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SE TU VISSES

Quinta-feira, 31.10.13

Se tu visses o que eu vi

Na Canada das três voltas

Um coelho em cuecas

A calçar as suas botas

 

Se tu visses o que eu vi,

Havias de te admirar.

Uma cadela com pintos,

Uma galinha a ladrar.

 

Se tu visses o que eu vi,

Havias de te admirar.

Uma cabra a tirar água,

E um cavalo a dançar.

 

Se tu visses o que eu vi,

Havias de te admirar.

Uma abelha a grunhir,

E um porco a voar.

 

(Cantilena popular fajãgrandense)

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publicado por picodavigia2 às 22:56

O LUGAR DA CARAVELA

Quinta-feira, 31.10.13

Um lugar da Fajã Grande também com um nome muito interessante, bastante emblemático e, provavelmente, até com algum significado histórico, apesar de, na década de cinquenta, ser um lugar onde não havia qualquer casa de habitação nem sequer algum palheiro, era o lugar da Caravela. Este lugar situava-se numa pequeno planalto, existente para as bandas da Tronqueira, sobranceiro a toda a planície da orla marítima que ia do Rolo até às Furnas. A Caravela fazia fronteira, a norte com o Porto, a oeste precisamente com a Tronqueira, a sul com a Via d’Água e a leste com o Matadouro e também com a Via d’Água. Era um lugar onde existiam apenas terras de cultivo, tão férteis e produtivas como as do Porto, do Estaleiro ou das Furnas, mas com uma vantagem sobres estas. É que estando um pouco mais altas e mais afastadas do mar, as terras da Caravela não eram tão prejudicadas pela salmoura que queimava todos os produtos agrícolas, como o eram as outras que ficavam mais perto do mar. Eram terras de milho, de couves, de batata-doce e de feijão. O acesso aos campos deste lugar, um dos mais pequenos da Fajã, fazia-se, apenas, por canadas, atalhos e veredas, nalguns casos construídas sobre maroiços. Entrava-se para a Caravela, por uma canada, que havia a meio da ladeira do Calhau Miúdo, por uma outra canada ao lado da casa do Tobias, na Tronqueira ou atravessando alguns campos dos lugares circundantes, que lhes deviam passagem. Mas o principal acesso à Caravela era uma canada que existia no Porto, por trás da casa de Tia Tomé e em cuja parte inicial podia circular um carro de bois.

Naturalmente que o nome deste lugar que ficava em sítio donde se via muito bem o mar, porque alto e relativamente próximo dele, terá a ver com as inúmeras embarcações, entre as quais as caravelas, que por ali passavam, diariamente, rumando à Europa, à África e às Américas. Talvez dali alguém tivesse visto alguma caravela especial, ou fosse um lugar donde as ditas cujas se viam bem quando navegavam no oceano. No entanto, a hipótese que me parece mais provável é a de se ter guardado ou arrumado por ali, em tempos idos, alguma caravela retirada do mar depois de naufragada nas costas da Fajã, pois tantas foram as que ali terminaram abrupta e definitivamente as suas viagens, que muito naturalmente se poderia ter guardado por ali alguma, com qualquer fim utilitário. Nessa altura, muito provavelmente, existiriam casas de habitação e de arrumos na Caravela.

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publicado por picodavigia2 às 20:12

UM CABIDO DESCABIDO

Quinta-feira, 31.10.13

O cabido é um órgão diocesano, composto por sacerdotes incardinados numa mesma diocese, nomeados pelo bispo titular, para o exercício de ofícios religiosos específicos, em virtude dos seus méritos e das suas capacidades.

O Cabido, no entanto, não foi instituído por Jesus Cristo, não é dogma de fé, nem sequer imprime carácter aos seus membros. Segundo rezam os livros, o cabido, apenas faz parte da tradição da Igreja e consta que há países em que já algumas dioceses dele abdicaram. Não é o caso de Portugal em que, actualmente, cada diocese, de acordo o Anuário Católico Português, mantém vivo o seu cabido.

Acredita-se que esta instituição eclesiástica remonte ao século V, altura em que os bispos começaram a reunir ao redor da sua cátedra, um grupo de sacerdotes que viviam comunitariamente, auxiliando-o e aconselhando-o. A partir do século XII, começaram a distinguir-se os cónegos regulares dos seculares, sendo que os primeiros continuavam a viver em comunidade, mas em conventos, fazendo os três votos: de castidade, pobreza e obediência, como, por exemplo, os Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, os Premonstratenses etc. Por outro lado, os cónegos seculares, continuaram a viver ao lado do seu bispo, servindo-o, na igreja catedral, quer acolitando-o nos ofícios e celebrações litúrgicas quer formando uma espécie de colégio de conselheiros, em que cada qual tinha funções específicas, algumas das quais ainda hoje permanecem, embora como meramente titulares: deão, chantre, arcediago, arcipreste, mestre-escola, tesoureiro-mor e penitenciário. Actualmente, na maioria das dioceses portuguesas, no que ao aconselhamento do bispo diz respeito, as funções do cabido são da competência do conselho presbiteral.

Acrescente-se que em Portugal, existem duas dioceses – o Patriarcado de Lisboa e a Arquidiocese de Braga – que têm cabidos “sui géneris”. Braga possui o chamado “Cabido Metropolitano e Primacial Bracarense”, criado pelo arcebispo D. Pedro em 1071, enquanto os membros do cabido lisbonense, como aliás a própria diocese, gozavam de alguns privilégios, entre os quais, o uso de mitra (cónegos mitrados) e a posse de oratório particular e altar portátil, com que podiam celebrar, livremente, por todo o país. Ainda hoje a diocese de Lisboa goza do privilégio de o seu bispo, receber a púrpura cardinalícia logo no primeiro Consistório a seguir à sua nomeação.

Segundo o Anuário Católico, actualmente, embora possuindo o seu conselho presbiteral, todas as dioceses portuguesas mantém os seus cabidos activos, quase todas elas com um bom punhado de cónegos capitulares e, nalguns casos, com os “míticos cargos” atribuídos, nominalmente.

O cabido de Lisboa, para além dos jubilados ou eméritos, tem 22 cónegos no activo, Braga tem 14, Évora 14, Lamego, 14 Guarda 12, Coimbra 11, Porto 11, Viseu 11, Bragança-Miranda 10, Funchal 9, Leiria-Fátima 5, Beja 4 e Algarve 4. Por sua vez, Angra, estranhamente, tem apenas 1, cónego no activo, ou seja Monsenhor Gregório Joaquim Couto Rocha. Todos os restantes cónegos que constam da lista do cabido angrense são eméritos e, por conseguinte, cessaram funções. São eles: Dr. Artur Pacheco Custódio, José Gonçalves Gomes, Mons. Dr. Francisco Caetano Tomás, Mons. Gil Vicente Mendonça, Mons. Dr. António da Luz Silva e Mons, Dr. Augusto Manuel Arruda Cabral. Afinal o saudoso Monsenhor Lourenço, também ele, na altura, membro do cabido angrense, tinha razão quando afirmava que “Apenas um cónego faz um cabido”. De qualquer modo e com tanto clero secular na diocese, a maioria detentor de um currículo brilhante, é estranho que o cabido angrense, a manter-se, esteja a definhar. Aparentemente, é um cabido descabido ou, no mínimo, um cabido descaído.

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publicado por picodavigia2 às 16:34

TI BRITSA

Quinta-feira, 31.10.13

António Maria de Sousa, mais conhecido na Fajã por “Ti Britsa”, morava no cimo da Fontinha, mais concretamente na última casa, do lado direito de quem subia aquela rua. Filho de José Maria de Sousa e de Maria José Teodósio, ambos naturais da Cuada, tio Britsa era irmão da minha avó materna. Tio Britsa e a minha avó, porém, foram criados por pais adoptivos desde de pequeninos, em virtude do falecimento precoce da sua progenitora. Minha avó foi entregue a José Cristiano Ramos e sua mulher Margarida de Jesus, enquanto Tio Britsa foi criado por duas irmãs, já de idade avançada, conhecidas por “As Brígidas”. Daí a deturpação popular do nome “Britsa” em substituição de “Brígida”, epíteto que ele angariou e a que teve jus. Tio Britsa casou com uma irmã das senhoras Mendonças de cujo casamento nasceram seis filhos: a Maria da Paz, a Rosa, a Matilde, a Alice, o Daniel, o Leonardo e a Joana, tendo estes dois últimos falecido, quando ainda eram muito jovens.

Tio Britsa era um homem simples, bondoso e humilde mas honrado e muito trabalhador pese embora já ser de avançada idade. Raramente se via sentado à Praça, sendo, pelo contrário, frequente vê-lo a passar no Batel carregando molhos de lenha, ou a descer a Bandeja com um feixe de espiga às costas, ou a subir a Fontinha vergado ao peso de um pesado cesto de batatas, trazidos das Furnas ou do Areal. Como o peso dos anos já não lhe permitisse grande desenvoltura e ainda porque os carregos que transportava eram pesados e a Fontinha bastante inclinada, Tio Britsa subia-a muito lentamente. Dizia-se então, em ar jocoso, quando alguém andava muito devagar que “era como Tio Britsa pela Fontinha acima: dava um passo para a frente e dois para trás.”

Tio Britsa era uma pessoa honesta, virtuosa, vivia para si e para os seus, metido consigo próprio mas, dado que era muito simples e um pouco incauto, alguns, julgados mais sábios ou importantes, metiam-se com ele, com chalaças, brincadeiras e, por vezes até com alguma chacota ou ar trocista. Porém, pelo menos aparentemente, nada o incomodava. Contava-se até que certa vez utilizando o arame dos Paus Brancos para lançar uns molhos de lenha por ele abaixo, o arame rebentou. Muito aflito e considerando-se culpado, tio Britsa veio denunciar-se a si próprio ao Mancebo, na altura presidente da Junta. Muito nervoso e preocupado ter-lhe-á dito simplesmente: “Eu quebrei a verga”. A partir daí ele ficou com apelido de “Eu quebrei a verga”, o qual se propagou até aos netos.

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publicado por picodavigia2 às 16:17

FONTE DE SILÊNCIO

Quinta-feira, 31.10.13

quando me aproximava

para te abrir

e aparar

em balde de madeira   opíparo,

a água límpida e fresca

que de ti jorrava

disfarçava a pressa

e dispunha-me

a ouvir

os pingos ritmados

que    terminada a safra,

emanavam de ti

e caíam

sobre a peanha

de onde já havia retirado o balde

 

cuidava eu,

que aqueles pingos

vinham carregados

de enigmas

que eu tentava compreender

porque me pareciam

lágrimas semelhantes

às que    tantas vezes

eu vira brotar

do rosto da minha mãe

- fonte de silêncio!

