PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
LAJES DO PICO – UMA VILA COM VARIADAS OFERTAS TURÍSTICAS E UMA INTENSA ACTIVIDADE CULTURAL
Adoptando o Pico como “segunda pátria” a ele me fui afeiçoando aos poucos. Outrora voltava-me mais para a Madalena, porta de entrada e de saída da ilha. Hoje porém, começo a sentir um fascínio cada vez maior pelas Lajes, o primeiro local de povoamento do Pico, já lá vão mais de 500 anos. Foi lá que desembarcou o primeiro navegador português Fernando Evangelho. Depois dele, muitos outros navegadores demandaram aquela magnífica baía em busca de terra e se foram fixando por ali, nas encostas circundantes, desbravando ravinas e rochedos, arando planícies, enchendo os vales de árvores de fruta, construindo as suas casas e edificando a primeira igreja da ilha, a ermida de S. Pedro, ainda hoje existente. As Lajes foi também o primeiro concelho da ilha do Pico, a ele pertencendo, nos primórdios do povoamento, todas as povoações da ilha então existentes, incluindo as ainda freguesias da Madalena e de S. Roque. Assim, bafejada pelo destino e pela história, ao que se alia a beleza da paisagem que a envolve, balizando-a entre o negro da montanha e o azul do oceano, a vila das Lajes possui um rico património histórico, cultural e paisagístico que a tornam um dos locais de maior atracção e interesse turísticos da ilha do Pico.
Se não vejamos. A nível histórico-cultural destacam-se:
- O Castelo de Santo António/Forte de Santa Catarina - Trata-se de uma antiga fortificação do século XVIII e do qual restam algumas ruínas.
- A Ermida se São Pedro a mais antiga construção religiosa do concelho das Lajes e da ilha do Pico. Trata-se de um pequeno templo, de origem franciscana, construído onde, segundo a tradição popular, desembarcaram os primeiros povoadores. Esta ermida teve como primeiro sacerdote, não só da ermida, mas da própria ilha, Frei Pedro Gigante, que é considerado pelos historiadores como tendo sido o introdutor da casta Verdelho na ilha.
- A Ermida de Santa Catarina, cuja data de construção remonta ao século XVII.
- O Convento de São Francisco/Igreja de Nossa Senhora da Conceição - Antigo convento franciscano datado do século XVII.
- A Igreja Matriz – Datada do século XIX, com traços a fazer lembrar o gótico das catedrais medievais, situada no centro da vila.
- A Ermida de São Sebastião, templo muito antigo, situado na Ribeira do Meio. Segundo a tradição esta ermida teria sido construída, inicialmente, no cimo da Almagreira, perto do mato, em lugar que o povo ainda agora conhece pelo nome de São Sebastião. Sabe-se, porém, que, já em 1592, ela já existia neste local.
- O Passo da Procissão – Datado do século XVIII, situado na rua Padre Manuel José Lopes.
- O Museu dos Baleeiros – conjunto arquitectónico constituído pelas antigas casas dos botes e uma tenda de ferreiro anexa e que representa através de apetrechos próprios e de fotos a actividade baleeira a que durante muitos anos se dedicou a população da vila das Lajes, também denominada de “Vila baleeira”.
- A Biblioteca e Arquivo – anexos ao museu dos Baleeiros.
- O Centro de Artes e Ciência do Mar – instalado na antiga fábrica da baleia, este centro possui informação diversa, registo e exposições sobre biologia e ecologia dos cetáceos.
- Os Moinhos – da Ponta Rasa, do Mouricão e da Silveira.
- O Monumento ao povoamento da ilha do Pico – monumento em pedra erguido no centro da vila em homenagem aos 500 anos do povoamento da ilha. (1460-1960).
Por sua vez e sob o ponto de vista arquitectónico a vila possui um conjunto notável de habitações com traços arquitecturais de interesse.
No que concerne ao património paisagístico, a vila desfruta de vários miradouros de beleza ímpar como são os dos miradouros do Forte de Santa Catarina, do Cabeço do Geraldo, da Ponta dos Arrifes, da Terra Alta, do Mouricão e da Vigia da Baleia, e até da Almagreira, donde se obtêm uma excelente vista sobre a vila e a baía. Sublime é a montanha vista das Lajes.
Existem nesta vila vários locais de lazer, algumas praças, um ou outro largo, estabelecimentos comerciais e restaurantes de excelente qualidade.
Mensalmente, a Câmara Municipal apresenta um vasto programa de actividades culturais a realizar não apenas na vila mas em todo o concelho, desde exposições diversas, teatro, cinema, bem como actividades para idosos e celebração de algumas festividades. A vila possui ainda um grupo coral e uma banda filarmónica.
