou para a casa e viu a avó morta ficou sem saber o que fazer. Vingar-se no compadre não podia porque ele era muito mais forte.

Resolveu então sentar a avó muito bem sentada num carrinho de mão, pintou-lhe a cara com pó-de-arroz para que não parecesse morta e começou a andar pela rua. Passado algum tempo parou o carro em frente de um botequim e entrou para beber um copo de vinho. Pagou dois copos: bebeu um e pediu ao empregado a fineza de servir o outro à sua avó, velhinha e doente que não podia andar e que estava sentadinha num carro, ali mesmo fora da porta.

O empregado acedeu e aproximou-se da velha com o copo para que esta bebesse. Mas a velha nem sim nem sopas, não bebia nem dizia nada, pese embora o empregado insistisse entusiasticamente. Tanto insistiu e a velha tanto não aceitou que o homem perdeu a paciência dando-lhe dois valentes bofetões. A velha caiu do carro e estatelou-se no caminho, enquanto o João Pequeno de mãos na cabeça, gritava:

- Ai! Ai! Que grande desgraça! Você matou minha avó!

O homem bem lhe pedia que se calasse para não ser preso mas o João Pequeno cada vez gritava mais alto e mostrava maior aflição. Tanto gritou e tanto ameaçou de o denunciar à polícia que o homem lhe prometeu uma enorme quantidade de dinheiro se ele lhe perdoasse e não fizesse queixa do sucedido.

O João Pequeno fez-se muito rogado. Que não havia dinheiro que pagasse a sua avó. Que era a sua única companhia. Que a amava muito. Que isto e que aquilo. Mas como o homem lhe suplicasse insistentemente acabou por aceitar. Foi sepultar a avó e regressou a casa de novo carregado de dinheiro.

Como fizera da primeira vez, foi pedir a rasoira ao compadre João Grande. Este voltou a untá-la com graxa, a fim de descobrir o que o compadre ia medir novamente. Quando o João Pequeno foi devolver a rasoira, ficou colada uma moeda no fundo, a qual voltou a despertar a curiosidade e o espanto do João Grande.

- Então não se lembra de matar a minha avó? Pois bem! – Esclareceu o João Pequeno. - Vendi-a morta e deram-me um grande saco de dinheiro por ela.

- “Então e eu não tenho também uma avó? E se a matasse? Vendia-a e ficava rico como ele.”

Se bem o pensou melhor o fez. Dois tabefes na avó, abafaram-na imediatamente. Colocou-a num carro, dirigiu-se de novo à cidade e começou a gritar pelas ruas:

- Quem compra uma mulher morta? Quem compra uma mulher morta?

Nem um dia! Nem uma manhã! Mal tinha dado a primeira volta à cidade e a polícia a prendê-lo. Desta vez a prisão foi muito mais demorada.

- “Deixa estar que mas vais pagar bem pagas. Quando daqui sair dou cabo de ti.” pensava o João Grande na prisão.

Saiu da cadeia algum tempo depois dirigindo-se, furibundo, a casa do João Pequeno.

- Desta vez não me escapas! Nunca mais me vais enganar.

Agarrou-o, meteu-o num saco, amarrou o saco muito bem amarrado e partiu com a intenção de o atirar ao rio.

Porém, como era muito religioso, ao passar por uma igreja parou para rezar e pedir perdão a Deus pelo acto que ia cometer. Pousou o saco à porta da igreja e entrou para fazer as suas orações.

Sentindo-se sozinho o João Pequeno começou a gritar mas de maneira a que o compadre não o ouvisse, lá dentro:

- Eu não quero casar com a filha do rei! Eu não quero casar com a filha do rei!

E voltava a repetir:

- Eu não quero casar com a filha do rei!

Um pastor que por ali passava com um enorme rebanho de ovelhas ouviu-o, parou e perguntou:

- O que estás a dizer?

O João Pequeno explicou que estava dentro daquele saco porque queriam obrigá-lo a casar com a filha do rei, mas não ele queria nem podia porque já era casado.

Então o pastor propôs-lhe de imediato uma troca:

- Eu desamarro o saco, tu sais, eu entro para o teu lugar, voltas a amarrar o saco,  ficas com o meu rebanho e eu vou casar com a filha do rei em vez de ti.

Se bem o disse melhor o fez. O pastor soltou o saco, o João Pequeno saiu cá para fora, o pastor meteu-se dentro do saco e o João Pequeno amarrou-o, de forma que o compadre não notasse nenhuma diferença.

Quando terminou a sua oração, o João Grande voltou a por o saco às costas, caminhando em direcção ao rio. O pastor bem perguntava:

- Quando é que caso com a filha do rei?

- Não demora muito. Vais casar já! – Respondia o João Grande.

Ao chegar junto do rio, amarrou uma enorme pedra ao saco e zumba, lá foi pedra, saco e pastor, tudo para o fundo do rio.

Pelo caminho, de regresso a casa cruza-se com um enorme rebanho. Qual não foi o seu espanto ao verificar que o pastor que o conduzia era, sem tirar nem por, o compadre João Pequeno que acabara de atirar ao rio.

- Tu por aqui!? Com todas estas ovelhas!? Ainda há pouco te atirei ao rio…

- E atiraste muito bem – retorquiu o João Pequeno. – Foi um grande favor que me fizeste. Se não me tinhas atirado não teria agora todas estas ovelhas que apanhei lá bem no fundo do rio.

- E há mais ovelhas lá? – Perguntou avidamente o João Grande.

- Se há! São às centenas, aos milhares. Eu não trouxe mais porque não quis. Mas já me arrependi. Devia ter trazido muitas mais. Se me atirasses novamente era capaz de trazer outras tantas como estas.

