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O ANJO DAS SETE BANDEIRAS

Quarta-feira, 11.09.13

Conta uma antiga lenda que, quando Deus criou o Mundo, este não era mais do que uma nebulosa escura, sombria, sem brilho, sem claridade, sem cor e sem som. O “Orbe Terrarum” acumulava uma enigmática taciturnidade, uma estranho negrume, uma destruidora melancolia e uma desoladora inquietude. Eram trevas sobre trevas, escuridão atrás escuridão, sombras envoltas em sombras. Os homens não sabiam construir castelos de sonhos e fantasia, nem palácios encantados, ou sequer plantar uma árvore, saborear a doçura de um fruto ou descortinar o encanto duma flor. Desconheciam a sublimidade das madrugas incandescentes, ignoravam a loucura da sabedoria e a aventura de escrever um poema, mesmo que fosse em tabuinhas de cera. Refugiavam-se em recantos esconsos e obscuros, desprezavam o perfume dulcificado dos jardins floridos e não entendiam que o amanhecer é mais sublime com o canto dos pássaros e com os murmúrios das fontes. Foi então que Deus, na sua infinita plenitude, na sua omnipotência incomparável e na sua bondade transcendente cobriu a Terra de esperança enviando-lhe o seu anjo salvador, entregando-lhe sete bandeiras com que o anjo havia de salvá-la da estagnação em que estava imersa, da escuridão em que havia caído, do desbotamento deslavado de que se havia revestido e do silêncio enigmático e profundo em que jazia. Deus apiedou-se do homem, chamou o seu anjo e enviou-o ao Mundo, durante sete dias consecutivos, entregando-lhe em cada dia, uma bandeira com uma cor diferente: no primeiro dia a bandeira era de cor violeta, no segundo de cor anil, no terceiro azul, no quarto verde, no quinto amarela, no sexto alaranjada e no sétimo e último dia, vermelha.

E o anjo visitou a Terra, sete dias seguidos, desfazendo as trevas e as sombras que a rodeavam, enchendo-a de luz, de som e de sabores. No primeiro dia, o anjo, empunhando a bandeira violeta, com ela tingiu os raios da madrugada, extingui as fogueiras dos vulcões primordiais, secou pântanos, desenhou rios e lagos e aspergiu a frescura das manhãs com o perfume dulcificado das violetas, salpicando-as com os suspiros dos cravos e o sabor das hortênsias. E a Terra recobriu-se com um manto inexaurível de encanto incandescente e com a sublimidade dos entardeceres tropicais. No segundo dia a bandeira do anjo era de anil e o brilhar do Sol tornou-se mais suave e acolhedor, os lagos e os rios encheram-se água e das rochas, abrutas e pétreas, nasceram fontes e floresceram sonhos e encantos. A saudade plantou-se à beirinha do amor. O próprio oceano revestiu-se de perfume a maresia e nos céus desfilaram os primeiros bandos de pássaros. E no dia seguinte, no terceiro, Deus deu ao anjo uma bandeira azul com a qual desofuscou todos os recantos mais esconsos da Terra, iluminou as cavernas mais escuras e as grutas mais tenebrosas e encheu o mundo de um brilho sublime, inebriante e adocicado. O mar revestiu-se de um azul cativante e encheu-se de peixes, de algas e de tesouros. As suas águas transformaram-se em ondas e encharcaram os rochedos com a força inebriante das marés. O céu adquiriu definitivamente a sua cor azulada e, à noite, cobriu-se de estrelas. Na sua quarta vinda à Terra o anjo trouxe uma bandeira verde e com ela embebeu as plantas com um perfume adocicado, tingiu as ervas com um orvalho perfumado, revestiu as árvores com folhas e ramos exuberantes, abriu a Terra de par em par, fortalecendo-a com a frescura dos ares para que nela as sementes germinassem com vigor e serenidade. Com a bandeira verde, o anjo trouxe também a chuva e com ela lavou as pedras, cobriu-as de limos, encheu os lagos, tornou o curso dos rios mais rápidos e velozes e encheu os prados com manadas de bois e rebanhos de ovelhas. No dia seguinte o anjo voltou à Terra segurando uma bandeira amarela e erguendo-a bem alto, pediu ao Sol raios de luz para colorir as manhãs, iluminar as montanhas, tingir o pôr-do-sol, alourar as espigas de trigo, colorir os girassóis e as giestas e iluminar as pedras preciosas. Ao mesmo tempo soltava sobre a Terra um vento suave e benfazejo, cobria as tardes com bandos de aves a esvoaçarem na direcção do horizonte. No sexto dia a bandeira que o anjo transportava tinha uma cor alaranjada. Os campos cobriram-se de flores, as árvores encheram-se de frutos, as águas dos rios e dos lagos encheram-se de beleza e sublimidade e dos beirais das casas pendiam cachos de esperança a confundirem-se com as revoadas das montanhas. Os sinos repicavam o toque das Trindades e dos telhados dos casebres, à noitinha, evolava-se, juntamente com o fumo das lareiras, um cântico de saudade inebriante. Finalmente, no sétimo e último dia, chegou o anjo com uma bandeira vermelha e avisou o mar, o céu, os rios, os lagos, as plantas as flores, enfim toda a criação de que aquela haveria de ser a cor do sangue dos mártires imolados como vítimas inocentes dos crimes violetos e cruéis da humanidade.

