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A RUA DA FONTINHA

Quarta-feira, 02.10.13

Na década de cinquenta, a Fontinha era uma das ruas mais emblemáticas da Fajã Grande. Começava na Praça, terminava na casa de Tio José Teodósio, logo antes do Alagoeiro e continha vinte e duas casas moradias ocupadas, duas desabitadas, sete palheiros de guardar gado e oito casas velhas ou de arrumos, num total aproximado de trinta e nove edifícios, sendo que algumas deles se localizavam em pequenas canadas anexas à própria rua principal, à maneira dos afluentes de um rio. A Fontinha possuía ainda dois fontanários: um bem lá no alto, junto à casa de Tio Britsa e outra mais ou menos a meio, num largo que havia junto à casa de Mestre Augusto Arionó e que era denominada de Fonte Velha.

O piso da Fontinha, como o das restantes ruas, era de calçada do tipo “calçada romana”, com uma pedra “mestra” no meio, geralmente muito lisa e arredondada e com outras mais pequenas colocadas ao seu redor. A Fontinha era a rua mais inclinada e desnivelada da freguesia, por isso desde a praça até a casa de Tio José Teodósio o seu piso era quase todo constituído por ladeiras e tinha várias curvas. A rua começava logo a seguir à Praça com uma pequena recta, formando uma curva logo a seguir, junto à casa do Tavares, a mais alta da freguesia, com três andares. Aí ficava a primeira canada, desabitada e que dava para o Outeiro e para a Cruz, iniciando-se com uma escadaria paralela à própria casa do Tavares. Logo a seguir uma outra canada, iniciada com uma íngreme ladeira dava para a casa da Senhora Fragueira e do José Fragueiro, terminando mais em cima, em frente à porta da cozinha da casa da minha avó, passando pelas traseiras da moradia do José Gonçalves e por de trás da casa do tear da minha avó. Logo a seguir ao início desta canada, havia uma enorme curva, com paredes altíssimas e seguida duma pequena recta ladeada também pela alta parede da terra do José Gonçalves e pelos telhados, mais baixos, das casas do Dawling e do Caixeiro. Seguia-se a primeira e mais pequena ladeira, no cimo da qual ficava a casa da minha avó e onde havia uma outra pequena mas larga canada que dava para as casas do Tesoureiro e do João Bizarro. Depois o largo da Fonte Velha, ao lado da qual havia uma outra canada que dava para as casas do Vieira e do José Malvina e, logo a seguir uma outra também pequena mas muito inclinada ladeira, junto à casa do Candonga e ao palheiro da minha avó. A Fontinha prosseguia com uma curva e uma contra curva, junto à casa de José Eduardo e, logo a seguir, com a sua maior recta que ia da casa do José Dias à do Teodósio, onde se iniciava uma outra pequena e última ladeira que praticamente terminava junto à casa de Tio José Teodósio.

Devido à sua posição geográfica e à sua elevação relativamente às restantes ruas da Fajã Grande, a Fontinha, qual Bairro Alto da Fajã Grande, era incontestavelmente a mais interessante e mistificada rua da freguesia. Dos pátios e janelas das suas casas, sobretudo das que se situavam na parte mais superior, desfrutava-se de um admirável vista sobre as outras ruas, sobre o Porto e a Ponta, sobre o baixio e sobre o mar. Dali podiam apreciar-se admiráveis pôr-do-sol, acompanhar-se a rota de inúmeros navios que vindos da América demandavam a Europa, observar a partida dos botes da baleia, ou confrontar-se com os rugidos roufenhos do mar e com o galgar temeroso das suas ondas lá ao longe como se o Oceano se atirasse definitivamente por terra dentro.

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publicado por picodavigia2 às 23:38

SANTO ANTÓNIO E OS PÁSSAROS

Quarta-feira, 02.10.13

(CONTO TRADICIONAL)

 

Conta-se que Santo António, em criança, já era muito diferente das outras crianças, incluindo as da sua idade, pois fazia muitas coisas prodigiosas e extraordinárias.

Ora o pai, que ara agricultor, certo dia mandou-o para o campo vigiar os pássaros, a fim de que não lhe destruíssem as colheitas e os pássaros eram muitos e destruíam tudo o que estava semeado. Era o fim da Primavera e o início do Verão, quando o trigo começava a amadurecer e os pássaros atacam, massivamente, as espigas loirinhas, para se alimentarem.