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publicado por picodavigia2 às 10:18

TI'ANTONHO BONZINHO

Quinta-feira, 31.10.13

António Lourenço Fagundes nasceu, na Fajã Grande, na rua da Assomada, em 1849, sendo seus pais José Lourenço Fagundes e Mariana Joaquina da Silveira, casados na igreja da Fajãzinha, antiga paróquia das Fajãs, no longínquo ano de 1838. Ainda jovem e tentando esquivar-se à vida de miséria e penúria que abalroava a sua família e quase todas as da freguesia e tentando livrar-se do trabalho árduo, esclavagista e sem lucros a que estava condenado na Fajã, decidiu emigrar para a Califórnia, seguindo o exemplo de tantos outros conterrâneos. Mas na altura não era fácil, pois a emigração legal era obstaculizada por variadas limitações, entre as quais a dos transportes que, na altura, eram raros e caros, enquanto, por outro lado, a emigração clandestina era muito perigosa e arriscada. O jovem, corajoso e temente a Deus António, sem dinheiro e sem alguém que lho emprestasse, optou pela segunda e lá partiu, sozinho, às escondidas da noite, conseguindo embarcar na Ribeira das Casas, onde se havia escondido na véspera, misturando-se, de madrugada, com os marinheiros de um escaler que haviam ido a terra abastecer-se de água e de viveres. Atravessou o Atlântico, dos Açores à costa leste americana, nesse pequeno e frágil escaler, movido a remos e à vela. A bordo dispôs-se a fazer todo o tipo de trabalhos, com o objectivo de justificar o pagamento da viagem: remou de dia e de noite, cozinhou, limpou, despejou água do interior da embarcação e limpou latrinas. Uma vez chegado à cidade de Hudson, no estado de New Hampshire, aí permaneceu algum tempo, realizando todo o tipo de trabalho, do mais vil ao mais humilhante, a fim de conseguir dinheiro para pagar a viagem que o haveria de levar até ao outro lado do mundo. Percorreu o continente americano de lés-a-lés e chegou à Califórnia, no ano de 1870, numa altura em que a construção e inauguração de diversas ferrovias interestaduais, que passavam a ligar o estado com o resto do país e que fizeram com que aquele estado conhecesse um período de grande desenvolvimento e passasse a crescer drasticamente, registando uma das taxas de crescimento anual mais altas do país, o que aumentou significativamente a sua população e permitiu o florescimento de muitas cidades. Por isso mesmo, o jovem António não teve dificuldade em empregar-se trabalhando, primeiro, nas construções das linhas férreas por aqui e por além, fixando-se mais tarde, na cidade de São Francisco, trabalhando na construção do enorme e gigantesco porto daquela cidade. Alguns anos depois, sentindo saudades da terra e da família, cuidando que tinha o dinheiro suficiente para comprar umas territas e reconstruir a casa dos pais, decidiu voltar à Fajã, não se esquecendo de trazer os célebres “papeles” com os quais os filhos, se os tivesse e um dia assim entendessem, pudessem fixar-se nos Estados Unidos. Quando chegou à Fajã, os pais já haviam falecido. António comprou algumas terras, fez alguns arranjos na casa que os pais lhe haviam deixado na Assomada e recomeçou a sua vida na ilha. Apesar de tudo, a casa era pequenina e, como o dinheiro era pouco, acabou por em quase nada a transformar: era velha e velha ficou, era pobre e pobre permaneceu, com um piso superior para as pessoas e duas lojas no piso inferior: uma para o gado e outra para latrina e arrumos. Como era “americano”, embora com pouco dinheiro, casou, aos 33 anos de idade, com uma sobrinha de apenas vinte anos, de nome Maria de Jesus Fagundes, na igreja paroquial da Fajã Grande, em 30 de Novembro de 1882. Desse casamento nasceram muitos filhos, uns mortos, por via da consanguinidade, outros morrendo depois de nascer e uma filha permanecendo deficiente mental ao longo de toda a sua vida. Um bom punhado deles, no entanto, vingou. Uma vez crescidos, agarram-se aos “papeles” que lhes tornava a fuga da ilha legal, e zarparam para a América, na procura do “Eldorado” que o pai pouco aproveitara. Deixando os pais, já velhotes e a irmã demente aos cuidados de um irmão mais novo, por lá ficaram e fixaram residência para sempre.

Impusera-se no entanto, Ti’Antonho pela sua bondade, paciência, generosidade e espírito de ajuda não apenas para com a mulher e para com os filhos mas também para toda a freguesia, o que lhe valeu o epíteto de “Tio Antonho Bonzinho”. Os seus dias eram passados nos campos a trabalhar ou em casa com a mulher doente e a filha enlouquecida. Não saía à noite, antes pelo contrário ficava em casa e, depois de cear e lavar os pés, juntamente com a família, rezava o terço, findo o qual se seguia uma infinidade de Padre Nossos e Avé Marias por alma de todos os antepassados, parentes, amigos e vizinhos, que se haviam finado e pela saúde e felicidade dos filhos que estavam tão longe dali. Juntamente com o filho que com ele ficara, lá ia trabalhando as poucas e pequenas terras que tinha e criando uma vaquita que ficava na loja de noite e de dia nos pastos do Outeiro Grande e dos Lavadouros e que lhe ia dando leite necessário para as sopas da ceia e os ajudava a lavrar os campos e puxar o corsão.

Tio Antonho Bonzinho um dia morreu. Morreu de cansaço, de sofrimento, de velhice, mas morreu com alegria e felicidade por ter cumprido com dignidade, nobreza e humildade a sua missão na terra. Na sua casa da Assomada deixou a esposa enferma numa enxerga, a filha demente e o filho mais novo a tratar das duas e a trabalhar os campos para as sustentar. Este filho era aquele que mais tarde foi o meu pai e, consequentemente Ti ‘Antonho Bonzinho foi o meu avô.

A “História dos Açores” também se faz com estes homens!

 

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publicado por picodavigia2 às 09:23

A UM CONSTRUTOR DE BARCOS QUE FOI MEU PAI

Quinta-feira, 31.10.13

(POEMA DE URBANO BETTENCOURT)

     Os punhos que ergueste contra

     um tempo de promessas

     e a tua voz que não passou além

     do cume dos nossos montes adormecidos,

 

MEU PAI:  os barcos que fizeste

     eram pequenos de mais para viajar

     o teu sonho

     a tua raiva

     o teu cansaço

 

     tu fabricante de viagens

     amordaçadas

     arquitecto de ilhas

     naufragadas

 

MEU PAI:  sei bem do tempo

     em que os carangueijos roíam as raízes

     da tua ilha - apodrecendo

     e os barcos murchavam

     na baía

     (recordo que a viola perdeu

     a voz num prego da parede.)

     E daí

     o teu barco de tédio e cansaço

     único a não esbarrar

     contra os muros das ilhas vizinhas.

 

Urbano Bettencourt

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publicado por picodavigia2 às 00:05

MANUEL HENRIQUE DIAS

Quarta-feira, 30.10.13

O poeta e prosador Manuel Henrique Dias nasceu no Cais do Pico, em 1867 e faleceu na mesma vila em 1902. Trabalhou num cartório, serviu a política e acreditou nela, por algum tempo. Com Domingos Machado Soares, fundou, em 1885, o jornal Pico, onde está publicada alguma da sua poesia. Foi redactor principal e proprietário de O Independente, criado em S. Roque, em 1886.

Em 1889, publicou o seu primeiro e único livro de versos – Harpejos, - impresso em Lisboa. Revelou-se um poeta sentimental e ardente. No prólogo, desse seu livro escreveu: «Principiei a fazer versos aos quinze anos, sem instrução literária, sem conhecimento das regras de arte, sem leitura quase, sem nada, enfim, que pudesse auxiliar-me.» A sua obra principal veio depois, quando o seu espírito se amadureceu na luta, se amoldou à realidade e que ele espalhou pelo jornalismo faialense e picoense, com reflexos na imprensa de outras terras.

Manuel Henrique Dias suicidou-se no mar, no sítio da Furna, próximo do Cais do Pico. «As últimas palavras do suicida» foram publicadas em O Telégrapho, jornal que também publicou, postumamente, o seu inédito «Coisas e Loisas»

 

Dados retirados do CCA – Cultura Açores

 

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publicado por picodavigia2 às 23:40

QUEM NOS CRIOU

Quarta-feira, 30.10.13

Quase todos os domingos, a seguir à missa, as crianças da catequese de todas as idades tinham que permanecer na igreja por mais algum tempo, a fim de prestarem contas das aprendizagens da doutrina que iam fazendo, semana após semana, em casa das suas catequistas. É que o pároco aproveitava esse momento para inspeccionar a forma como tinham decorrido as horas de catequese semanais e para avaliar as crianças sobre o que tinham ou não tinham aprendido, seleccionando assim, os que possuíam os requisitos mínimos para fazer a primeira comunhão, a comunhão solene ou para crismar.

Depois de ir à sacristia retirar os paramentos, o padre Pimentel dirigia-se até ao cruzeiro, envergando a sua batina negra, com um botão ou outra por abotoar e, começando a andar de lá para cá, ia interrogando uns e outros, como que fazendo uma espécie de exame oral a todos. As crianças sentavam-se nos dois primeiros bancos da frente: as meninas do lado da epístola e os rapazes do lado do evangelho. As catequistas, uma ou outra beata, algumas mães e outros familiares esperavam sentados, por aqui e por acolá, espalhados por toda a igreja. O reverendo, exigindo silêncio absoluto, iniciava o interrogatório e, regra geral, os resultados eram muito bons. Quase todos tinham na ponta da língua e papagueavam as respostas do catecismo e cada um, na sua vez, respondia tintim por tintim às perguntas que o reverendo fazia, tal e qual estavam escarrapachadas no catecismo e que haviam decorado ao longo de semanas e semanas, com a ajuda das senhoras catequistas. Um ou outro entupia, um ou outro enganava-se, um ou outro deixava uma palavra atrás, mas quase todos lá se iam desenrascando, com um ou outro erro, sem que o prebendado desse muito por isso ou se aborrecesse, até porque era por demais evidente, que não estava ali para muitas demoras. Por isso olvidava ou fazia por olvidar, as falhas os enganos e os engasgamentos. Coisas de somenos importância. Nada que rondasse a heresia ou que cheirasse a apostasia.

Certo domingo, porém, ao perguntar ao Antonino da Cuada “Quem nos criou?”, o fedelho que, pelos vistos ou não estudara nada nas últimas semanas ou esquecera aquela parte do catecismo, ficou mudo e quedo.

- Então? – Insistiu o reverendo. – Não sabes quem te criou?

 O Antonino, depois de reflectir um pouco, saiu-se com esta;

- Ah! Quem me criou?! Foi meu pai, minha mãe, o leite da nossa Benfeita e o dinheiro da caixa verde!

Quebrando a tolerância habitual a pequenos erros e a uma ou outra incorrecção, o reverendo, desta feita, foi aos arames. Chamou-lhe paspalho, ameaçou puxar-lhe as orelhas se a cena se repetisse, mandou-o estudar e, no domingo seguinte, na homilia feita da grade, antes da missa, os da Cuada levaram um grande raspanete, por, alegadamente, não cumprirem um dos mais importantes e elementares mandamentos da Santa Madre Igreja, ou seja, ensinar a doutrina cristã aos seus filhos ou, pior do que isso, não os enviar a casa das catequistas que as havia na freguesia, muito competentes e sempre dispostas a ensinar a doutrina cristã.

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publicado por picodavigia2 às 17:59

A IDADE COM QUE SE CASAVAM AS NOSSAS AVÓS E BISAVÓS

Quarta-feira, 30.10.13

No seu livro “Casais das Flores e do Corvo” publicado em 2006, Francisco António Pimentel Gomes dá-nos a conhecer os extractos dos assentos de casamento realizados nas doze paróquias das duas ilhas do Grupo Ocidental Açoriano, entre os anos de 1675 e 1911. No que à paróquia de São José da Fajã Grande diz respeito, os extractos referenciados no livro mencionam apenas os matrimónios realizados a partir da data da criação da paróquia, ou seja a partir de 1861 pelo que enumeram apenas os cerca de trezentos casamentos realizados entre os anos de 1861 e 1911, na paróquia de São José da Fajã Grande. Sendo assim os nubentes que figuram nestes registos foram os avós e os bisavós da geração nada e criada, na Fajã Grande ou a ela ligada, nas décadas de quarenta, cinquenta e sessenta. Há alguns aspectos interessantes que ressaltam de uma análise dos dados referidos, sendo um deles o da idade com que se casavam, nessa altura, as mulheres. Efectuadas as análises dos referidos registos, tanto quanto foi necessário, verifica-se que a idade mais frequente com que casavam as meninas nossas avós, era a de entre os vinte e vinte cinco anos. De registar, no entanto que muitas mulheres casavam bastante mais novas, pois oito casaram com quinze anos, quatro com catorze e uma apenas com treze. Algumas mulheres casavam, no entanto, já com idade avançada, verificando-se muitos casamentos depois dos cinquenta, alguns após os sessenta e até uma mulher casou com a bonita idade de setenta e um anos. Muitas destas mulheres não eram viúvas e algumas eram bem mais velhas do que os maridos.