Lajes do Pico – uma vila que vale a pena visitar!
Autoria e outros dados (tags, etc)
O LUGAR DE VALE DO LINHO E O ANCESTRAL POSSÍVEL CULTIVO DO MESMO NA FAJÃ GRANDE
Há quem diga que há muitos, muitos anos se cultivou o linho na Fajã Grande. É muito provável que tal tenha acontecido, mas na década de 50 tal já não verificava. A provar a o cultivo do linho na Fajã Grande, a constatação do topónimo “Vale do Linho”, ou seja, o nome de um lugar ainda hoje existente, situado entre os lugares da Ponta e da Fajã, mais precisamente, a seguir à Ribeira das Casas, entre as Covas e o Rolo, sendo, nos anos cinquenta, um local de terras de milho muito férteis e de relvas verdejantes. Ali também terá existido outrora uma fortim ou castelo onde a guarda marítima se aquartelava a fim de evitar as fugas clandestinas de muitos homens e rapazes, nas baleeiras americanas, para os Estados Unidos, atirando a torto e a direito sobre os que tentavam escapulir das fracas condições de vida que proliferavam pela freguesia e pela ilha. Há relatos de que muitos fugitivos se atiravam ao mar para se esquivarem às balas assassinas, conseguindo alguns atingir e embarcar nas baleeiras que os haviam de transportar ao El-dorado. Voltando ao lugar do Vale do Linho, ele é, incontestavelmente, um dos interessantíssimos topónimos da Fajã que designa um lugar, situado precisamente num dos lugares mais belos da freguesia, ou seja, na fronteira entre o lugar da Ponta e o lugar da Fajã. Talvez por essa razão as duríssimas batalhas de pedradas entre a garotada da Ponta e da Fajã, que ali se efectuaram, noutros tempos, claro.
Uma segunda prova de que se cultivou o linho na Fajã Grande, reside no facto de em muitas memórias, nos anos cinquenta, ainda ser presente, embora de forma rudimentar o ciclo do linho. Segundo os mais velhos, e ao contrário da lã que era retirada dos animais por altura do Fio, o linho, assim como o trigo, a cevada e outros cereais, era semeado nos campos. Depois de semeado e mal tivesse nascido, nunca a terra podia secar para que o linho se desenvolvesse, obrigando o cultivador a um serviço de rega constante. Essa terá sido a principal dificuldade em manter esta cultura. O linho tinha que ser mondado como o milho, serviço moroso e delicado, exigindo cuidadas especiais para que ao tirar-lhe as ervas daninhas não fosse pisado ou arrancado. Quando maduro era tirado da terra e atado em molhos para ser conduzido à eira. Aí era ripado em instrumentos próprios, onde lhe tiravam as cabeças, em que se alojavam as sementes, que depois serviriam para fazer novas sementeiras e também para aplicação medicinal, pois dessas sementes faziam-se as tais papas de linhaça que aplicavam no tratamento de certas doenças. Depois de separado da semente, o linho era novamente atado em molhos e lançado à água nos poços das ribeiras e nos regatos das lagoas, para apodrecimento da casca exterior.
Ao fim de três semanas de molho, o linho era retirado da água e posto a secar até ficar com uma cor esbranquiçada. Depois era novamente conduzido à eira, onde se procedia à maçagem, para libertar os fios internos da casca exterior à força de pancadas com uma maça.
Depois de maçado, o linho era tascado e sedado em instrumentos apropriados, a fim de separar o linho da estopa, trabalho feito normalmente pelas mulheres, durante o Inverno, em dias de soalheiro. Do linho propriamente dito, faziam-se as estrigas, fiadas depois no fuso que mãos hábeis manobravam, durante os serões nas noites de Inverno, formando assim as maçarocas. Nos fusos fiava-se também a estopa, tarefa mais difícil, por ser fibra mais grosseira. Acabada a fiação, procedia-se ao arranjo das meadas com o auxílio do sarilho, onde se enrolavam os fios das maçarocas, à medida que ele rodava, procedimentos em tudo muito semelhantes aos da lã.
Terminada esta tarefa, estendiam-se as meadas ao sol, a corar, mas de maneira a não ficarem queimadas. Por isso, exigia-se a presença permanente de uma pessoa, para as molhar de vezem quando. Maistarde metiam-se as meadas numa barrela e de seguida, eram lavadas e estendidas novamente a corar, até ficarem muito brancas. Depois iam à dobadoira, para serem transformadas em novelos para os teares. Nestes e graças às habilidosas mãos das tecedeiras, os fios cruzavam-se sucessivamente até se transformarem numa peça de pano que havia de voltar à barrela para o libertar de qualquer mácula que tivesse apanhado durante a tecelagem e, por fim, lavada na ribeira. Só depois da execução de todos estes trabalhos, é que o tecido de linho ficava pronto para a confecção de lençóis e toalhas bem como de roupas para a igreja.
