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A ASSENTADORA DO LEITE

Domingo, 01.09.13

Quando o velho Pineira informou a Cooperativa de que cessava as suas funções como “desnatador” da Máquina de Baixo, depressa se empolgaram os responsáveis da Cooperativa, na pesquisa de alguém que o substituísse. A máquina de desnatar leite não podia parar! Mas não foi fácil, encontrar alguém disponível. A uns faltava tempo, a outros força e engenho, pelo que, os contactos iam, sucessivamente, saindo frustrados. Todos se recusavam. É que o “desnatador” do leite tinha que estar ali, a dar à manivela, umas boas duas horas seguidas de manhã e outras tantas à tarde e disponibilizar mais uma boa meia hora, para desmontar e lavar toda aquela maquinaria. Precisava-se, pois, de bons braços, de muito tempo disponível e de uma paciência esmagadora. Além disso, era necessário, ter na família, alguém de confiança, astuto em contas e hábil na escrita, que assentasse o leite.  

Bateram a várias portas, mas todos se recusaram. É verdade que era uma maneira de se ganhar algum dinheiro, pois a Cooperativa pagava sempre a todos os seus trabalhadores. Mas uns não tinham tempo – o gado e as terras não davam tréguas – outros já não tinham braços e a maioria nem sequer tinha alguém que fizesse os registos.

A última porta a que demandaram foi à do José Manso. Braços, tinha ele que valiam por quatro! Tempo, é verdade que não tinha muito, mas arranjava-se sempre algum e se fosse para trazer dinheiro para casa, ainda melhor. Então não andava ele, de vez em quando, a dar dias para fora, a trabalhar para outros, para ganhar algum!? Sendo assim, menos uns dias ou horas que desse na agricultura e o dinheiro estava garantido. O pior, interrogava-se o Manso, coçando a cabeça com ambas as mãos, o pior é que não tinha quem medisse e assentasse o leite… A mulher, sempre em casa, a lavar, a cozinhar e a tratar dos pimpolhos mais pequenos. Além disso não sabia escrever, nem muito menos fazer contas. Meter uma pessoa estranha, era o diabo e não seria de confiar.

A única alternativa que lhe sobrava era a filha mais velha, a Elisa, já uma mulherzinha, quase a sair da escola, muito hábil na escrita e capaz de fazer contas de qualquer uma das quatro operações e até de lhes tirar a prova dos nove. Que sim, que estavam plenamente de acordo, que era uma questão da “piquena” ver uns mapas de registo e havia de crescer e habituar-se. Dentro em breve, tudo faria com facilidade.

Acertaram-se os honorários e, no primeiro dia do mês seguinte, foi o Manso que, muito orgulhoso, abriu a porta da Máquina, montou toda aquela engenharia e, de seguida, pôs-se cá fora, de búzio em riste – bouuuuu, bouuuuu - como sempre fizera o seu antecessor, a fim de anunciar a toda a freguesia que podiam trazer o leite, pois a Máquina já estava aberta. Lá dentro, a filha, a Eliza, muito nervosa, agarrada a uma grande placa de madeira, sobre a qual prendera, com molas de roupa, uma enorme folha de papel. Do lado esquerdo da folha e, ordenados alfabeticamente, os nomes dos fornecedores de leite. Na coluna superior e por cima dos números ordenados, de um a trinta, o mês, a que ela com a sua caligrafia elegante e redondinha, acrescentou, de imediato – Junho. Por baixo de cada número, duas colunas, encimadas, uma pela letra M e a outra por um T. Na primeira registaria o leite da manhã, na segunda, o da tarde. Depois… Bem, depois era só fazer contas.

Enquanto o pai colocava o búzio numa prateleira, Eliza ia simulando registar, numa espécie de treino, na coluna apropriada, um número fictício, enquanto traulitava em voz baixa;

- João Joaquim Fagundes Júnior – e seguindo com o dedo na largura da folha - dia 14: de manhã, 16 e de tarde, 12. – A soma, na outra extremidade da folha, dava um total de 28. Tudo muito fácil, sim senhor. Somar o total dos dias do mês, é que era mais complicado… Mas havia de lá chegar.

Não demorou muitos dias. O leite caía no balde em catadupa, enfiava-lhe a varinha medidora dividida e zumba! Era só registar na folha, no espaço adequado; 12, 10, 7, 15, 8…etc.

Depressa cresceu Eliza e se afeiçoou à tarefa que por nada deste mundo havia de abandonar. Ao mesmo tempo explodia em beleza, exorbitava-se em elegância, aspergia ternura e sublimidade, despoletando em quantos ali levavam o leite os mais díspares sentimentos: nos homens anseios lascivos e desejos reprimidos, nas mulheres invejas brejeiras e mexericos vexatórios.

Mais se empolgou Eliza quando, certa tarde, viu entrar porta dentro o Tónio do Eiras. O rapaz andava a estudar no Faial e agora passava as férias na Fajã, ajudando os pais nas lides agrárias e na criação do gado. Conhecia-o de pequeno, mas agora estava diferente e ela também. Um e outro, ao crescer, haviam-se transformado por completo. Ele, um rapagão, robusto, enternecedor, meigo e afectuoso, a espargir flagrância e a emanar uma sedução dulcificante. Ela elegante, bela, sublime, como se fosse uma deusa, de formas airosas e atraentes, cândida de costumes, a irradiar fascinação, a evolar-se numa doce aquiescência e a expelir uma pulcritude ímpar e singular.