Assim, com a tenra idade treze anos casou apenas uma menina, com catorze anos casaram quatro, com quinze, oito, com dezasseis, nove, com dezassete também nove, com dezoito, o maior número, ou seja vinte e cinco e com dezanove casaram dezasseis meninas. Por sua vez o número de mulheres que casaram com vinte anos de idade foi de dezanove, com vinte e um, vinte duas, com vinte e dois anos vinte, com vinte e três catorze, com vinte e quatro casaram dezasseis, com vinte e cinco dezoito, com vinte e seis catorze, com vinte e sete também casaram catorze, com vinte e oito igual número, ou seja catorze e com vinte e nove contraíram matrimónio cinco mulheres. Com a idade de trinta anos casaram quatro mulheres, com trinta e um casaram seis, com trinta e dois, quatro, com trinta e três, dez, com trinta e quatro, seis, com trinta e cinco também casaram seis, com trinta e seis casaram dez, com trinta e sete, com trinta e oito anos, nenhuma e com trinta e nove apenas duas. O número de quarentonas que casaram durante este período foi de vinte e oito: com quarenta, quatro, com quarenta e um, três, com quarenta e dois, duas, com quarenta e três, uma, com quarenta e quatro, duas, com quarenta e cinco, uma, com quarenta e seis, duas, com quarenta e sete, quatro, com quarenta e oito, três e com quarenta e nove, duas. Já na casa dos cinquenta, apenas casaram seis mulheres: uma com cinquenta anos de idade, uma outa com cinquenta e um, duas com cinquenta e dois, uma com cinquenta e três e uma outra com cinquenta e seis. Finalmente e com a provecta idade de sessenta anos casaram duas mulheres e com sessenta e um, uma. A mulher com mais idade que casou, nesta época, na Fajã Grande tinha, nada mais nada menos, do que com a bonita idade de setenta e um anos. Durante estes anos casou uma mulher considerada exposta e, portanto, sem pais identificados e sem idade certa.

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publicado por picodavigia2 às 16:04

O CLARINETE

Quarta-feira, 30.10.13

A década de sessenta, embora demarcada por um adocicado sabor de inocência a contrastar com um abrupto despoletar das mais diversificadas manifestações musicais, provocara um enorme e atrofiante desgaste na filarmónica da freguesia. A avalanche de músicos desabrochada nos anos anteriores, transformara-se num reduzidíssimo elenco que ameaçava por em causa a continuidade de um dos maiores orgulhos da terra, a União Musical Santestevense, a muito custo fundada, estruturada e organizada, na década anterior. Uma razia!

A aquisição dos instrumentos havia custado uma fortuna. Os fardamentos e outros acessórios aumentaram, substancialmente, o montante. Não houve subsídios e foi a generosidade do povo da pequena freguesia que, unindo esforços e conjugando sacrifícios, ombreou com uma despesa estonteante. Agora, se não lhe acudissem, estava prestes a fenecer. A maioria dos músicos desertara. Uns haviam partido para a tropa, outros emigrado para América, um outro dos mais velhos falecera, enquanto alguns desmotivando-se, pura e simplesmente haviam desistido. O elenco amplo, excessivo e volumoso dos tempos áureos da sua fundação, ia-se, aos poucos, afunilando e atrofiando, aos solavancos, como se fosse um enorme balão a esvaziar-se, lentamente. Agora, apenas uma dúzia de carolas! Muitos instrumentos dias e dias sem emitirem uma nota que fosse, enferrujavam nos armários.

Impunha-se, pois, recrutar pessoal, a quem os mais velhos haviam de dar formação. Mas a rapaziada, cada vez mais reduzida e, além disso, aliciada pelo aparecimento dos Beatles e pelo despoletar do Rock and Roll, todo o dia de rádio ao ouvido, gravador debaixo do braço, encolhia os ombros. Recrutar mulheres, impossível, naqueles tempos regidos e demarcados ainda por uma pesada oposição ao vacilante dealbar dos movimentos feministas.

A Maria José, uma das mais belas moçoilas da freguesia, fora nada e criada num ambiente de sedutoras vivências musicais. Vivaça, afoita e despida de complexos, a música estava-lhe no sangue. O pai, recentemente falecido, fora um dos mais brilhantes clarinetistas da freguesia e a mãe, quando nova, em festas e serões, dedilhava com alguma habilidade, uma antiga viola da terra que havia lá em casa, habitualmente colocada em cima da cama da sala, envolvida por um belo xaile de merino e que lhe havia sido doada, por um tio-avô.

Corajosa e destemida, apresentou-se, pois, a moça, entre meia dúzia de bigorrilhas, desajeitados, chavascos e desmiolados, como candidata a um lugar na filarmónica da freguesia. A notícia, inesperada e abrupta, correu célere, sofreu cerrada oposição, e originou os mais disparatados e inverosímeis comentários. Nem o respeito que a memória do pai impunha salvou a moça de lascivos e mal-intencionados comentários. Parecia que o céu caía em catadupa. Uma mulher a tocar na banda…metida no meio de homens!... Totalmente inconcebível! Nunca tal se vira, nem nunca tal se havia de ver. Uma vergonha! Uma ofensa! O fim do mundo, em cuecas…

Persistente, voluntariosa e disposta a contrariar tabus e a destruir preconceitos, Maria José lutou contra cerradas oposições, venceu inexcedíveis obstáculos, ultrapassou desmesuradas barreiras, esqueceu malévolos mexericos. Manejando o clarinete com arte, destreza e sabedoria, não se lhe podia negar o desiderato. A sua persistência e uma excelsa apetência para a música, tornou-se numa enorme mais-valia para a banda, assumindo-se também como pioneira duma presença feminina na mesma. Choveram as intimidações, desabaram as críticas, abundaram os comentários malévolos e as apreciações mordazes. Mas tudo ultrapassou, erguendo-se como pioneira da presença feminina uma banda de música.

Depois dela muitas outras jovens, seguindo-lhe o exemplo, se candidataram à aprendizagem da música e ao manejo dos instrumentos, fazendo com que o elenco da União Musical Santestevense crescesse e tornasse sólido e a banda regressasse aos momentos áureos e aos êxitos da sua existência inicial

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publicado por picodavigia2 às 10:27

A RIBEIRA DO FERREIRO

Quarta-feira, 30.10.13

A Fajã Grande, integrada numa das maiores fajãs açorianas, era ladeada a Norte, a Leste e a Sul por uma rocha elevadíssima, com uma altura média superior aos 400 metros, atingindo, nos píncaros mais elevados, como o da Rocha da Figueira, quase os seiscentos metros de altitude. Desta alta rocha emanavam numerosas grotas e diversas ribeiras, onde, em muitos casos se soltavam belas e interessantíssimas cascadas. Estas, ora rápida ora lentamente, iam galgando penhascos, saltando andurriais e descendo encostas até caírem por completo no chão. Aí como que se perdiam em pequenos poços ou se dissipavam em lagos, escoando-se, de seguida, por entre pedregulhos e rochedos, ladeando relvados e veredas, serpeando outeiros e planícies, ora formando e alimentando pequenos regatos que penetravam nas relvas e as transformam em lagoas ou correndo caprichosamente por entre penedos e maroiços, alimentando moinhos, dando de beber aos animais e formando aqui ou além pequenos lagos que, ladeados por pedras a servir de lavadouros eram locais privilegiados, onde as mulheres se reuniam para lavar a roupa, para amaciar os cestos de vime ou para branquear as tripas dos porcos.

Uma destas ribeiras, talvez a mais enigmática e misteriosa de todas as da Fajã Grande, era a Ribeira do Ferreiro. Nascendo lá bem no alto, para os lados do Rochão Grande, atravessando o Rochão do Junco e o Rochão Tamujo, a Ribeira do Ferreiro descia a rocha, rápida e flamejante, formando uma das mais belas e graciosas cascatas que proliferavam, na zona do Curralinho e Lavadouros, bem próximo do Poço da Alagoinha. Depois corria ora suave ora altiva e revoltosa, por entre penhascos e ravinas, circundando penedos e desenhando lagos, como uma espécie de fronteira natural entre os Lavadouros e o Curralinho, sem, no entanto deixar de parar, a fim de a enriquecer a beleza e graciosidade do Poço da Alagoinha, o qual também ajudava a alimentar com as suas águas frescas e cristalinas. Continuando a manter-se grandiosa e imponente, a Ribeira do Ferreiro seguia o seu percurso por entre relvas, terras de mato e uma ou outra horta, como que se escondendo por entre um denso e verde matagal, até se juntar, ali para os lados da Fajã das Faias, à Ribeira Grande, da qual constituía o seu maior e mais caudaloso afluente.

Quase esquecida por que encoberta por densa vegetação, a Ribeira do Ferreiro tornou-se mais visível quando da abertura da estrada entre o Porto da Fajã e a Ribeira Grande. Posto a descoberto, nessa altura, uma boa parte do seu leito, foi necessário construir uma ponte, no lugar do Vale Fundo, a fim de ligar a Fajã à Fajãzinha. A abertura da estrada, neste local, no entanto, ficaria assinalada e ensombrada para sempre por um trágico acidente em que perdeu a vida o Corvelo e em que ficaram feridos o Francisco Facha e o Roberto de José Padre.

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publicado por picodavigia2 às 09:31

VENDAVAL

Quarta-feira, 30.10.13

Há barcos perdidos

no meio do oceano.

 

Há velas destroçadas

e gaivotas refugiadas em terra.

 

As nuvens correm amedrontadas

como se fossem bonecos embriagados.

 

Dos cumes dos montes

e das encostas menos soalheiras

emana um desespero arrepiante.

 

As folhas das árvores

caem,

rodopiam e enrolam-se

nos troncos nus

dos candeeiros apagados.

 

Ruas desertas

portas fechadas,

trancadas

à espera

dum novo amanhecer…

 

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publicado por picodavigia2 às 00:00

A LENDA DA CANA-DA-ÍNDIA

Terça-feira, 29.10.13

Quando era criança, uma das estórias que ouvia era a lenda da Cana-da-Índia. Rezava, mais ou menos, assim:

Há muitos, muitos anos havia na ilha das Flores um pescador que era casado e tinha uma filha a quem pusera o mesmo nome da sua mulher, Maria. Eram bastante pobres, pois viviam alimentando-se, apenas, com uma pequena parte do peixe que o homem pescava. A restante parte vendia-a e era com esse pouco dinheiro que comprava o pão, o leite, o açúcar e todos os outros produtos necessários não só à alimentação da sua família mas também à manutenção do seu barco. Apesar de pobres e com parcos recursos viviam felizes e na paz do Senhor, contentando-se com o produto das pescarias que o homem fazia, ora de dia se o mar estava calmo ora de noite se era tempo de lua.

