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DEDOS

Sexta-feira, 11.10.13

 

Dedo mindinho,

Seu vizinho,

Pai de todos,

Fura bolos,

Mata piolhos.

 

Este diz que tem fome,

Este diz que quer comer

Este diz que não tem o quê;

Este diz que não vai lá,

Este diz que Deus o dará.

 

(Aravia popular fajãgrandense)

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publicado por picodavigia2 às 17:02

A ILHA DE PEDRO DA SILVEIRA E O SEU MUNDO

Sexta-feira, 11.10.13

(Texto de Onésimo Teotónio Almeida)

 

Do Pedro da Silveira dizia Natália Correia que tinha uma língua viperina. Era marca de todos sabida e por não poucos receada. Um dia Lúcia Lepecki, numa roda literária, vendo que ao sair alguém da mesa ele desatava em corte interminável da sua casaca, interrompeu-o: "Puxa, Pedro! Não se pode 'tar longe de você!"  Mas mais aguda ainda era a sua memória, inesgotável fonte de notas de roda-pé biobibliográficas. Abria os seus ficheiros sem reservas. Bastava pedirem-lhe. Desbobinava de imediato.  Na Biblioteca Nacional era uma biblioteca à parte. E nas cartas revelava cortesia e lhaneza admiráveis, mesmo surpreendentes para quem testemunhava a sua presença muitas vezes pouco simpática pela fala compulsiva e impertinente.

Não conhecida de muitos, a sua poesia merece deveras o apreço de quem a conhece. Nos Açores, A Ilha e o Mundo (1952)  é um clássico portentoso. Quando surgiu foi um terramoto nas letras e nas mentes. Houve mais: Sinais do Oeste (1962), ambos felizmente tornados de novo acessíveis em Fui ao Mar Buscar Laranjas, o Livro I da "poesia reunida" que a Direcção Regional da Cultura dos Açores editou.  Poemas Ausentes, publicado em Santarém , ainda circula por aí.

Traduziu poetas de cuja poesia ficou amigo.

Deixa um espólio de valor incalculável. Em dois programas de TV comigo enumerou-me os projectos que tinha entre mãos, a maioria deles há longas décadas, e que sentia urgência em terminar: o Romanceiro da Ilha das Flores, uma História Breve da Literatura Açoriana, uma Antologia do Conto Açoriano, uma colectânea dos seus próprios contos, muita poesia dispersa para organizar. Notas  e apontamentos sem fim porque nunca dava um trabalho por terminado. Faltava sempre alguma vírgula num algures ainda a descobrir. Por isso era corrosivo perante as imperfeições que achava nos outros. Tinha há dois anos para me enviar as respostas a uma entrevista. Faltavam certas datas. Prometera também poemas. Não conseguia encontrá-los nos caixotes. E um conto. Queria revê-lo.

Deixa-nos ainda uma lista longa de histórias. Aconteciam sempre à sua volta e em redor do seu verbo. Perguntei-lhe uma vez em que estava a trabalhar. Traduzia para português o romance de uma mulher açoriana. Em que língua está então escrito? - inquiri curioso. A resposta veio mordaz: Em micaelense!

"Acabado, mas não tanto" era um dos seus belos poemas da velhice. Inacabado ficou, porque para ele nada tinha fim. A obsessão com o rigor levou-o a publicar pouco, e daí ser hoje para muitos uma ilha ainda desconhecida. Mais do que isso: uma preciosa mina.

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publicado por picodavigia2 às 15:44

O FOGÃO DA LUZ

Sexta-feira, 11.10.13

Era uma vez um pai que tinha muitos filhos. Era de avançada idade e sentia-se cansado e desiludido, mas era conhecedor profundo da vida e, sobretudo, da forma como resolver, tanto os grandes e esporádicos problemas como as pequenas dificuldades do dia-a-dia. Andava preocupado o bondoso e inteligente ancião, pois, observando as atitudes e comportamentos dos seus filhos, cuidava que não punham muito tino na forma de resolver os problemas, que tomavam decisões impensadas e irreflectidas de que depois se arrependiam e não reflectiam a fim de escolher a melhor, a mais fácil e a mais eficaz forma de resolver esta ou aquela dificuldade. Apenas um dos filhos, o mais novo, era, na opinião do veterano pai, sensato nas suas tomadas de decisões, prudente nas suas atitudes e deliberações, precavido nas acções mais inesperadas, ponderado e cauteloso em tudo o que fazia.

