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O LUGAR DO ALAGOEIRO

Quinta-feira, 05.09.13

O Alagoeiro ficava para além da Fontinha, um pouco longe do povoado, já quase debaixo da Rocha e era o único lugar da Fajã, para além da Ponta e da Cuada, onde havia casas. No início dos anos cinquenta, porém, morava lá apenas uma família, a do Luís Fraga, embora existissem ali uma outra casa de habitação, abandonada e descaída a servir de casa de arrumos, um palheiro e, um pouco mais abaixo, os três edifícios da Cooperativa de Lacticínios da Fajã Grande, onde se fabricava, enlatava e encaixotava a manteiga e que constituíam uma espécie de minúscula “zona industrial” da freguesia. O Alagoeiro era, no entanto, um lugar de terras muito férteis e produtivas, onde se cultivava o milho, a batata-doce, o trevo, a erva-da-casta e até o alcacel. A Sul, o Alagoeiro confrontava com a Bandeja e a Fontecima, a Oeste com a Fontinha, a Norte com o Mimoio e a leste com a Caravela e a Ribeira e mais além com a Rocha.

O Alagoeiro era, no entanto, uma espécie de lugar mítico, pois era lá que os homens, quando regressavam dos campos se sentavam, ao redor de um enorme largo que ali havia, a descansar, a fumar, a falquejar, a conversar, a discutir, a negociar trocas, a partilhar sonhos, a esperar uns pelos outros em amena cavaqueira e até a imaginar e a sonhar com a Califórnia, coma farms e com dolars. Vinham em bandos, do Pocestinho, do Pico Agudo, da Lagoinha, dos Paus Brancos, das Águas, da Silveirinha e até do Mato, enchendo as paredes e marouços circundantes ao largo, com molhos de erva santa, de fetos, de incensos, de lenha ou com cestos a abarrotar de batatas ou de inhames. Era também o sítio onde o gado, no seu cirandar quotidiano palheiro/relvas/palheiro, parava para saciar a sua sede, pois havia ali um enorme poço com uma bica, por onde jorrava, dia e noite, água muito fresquinha. O Alagoeiro era pois um lugar de encontros e combinações de cruzamento de caminhos, de conciliar de destinos, de tomadas de decisões, de debates, de sonhos, de zangas e discussões e até um lugar onde se faziam negócios. O Alagoeiro era, assim, uma espécie de “Mileto” da Fajã Grande.

Mas o que mais distinguia o Alagoeiro era o facto de ser lá que ficava uma enorme nascente de água que abastecia toda a freguesia. Fazendo jus ao seu nome, o Alagoeiro era de facto um lugar produtor de água e a abarrotar da mesma. Quando se decidiu que o abastecimento de água à Fajã Grande deveria ser feito, foi lá, na fronteira com a Fontecima que se construiu, sobre uma nascente ali existente, um enorme tanque vulgarmente conhecido por “Casa da Água”. Além desta, uma outra nascente ali perto, com uma bica a verter continuamente para um enorme poço, matava a sede às pessoas e, depois de se armazenar num poço, aos animais que por ali passavam diariamente

 

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publicado por picodavigia2 às 17:34

O FUROR DA LAVA PICOENSE

Quinta-feira, 05.09.13

O Pico é um gigantesco montão de lava. Mas lava viva, outrora vermelha, incandescente, fumegante e destruidora, mais tarde negra, inturgescida, basáltica e besuntada de enxofre e agora aureolada de verde, benéfica, produtiva e perfumada com salpicos de maresia, mas viva, muito viva. Esta lava do Pico tem uma espécie de furor negro, fecundo e vigoroso, a expelir-se em laivos de vinhedos, campos de milho, pastagens verdejantes e encostas a abarrotar de florestas de faia, de incenso e de árvores de fruto. Mas a lava do Pico tem, sobretudo, um furor histórico, escrito e gravado nos regos traçados pelos alviões no solo vulcânico, nas rilheiras dos carros de bois, no mourejar permanente dos remos sobre a braveza do oceano, no arrochado incorruptível dos maroiços e dos currais das vinhas, nos pedregulhos rolantes das canadas, nos gritos das marés incertas, no estalejar do vento nas encostas e andurriais. A lava do Pico como que espelha e reflecte a vida, os costumes, os trabalhos, as tradições, os bailados e a música das suas gentes.