Porém, numa sexta-feira a vida do pescador e da sua família mudou radicalmente. Uma vizinha que, apesar de desconhecerem, estava disfarçada pois era uma feiticeira, estava às portas da morte e a mulher e a filha do pescador, boas e caridosas, tiveram muita pena dela e foram visitá-la, oferecendo-se para ajudá-la e socorrê-la no que necessitasse. A feiticeira, agoniada, cuidando que ia morrer sem passar a sua sina a outra mulher, pegou num novelo e desenrolando-o pelo chão, gritava:

- Quem pega que eu largo!? Quem pega que eu largo?

A mulher do pescador, vendo aquele sofrimento, sem saber no que se estava a meter e querendo ajudar a vizinha, aliviando-a na sua dor, ajudada pela filha, pegou no novelo. Imediatamente a feiticeira morreu e no mesmo instante a mãe e a filha ficaram possuídas da sua sina, ficaram enfeitiçadas.

A princípio o pescador não deu por nada e a vida parecia continuar como era costume. Mas, pouco tempo depois, o homem começou a notar alguma coisa estranha.

Certo dia, ao dirigir-se de madrugada para o porto, ao entrar na ramada, encontrou o seu barco todo molhado como se tivesse navegado toda a noite, sem ter sido ele a ir ao mar. Por isso desconfiado e de pulga atrás da orelha, começou a tentar descobrir o que se havia passado durante a noite.

Na noite seguinte deitou-se e fingiu que estava a dormir. Altas horas da noite, a mulher e a filha saíram de casa. Sem que elas se apercebessem, ele saiu atrás delas. Enquanto as duas Marias vagueavam pela terra, o pescador correu para o barco, embrulhou-se no pano duma vela e escondeu-se à popa. Passou ali mais de uma hora e, quando era pouco mais da meia-noite, chegaram a mulher e a filha. Logo uma delas, virando-se para o barco, disse:

— Põe-te a caminho com as duas!

Mas o barco não se mexeu e então a outra mandou:

— Põe-te a caminho com todos!

Então o barco, de imediato, pôs-se a andar por cima das ondas com tal velocidade que mais parecia voar. Em poucos instantes estavam numa praia da Índia. As duas feiticeiras desembarcaram, meteram-se por terra, entre um canavial que ficava à beira-mar e ali comeram, beberam, dançaram e folgaram com dois rapazes que tinham vindo do mato.

O pescador estava tolo com o que via, mas teve ainda a ideia de arranjar uma prova para as suas palavras. Arrancou uma cepa de cana e voltou para o barco onde se escondeu outra vez.

As feiticeiras chegaram, daí a algum tempo, e, saltando para dentro do barco, puseram-se a caminho, depois de uma gritar:

— Põe-te a caminhar com todos!

O poder da feitiçaria era tanto que muito antes de amanhecer já estavam novamente nas Flores e com o barco varado.

Logo que pôde, o pescador foi contar ao padre o acontecimento, mostrou-lhe como prova a cepa de cana e pediu-lhe a sua intercessão. O padre veio à sua casa, benzeu a mãe, a filha e o barco também. Quebrou-se o novelo e o enguiço e acabou a sina de feiticeira das duas mulheres. Mas o que nunca mais acabou nas Flores foi a cana-da-Índia, que rebentou da cepa que o pescador trouxe e que plantou no seu quintal, como testemunho do que tinha vivido naquela noite.

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publicado por picodavigia2 às 23:11

ÂNGELA ALMEIDA

Terça-feira, 29.10.13

Ângela Maria Duarte de Almeida nasceu na cidade da Horta, em 6 de agosto de 1959. É licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa desde 1983. Possui o curso completo de Língua e Cultura Italiana, pelo Instituto Italiano di Cultura in Portogallo, um bacharelato em Turismo e o Curso de Guia-Intérprete Nacional, no Instituto de Novas Profissões. Foi assistente convidada da Universidade dos Açores e assessora para a Cultura na Câmara Municipal de Ponta Delgada. Ângela Almeida tem exercido um papel relevante como dinamizadora de realizações culturais nos Açores.

As suas principais obras literárias são: a nível da poesia Pela Vertente do Sonho, Sobre o Rosto e  Signo. Na prosa ressaltam: Eugénio de Andrade: a Água, a Terra, o Fogo e o Ar, Bibliografia e Iconografia, O Baile das Luas.(narrativa poética). Natália Correia, Mãe Ilha, Retrato de Natália Correia. Uma Valsa para Antília e Ilha das Flores - A Sedução da Água.

 

Dados retirados do CCA – Cultura Açores

 

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publicado por picodavigia2 às 22:34

ABRAÃO VAI PERDIDO

Terça-feira, 29.10.13

Os nevoeiros, as brumas, as tempestades e os temporais que surgiam frequentemente nos matos da Fajã, para além de perigosos eram, por vezes, aterradores e já alguns homens e rapazes que nesses dias tenebrosos demandavam aqueles andurriais, se haviam perdido, embora, na maioria dos casos, apenas temporariamente.

Mas homem prevenido vale por dois. Baseado nesse princípio e temendo que, mais dia menos dia, lhe pudesse acontecer o mesmo, isto é, que também havia chegar a sua vez de se perder no mato, no meio de um nevoeiro ou envolto numa tempestade, o velho Abraão, sem o confessar a quem quer que fosse, dia após dia, lá foi escrevendo, a letras garrafais, numa quantidade de tirinhas de papel julgada necessária, a seguinte frase: “Abraão vai perdido.” Guardou-as muito bem guardadas nos caninhos de uma caixa e, a partir de então, sempre que ia para o mato, quer estivesse sol de rachar, quer se previsse nevoeiro ou se adivinhasse temporal, lá ia Abraão, de cordas ao ombro e bordão em riste, com os papelinhos escritos, bem escondidos num dos bolsos.

E não é que o previsto aconteceu! Ia Abraão, certo dia, com destino a Santa Cruz, atravessando o Rochão Grande, prestes a chegar à Burrinha. Um forte nevoeiro tapou-lhe os olhos, tolheu-lhe os passos e entonteceu-o de tal modo que perdeu o rumo. Estava completamente perdido mas muito animado, recorrendo de imediato ao seu segredo, aos papéis que continha num bolso. Lá foi deixando cair os papéis um após outro, enquanto deambulava sem saber o rumo. Passou a noite numa furna, onde facilmente o encontraram aqueles que, seguindo os papelinhos, na manhã seguinte, o foram procurar.

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publicado por picodavigia2 às 20:14

O NAUFRÁGIO DO “STORTIND”

Terça-feira, 29.10.13

Muitos e variados foram os naufrágios que ao longo dos anos se verificaram nos mares circundantes à Fajã Grande. Situada no ponto mais ocidental da Europa e arpoada a oeste, a ponta do baixio com o seu pequeno e fraco farol era, apesar de tudo, até à segunda metade do século passado, um ponto de referência necessário e obrigatório para todas as embarcações que, oriundas das Américas, pretendiam rumar à Europa do Norte e do Sul, bem como as provenientes do Mediterrâneo e da Costa Ocidental Africana e que tinham como rota principal o Atlântico, na tentativa de aproveitar os ventos e as correntes favoráveis. Assim navios, paquetes, cargueiros, escaleres, escumas, lugres, galeras, bacalhoeiros, patachos. barcas, bergantins, iates, brigues e todo o tipo de embarcações eram como que obrigadas, nas suas rotas marítimas através do Atlântico, a demandar, ao de perto, a costa mais ocidental da ilha das Flores, a Fajã Grande.

Muitos deles, porém, terminaram os seus dias entre os baixios e escolhos da ilha das Flores, acossados por ventos, temporais e neblinas ou atingidos pelas balas e flechas assassinas da pirataria É que nem sempre as condições de navegabilidade, por aquelas paragens, eram as melhores. Umas vezes era o próprio mar altivo, bravo e revolto que dificultava a navegação e provocava naufrágios, outras as intensas neblinas e nevoeiros que com tanta frequência se formavam naquelas orlas marítimas. Num caso e noutro era muito difícil navegar com segurança e serenidade e chegar ao porto pretendido. Mas não eram estes apenas os maiores e mais eminentes perigos. Outros havia, que punham em risco a navegação ao redor da ilha. Por um lado a pirataria, sempre predisposta a atacar, a saquear, a roubar, a atirar e a matar, tanto em terra como no mar e da qual nem sempre as populações se sabiam defender e, por outro, as guerras mundiais que dominaram uma boa parte das primeiras cinco décadas do século XX, durante as quais barcos de guerra e submarinos pertencentes aos países envolvidos nesses conflitos mundiais atacavam sem dó nem piedade tudo o que lhe aparecesse pela frente, mesmo se tratando de vítimas inocentes, quer fossem pessoas quer embarcações. Foi o que aconteceu no dia 2 de Setembro de 1908 quando um cargueiro norueguês de nome “Stortind” navegava ao largo da costa oeste da ilha das Flores, por fora da Fajã Grande, transportando carga diversa, viajando entre Baltimore e La Palice. Este cargueiro, com quinze tripulantes, juntamente com uma pequena embarcação local, com nove pessoas a bordo, foi atacado e torpedeado por um submarino inimigo em plena 1ª Guerra Mundial. Deste ataque resultou a destruição e o naufrágio de uma e outra embarcação. O “Stortind” ficou de tal modo destruído, tornando-se incapaz de continuar viagem. Os náufragos de ambas as embarcações lançaram-se ao mar nos respectivos salva vidas e aportaram ao porto da Fajã Grande, onde aguardaram meios que, mais tarde, lhe proporcionassem o regresso aos seus países. Abandonados na costa. os salva-vidas foram, mais tarde, arrematados em asta pública e adquiridos por José Alexandre da Silveira e António Caetano Serpa, comerciantes de Santa Cruz.

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publicado por picodavigia2 às 20:08

LENDA DO RIO DOURO

Terça-feira, 29.10.13

Como muitos outros rios também o Rio Douro anda envolvido num episódio lendário. E diz-se que, no momento da criação, quando Deus procedeu ao lançamento dos rios pela terra, com a determinação do dia em que dariam início à marcha para o destino comum — o mar —, o Douro se deixara adormecer. Assim, não pôde partir na hora aprazada pois só lembrara a prescrição ao acordar do seu sono pesado.

Com a maior surpresa, ainda estremunhado, o Douro pôde ver que os outros rios já serpenteavam nos vales, cortando serras e dividindo montes, em cumprimento dos propósitos fixados por Deus para seu fadário. Face ao seu descuido, passado o momento da estupefacção, cobrou ânimo e pensou na maneira de levar a cabo a recuperação. Então, para ganhar o que perdera com o seu descanso, empreendeu uma corrida difícil, mas decidida e corajosa, descendo fragas, atravessando montanhas, partindo rochas, galgando penedias, até que atingiu o oceano atlântico muito antes dos outros, apesar destes terem saído mais cedo, mas que preferiram escolher um trajecto com terrenos mais suaves.

 

Fonte Biblio VALLE, Carlos Revista de Etnografia 26, Tradições Populares de Vila Nova de Gaia - Narrações Lendárias Porto, Junta Distrital do Porto, 1969 , p.422

 

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publicado por picodavigia2 às 16:53

AFRODITE

Terça-feira, 29.10.13

Cronos era o deus do tempo. Certo dia, após uma esporádica rebelião entre os deuses do Olimpo, decidiu castigar Úrano, castrando-o e atirando-lhe os genitais ao mar. De imediato, formou-se, na água, um enorme remoinho de espuma, da qual surgiu uma bela mulher, Afrodite. Perdida no mar, foi Zéfiro, o vento norte, que, soprando suavemente, a transportou numa concha e a levou até à ilha de Chipre, onde as Horas a esperavam. Vestiram-na com um traje imortal e, adornando-lhe os cabelos com vistosas violetas, conduziram-na ao Olimpo, onde foi apresentada à assembleia dos deuses. A sua excelsa e ímpar beleza foi aclamada por todos. Jamais as divindades celestes tinham visto tão sedutora formosura, pelo que, de imediato, Afrodite foi consagrada e entronizada como a deusa do amor, da sedução e da sensualidade.