Fernando, que era o seu nome de baptismo de Santo António, que só mais tarde teve este nome, foi para o campo e esteve por lá, todo dia, a afugentar a passarada. Mas, quando o sino da igreja tocou para as Avé Marias, ficou sem saber o que fazer porque não queria deixar de ir rezar e ficou muito triste e preocupado.

Pensou, pensou e resolveu começar a chamar os pássaros e eles vieram todos ter com ele. Fernando fechou-os todos num palheiro velho, de guardar o gado. Como o palheiro não tinha porta ele tapou a entrada com uma grade e nenhum pássaro saiu ou fugiu.

 À noitinha, quando chegou a casa, o pai perguntou-lhe se tinha estado atento aos pássaros ou se tinha estado a brincar e Fernando respondeu:

 - Os pássaros fizeram o que eu mandei. Chamei-os todos e eles vieram e fechei-os no palheiro e pus uma grade na porta e eles não saíram.

O pai ficou muito espantado e não queria acreditar em tal coisa. Foi com o filho ao serrado para comprovar. Qual não foi o seu espanto, quando chegou ao serrado e viu que os pássaros estavam todos fechados no palheiro e a porta tapada com uma grade, como o filho tinha dito.

Fernando fez este e muitos outros prodígios, para espanto não só de seus pais mas de todas as pessoas.

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publicado por picodavigia2 às 22:53

GÉNESE E EVOLUÇÃO DA COSTA OCIDENTAL DA ILHA DAS FLORES

Quarta-feira, 02.10.13

(TEXTO DE ANTÓNIO RAPOSO – UNIVERSIDADE DOS AÇORES)

0 presente trabalho insere-se na expedição cientifica organizada pelo Departamento de Biologia da Universidade dos Açores, à Ilha das Flores e que decorreu de 4 a 11 de Julho de 1989. Durante o curto espaço de tempo que permanecemos, podemos observar, e debruçarmo-nos sobre a geografia física da Ilha e evolução da costa Ocidental, após os desabamentos ocorridos na Ponta da Fajã, a 18/12/87, tendo ficado soterrada uma Ermida e destruídas algumas casas. Percorremos caminhos pedonais, desde a Ponta da Fajã até Ponta Delgada, a uma altitude média dos 450m, observando uma vegetação intensa e luxuriante. Apesar de nos encontrarmos em pleno verão foram inúmeras as linhas de água (perenes) que atravessamos, e quase sempre o caminho apresentava-se enlameado, tal a abundância de água nesta vertente

(…) Não nos podemos debruçar sobre a evolução da vertente Oeste da Ilha das Flores, sem, em primeiro lugar, atendermos aos principais processos que contribuíram para a sua evolução. Várias foram as fases que, ao longo de milénios, contribuíram para a forma como toda Ilha, desde o vulcanismo submarino até ao vulcanismo subaéreo com diferentes fases de efusão, umas básicas com características de derrames lávicos, outras ácidas e explosivas com características de materiais de projecção. Não foram só estes fenómenos endógenos que contribuíram para a sua formação; outros processos exógenos ao longo dos milénios moldaram e alteraram as formas iniciais, como o clima e seus elementos, a escorrência superficial, a meteorização, a vegetação, abrasão marinha, etc.

A ilha é bastante antiga, sendo a costa Ocidental a parte correspondente às fases eruptivas mais antigas subaéreas que se fizeram sentir, intercaladas com materiais de projecção. Desde a Ponta do Albernaz, a Noroeste da Ilha, até à ponta dos Bredos, quase no extremo Sudoeste da Ilha, a costa apresenta uma configuração escarpada e alcantilada, com excepção das reentrâncias da Ponta da Fajã, Fajã Grande e Fajãzinha. Toda a costa é abrupta com altitude média da ordem dos 600m. Constitui, só por si, uma barragem de condensação aos ventos gerais de Oeste que nessas latitudes se fazem sentir, aumentando consideravelmente a precipitação ao longo de toda a costa.

0s processos rnorfogenéticos ou morfoclimáticos mais precisamente são bem visíveis devido a vários factores entre os quais, a precipitação, meteorização (acção química das águas), a acção das águas correntes (rede fluvial) e a vegetação que, por incrível que pareça, contribuiu grandemente para a degradação e partição dos materiais rochosos, dado que as fortes raízes vão abrindo diaclases em rochas já bastante alteradas. De referir ainda a abrasão marinha provocada pela acção das vagas de Oeste, bastante intensas nesta costa que ao lengo de milénios, tem alterado as formas iniciais, formando as formas finais que são as Fajãs. São bem visíveis os processos acima citados, mostrando esta escarpa, mais a Sul, um recuo da arriba onde se instalaram a Ponta da Fajã, Fajã Grande e Fajãzinha, apresentando anteriormente, esta mesma arriba, uma configuração rectilínea em relação à parte mais a Norte desta mesma costa.