O furor desta lava, destemida e altaneira, dá, ao Pico, uma vivência efusiva e efervescente, transforma-o num gigante de ousadia e audácia, substancia-o num amontoado de tradições e costumes, aureola-o de esperança e confere-lhe uma crença telúrica, inconfundível. O furor desta lava é suco generoso, é chão de ousadia, é arroteamento de emoções. A lava é uma espécie de bálsamo tonificante e fertilizador, que transforma o sofrimento em promessa, a angústia em esperança, a destruição em recompensa, o deserto em abundância, a pequenez em grandiosidade, o nada em tudo. A lava do Pico é uma espécie de rio de espuma incandescente, a deslizar por entre pedaços de chão rachado, a fertilizar os vales, a enrijecer os montes, a calcificar os pântanos e as lagoas, a alimentar os vinhedos e as florestas, a perder-se, como que envergonhada e tímida, no meio de um oceano de desejos indefinidos, transformando-se em gigantescas marés de graça, de solenidade e de ternura. A lava do Pico tem um furor que não é capaz de se conter. A lava do Pico jacta-se, expele-se, espalha-se e projecta-se em labaredas de cores, de sons, de esperança, de alegria e de amizade.    

Realizando um périplo pelo Norte do País, assentando arraiais na Região do Vale do Sousa, mais concretamente na freguesia de Meinedo, concelho de Lousada, como convidado do Rancho Folclórico das Lavradeiras do Vale do Sousa, de Romariz, o Rancho Folclórico de São Caetano do Pico, não só trouxe consigo, como também expeliu e esparramou, nas noites escaldantes durienses, o furor lávico da sua música, do seu bailar e das suas coreografias - estonteante perfume da história, da cultura, das tradições, dos costumes e dos cantares duma ilha, que teima em se espelhar na grandiosidade do seu passado e de se ostentar nas vivências do seu presente.

O grupo constituído por mais de quarenta elementos, actuou em três festivais. Primeiro, na própria freguesia de Meinedo, uma das 25 do concelho de Lousada, ombreando com ranchos folclóricos de renome nacional, como o Rancho Folclórico Tá-Mar da Nazaré, o Rancho Folclórico os Camponeses da Beira-Rio, da Murtosa-Aveiro e com o rancho anfitrião. Um espectáculo de grande qualidade, balizado num espaço histórico, numa das freguesias mais populosas do concelho de Lousada, com cerca 4 000 habitantes, o equivalente ao concelho da Madalena, tendo como ex-libris a igreja românica de Santa Maria Maior, cuja fundação remonta ao século XIII. Sabe-se que nos primórdios do cristianismo na Península, Meinedo, então designada por “Magneto”, terá sido, segundo toda a probabilidade, a primeira sede da Diocese do Porto.

A segunda participação do Rancho Folclórico de São Caetano, teve lugar na não menos histórica freguesia de Cárquere, concelho de Resende, junto ao Mosteiro que na Idade Média foi, depois de Santiago de Compostela, um dos maiores centros de peregrinação da Península Ibérica, construído por Egas Moniz e sobre cujo altar – ainda hoje ali existente – se terá verificado a cura milagrosa do menino que viria a ser o primeiro rei de Portugal – Afonso Henriques.

Finalmente, num terceiro espectáculo, o Rancho da mais jovem freguesia do concelho da Madalena, actuou em plena Vila de Lousada, perante numeroso público, no largo do Senhor dos Aflitos, por coincidência, frente à estátua de um dos mais ilustres lousadenses - Dom António Augusto de Castro Meireles, 34º bispo de Angra (1924-28) e, depois, bispo do Porto.