Afrodite cresceu e tornou-se tão linda, tão bela, tão atraente e tão sensual, que os deuses temiam que tanta beleza provocasse, entre eles, ondas de ciúme que haviam de por termo à paz e à harmonia, até então, reinantes no Olimpo. É que para além duma excelsa beleza, duma divinal sedução e do seu ar sensual e provocante, Afrodite era voluntariosa, amante do prazer e permanentemente dada a paixões provocantes e a eflúvios amorosos, mas inimiga da sensatez, da estultícia e da fealdade. Representava a doçura dos apaixonados, o ímpeto dos desejosos e o delicioso idílio da entrega dos corpos. Foi ela quem prometeu o amor da bela Helena ao príncipe Paris, comprometendo-os emocionalmente, a fim de que vivessem uma profunda e sublime paixão, sem se importar com as consequências que daí adviriam, consubstanciadas numa guerra sangrenta que devastaria e arrasaria, por completo, a cidade de Tróia.

Mais tarde, Zeus ficou ressentido, pois, tão grande era o poder sedutor de Afrodite que ele e os demais deuses do Olimpo lutavam, permanentemente, uns contra os outros, na disputa pelos encantos da bela diva, enquanto esta os desprezava a todos, como se de nada valessem. Como vingança e punição, Zeus obrigou-a a casar-se com Hefesto, o deus mais horroroso que existia no Olimpo e que, para além de feio, era coxo. Mas, apesar de inconformada com o casamento, a deusa não deixou de viver a voluptuosidade impetuosa das suas paixões. Assim, começou por trair Hefesto, não só com os mais belos deuses, mas também com muitos mortais. Hefesto apercebeu-se a tempo do embuste e, cuidando que estava a usar uma sábia perícia, cobriu-a com as melhores jóias do mundo, oferecendo-lhe, inclusivamente, um cinto mágico do mais fino ouro, mas entrelaçado com filigranas mágicas, com o fim de ela se sentir atraída por ele, não se apercebendo, o palerma, de que, mais do que por ele, aquele cinto mágico, mais a faria apaixonar-se e entregar-se a outros, em permanentes e irresistíveis paixões.

Afrodite sempre adorou o prazer sensual, a volúpia e o glamour. Amou e foi amada por muitos deuses e por outros tantos mortais. De entre todos os seus amantes, os mais famosos foram Anquises e Adónis, este também apaixonado por Perséfone, de quem a deusa era rival, tanto pela disputa do amor de Adónis, como no que se à sua beleza dizia respeito. É que Afrodite não admitia que nenhuma outra deusa ou mulher tivesse uma beleza comparável à sua, punindo os mortais que se atrevessem a desafiá-la, comparando a sua formosura com quem quer que fosse. Adónis era o jovem mais belo de toda a Grécia. Aprendeu com Afrodite a arte do amor, os segredos do corpo e do prazer. Um dia, enquanto a deusa descansava à sombra de uma árvore, Adónis caçava javalis. Ao atirar, atingiu um deles com uma flecha. Mesmo ferido, o animal teve forças para atacar e abater mortalmente o belo caçador. Ao ouvir os gritos de Adónis, Afrodite correu em seu auxílio. Mas chegou tarde demais, encontrando o seu jovem apaixonado, já sem vida. Abatida por uma dor infinita, a deusa recolheu algumas gotas do sangue do amado, regando com elas o chão, onde o jovem havia tombado. Do sangue de Adónis nasceu uma flor, a anémona, de vida efémera, florindo e renascendo em cada primavera, a relembrar o amor perdido pela deusa, também ele passageiro.

Outro dos amantes de Afrodite foi o próprio Zeus que, no entanto, nunca quis divulgar este seu enlevo, uma vez que a sua esposa Hera era muito ciumenta e Zeus tinha medo que Afrodite e ela fizessem algo que prejudicasse o seu casamento.

Outro deus que se apaixonou perdidamente por Afrodite, foi Ares que levava sempre para os seus encontros com a deusa, o jovem Aletcrião, deixando-o de vigília enquanto amava a bela deusa. Uma noite, porém, Alectrião deixou-se adormecer, enquanto Ares e Afrodite se entregaram, voluptuosamente, um ao outro. De manhã, quando Hélio, o deus Sol, despontou o dia, surpreendeu o ilícito idílio dos dois amantes. Indignado, Hélio procurou Hefesto e contou-lhe da traição da esposa. Na sua fúria de marido traído, Hefesto deixou-se abater pela tristeza, mas passado algum tempo, já recuperado, traçou um plano de vingança. Confeccionou uma rede invisível com finíssimos fios de ouro, tão resistente que nenhum homem ou deus a pudesse romper. Hefesto armou a sua rede sobre o próprio leito da traição, dizendo à esposa que se iria ausentar por alguns dias, partindo, de imediato, sem maiores explicações.

Cuidando que Hefesto estaria ausente, Ares e Afrodite entregaram-se, de novo ao prazer louco, enchendo-se de felicidade. Viveram uma noite de amor, descansados, sem o medo de serem surpreendidos. Movidos por uma arrebatadora paixão, deitaram-se, felizes, sobre o leito armadilhado. Só deram pelo ardil minutos depois, quando se viram prisioneiros da rede invisível. Naquele instante, Hefesto surgiu, cheio de cólera, gritando com uma voz tão forte, que se fez ouvir em todo o Olimpo. Todos os deuses acorreram e, presenciando a traição, testemunharam o crime dos dois amantes.

Hefesto estava disposto a deixar para sempre os amantes prisioneiros. Só através da mediação de Apolo se predispôs a soltá-los. Livre e envergonhada, Afrodite partiu para Chipre, sua ilha predilecta, enquanto Ares foi degredado para os campos de batalha da Trácia, a fim de esquecer, na guerra, as dores do amor findado.

Depois do degredo, Afrodite raramente descia à terra, relacionando-se com os mortais, adquirindo uma forma humana, possuindo o sublime poder de manipular um homem não só com a sua beleza e formosura, mas também com o seu olhar, ou simplesmente com o contacto físico ou mental.

Ainda hoje, Afrodite desperta o fascínio dos humanos, e dela se contam lendas das mais difundidas sobre a mitologia greco-romana, sendo o mito do seu nascimento, um dos mais explorados nas artes, nomeadamente, na pintura.

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publicado por picodavigia2 às 15:41

Ti JOSÉ TEODÓSIO

Terça-feira, 29.10.13

José Caetano Teodósio, conhecido na Fajã, na década de cinquenta, por “Ti José Teodósio” nasceu no longínquo ano de 1886, sendo seu pai António Caetano Teodósio e sua mãe Floripes Garcia de Mendonça, casados na nova paróquia da Fajã Grande, em 24 de Julho de 1880, mas baptizados ainda na igreja paroquial da Fajãzinha, antiga paróquia das Fajãs, uma vez que nasceram respectivamente em 1839 e 1844, quando a Fajã Grande ainda não era paróquia, nem tinha igreja paroquial. Ti José Teodósio, por sua vez, casou já no século XX, mais precisamente no dia 21 de Julho de 1906, na igreja paroquial da Fajã Grande, sendo sua esposa Maria da Glória de Freitas Teodósio. Deste casamento nasceram nove filhos, seis meninas e três rapazes, tendo o casal ainda adoptado uma criança órfã. Fixaram residência bem lá no alto, na última casa da Fontinha, de cuja sala, enorme e claríssima, se desfrutava duma das mais belas vistas sobre a Fajã, sobre grande parte das suas ruas e casas, sobre as terras do Porto e Areal, sobre a Ponta e a sua rocha, o ilhéu do Cão, o Monchique e Baixa Rasa, sobre o baixio negro e recortado e sobre o oceano ora calmo e tranquilo ora revolto e bravo.

Ti José Teodósio era uma figura imponente, altiva, digna e respeitada por todos. Mantinha ainda o tradicional traço do homem do século XIX, com um enorme bigode esbranquiçado a ocupar-lhe grande parte do rosto, suíças exageradamente descidas pelos lados da cara, face encardida e sulcada pelos rigores do tempo, mãos calejadas pelo trabalho árduo e contínuo dos campos e o corpo arquejado de canseiras e consumições. Fora um homem de muito trabalho, dedicando-se não só às terras “da porta” e arredores mas até às relvas do mato, onde consta que terá chegado a lavrar e a semear milho, com a ajuda dos dois filhos mais velhos. Mas paralelamente à intensa, cansativa, extenuante e contínua actividade agrícola, Ti José Teodósio ainda disponibilizava o seu tempo para as cantorias. Dotado de uma voz excelente e possuidor de um reportório musical genuinamente popular, herdado dos seus antepassados e das gerações anteriores, Ti José Teodósio era folião do Espírito Santo, cantava no Outeiro durante todas as terças e sextas da Quaresma e animava festas e casamentos com as suas cantorias, muitas vezes sem ser acompanhado por qualquer instrumento musical. Tio José Teodósio também era um homem extremamente generoso, sempre disposto a ajudar os outros e a partilhar com todos os seus bens e haveres, sobretudo a emprestar os diversos instrumentos agrícolas que lhe era permitido possuir, como arados, grades, caliveira, cangas, enxadas e sachos,  a quem deles precisasse. E nem era preciso pedir-lhe, pois Ti José Teodósio guardava-os num palheiro, ao lado da sua casa, cuja porta estava sempre aberta, tanto de noite como de dia, para que quem muito bem quisesse e entendesse os fosse ali buscar para o utilizar nos seus campos.

No entanto o que mais dignificava a generosidade e o grande e bondoso coração deste homem, que naturalmente também tinha os seus defeitos e os seus inimigos, foi o facto de ele e a esposa, apesar de já serem pais de nove filhos, terem adoptado uma menina de nome Maria de São Pedro, filha de pai incógnito e órfã de mãe, dedicando-lhe tanto carinho, tanto amor e tanto afecto, revelados sobretudo no dia seu casamento que, por decisão e vontade expressa dos mesmos, em nada foi inferior ao dos seus próprios filhos. Apesar de muito criança, lembro-me desse casamento, da enorme festa que foi, do lauto almoço realizado na sala da casa de Ti José Teodósio e, findo o qual, tive o privilégio de ver e ouvir o velho Teodósio recostar-se nas costas duma velha cadeira, fechar os olhos como se estivesse a sonhar e cantar para os noivos:

“O melro canta, beijando a flor,

E nós cantámos ao vosso amor.

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publicado por picodavigia2 às 14:03

O SALÃO

Terça-feira, 29.10.13

A igreja da Fajã Grande tinha apenas uma sacristia, situada do lado do Evangelho, ou seja, a sul e que ficava anexa ao templo com o qual comunicava através do púlpito e de duas portas, uma que dava para a capela-mor e a outra para o cruzeiro. Era um edifício pequeno, de um piso e com duas divisões. Uma destas era a chamada “”sacristia de cima” e era o local onde o celebrante se paramentava e que, para além de duas ou três cadeiras e uma pequena mesa que servia de secretária ao pároco, tinha um enorme gavetão, com alguns santos velhos em cima e um cruxifixo ao meio, em cujas gavetas se guardavam os paramentos e todas as outras vestes e roupas litúrgicas e um armário, encastoado na parede, que servia de resguardo aos cálices, píxides, relicários e restantes objectos de culto. Por sua vez, a outra divisão, onde se localizava a única porta que dava acesso ao exterior, chamada sacristia de baixo, era mais pequena, sendo grande parte do seu espaço ocupado com as escadas do púlpito, por baixo das quais havia um armário de arrumos, reduzindo-se o restante espaço praticamente a um corredor de passagem, ladeado por alguns armários, onde se guardavam os objectos necessários à ornamentação, arranjo e limpeza do templo.