Autoria e outros dados (tags, etc)
REGRESSOS REENCONTROS
(UM POEMA DE URBANO BETTENCOURT)
Ouves a voz dessa mulher
nos dias que sobram de Setembro:
um rumor solar de asas
vindo de longe
como quem atravessou a harmonia inteira
do mundo.
Ouves essa voz vibrando na manhã
e tudo em ti é regresso e onda:
os araçás da infância, os figos,
as sementes onde a vida espera a Primavera,
uma mulher cantando no balcão sobre o mar,
uma ilha defronte.
Onde for o lugar de tudo isto e a memória
desse lugar,
aí encontrarás a raiz exacta
das palavras,
a seiva
de que a vida se sustenta.
Autoria e outros dados (tags, etc)
TRADUÇÕES
Há uns meses, casualmente, encontrei, no porto de São Caetano, no Pico, duas jovens. Como desconheciam a ilha e tudo o que as rodeava, manifestaram vontade de entabular conversa. Fui-lhes explicando alguns pormenores sobre a ilha Montanha, os seus valores, a sua beleza, a sua cultura, as suas tradições, indicando-lhes o que poderiam visitar e apreciar, pois nela, permaneceriam durante uma semana, manifestando, inclusivamente, vontade em escalar a montanha. Instaladas na Madalena e viajavam em moto de aluguer. Eram naturais e residentes na Suíça. Uma enfermeira, outra a terminar o curso de Direito. Visitaram uma adega rural, provaram vinho de cheiro, angelica, queijo, bolo etc, revelando uma esmerada educação e uma extrema delicadeza de costumes e atitudes. Tinham Facebook e, obviamente, tornamo-nos amigos.
Agora, embora raramente, recebo, via facebook, fotos e textos ou pequenas frases colocadas por uma outra e, como é óbvio, recorro às traduções que a página disponibiliza. A última vez saiu-me esta beleza:
Frase Original: Dä Baby Esel isch da.... : ) wer will cho cha sich bi mir amäldä.
Tradução para Português: Bebê burro amäldä isch como...:) quem quer bi me cho cha.
Boa!
Autoria e outros dados (tags, etc)
A ROCHA DA PONTA
A rocha da Ponta era um alcantil escarpado, abrupto e a pique. A única e sinuosa via que possuía outrora era uma vereda, um aclive íngreme e sobranceiro ao mar. Sítios havia, em que pedregulho, objecto ou pessoa que caísse, ia direitinho parar às águas do Atlântico, a não ser que antes se desfizesse ou esborrachasse nas fragas e penhascos que nela proliferavam.
Descia-a uma vez, de noite, quando regressava de Ponta Delgada com meu pai. Ao chegar ao Risco vislumbrava-se um maravilhoso espectáculo, uma vista deslumbrante, iluminada por um luar encantador que opondo-se à escuridão que me envolvera toda a noite. O espectáculo que observava era deslumbrante e maravilhoso! O luar, projectando-se no mar, transformava-o num espelho prateado e cristalino. Lá longe já se vislumbrava o casario da Fajã e a tímida luzinha do farol da Ponta do Baixio. O Pico da Vigia, sobranceiro ao povoado, projectava, no mar, uma penumbra clarificante que se difluía, com lenidade no oceano. O silêncio da noite apenas era cortado pelo ritmado bater das ondas junto à costa. No Rolo, circundante à grande Baía, onde se vislumbravam os montículos arrumados do sargaço simulando aldeamentos escuros, perdiam-se ondas infinitas de prata e de espuma.
Um espectáculo deslumbrante!
Autoria e outros dados (tags, etc)
PALAVRAS, DITOS E EXPRESSÕES UTILIZADOS NA FAJÃ GRANDE (II)
Balaio – Grande úbere de vaca quando muito cheio.
Beltro – Cinto das calças.
Benza-te Deus obra – Elogio a algo que é muito bom.
Cade? – Onde está?
Cambado – Manco.
Casa de fora - Sala
Coirão – Insulto a uma mulher com comportamentos e atitudes consideradas pouco decentes.
Como-te vivo – Dou-te uma grande tareia.
Cramar – Lamentar.
Criqui – Pequena galinha também conhecida por “Galinha da madeira”.
Daipa – Fralda de bebé.
Daipinha – Leve peça de roupa.
Dedo degolado – Ferida na parte debaixo de um dedo do pé.
Escarnento – Que faz pouco dos outros.