E o anjo nunca mais voltou à Terra. Apenas lhe assinalava de longe e agitando as sete bandeiras e misturando as suas sete cores, umas com as outras, em auréolas celestes, as juntava, em semicírculo sobre a Terra, formando Arcos-Íris de esperança.

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publicado por picodavigia2 às 20:28

O CALHAU DAS LAPAS

Quarta-feira, 11.09.13

O Calhau das Lapas era um jogo ou brincadeira a que as crianças se dedicavam, outrora, na Fajã Grande. Era jogado ou praticado geralmente numa casa velha ou de arrumos ou dentro da própria casa, na cozinha ou até na sala, também chamada casa de fora, nos dias de chuva ou quando um ou mais dos participantes estavam doentes ou convalescentes, estando, num e noutro caso, impedidos de brincar na rua ou proibidos de o fazer. Em tais ocasiões, irmãos, primos ou amigos, por solidariedade com o doente ou convalescente, optavam por brincadeiras e jogos dentro de casa.

Neste jogo o número de participantes era ilimitado – quantas crianças estivessem juntas e o quisessem fazer, quantas jogavam e era praticado conjuntamente por crianças de ambos os sexos. Uma delas, por vontade própria ou para tal escolhido pelos outros, fazia de calhau, simulando ser uma enorme pedra do baixio, estando totalmente coberta de lapas e situada à beira mar, no sobe e desce da maré e no vaivém atrevido e perigoso das ondas. Para imitar um calhau o jogador devia pôr-se de gatas no chão e ajoujar-se com o rosto deitado sobre ambos os braços para que os olhos ficassem tapados, impedindo-o de ver. O calhau movimentava-se repentinamente, à socapa e com grande rapidez sempre que alguém dele se tentasse aproximar para apanhar uma lapa, simbolizando assim a força e a braveza das ondas do mar assim como a subida da maré. Cada um dos outros participantes devia aproximar-se sorrateiramente e tentar apanhar a maior quantidade de lapas possível, o que conseguiria tantas ou quantas vezes conseguisse tocar ao de leve no calhau. Vencia o jogo o jogador que apanhasse o maior número de lapas escapando à fúria do calhau, evitando assim ser capturado pelas supostas e bravias ondas do mar ou o jogador que fazia de calhau, caso conseguisse apoderar-se de todos os participantes.

O jogo repetia-se quantas vezes se quisesse sempre com um outro jogador, rotativamente, a fazer de Calhau das Lapas.

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publicado por picodavigia2 às 20:25





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