Entrou, pois, o Tónio, carregando duas pesadas latas a abarrotar de leite. Ao chegar a sua vez, aproximou-se do balde contíguo à desnatadeira e, ao mesmo tempo que se inclinava para vazar o leite no respectivo recipiente, Eliza também se curvava, a fim de ali colocar a varinha medidora. Foi então que, num estranho murmúrio de silêncio e de dramatismo, se deu conta, Eliza, de uma tamanha tremulação e de um inusitado suspiro por parte do rapaz, quando os seus rostos quase se colaram um no outro, como se fossem beijar-se. Estranhamente, aquele suspiro, espontâneo e emotivo do Tónio, também despertou nela um inebriante delírio, símbolo duma ânsia incompreensível e inexplicável. Nos dias seguintes não o tirava do pensamento. Se ele estava perto, tímida e amedrontada, com medo de se revelar, desejava-o longe, se ele estava longe, desejosa, languescida e temerosa de o perder, queria-o o perto e desejava-o ainda mais. Aguardava, sufocante, a sua chegada, fascinava-se, cada vez mais, com a sua presença e arrebatava-se com o seu olhar. Tinha-o presente, no pensamento, dia e noite. Numa palavra: amava-o de verdade.

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publicado por picodavigia2 às 11:01

O TRANCÃO

Domingo, 01.09.13

Integrar o elenco das companhas dos botes da baleia na Fajã Grande não era tarefa fácil, nem qualquer um conseguia tal desiderato. Era necessário possuir a arte, a perícia e o engenho de andar no mar, era imperioso ter força e desimpedimento para remar, exigia-se cédula ou carta de marítimo que não era passada a qualquer um – só depois de prestadas as devidas provas - e, além disso, os candidatos eram muitos e as vagas poucas, uma vez que os lugares de marinheiro dos dois únicos botes e da lancha ancorados na Fajã estavam, sistematicamente, preenchidos, época após época. Mas integrar o elenco baleeiro fajãgrandense com a arrojada, dificultosa e destemida função de trancador, era ainda muito mais difícil, para não dizer quase impossível. Para a maioria dos candidatos que a ela aspiravam, não passava de um sonho efémero ou de um desejo esvanecido. É que o Francisco Inácio e o Urbano estavam ali para durar! Não havia concorrente que os destituísse.

O trancador de baleias, que em pé, à proa do bote, à espera de atirar certo e seguro o arpão ao primeiro cetáceo que lhe aparecesse pela frente, tinha que ser forte, destemido, ágil e dotado de excelente pontaria. Acertar à primeira na baleia e acompanhá-la na corrida desenfreada, louca e acelerada que a dita cuja encetava, logo após ser arpoada, era tarefa arrojadíssima, extremamente arriscada e muito perigosa. Apesar de tudo, muitos rapazes sonhavam com ela, pretendendo assim imitar e seguir as pisadas dos dois melhores trancadores de sempre da Fajã Grande: o Francisco Inácio e o Urbano Fagundes.

Alto, esguio mas bastante desajeitado José, como muitos outros da sua idade, sonhou com a pesca à baleia. E sonhou não apenas ser baleeiro. Sonhou mais, muito mais. Sonhou ser trancador. Era safar-se de andar dia e noite agarrado à enxada e ao sacho, libertar-se de percorrer caminhos e veredas atrás das vacas, acarretar molhos e cestos às costas, tirar esterco e despejar a poça, numa palavra era abandonar o árduo e quotidiano trabalho agrícola, quase de escravo, para se dedicar a uma profissão digna, nobre e grandiosa – trancador de baleias.

Consciente das suas limitações, mas convicto das suas possibilidades, José entendeu que era preciso treinar. “Treinar muito” – ouvira ele vezes sem conta. Pois então! Se treinasse, se treinasse muito… seria contratado. Talvez o Francisco Inácio com uma boa junta de bois a dar dias para fora, mais hoje, mais amanhã, abandonasse aquela nobre e arriscadíssima tarefa. Seria ele, José, a suceder-lhe… “É preciso treinar, treinar muito” - pensou com os seus botões. Se bem o pensou melhor o fez. E a primeira oportunidade proporcionou-se. Foi ali perto, mesmo à beira do caminho, quando as abóboras do cerrado das Furnas amadureceram e enquanto aguardavam que as trouxessem para casa, para alimentar os porcos e para o gado… que José decidiu começar os treinos. Muniu-se de um bom pau com um ferro amarrado na ponta a simular o arpão… e vai disto! Começa a desancar, a atirar, a arpoar, a torto e a direito, nas abóboras, acertando numas e falhando noutras, mas desfazendo-as quase por completo!

Nada ganhou com isso pois nunca deu em trancador.