Preocupado em cada dia, em cada hora e em cada momento, o bom pai bem avisava os filhos sobre a necessidade de reflectirem antes de tomarem qualquer decisão a fim de que as suas atitudes não fossem perniciosas e nefastas e delas não se viessem a arrepender mais tarde. Caíam em saco roto, os seus conselhos.

Certa noite, ao deitar-se, colocou um candeeiro a petróleo em cima de uma mesa-de-cabeceira que ali havia, ao lado da velha enxerga de palha e pragana. Acendeu-o com o pavio de tal maneira alto que aqueceu excessivamente o vidro. Depois, quando percebeu que o fogão da luz já pelaria quem o tocasse, chamou o filho mais velho e ordenou-lhe:

- Agarra o fogão desta luz com ambas as mãos.

O rapaz de imediato respondeu:

- Não posso, meu pai. Não vê que está muito quente? – E sentou-se ao lado, por ordem do progenitor, o qual, de imediato, chamou outro filho a quem deu a mesma ordem. A resposta imediata do rapaz foi também a mesma: “Não posso, meu pai, está muito quente!” e sentou-se ao lado do irmão mais velho. O mesmo aconteceu com os restantes irmãos.

Chegou, finalmente, a vez do mais novo. Entrou no quarto e o pai deu-lhe a mesma ordem:

- Agarra o fogão desta luz com ambas as mãos.

O rapaz calou-se durante uns segundos e fechou os olhos, sinal de que estava a pensar. Pouco depois, sorriu, deu um sopro e apagou a luz. Esperou algum tempo, o necessário para que o fogão arrefecesse. Foi então que facilmente agarrou o vidro com ambas as mãos e tirou-o do candeeiro, entregando-o ao pai.

Não foi necessário dizer qualquer palavra. Os outros filhos compreenderam a lição e, a partir de então, tornaram-se mais ponderados nas suas atitudes, mais reflectidos nas suas decisões e mais sensatos nos seus procedimentos. 

 

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publicado por picodavigia2 às 15:26

A FEITICEIRA DO ESPIGÃO

Sexta-feira, 11.10.13

No Cimo da Ladeira do Espigão, o caminho, no troço que ligava a Cancelinha aos Lavadouros, era ladeado por vetustas e altíssimas paredes, cheias de musgos e heras. Nas terras de mato circundantes, onde nalgumas belgas cresciam inhames entrelaçados com laranjeiras, ameixieiras e outras árvores de fruto, os incensos e as faias que ali proliferavam eram altíssimos e ramosos, estendendo, sobre o caminho, uma boa parte das suas verdes e frondosas copas. Estas, entrelaçando os seus ramos uns nos outros, quase cobriam o caminho por completo, transformando-o numa espécie de túnel, sombrio, esconso, enigmático e misterioso. Um esteiro de enigmas e temeridades, um antro de superstições e medos, um berçário de mitos e lendas.

Pela freguesia, sobre aquele fatídico local, contavam-se muitas “estórias”, algumas simples e inverosímeis, outras temerosas e, até, assustadoras. Muitos dos que por ali tinham passado, em tempos idos, haviam pressentido sensações esquisitas, ouvido ruídos estranhos, avistado vultos fantasmagóricos, arrostado pessoas misteriosas e, até, um ou outro, jurava que se tinha defrontado com a presença de almas do outro mundo.