O padre Pimentel, no início da década de cinquenta, que paroquiava a Fajã Grande nessa altura, sentindo que a sacristia era exígua e, sobretudo, por pensar que lhe faltavam espaços para arrumos, para a catequese, para ensaios, para preparar os andores, para guardar a Senhora da Soledade, para apoio à quermesse da Senhora da Saúde e até para recolher o milho das almas, decidiu que se havia de construir um salão. O projecto era simples e, ele próprio, o arquitectou. Tirava-se o tecto à sacristia, subiam-se-lhe três paredes, porque a do lado da igreja estava construída por natureza, colocava-se-lhe um tecto novo e construía-se assim, por cima de toda a área da sacristia, um segundo andar, formando um salão com um espaço um pouco superior ao da referida sacristia. A concretização do projecto, no entanto, era substancialmente obstaculizada pela falta de dinheiro e de mão-de-obra. Mas quando o pároco, na missa de domingo, anunciou o projecto, todo o povo se ofereceu para ajudar. O dinheiro era apenas um pequeno problema: fazia-se uma derrama pela freguesia, escrevia-se para a América a pedir aos emigrantes e arranjava-se o necessário. Quanto ao trabalho?! Bem esse, nem problema era. Então não é que estavam ali todos para ajudar?

Fez-se a derrama, escreveu-se para a América a arranjou-se dinheiro para a madeira, para a cal, para a telha, para as fechaduras, para as janelas e para pagar a um ou outro carpinteiro. Aos domingos, porque o pároco esclarecera que trabalhar aos domingos e dias santos de guarda, para a igreja e em benefício de Nosso Senhor, não era pecado, formavam-se filas e filas de carros de bois, uns a acarretar areia do Canto do Areal ou madeira dos Paus Brancos, outros a transportar carradas de pedra do Calhau Miúdo, até atulhar por completo o adro que, na altura ainda não era cimentado. Homens, mulheres e crianças, todos trabalhavam e ajudavam, consoante a sua capacidade, uns a cortar árvores, outros a partir ou a ajuda-la a carregar e descarregar a pedra, outros a encher sacos de areia e, os mais experientes, a aplainar as traves e os tirantes, a fazer parede, a amassar o cimento com a areia e a chegar e aplicar a argamassa. O empenho da população foi tal que, passados alguns meses o salão foi inaugurado.

A construção do salão assim como a compra da Filarmónica (com a oferta do leite do primeiro domingo de cada mês) e tantos outros projectos, embora menores, que na freguesia ganharam forma e concretização ao longo dos anos, foram e são, inequivocamente, um exemplo da força, da raça, do querer, do dinamismo, da generosidade, do espírito de entreajuda e de cooperação do povo da Fajã Grande.

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publicado por picodavigia2 às 08:57

DO SONHO À REALIDADE

Terça-feira, 29.10.13

Sentado num degrau do Descansadouro, a meio da Rocha que se sobrepunha ao povoado, o António Balafanha maldizia, consigo próprio, a sua sorte.

A mãe falecera, não havia muito. O pai, olvidando cedo a memória da defunta, voltava-se de amores pela Conceição Fragueiro. Não demoraria muito, daria em novo casamento. Por um lado compreendia-o. Ainda era novo e bem precisava duma mulher que lhe tratasse da casa e lhe desse uma demão nas “semeaduras”. Mas caramba! Era muito pouco tempo! Bem podia esperar pelo menos um ano!... E ele? O que seria dele? Viver com uma madrasta, não lhe agradava rigorosamente nada. Além disso, sabia-se que o feitio da Conceição não era propriamente o duma santa... Depois viriam outros filhos... O irmão mais velho, o Francisco safara-se a tempo... A sua vida também tinha que mudar e seria ele próprio a resolvê-la...Tinha que ser ele a decidir o seu próprio futuro.

Levantou-se com intenção de continuar a íngreme subida. A vontade, porém, era quase nula. Todos os dias, calcorreava aquele íngreme e escarpado alcantil, sobranceiro à freguesia, que dava para os matos de relvas verdejantes, onde o gado, no verão, pastava tranquilamente. Se havia vacas leiteiras, era aquele castigo todos os dias: subir a Rocha e percorrer os matos, por entre veredas e atalhos, saltando “grotões” e tapumes, abrindo e fechando cancelas, até ao Queiroal. Depois, proceder à ordenha e descer aquelas dezenas de voltas e centenas de degraus, carregando duas pesadas latas de leite, suspensas num pau de araçá. E a relva do pai era muito distante do cimo da Rocha, já em terrenos do concelho de Santa Cruz. A última da Fajã!...

Voltou a sentar-se, olhando o oceano azulado que, ao fundo da ampla fajã, contornava a mancha escura do baixio. Depois as terras de milho, de couves e de batatas, a ladear as casitas, a maioria delas ainda cobertas de colmo, muito agrupadas, muito juntas, muito alinhadas na direcção da nova igreja, que agora se erguia imponente e altiva, a substituir a velha, humilde e pequenina capela do serrado do Lincate, ali mesmo junto à casa dos Freitas Henriques.

Mas foi o mar, porém, que mais uma vez, despertou a sua atenção. O mar, revolto e inquieto, a impor-se com um sussurrar roufenho ao nostálgico silêncio da ilha. Desde pequeno que sonhava com o mar. É verdade que na família não havia, que se soubesse, tradições marítimas. Ao avô e, agora, ao pai, o mar só lhes interessava para ir ao Caneiro das Furnas apanhar polvos e moreias ou ao Pesqueiro de Terra pescar uns “sarguitos” e umas vejas. Sempre se voltaram para a terra, para o trabalho agrícola e para o gado. Para quê? Para não ter nada! Apenas umas belgas de milho e couves, um curral de trigo no Canto do Areal, a relva da Escada Mar, a da Alagoínha e aquele maldito Queiroal, que não sustentava mais do que duas rezes. Como herança tinham miséria e pobreza, trabalhando de sol a sol, subindo rochas e outeiros, carregando latas de leite, molhos de incensos e de lenha ou cestos de inhames e batatas. A vida, na ilha, era de escravo, como lhe dissera um dia o padre António. O mar, pelo contrário, com o seu horizonte infinito, dava-lhe uma sensação de liberdade, de aventura, de grandeza e, talvez, de fortuna. Além disso, o mar era o caminho para a América. E agora, que as baleeiras americanas demandavam a ilha com mais frequência, o seu sonho era embarcar numa e tornar-se marinheiro, talvez no Ariôche.

E os seus olhos, por algum tempo, fixaram-se, indefinidos, na imensidão infinita e azulada do oceano.

O Chico Balaio veio acordá-lo. Costumavam, a maior parte dos dias, subir a Rocha juntos, embora, sendo a relva do Balaio, muito mais perto, logo a seguir ao Caldeirão da Ribeira das Casas, este reservasse, muitas vezes, o direito de partir para a ordenha bastante mais tarde. Haviam, no entanto, combinado que, quando não subissem juntos, o primeiro que, no regresso, chegasse ao Cimo da Rocha, havia de esperar pelo outro. Naquela tarde, porém, fora a relutância e fraca fogosidade do Balafanha que os juntara, ali, no Descansadouro, precisamente a meio da rocha.

O Balaio, mal o viu, gritou-lhe:

 - Eh, Pá! Acorda!... Já sei no que estás a matutar!... Sempre no mesmo. Não há maneira de alguém te tirar essas ideias da cabeça.

- Não te enganaste – confirmou o Balafanha, convidando-o a sentar-se. – Desistir não é comigo. Cada dia que passa tenho mais certeza do que quero e do que vou fazer.

- Mesmo agora, depois de saberes que uma das patrulhas do exército que estavaem Santa Cruz, se veio aquartelar aqui, na Fajã, ali para os lados do Vale do Linho? Os tipos atiram a matar.

- Quantos se têm safado!... Eles atiram mas é em quem anda a dormir...

- Mas se te safares sem seres apanhado por eles, ainda corres um perigo maior, o perigo de seres baleado pela corveta, que anda por aí a vigiar a ilha. Não te lembras daqueles tipos do Mosteiro, que, o ano passado, foram baleados, já no mar alto? Antigamente era fácil!... Embarcavam muitos, não havia patrulhas e as corvetas eram raras. Mas hoje em dia, os perigos são muitos...

- Uma campanha nas baleeiras durante dois anos são cem dólares, cem dólares Chico, cem dólares e podemos ser pagos em águias. Como gosto do mar, faço cinco ou seis anos de marinheiro nas baleeiras e depois vou para o Ariôche, ganhar mais. Mas mesmo com quinhentos ou seiscentos dólares já fico na América. Com o que ganho nas campanhas faço vida na América. Hei-de voltar a esta terra, mas rico, muito rico....

- E os perigos que corres António? – Insistia o Balaio na tentativa de o demover da sua persistente teimosia. - Sabes o que é andar seis anos no mar?! Olha, os desastres que nos últimos anos aconteceram, aqui nas Flores. Só na Fajã, que me lembro, foram cinco ou seis. Lembras-te? No Inverno passado, aquele lugre francês, que se chamava Alixis, ou qualquer coisa parecida, que encalhou ali, por fora do Respingadouro e ficou todo desfeito, só se salvando um tripulante. Até o comandante morreu... Há dois anos foi um brigue inglês, o Concórdia, que encalhou na Poça do Cobre. A tripulação salvou-se mas com muita dificuldade e o barco perdeu toda a carga. E não te lembras do dia de Natal de 1869, há quatro anos, quando encalhou, no Canto do Areal, um bergantim francês? Já nem me lembro do nome dele. E tantos e tantos outros que não têm conta, Toino! E não só aqui na Fajã, mas em toda a ilha e até no mar alto.

O Balafanha, tentando mudar de assunto, retorquiu:

- Em toda a parte está o perigo! Ainda queres perigo maior do que o subir e descer esta maldita Rocha todos os dias... Mas já sabes que nada me demove do meu sonho… Ninguém sabe disto! Só tu e peço-te que não contes os meus planos a ninguém. Sabes bem que só se pode embarcar pelo alto da noite, às escondidas... E meu pai não pode saber de nada.

E levantando-se, propôs autoritariamente:

- Vamos à ordenha que se faz tarde! Olha o Sol onde já vai... E eu vou para bem mais longe do que tu.

Recomeçaram a subida, latas ao ombro, calados e macambúzios. O Balaio conhecia bem o Tonho. Sabia que coisa que se lhe metesse na cabeça dificilmente se lhe havia de tirar. Tinha, pois, a certeza de que ele partiria, como muitos outros, ultimamente, o tinham feito. Desde há mais de uma centena de anos que as baleeiras americanas visitavam as Flores, na procura de marinheiros. Estas baleeiras comercializavam na ilha e completavam a sua tripulação com habitantes locais. Contavam-se às centenas os que nos últimos anos tinham fugido à pobreza, ao isolamento e à miséria que reinavam na ilha, levados pelo sonho americano.

Quando, no regresso, chegaram ao Alagoeiro, vergados ao peso das latas a transbordar de leite, já era noite. Por entre o colmo das primeiras casas da Fontinha, saía um fumo esbranquiçado, anunciador de que se estavam a ultimar as ceias. Ao chegar à casa do Balafanha, um pouco mais abaixo, o Chico sussurrou-lhe:

- Até à manhã Toino! E vê se me tiras essas ideias malucas da cabeça!