Porém, como na Fajã Grande todos “se pelavam” por arranjar novos apelidos a uns e outros, o José não arpoou em vão nas abóboras e ganhou um apelido, ficando, a partir de então, conhecido por toda a gente  e em toda a parte pelo  “José Trancão” ou simplesmente “O Trancão”.

 

 

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publicado por picodavigia2 às 10:59

INDEPENDÊNCIA DOS AÇORES

Domingo, 01.09.13

Logo após o 25 de Abril de 1974, como era de esperar, surgiram algumas vozes e criaram-se organizações e movimentos que clamavam, aos quatro ventos, a independência das ilhas açorianas. Entre estes últimos, teve maior expressão a FLA - Frente de Libertação dos Açores - que, no contexto da Revolução dos Cravos, defendeu e propalou a temática relativa à independência dos Açores, em relação a Portugal. A FLA era um movimento político, ilhéu, singular, paralelo e semelhante à Frente de Libertação que, na altura, também existia na Madeira.

A FLA, segundo rezam as crónicas, foi criada em Londres, a 8 de Abril de 1975, e, nos meses seguintes, concretizou diversíssimas acções de propaganda e divulgação dos seus ideais e objectivos, pese embora uma ou outra dessas acções fossem recheadas de gritos de revolta e eivadas de algumas manifestações que chegavam a roçar a violência.

Este movimento que apesar de, esporadicamente, se apresentar com carácter intimidatório, marcadamente hostil em relação aos indivíduos de outras sensibilidades políticas, teve forte apoio da burguesia açoriana, sobretudo da ilha de São Miguel, onde muitos proprietários e latifundiários se manifestavam receosos de uma possível nacionalização das suas terras, à semelhança do que sucedia em Portugal Continental.

Na altura era voz corrente de que o seu líder, José de Almeida, terá chegado a tentar, repetidas vezes, negociar com o Departamento de Estado dos Estados Unidos da América, as condições para uma presumida independência do arquipélago, tendo todavia aquele órgão rejeitado qualquer tentativa de contacto, por considerar a proposta irrealista.

Do ponto de vista económico, os "independentistas" açorianos propuseram como principais meios de subsistência do seu projectado “Estado Independente”, a renda que deveria vir da base das Lajes, na Terceira, e o recurso à energia geotermal, para suprir as necessidades energéticas que adviriam de um isolamento inicial face a Portugal continental. Refira-se a este propósito, a manifesta e clara insuficiência dessas medidas, que não chegariam para assegurar a subsistência da população açoriana e ainda o facto de a Base das Lajes, actualmente, já não oferecer, ao arquipélago, as garantias económicas doutros tempos.

Presentemente, a FLA está desprovida de qualquer implantação local e persiste apenas como memória, sobretudo no imaginário daqueles que por ela foram responsáveis.

Na realidade, em 1975, vários dirigentes portugueses reuniram-se para deliberar o que fazer aos Açores e a Madeira. Uma parte defendia a imediata concessão da independência dos dois arquipélagos, enquanto a outra defendia a manutenção dos territórios insulares nas mãos portuguesas, sobretudo, devido à criação da Zona Económica Exclusiva. Ganhou a segunda facção.

Mas a ideia da independência dos Açores, não aparenta ter morrido em 1975. Pelo contrário, parece ter regressado nos tempos actuais, talvez devido à tão propalada crise que o país atravessa. Isto porque, segundo o jornal Açoriano Oriental, referiu, recentemente, que o líder histórico da Frente de Libertação dos Açores (FLA), José de Almeida, há pouco tempo, que os Açores "vão ser independentes", não pela força, mas sim pelo diálogo com Portugal, "por razões culturais, históricas, memórias comuns e muitos interesses por definir", e com os EUA, "por razões geoestratégicas".

 “Nós vamos ser independentes. Aos açorianos cabe a responsabilidade de procurar, de perseguir diálogos com a convicção e a serenidade de quem sabe o que quer e não quer, no acontecer da Independência dos Açores”, terá dito aquele líder independentista.

 “Eu pertenço ao grupo daqueles que afirmam não querer morrer, nem matar, por pátria nenhuma, nem pela minha. Eu quero é viver para e na minha pátria Açores”, sublinhou, acrescentando, que não poderão contar consigo “para que se repitam os erros do passado”.

Ficou, contudo, o recado: ”se esta autonomia não salvaguardar a soberania dos açorianos sobre o mar dos Açores - que o secretário de Estado do Mar do Governo de Portugal disse ter um potencial de dezenas de mil milhões de euros por ano, lembrou José de Almeida - (...) só nos resta a luta pela independência. E quando lá chegarmos, qualquer compromisso assumido sobre o mar dos Açores que beneficie terceiros não será aceite por nós” .

Recorde-se que actualmente circula na net uma Petição para a Independência dos Açores, destinada aos Açorianos e outras pessoas que a queiram assinar e que será enviada ao Governo Regional dos Açores, ao Primeiro-Ministro de Portugal, ao Presidente da República Portuguesa e à Assembleia da República e ao Parlamento Açoriano. No entanto, a petição contava, há um mês, apenas com 61 assinaturas.

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publicado por picodavigia2 às 10:57





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