Vamos assim analisar isoladamente, se bem que interligados, estes processos, apesar deles, em conjunto contribuírem para o processo final (…)

A Geologia é um processo passivo que se comporta em questões de durabilidade com maior ou menor intensidade, dependente dos processos morfoclimáticos. Toda a escarpa é formada de basaltos alcalinos já que as primeiras erupções tiveram início no Pliocenico e datam do inicio da formação da ilha, derramaram lava intercalada de materiais Mais tarde, a parte Sul da de projecção. Mais tarde a parte sul foi recuando corn maior velocidade, formando-se primeiramente a Fajãzinha, seguida da Fajã Grande e finalmente a Ponta da Fajã, resultando dai as "Fajãs", formadas de depósitos de vertente (arriba que recuou). Pate destes depósitos de vertente, foram posteriormente cobertos (Fajã Grande), pelos "Basaltos da Fajã Grande”. (…) Estes basaltos da Fajã Grande com plagióclases e olivina saíram de pequenos aparelhos vulcânicos situados na base das arribas, a NE da Fajãzinha, enchendo por completo uma antiga bala ali existente, correndo para NO até ao porto da Fajã Grande. (…) as formações mais recentes são "Os basaltos da Fajã Grande", mas a explicação mais plausível aponta para que o derrame dos "Basaltos da Fajã Grande", tivessem coberto os depósitos de vertente já existentes, restando os afloramentos da Fajãzinha e os da Ponta da Fajã, também cobertos em parte por materiais de projecção mais recente.

A influência do clima sobre o relevo é bastante significativa, resultando dai as formas finais. (…). A Fajã Grande regista, anualmente, 216 dias com precipitação e Ponta Delgada com 242.Em altitude e nesta mesma costa os dias de precipitação devem atingir anualmente os 300dias, o que é bastante significativo.

Por esta razão e outras que se seguem, provam que os cursos de água nesta costa sejam perenes, mesmo em pleno Verão. (…) Outros elementos que venham condicionar a presença constante de linhas de água nesta vertente Oeste da ilha é, sem dúvida, a insolação, com um total de 1500 horas anuais de c4u descoberto em St. Cruz. Contudo o número de horas diminui com o factor altitude, o que vem agravar, substancialmente, número de dias de céu descoberto. A nebulosidade é elevada a qualquer hora do dia em St. Cruz, mesmo nos meses de Verão. Na zona em estudo, a nebulosidade ainda é mais elevada provocando uma evaporação mínima do solo, condicionando assim a presença constante de água e sua escorrência superficial em direcção.

 A costa Oeste, cremos que, terá surgido primeiramente a Fajazinha com a presença quase constante de cursos de água nesta área, provocando o recuo da arriba e formação dos depósitos de vertente. Mais tarde, e com a acção constante das águas correntes cada vez mais intensa ter-se-ia formado a Fajã Grande, mais a Norte. Actualmente a Ponta da Fajã está a recuar como consequência dos recentes desabamentos, formando-se mais tarde e ao longo desta costa, outras fajãs, devido à intensa escorrência superficial e remechimento marinho.

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publicado por picodavigia2 às 11:02

O ´´ULTIMO AMAMHECER NO MAR

Quarta-feira, 02.10.13

(POEMA DE PEDRO DA SILVEIRA

É cor-de-cinza o céu.

Triste Abril português

Mascarado de inverno

No oceano verdoso.

 

Aves, oh bons sinais

De terra perto,

Desenhai-vos no vento!

 

Tudo se veste

de ausência.