O Simão do Justino, um gabarola de meia-tigela, ufanava-se à Praça, na Máquina, no Alagoeiro e em todo e qualquer local onde se falasse do Cimo da Ladeira do Espigão, de ser muito anamudo, de não ter medo de nada nem de coisa nenhum e de passar por ali, a qualquer hora do dia ou da noite e nunca ter visto ou ouvido o que quer que fosse. Lérias, patranhas… Medricas, cambada de cagões eram os outros. Ele não. E os outros, ou porque incapazes de contrariar a gabarolice do Simão ou por não quererem declarar a sua própria cobardia, mudavam de conversa.

Os tempos passaram… embora os medos de transitar no Cimo da Ladeira do Espigão não se esvanecessem por completo.

Certo dia, ao descê-la, já pelo lusco-fusco, o Simão, quando menos esperava, foi atordoado por uma tremenda algazarra - pareciam gritos aflitivos, angustiantes, tenebrosos, saídos de entre os tétricos meandros dos incensos e das faias que povoavam aquele ermo e que pareciam prolongar-se e ecoar na rocha da Lagoinha. Lívido como um círio, branco que nem cal, cadavérico que nem um defunto, sem pinga de sangue no corpo, a escorrer suores frios e com as calças todas borradas, o Simão, apesar de trôpego, débil e cambaleante, desatou numa desmesurada corrida, até ao Largo da Cancelinha, onde, finalmente, parou e, olhando para trás, respirou de alívio – já não ouvia nada. Até a casa, porém, não sossegou e quando a mulher, perante o seu ar desbragado e o seu aspecto exinanido, o interrogou, ele apenas se limitou a encolher os ombros e a jurar, a pés juntos, que tão cedo não havia de ir aos Lavadouros, pelo maldito caminho da Cancelinha.

Mas não demorou muito a sua pertinácia e, passados uns dias, voltou a subir e a descer a Ladeira do Espigão. Nada ouviu, a não ser o suave murmúrio do vento, enrolando-se, deslumbrante e acariciador, nas copas frondosas das árvores. Mas, no dia seguinte, a coisa mudou de figura.

Descia o Simão a Ladeira e, de repente, os mesmos gritos, os mesmos berros e os mesmos ecos, a atordoarem-no, por completo. Embora lânguido, frouxo, quase desfalecido e terrivelmente assustado, o Simão decidiu-se por trepar a parede e espreitar por entre faias e incensos, na tentativa de descortinar tamanho mistério. Fê-lo, a muito custo, porque o cagaço, na verdade, era grande e muito superior às suas forças. Mas lá conseguiu chegar ao cimo da parede e espreitar para dentro. Os gritos, berros e ecos pareciam ainda maiores e mais angustiantes. Foi então que, num ápice, viu um vulto de mulher, passar-lhe em frente, numa louca correria. Não lhe viu a cara, apenas os cabelos louros e, mistério dos mistérios, a mulher tinha asas brancas no lugar dos braços e pés semelhantes aos das galinhas. O vulto saltava, corria, gemia, gritava, emitia rugidos estridentes e angustiantes, desaparecendo, por fim, entre as faias e os incensos. Era, por certo, uma feiticeira – a Feiticeira do Cimo da Ladeira do Espigão, que, pelos vistos, já se havia revelado a muitos outros que por ali haviam passado.

Mais morto do que vivo, transformado em farrapo, o Simão escorregou pela parede abaixo, estampando-se no chão, como se fosse um caco. Muito a custo, levantou-se, desatando em louca correria, enquanto os gritos, os berros e a própria imagem da feiticeira pareciam persegui-lo.

Foi o Greaves que o viu chegar ao cimo da Assomada naquele lastimável estado, carregando uma enorme angústia e o esclareceu, aliviando-lhe, parcialmente, a aflição:

- Mas que grande palerma… Então tu não sabes que aquela terra é do meu compadre Freitas e que ele, a semana passada, levou para lá as galinhas, para elas lhe limparem as mondas dos inhames. O que viste e ouviste foi a mulher dele que para lá vai todos os dias e fica horas e horas a vigiar e a chamar as galinhas, a correr atrás delas, a ver se descobre onde as malditas escondem os ovos.