Foram noites fantásticas, de cor, de sons, de movimento e alegria, onde o Rancho Folclórico de São Caetano espalhou toda a sua classe, dignidade, singeleza e performance, deixando aos presentes uma deslumbrante e transcendente imagem, não apenas da freguesia de São Caetano, mas também da ilha do Pico, transformando-se, assim e de que maneira, num magnífico embaixador da sua cultura, dos seus costumes, dos seus valores, dos seus potenciais turísticos e, como não podia deixar de ser, dos seus bailados e da sua música, numa palavra espalhando, aqui, pelas terras durienses o verdadeiro e inconfundível “furor da lava picoense”.

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publicado por picodavigia2 às 17:14

O IMPÉRIODOS TRICICLOS

Quinta-feira, 05.09.13

A abertura da estrada entre o Porto da Fajã e a Ribeira Grande, no lugar do Pessegueiro, veio alterar radicalmente os meios de transporte de produtos agrícolas fajãgrandenses. Até então e quando os produtos das terras não eram acarretados às costas, o corsão de madeira, puxado por bovinos e a arrastar sobre as pedras da calçada era o tipo de transporte mais utilizado na Fajã Grande. Os carros de bois eram raros e os existentes pouco utilizados. Daí o frequente e contínuo recurso ao típico e tradicional corsão de bois. Mas na nova estrada, com piso de bagacina e, mais tarde, alcatroado, foi obviamente proibido o uso daquele veículo rastejante. É que o mesmo deslocando-se por arrasto, destruiria por completo o liso e fofo tapete da nova e moderna via de comunicação. Daí que toda a zona limítrofe da nova estrada, desde o Vale da Vaca ao Vale Fundo, passando pelo Delgado, Cabaceira, Moledo Grosso, Lombega, Cancelinha, e até pela Cuada ficasse impedida dos seus produtos serem acarretados em corsões.

Bem verdade é que a necessidade aguça o engenho! Foi precisamente nesta altura e por esta razão que surgiram, na Fajã, os célebres triciclos que dominaram e se impuseram no transporte dos produtos agrícolas da zona acima referida. Muito provavelmente inspirados nos pequenos brinquedos das crianças com o mesmo nome, começaram a construir-se triciclos gigantes, do tamanho e do formato quase semelhante ao dos carros de bois. Só que as rodas em vez do arco de ferro que as envolvia eram mais pequenas, mais leves e eram forradas e protegidas por uma tira de borracha ao seu redor, a fim de as proteger do desgaste, de tornar o seu deslizar mais suave e o seu peso menor. O cabeçalho era mais grosso do que o dos carros de bois e sobre ele existia um assento de forma triangular, para o condutor. Na extremidade do mesmo em vez do buraco da chavelha e da canga havia um orifício onde se enfiava e no qual rodava o guiador, no qual se articulava a roda da frente. Os triciclos eram munidos de travões nas rodas de trás.

O primeiro triciclo que houve na Fajã foi construído pelo José Furtado ao qual se seguiram muitos e muitos outros. Por vezes era impressionante o número de triciclos que deslizava pela Assomada abaixo, carregados com lenha, fetos e cana roca, incensos para o gado e até milho e batatas. No entanto os triciclos tinham um senão: é que só deslizavam “de volta a baixo”, enquanto que na subida tinham que ser empurrados pelo próprio dono, o que, por vezes, tornava o seu uso mais difícil, incómodo e pouco abonatório. Havia, no entanto, quem na subida os atrelasse a um burro, resolvendo assim o problema. Direito a baixo, porém, eram um regalo bem carregadinhos lá vinham eles todos prazenteiros.

Paralelamente começaram também a surgir os carros de mão, ou seja uma espécie de miniatura dos carros de bois, empurrados e puxados também pelo próprio dono. Daí que o cabeçalho também não tivesse o buraco da chavelha mas sim de um lado e outro um pequeno pau encravado a que se agarravam as mãos de quem os puxava ou conduzia.

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publicado por picodavigia2 às 17:09





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