- Essa sorte não tens tu – respondeu de imediato o João Grande. - Quem vai buscar todas as outras que lá estão, sou eu.

Voltou costas, correu para junto do rio enquanto o compadre gritava:

- Na parte mais funda, compadre! Na parte mais funda do rio é que há muitas.

O João Grande ávido de riqueza e de bens, ao chegar junto do rio, procurou a parte mais funda e de um pulo atirou-se e de lá nunca mais saiu, enquanto o João Pequeno viveu feliz por muitos e muitos anos, pastoreando as suas ovelhas.

 

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publicado por picodavigia2 às 14:04

NECTARINA

Segunda-feira, 01.07.13

Não a conheci na minha juventude, nem, muito menos, na infância, simplesmente, porque não existia, nem era cultivada nos Açores, esta deliciosa e agradável espécie de fruta, com aspecto e sabor muito próximos do pêssego.

Na realidade, a nectarina é uma variedade de pêssego, apresentando-se, exteriormente, de pele lisa, brilhante, sem pêlos e de caroço livre. Embora seja bastante cultivada e difundida, em muitas regiões, incluindo o Vale do Sousa e Mesio, a crença mais comum sobre a sua origem é de que a nectarina, muito provavelmente, seja uma fruta desenvolvida, em laboratório, resultante de uma espécie de combinação genética ou enxerto, do pêssego com da ameixa. A nectarina, na realidade, apresenta-se como uma espécie de mutação do pêssego, causada por um gene recessivo. É uma planta de clima temperado, sendo, hoje, a sua produção, economicamente, muito viável e rentável.

Em termos alimentares, a nectarina, mesmo a pacense e francesa, é rica em vitaminas e potássio, o que lhe confere um papel importante na protecção da vista, na conservação da saúde da pele e, também se crê que auxilia o crescimento. As vitaminas que a nectarina possui, são bastante importantes para o nosso organismo, pois actuam, juntamente com outras substâncias, no processo digestivo e, além disso, estimulam o apetite, proporcionam resistência aos tecidos e eliminam certos vírus e algumas infecções.

A nectarina também é muito digestiva, diurética e pouco calórica, sendo a sua polpa rica em bioflavonóides e carotenóides, pigmentos vegetais antioxidantes que ajudam a proteger contra o cancro e outras doenças, reduzindo os danos causados às células pela queima do oxigénio no organismo. Por sua vez, a casca, muito brilhante e fofinha, contém fibra insolúvel, que ajuda a prevenir a prisão de ventre. Por tudo isto, a nectarina pode auxiliar nalgumas dietas de rejuvenescimento, não sendo recomendada para pessoas com intestino delicado, nem para doentes com insuficiência renal, pelo que esta bela, saborosa e apetecível fruta, com um excelente aroma, está, radical e absolutamente, afastada dos meus cardápios e menus.

A melhor nectarina é aquela que têm coloração amarelada ou alaranjada, entre as áreas vermelhas e, assim como o pêssego, deve comer-se bem madurinha.

 

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publicado por picodavigia2 às 10:51

ENCONTRO DE ALUNOS DO SEA

Segunda-feira, 01.07.13

Nos próximos dias 6, 7 e 8, reencontrar-se-ão, em Angra, cerca de meia centena de antigos alunos que nos anos 50 e 60, do século passado, frequentaram e fizeram, se não toda, pelo menos uma boa parte da sua formação académica e humana naquela prestigiosa instituição de ensino. O programa desta espécie de congresso é o seguinte:

1.º Dia - 6 de Julho - REAPRESENTAR E RECORDAR:

14.45 - Recepção e acolhimento no Hotel Angra.

15.00 - Partida para o Seminário, na rua Duque de Palmela

16.00 - Visita ao Seminário – Recordar: 1º Forum - apresentação dos participantes.

20.00  -   Jantar  -  Hotel Angra

21.30  -   Continuação  -  Recordar – Preparação/Ensaio do Sarau Músico Literário

2.º Dia  - 7 de Julho - RECRIAR E REFLECTIR:

9.00 - Recriar os passeios até ao Relvão, Pátio da Alfandega e Jardim da Cidade. Regresso ao Seminário pela Rua do Marquês.

11.00 - Recriar o jogo de Futebol – Jogo histórico de futebol.

13.00 - Almoço

15.00 - Reentrada no Seminário – Reflectir: - 2.º Fórum - No salão dos médios - actual salão de festas:

1.ª intervenção - Dr. Álvaro Monjardino -  A influência da Instituição (SEA) na cidade de Angra  e na Região  Açores, nas décadas de 50 e 60.

2.ª intervenção - Dr. Artur Cunha de Oliveira - O concílio Vaticano II e a reacção da Igreja Açoriana na década de 60.

Debate

19.00  -  Jantar

21.30 -  Recriar  Sarau Musico Literário, no salão dos médios-atual salão de festas.

Recriação do Sarau Musico-Literário:

 - Cânticos de orfeão

 - 3.ª intervenção -  O papel da Música na formação dos alunos nas décadas de 50 e 60 - abordagem histórica.

  - Poesias e jogral .

3.º Dia 8 de Julho - HOMENAGEAR

10.00 – Homenagear

- 3.º Fórum - No salão dos médios - actual salão de festas:

1.ª parte -  Homenagem à Instituição,  aos professores e alunos .

2.ª parte  - Memória de todos os falecidos - referindo os nomes de todos os que se conhecem, que já partiram para a eternidade .

13.00 - Almoço   

15.00 - Passeio pela Ilha: Monte – São Sebastião – Serreta – Praia da Vitória – Santa Bárbara

20.00 -   Jantar – Convívio.

 

Texto publicado no Pico da Vigia em em 04/07/12

 

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