O Simão, envergonhadíssimo, respirou de alívio e, embora um pouco desconfiado e a medo, uns dias depois, saltando a parede da terra do Freitas, confirmou. Lá estavam as galinhas a cacarejar todas esganiçadas e lá estava a mulher do Freitas, com um xaile branco sobre os ombros, a correr atrás delas, a acocorar-se e a levantar-se, a chamar pelas galinhas em frustradas tentativas de descobri-lhes os ninheiros.

Mas a mulher do Freitas era nova, bonita, elegante e atraente, por isso, nos dias seguintes o Simão, descortinando a hora em que ela ia tratar das galinhas, aproveitava para passar por ali e, trepando a parede, espreitava para dentro, na tentativa de descortinar uma nesga que fosse das pernas da “Feiticeira do Espigão”, que agachando-se, para não esmorraçar a cabeça nos grossos troncos das laranjeiras, de vez em quando, levantava, ao de leve, a beira da saia.

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publicado por picodavigia2 às 10:02

MANUEL AUGUSTO AMARAL

Sexta-feira, 11.10.13

O poeta Manuel Augusto de Amaral nasceu em Água de Pau, ilha de S. Miguel, a 29 de Agosto de 1862, tendo falecido em. Ponta Delgada, no dia de Natal de.1942. Frequentou o Seminário de Angra do Heroísmo (Terceira), mas interrompeu os estudos por falta de vocação para a vida eclesiástica. Regressado definitivamente a S. Miguel, dedicou-se pelo resto da vida ao ensino particular em Ponta Delgada, num colégio chamado Escola Minerva, que veio a adquirir.

A geração açoriana a que pertence, surgida pelos anos 80, compreende poetas como José Botelho Riley, Garcia Monteiro, José de Lacerda, Filomena Serpa, Manuel António Lino, Alice Moderno, etc., que não tiveram um projecto literário propriamente geracional, limitando-se a seguir na esteira da Geração de 70, em cujas liras procuraram afinar as suas próprias, uns (a maioria) tangendo-as numa clave tangencialmente parnasiana ou neo-romântica, outros (mais raros) desferindo acordes ao gosto do fim do século, com os quais se aproximaram, mas só um pouco, do espírito (mais do que da letra) dos poetas decadentes, ligeiramente mais novos.

Manuel Augusto de Amaral, por sua vez, deriva a sua poesia do lirismo sentimental de João de Deus - com, a espaços, alguma reflexão filosófica à Antero - e cai, de vez em quando, na eloquência alexandrina de Junqueiro; mas é do povo, «o mais antigo / e verdadeiro / Poeta da Humanidade», que se confessa discípulo e de quem segue o rasto lírico em vários volumes de cantigas, onde há «versos que o povo bem podia cantar como seus», no dizer de Pascoaes.

Obras principais: Miragens, As Mães, Volatas, A Pátria, Campanha de África. Feixe de Goivos, Cantigas, A Pátria Nova, Poentes de Outono, Açorianas, Cantigas, II, Cantigas, III, Récita de Caridade, Cantigas, IV, Cantigas, V, Auroras dos Açores, etc.

 

Dados retirados do CCA – Cultura Açores

 

 

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publicado por picodavigia2 às 10:00

AMÉRICA DOCE

Sexta-feira, 11.10.13

Aqui

é o fim da Terra.

 

Não há mais nenhuma ilha,

após esta.

Defronte, há apenas

mar.

 

Mar,

dono e senhor das ilhas.

Mar

que as rodeia,

que as acarinha

que as protege

e que as envolve.

 

E eu,

quantas vezes,

em criança,

ao olhar esse mar enorme,

esse monte de água infinito,

sem ilhas,

pressentia,

e cuidava

que existia

ali, defronte,

uma ilha misteriosa,

e gigantesca.

 

Uma ilha boa

e doce

para onde haviam fugido meus avós,

meus tios e meus primos.

Uma ilha grande

e generosa

de onde vinham as encomendas cheirosas,

os candys e as gomas,

e as cartas com dolas.

Uma ilha para onde

também eu

sonhava partir

e que, inocentemente, chamava:

- América Doce!

 

 

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publicado por picodavigia2 às 00:21





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