- Psich! Não vês que meu pai pode ouvir! Não te esqueças de que ninguém pode saber de nada! – Disse-lhe quase ao ouvido. E entrou no velho casebre, onde o pai o esperava.

A casa do Alfredo Balafanha era das mais pobres da freguesia. Ficava a meio da Fontinha. Era um edifício de pedra negra, com dois andares. O superior, destinado às pessoas, e a loja, ou piso inferior, onde os animais pernoitavam no Inverno. O superior, ocupado pelos Balafanha, fora herdado dos avós e possuía apenas duas divisões: a cozinha e a sala. A primeira, que continha apenas uma janela e o forno, era escura e quase terrificante. A mobília era constituída por uma mesa, meia dúzia de bancos e um pequeno armário em que as portas eram uns panos escuros e pardacentos, muito sujos e ensebados, onde guardavam os pratos, as tigelas, os caldeirões e outros utensílios. Pelo chão abundavam sacos de serapilheira com batatas, inhames e cebolas, mas tudo num perfeito desarrumo. A lenha picada e empilhada de baixo do lar, constituía o sector de maior arrumação da casa. Era lá também que tinha habitáculo, o Farrusco, guardião eficiente da ratazana. A cozinha dava para a sala, por uma porta a desfazer-se, que já nem se abria ou fechava. Era nesta, divida por uma lençol branco, preso aos tirantes, ainda no tempo da mãe, que dormiam pai e filho. Tinha apenas uma janela e uma porta, a de serventia da casa.

Quando o António entrou o Farrusco veio de imediato ao seu encontro, miando, atirando-se-lhe aos pés e lambendo-lhe as mãos. O pai praguejava, maldizendo a sua sorte e a sua vida. É que os garranchos de faia e incenso, que dispunha, estavam verdes, não pegavam. Assim, tinham sido infrutíferas as diversas e sucessivas tentativas efectuadas para acender o lume e ferver o leite.

- O leite que trazes ainda deve estar quente! Vamos bebê-lo assim! – Sentenciou o pai, decidido a encerrar por ali as suas frustradas tarefas culinárias.

Sentaram-se à mesa, à luz da velha candeia, totalmente forrada de tisna e alimentada a enxúndia de galinha. O António abriu uma das latas e encheu de leite duas tigelas, nas quais cada um esmiolou metade do pão de milho que a Conceição, de tarde, lhes viera trazer. Um grande queijo, fresco e esbranquiçado, acabado de tirar da forma, completava o cardápio.

 

Passados alguns meses, o Lourenço Petrana, de Ponta Delgada, chegou à Fajã, com boas notícias, mas que apenas eram transmitidas de boca em boca. A “Eleanor” estava escondida, na baía dos Fanais, encoberta pelo ilhéu de Maria Vaz. Muitos de Ponta Delgada já estavam a bordo. Também alguns da Ponta, porque acharam que lá era local mais seguro para o embarque, já iam, por terra, a caminho dos Fanais. Para disfarçar, levavam caniços de pesca. O Lourenço garantia também que a baleeira estaria no Sábado à noite, na Fajã, frente à Ribeira das Casas, para se abastecer de água. Bastava estarem escondidos ao longo da Ribeira das Casas e juntarem-se aos que regressavam a bordo, carregando a água. Era muito fácil e absolutamente seguro.

O Balafanha passou os dias seguintes entre sobressaltos e hesitações. Era absolutamente necessário que o pai não se apercebesse de nada, nem tivesse a menor suspeita ou desconfiança. Na véspera procurou o vigário. Queria confessar-se, perante a estranheza do reverendo. Mas o padre, que manifestara sempre grande compreensão para com ele, acabou por lhe dar razão, absolvê-lo e até encorajá-lo. Finalmente, abraçando-o, aconselhou:

- Porta-te bem rapaz! Onde quer que estejas ou para onde quer que vás, lembra-te sempre de que és cristão. Respeita os outros e serás respeitado. Não te esqueças, todas as noites, das tuas orações! Deus te abençoe e te acompanhe.

No Sábado de manhã, a pretexto de ir ao moinho levar uma moenda, encaminhou-se para a Ribeira das Casas. Embrulhou algumas roupas e meteu-as num saco. Ia escondê-las na aba duma pedra. Sair com um saco, durante a noite, seria comprometedor. Subiu, pois, a Fontinha até à casa de Tio Antonho Silveira. Depois tomou o caminho do Mimoio. Porém, antes de chegar ao cruzamento da Ribeira das Casas, sentou-se sobre uma pedra, olhando as casinhas negras e brancas que rodeavam a nova igreja.

- Só Deus sabe se voltarei! – Murmurou. E hesitou por alguns momentos. - Não, voltar atrás, é que nunca! – E levantando-se, seguiu o seu destino.

À noite, antes de partir, sentado frente à tigela das sopas, quase chorou. E quando o pai, antes de se deitar, lhe deu as boas-noites, ao pedir-lhe a bênção, muito dificilmente resistiu ao instinto de o abraçar. Apenas lhe disse:

 - Pai!... Vou dar uma volta com o Chico... Não se preocupe, se eu chegar tarde.

A noite estava escura, mas calma e estrelada. Ao longo da ribeira começaram a delinear-se vultos diversos, uns carregando enormes bilhas de barro, outros ajudando-os no transporte das mesmas.

O Balafanha cedo se integrou num grupo e chegou a bordo da “Eleanor”, sem dificuldade e sem ser visto por alguém.

Alta madrugada a baleeira partiu. Nem patrulha, nem corveta. Um mocito de cor, com uma pronúncia esquisita, avisou os intrusos da Fajã, que deviam dirigir-se à sala do capitão. Era um cubículo muito apertado, pequeno e sujo, onde couberam com dificuldade. Lá estavam, também, o Pineireira, o Chico da Maria Cambada, o Mateus Borrego, o Brilha da Fajazinha, e tantos outros.

 

Na Fontinha, numa pequena courela, junto à velha e abandonada casa do Alfredo Balafanha, falecido há um ano, o filho, o António, recentemente regressado da América, na logra “Forest Fairy”, vigiava as obras de construção da sua nova casa. Paredes caiadas de branco, janelas em abundância e cobertura de telha. O interior, dividido com madeira nova, era constituído por um piso superior, com sala, quarto de jantar e cozinha. Um saguão ligava-o à loja que se destinava a quarto de cama. Já tinha o casamento marcado com a Joaquina Greves, a moça mais bonita da freguesia e comprara várias terras, entre as quais o Cerrado da Corredoura, nas Furnas. Ao que se dizia pela freguesia, tinha vindo riquíssimo da América.

Quando, algum amigo menos íntimo, um parente mais afastado, ou outra pessoa qualquer o interrogava sobre o porquê do seu sucesso, respondia, tranquila e sorridentemente, com uma pequena frase:

- Foi o “meu sonho de marinheiro”.

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publicado por picodavigia2 às 00:03

O CÃO E O MOINHO

Segunda-feira, 28.10.13

“Tantas vezes o cão vai ao moinho,

 Que uma vez lá lhe fica o focinho.”

 

Este é mais um provérbio fajãgrandense, utilizado, antigamente, segundo rezam as crónicas. Confesso que não era muito frequente ouvi-lo, no meu tempo, sendo, no entanto, utilizado, esporadicamente, por pessoas de idade mais avançada.

Trata-se, no entanto de um provérbio muito rico, não apenas quanto ao seu conteúdo, mas também no que à forma literária diz respeito. Por isso mesmo deve ser escrito em verso, nesse caso assume uma forma poética de dois versos com rima perfeita e métrica correcta. Quanto a esta, os versos são constituídos por dez sílabas métricas que são, obviamente, diferentes das gramaticais, neste caso os versos são de um tipo muito próximo dos chamados “heróicos”, com a sílaba tónica na sexta e na décima sílaba. Por sua vez a rima é adequada, rica, embora as palavras que rimam pertençam ambas à classe dos nomes.

Mas o que mais enobrece, engrandece e torna importante e significativo o uso deste provérbio é o seu conteúdo semântico, pois contem um sério aviso, aos ladrões, aos corruptos, aos maliciosos, aos mal formados e aos que praticam, com indiferença, todo o tipo de crimes e barbaridades. Não cuidem esses janízaros e vis meliantes que não serão apanhados. Um dia acontecer-lhes-á o mesmo que acontece aos cães que abusarem da sua ida ao moinho ou a outro lugar qualquer. Tanta insistência irá proporcionar aos cães que lhes cortem o focinho. No caso dos cães ficarão escaldados. No caso dos homens serão apanhados e devidamente castigados. É mais fácil apanhar quem comete várias barbaridades ou roubos do que quem comete apenas um. Deviam cuidar-se, pois, os prevaricadores renitentes.

Por tudo isso este é um dos mais ricos adágios fajãgrandense que faz parte do seu património cultural, oral e que urge perseverar.

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publicado por picodavigia2 às 20:22

MESES

Segunda-feira, 28.10.13

Trinta dias tem Novembro,

Abril, Junho, e Setembro

Com vinte oito só há um,

Os outros mais trinta e um.

 

Janeiro, gear

Fevereiro, chover

Março, encanar

Abril, espigar

Maio, engradecer

Junho, ceifar

Julho, debulhar

Agosto, engavelar

Setembro, vindimar

Outubro, resolver

Novembro, semear

Dezembro, nascer

Nasceu um deus para nos salvar.

 

(Aravias fajãgrandenses)

 

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publicado por picodavigia2 às 18:43

TIBÚRCIO ANTÓNIO CRAVEIRO

Segunda-feira, 28.10.13

Tibúrcio António Craveiro nasceu na cidade açoriana de Angra do Heroísmo, em 1800 e faleceu na vila das Velas, ilha de São Jorge 1844. Poeta, historiador e teórico da literatura, Tibúrcio Craveiro frequentou as aulas de Teologia Moral em Angra, revelando-se um aluno estudioso e aplicado. Foi capelão cantor da Sé e professor régio da instrução primária. Partidário do regime liberal, foi obrigado a refugiar-se em Londres, seguindo depois para o Rio de Janeiro onde permaneceu, até 1842. No Brasil foi professor de Retórica no Colégio D. Pedro II, um dos fundadores e bibliotecário do Gabinete Português de Leitura e foi na cidade do Rio de Janeiro que que produziu a maior parte da sua obra literária que se estende pela área da história, teoria da literatura e pela poesia. Foi tradutor de Voltaire, Racine e Lord Byron. Regressado do Brasil, viveu algum tempo em Lisboa, voltando aos Açores, onde morreu na ilha de S. Jorge, em condições que nunca ficaram esclarecidas. Foi integrado na Antologia de poesia açoriana, de Pedro da Silveira. As suas obras principais foram: Compêndio de História Portuguesa, Apêndice ao Compêndio da História Portuguesa, Discurso acerca da Retórica e Ensaio acerca da Tragédia.

 

Dados retirados do CCA – Cultura Açores

 

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publicado por picodavigia2 às 16:06

A MALA PERDIDA

Segunda-feira, 28.10.13

O padre Pimentel decidiu-se por umas férias. Uma visita aos Estados Unidos, mais concretamente à Califórnia. É verdade que na Fajã as ovelhas não eram muitas, como noutras paróquias dos Açores. Mas davam trabalhinho, ai se davam, até porque distribuídas por duas localidades, com uma igreja em cada uma delas – Fajã e Ponta. E ainda havia a Cuada. Na Fajã era o serviço religioso diário, com a igreja, ali, pertinho de casa. Mas à Ponta tinha que se deslocar aos domingos, aos dias santos de guarda, aos abolidos e às primeiras sextas-feiras para celebrar missa, ou então sempre que alguém o chamava para administrar o Viático e a Extrema-Unção e para realizar os funerais. Casamentos e baptizados eram os da Ponta que à Fajã deviam vir. Mas todas as idas à Ponta eram realizadas a pé, por caminhos sinuosos, com ladeiras e aclives, atravessando grotas, regatos e ribeiras. Quando chovia só de botas de cano. Um martírio, embora soubesse da vida dura, dolente e sofrida dos seus paroquianos.