Escoimada – Limpa.
Estar fatalinho – Estar melhor.
Estar sempre a fugir com cu à seringa – Não querer trabalhar nem fazer nada.
Estar xingado – Estar mal, ter algum problema difícil ou impossível de resolver.
Ficar com o cu às costas – Ficar zangado.
Malino – Mau
Mojo – Úbere de vaca, ovelha ou cabra.
Não poder com um gato pendurado pelo rabo – Ser muito fraco.
Não ver patavina – Não entender ou não compreender nada nem coisa nenhuma.
Peleijar – Revoltar-se veementemente, com palavras, contra alguém.
Piauzinho – Criança inocente e indefesa.
Quique – Ponta-pé
Rechonchudo – Gordo.
Sanababicha – Malvado. Pessoa má.
Sanabagana – Malvado. Pessoa má.
Sascar – Magoar uma parte do corpo, geralmente um dedo.
Ser com’á mão de Deus – Ser muito bom. muito eficiente.
Ser como o frade Petiça que tudo o que vê cobiça – Ser invejoso.
Ser da pele de Ti Lúcio – Ser muito mau.
Só fé – Muito pequeno.
Tá um frio de rachar – O tempo está muito frio.
Tar à mão de semear – Estar perto de.
Ter a pele embrulhada nos ossos – Ser muito magro.
Ter sarna para se coçar – Ter muito que fazer ou estar em grandes dificuldades.
Tirar um olho pelo buraco do outro. - Dar cabo de alguém.
Toitição – Pancada na cabeça.
Topada – Ferida na parte superior de um dedo do pé, abrangendo a zona da unha, resultante de embate numa pedra da calçada ou caída num caminho.
Uma niquinha - Muito pouco.
Vai berda-merda – Expressão para rejeitar ou afastar outrem.
Vê se t’avias – Anda depressa, despacha-te.
Vimcá – Forma de chamamento das galinhas.
Autoria e outros dados (tags, etc)
AMANHECER EM SÃO CAETANO
Em São Caetano, bem no coração do Pico, ao amanhecer, mal se abrem as janelas e se arredam as cortinas, logo se sente um perfume desenfreado a maresia e um sabor adocicado a frescura, vindo bem lá do alto, do cimo da montanha e vislumbra-se, de imediato e tanto ao longe como ao perto, um intrigante assédio de alvura derramado sobre o lusco-fusco do amanhecer, a desfazê-lo, a transformá-lo em claridade titubeante, idónea e, estranhamente, desejada.
Depois, muito lentamente vão-se desfazendo negrumes e encerrando-se nebulosidades, até que se desamarram por completo as apoitas sonolentas que prendiam uma agradável e consoladora sonolência. O ar, então, torna-se fresco como o murmúrio das fontes, suave como o silêncio das florestas e leve como a espuma branca que lá, ao longe, no meio do oceano, parece arremeter-se, indignada, contra ao vento, também ele ainda, parcialmente adormecido mas já quezilento e audaz.
A montanha começa a despir-se da escuridão e a vestir-se de um verde suculento e luminoso, indicando que Sol arribará, em breve, da sua quietude nocturna. Há gritos de estrelas a tremelicarem, entoando estertores agonizantes e o crepúsculo transforma-se num desperdício desinteressante e, inconscientemente, indesejado.
Do mar, chega, apressada, uma brisa irreverente e atrevida, esvaziam-se as marés, aquietam-se as ondas e a Lua, em acentuado vazante, é um novelo desfeito, um farrapo despedaçado e sem encanto, arrumada lá nos rebordos do horizonte.
Surgem os primeiros raios de Sol a desfazerem um relento desencorajado. A claridade é o estandarte da esperança e rolam sobre o chão, ainda borrifado de lava, chumaços entumecidos de negrume, sombras que a madrugada, lentamente, destruirá.
As plantas e os arbustos sacodem os respingos adocicados de salmoura e lançam aromas de fragrância aos quatro ventos, as árvores espreguiçam-se amotinadas como que em cardume, os pássaros saltitam de telhado em telhado e os galos ressuscitam um canto esganiçado e turbulento.
Até as pedras, torrões de lava seculares, que haviam passado a noite adormecidas parecem agora sorrir e erguerem-se, testemunhando em versos silenciosos, o inebriante contentamento de ver nascer um novo dia. É o Pico no seu inconfundível esplendor matinal.
Autoria e outros dados (tags, etc)
O ECO DOS VULCÕES
por mais que sopre
e se agigante,
a brisa matinal
nunca apaga,
desvanece,
ou sequer
alivia
os sulcos
e as rilheiras
gravadas
no chão lávico,
pelo eco,
estonteante,
dos vulcões.