 

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publicado por picodavigia2 às 10:32

ENCANTO

Quarta-feira, 02.10.13

Desde o primeiro dia de aulas que, insistentemente, procurava um dos lugares nas carteiras da frente, onde se sentava todos os dias, bem junto à minha secretária. Embora me parecesse que a garotita, no início do ano lectivo, revelasse alguma indiferença, hesitação ou receio em procurar-me, cedo me apercebi que, afinal, manifestava um enorme carinho, uma excessiva admiração e um cativante deslumbramento por mim. Revelava um interesse desmesurado em ouvir-me, alegrava-se quando a ela me dirigia para a interrogar ou até para a repreender e, no fim da aula, não se coibia de ser a última sair, a fim de me ajudar no arrumo da sala, no apagar do quadro e no fechar da porta, acompanhando-me, em amena cavaqueira na descida das escadas que davam para os recreios e, por fim, despedindo-se, já na rua, com um simples mas terno e meigo “Até amanhã, professor”. E até nos dias em que, por exigências dos horários, não tínhamos aulas, ela, açudada por uma enorme vontade de me ver, de me encontrar, de conversar comigo, postava-se estrategicamente nos pátios, de maneira que, lhe fosse possível saudar-me com um cumprimento, por vezes, até com uma pequena e inocente brincadeira.

O desenrolar do ano lectivo e o ambiente de bem-estar, alegria e salutar aprendizagem que se ia cada vez mais agigantando nas minhas aulas, trouxe-lhe, necessariamente, uma cada vez maior afeição por mim, despoletando, entre nós, uma amizade simples, terna, meiga e verdadeira.

Eu próprio perante o sublime assédio da garota, me fui afeiçoando às suas brincadeiras, interessando-me pela sua presença, fantasiando-me com as suas atitudes, enlevando-me com as suas palavras, ufanando-me com os seus elogios e regozijando-me com a sua afeição e amizade.

Não era uma aluna brilhante porque não muito inteligente, mas era trabalhadora, estudiosa e interessada, o que lhe trazia, como consequência, a obtenção de resultados escolares bastante positivos. Era jovial, alegre, simples e detentora duma beleza invulgar. Cabelos loiros, quase doirados, olhos esverdeados, muito vivos e um rosto macio e aveludado, sobre um corpo débil e franzino, consubstanciavam uma doçura invulgar, uma simplicidade deslumbrante e um encanto sublime.

Passou um ano, passaram dois e a amizade recíproca e o respeito mútuo que nutríamos um pelo outro, agigantaram-se e transcenderam-se de tal forma que, no final do segundo ano, eu próprio senti uma enorme pena dela abandonar a escola e partir, com a agravante de não querer seguir os estudos, no ensino secundário. Despedimo-nos com melancolia, separámo-nos com mágoa, abraçamo-nos com tristeza e perdemo-nos, por completo, no espaço e no tempo. Nunca mais a encontrei, não deixando, no entanto, de me recordar do encanto singelo e sublime que, permanentemente, emanava da sua personalidade.

Passaram-se anos. Certa tarde em que deambulava pelas ruas da cidade, uma jovem dirigiu-se-me, acompanhada de um belo e simpático rapagão e, com um sorriso do tamanho do mundo, interrogou-me, sem que eu lhe pudesse responder. Perante a minha indesculpável ignorância, exclamou em êxtase, graciosamente, desesperado:

- Parece impossível! O Setor não me conhece? Não se lembra de mim? E tão amigos que nós éramos…

Não senhor, não me lembrava e por uma razão muito simples: ela agora era um jovem de uma beleza invulgar, duma graciosidade inexaurível, duma formosura estonteante e duma elegância inigualável. Abraçamo-nos como se ela ainda fosse aquela menina sublime e graciosa que se sentava junto à minha secretária e eu o velho professor que por ela me encantara.

Apresentou-me o namorado. Depois recordámos aulas, leituras, festas, brincadeiras, histórias e o tempo que havíamos partilhado em comum: eu como mestre e ela como aluna. Falámos sobre o futuro dela e sobre o jovem que a acompanhava e por quem, me confessava estar totalmente apaixonada:

- Sim senhor! Tens bom gosto, - acrescentei, virando-me para o rapagão, - escolheste uma menina que, para além de muito bonita, tem um excelente coração. É um encanto! Parabéns!

Despedimo-nos e virei-me, novamente, para o rapaz, como que ameaçando-o, em tom jocoso:

- Trata-a bem, caso contrário, prometo que havemos de ajustar contas.     

E ela sem demoras, num riso perdido mas um pouco envergonhado:

- Olha que o meu Setôr cumpre sempre o que promete!...

E partiram, muito felizes e apaixonados, na demanda do futuro.               

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publicado por picodavigia2 às 10:17

LIVRO INICIAL

Quarta-feira, 02.10.13

Foi na Ponta,

que se abriu o livro,

inicial,

simples

e branco.

Sem letras,

sem palavras

e sem frases,

escrito com o murmúrio, brando, da água das cascatas

e com o sussurro, agressivo, da maresia.

 

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publicado por picodavigia2 às 00:32





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