Decidiu-se pois o reverendo por partir para os Estados Unidos. Iria visitar familiares, antigos paroquianos e solicitaria a todos o dinheiro necessário para a compra de um órgão, porque o existente no coro da igreja da Fajã já “não dava uma p’ra a caixa”. Estava a desfazer-se de podre e tocava que parecia uma cana rachada. Nada que abonasse a excelência envolvente das celebrações litúrgicas mais solenes.

Pedida autorização ao senhor bispo, concedidos o “celebrate”, o passaporte e o visto, partiu o pároco, sendo substituído nas suas funções pastorais, aos domingos e sempre que alguém estivesse nas últimas, pelo senhor padre da Fajãzinha.

A ausência do pároco foi muito sentida e o seu regresso muito desejado. Talvez trouxesse uns candins, um embrulho de pinotes, uma peça de roupa para este ou para aquele. Sabia-se lá… Por isso quando se teve conhecimento da data do seu regresso, em dia de Carvalho, preparou-se uma grande recepção à Praça. Sinos a repicar, filarmónica a tocar, crianças a oferecerem ramos de flores e o povo a dar uma grande salva de palmas.

Dirigindo-se aos paroquianos, apinhados ao seu redor, em inocente esperança, o pároco não esteve com meias medidas. Em poucas palavras informou de que para além de muito cansado, estava muito triste, tinha um desgosto muito grande:

- Sabem porquê? É que perdi uma mala e, por azar, foi a mala das ofertas.

E recolheu-se de imediato ao passal

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publicado por picodavigia2 às 13:50

O CAMINHO DA MISSA

Segunda-feira, 28.10.13

O caminho que ligava a Fajã Grande à Fajãzinha, na direcção norte-sul, era conhecido por “Caminho da Missa”. O nome advinha-lhe, indubitavelmente, do facto de outrora, por ali transitar a população da Fajã quando se deslocava à Fajãzinha, para aí assistir à missa. Nessa altura a Fajã ainda era um simples lugar pertencente à freguesia das Fajãs, com a sua sede na Fajãzinha, onde havia a igreja paroquial, sendo esta, também, o maior e mais importante lugar das Fajãs à qual pertenciam ainda a Cuada e a Fajã dos Valadões, lugares actualmente desabitados. A Cuada transformou-se numa aldeia turística enquanto a Fajã dos Valadões, como povoado, pura e simplesmente desapareceu, mantendo-se, apenas, como nome de lugar. A Ponta, por sua vez, pertencia à freguesia de Ponta Delgada. Sendo assim, o referido caminho recebeu nome, pelo facto de não havendo igreja na Fajã, ser através dele que o povo se deslocava à Fajãzinha sempre que pretendia assistir à missa e participar noutras celebrações litúrgicas ou até para se casar, baptizar os filhos ou sepultar os seus mortos. Dai o ter recebido este nome que perdurou ao longo dos tempos.

Acrescente-se, no entanto, que o “Caminho da Missa” é apenas o nome do caminho que liga o Cimo da Assomada à Eira da Cuada. A partir daí inicia-se a Ladeira do Biscoito que termina na Ribeira Grande, fronteira natural entre as duas localidades. A seguir à Ribeira Grande, logo a assomava a Fajãzinha, com as suas tortuosa ruas e vielas a desembocar no mítico Rossio e, por fim, na igreja paroquial.

No Cimo da Assomada, o Caminho da Missa tinha, do lado direito de quem o subia, duas casas, ambas ainda habitadas na década de cinquenta. Uma pertencia ao Garcia e a outra, a última da Assomada, à Senhora Estulana. Hoje é um restaurante denominado “Casa da Vigia”, gerido por um casal italiano, que também se dedica ao cultivo de produtos biológicos. O Caminho da Missa seguia, depois, rectilíneo, enquanto se prolongava quase paralelo ao Pico e ao Pico da Vigia. O acesso a um e outro fazia-se por uma canada que existia logo a seguir à casa da Estulana, percurso percorrido quotidiana, na época estival, pelo vigia da baleia, mestre Manuel Manquinho. Era da casa da vigia, existente no alto do monte, que observava os bufos das baleias. De resto, este caminho ligava-se apenas a mais uma pequena canada aqui ou a um outro atalho além, seguindo até uma horta que opor ali havia com um enorme portão, formando, aí, uma curva e estendendo-se, logo a seguir, na direcção do mar para, mais adiante, caminhar de novo paralelo ao Oceano até à Eira da Cuada, formando, antes desta, uma pequena ladeira. No alto de Eira da Cuada, havia um largo muito grande, formando um descansadouro. Era aí que as pessoas se sentavam a esperar os passageiros em dia de chegada do Carvalho. A partir daí, iniciava-se, então, a descida da ladeira do Biscoito. No entanto se voltássemos à esquerda entrávamos na sinuosa Canada da Cuada, que ligava esta localidade ao Caminho da Missa e à Fajãzinha.

No Caminho da Missa passava pouco gado, uma vez que as relvas por aqueles lados eram raras. Apenas havia terras de cultivo e, por conseguinte, por ele circulavam somente as pessoas que tinham terras de agricultura para aqueles lados, quem queria uma alternativa para se deslocar à Cuada, quem necessitava de ir para as Lajes, para a Vila ou para outra freguesia da ilha excepto Cedros e Ponta Delgada e para quem ia esperar os passageiros vindos mensalmente no Carvalho Araújo. Era por lá também que entravam os visitantes da Fajã, oriundos de quase toda a ilha, com excepção dos residentes nos Cedros, os quais atravessavam os matos e desciam a rocha e os vindos de Ponta Delgada que desciam a rocha da Ponta.

Assim o Caminho da Missa era uma espécie de caminho mítico, na altura, pois, para além de tudo, era o único caminho por onde circulavam cavalos que traziam o clero para celebrar as festas e fazer confissões na desobriga pascal, as autoridades para fiscalizar, governar e explorar a população e, uma vez ou outra, o médico para curar os doente

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publicado por picodavigia2 às 09:20

A SALVAÇÃO DO FORTE

Segunda-feira, 28.10.13

“Eis como em tudo o forte e culpado se salva à custa do fraco e inocente.”

Jean-Jacques Rousseau

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publicado por picodavigia2 às 00:30

A CRUZ E O CALVÁRIO

Domingo, 27.10.13

A Fajã Grande tinha e continua a ter, bem lá no alto do Outeiro, uma enorme cruz branca. Não se sabe ao certo quando foi construída ou ali colocada, uma vez que não tem afixado qualquer elemento que permita identificar o ano da sua edificação. Talvez a sua origem remonte aos primórdios da criação da localidade, ou seja, muito provavelmente, terá sido construída pelos primeiros povoadores da Fajã, com a intenção de, através da cruz, símbolo de salvação, solicitar as bênçãos e as graças divinas para todos os que ali haviam de viver, ao longo dos séculos vindouros.

Esta a explicação é, evidentemente, a mais lógica, mas não a única. É que o motivo que justificou a erecção duma cruz, no cimo do Outeiro, poderá ser bem diferente. A cruz também é símbolo de dor e de sofrimento, de mortificação e de sacrifício e, por isso, poderá ter sido colocada lá no alto porque havia um calvário, ali bem perto, cá em baixo, no povoado, em cada rua, em quase todas as casas. Era o calvário do isolamento, da pobreza, do sacrifício e da mortificação. O calvário de não ter mais que uma côdea de milho e uma tijela de leite, de trabalhar de sol a sol, de acarretar molhos e cestos às costas ou à cabeça, de calcorrear, descalço e com os pés a sangrar, canadas e atalhos íngremes e sinuosos, na difícil tarefa de angariar o pão de cada dia. O calvário das mulheres, muitas vezes grávidas, a trabalhar nos campos e a realizar as árduas lides domésticas, a tirar o pão da boca para o dar aos filhos. O calvário dos homens enlameados, a tirar o esterco dos palheiros e carreá-los aos ombros para os campos, a juntar as pedras que caíam da rocha e com elas a construir paredes e a edificar “maroiços”. O calvário de uma vida dura, de não ter um tostão, de percorrer a ilha a pé para ir pagar as contribuições, de ser explorado pelo Martins e Rebelo. O calvário da dor, do sofrimento, da falta de assistência e cuidados médicos, de morrer sem saber porquê. O calvário das crianças trabalhando arduamente, sem brinquedos, sem esperança, sem o perfume das flores, sem direito a descansarem. O calvário duma vida dolorosa, dolente, sofrida, limitada, entristecida, apenas iludida e anestesiada com a esperança de um dia partir… talvez para a América… talvez para o Canadá.

 Na década de cinquenta e nas anteriores havia o hábito de se “cantar no Outeiro”, junto da cruz. Um grupo de homens, às terças e sextas-feiras da Quaresma, para ali se dirigia, mesmo que chovesse torrencialmente ou o frio fosse de rachar, entoando cânticos típicos e adequados que ecoavam e se prolongava sobre os pobres casebres. Durante esses cânticos, os que estavam nas suas casas ajoelhavam e acompanhavam-nos, rezando de acordo com o solicitado pelos cantores. No mês de Setembro por altura da festividade da “Exaltação da Santa Cruz” fazia-se uma grande festa no Outeiro, junto da cruz. Havia missa campal, foguetes e arraial e à noite tinha lugar uma procissão de velas, subindo e descendo a encosta do Outeiro, da Fontinha até à cruz. Dezenas e dezenas de velas, ornamentadas com papéis multicolores espalhavam-se pelo Outeiro acima, até à cruz, formando um rosário inesquecível de claridade de cor, de brilho  e de luminosidade.

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publicado por picodavigia2 às 23:04

INOCENTE

Domingo, 27.10.13

MENU 14 – “INOCENTE”

 

ENTRADA

Taglierini gratinado em azeite e vinho do Porto

Pepino e cenoura, grelhados e borrifados com creme de queijo.

Compota de maçã.

 

 

PRATO

 

Lombo de salmão assado no forno, recheado com creme de queijo fresco, mortadela de peru e ervas aromáticas

Fitas de alface, perfumadas com azeite e vinagre balsâmico.

Puré de legumes.

 

 

SOBREMESA

 

Pera e Gelatina de Morango.

 

******

 

Preparação da Entrada: - Cozer o taglierini e gratiná-lo num misto de azeite e vinho do Porto. Grelhar as rodelas de pepino e as de cenoura e borrifá-las com um pouco de creme de queijo fresco. Dispor no prato juntamente com pequenas colheradas de compota de maçã.

Preparação do Prato: - Temperar um lombo de salmão e abri-lo ao meio. Rechear a respectiva fenda com creme de queijo fresco com sabor a salmão e recheá-lo com fatias de mortadela de peru. Levar ao forno, cerca de 10 minutos. Depois de retirar dispor no prato e cobrir com fitas de alface. Juntar o puré, feito com legumes cozidos, pão embebido no caldo de cozer os legumes e um pouco de azeite e creme de queijo fresco.

Preparação das Sobremesas – Confecção tradicional.

 

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publicado por picodavigia2 às 19:15


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