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FERNANDO AIRES

Domingo, 13.10.13

Fernando Aires de Medeiros Sousa nasceu em Ponta Delgada, ilha de São Miguel, em 18 de Fevereiro de 1928, tendo falecido em 09 de Novembro de 2010. Licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, foi professor efectivo no Liceu Antero de Quental, tendo leccionado a cadeira de Psicopedagogia na Escola do Magistério Primário de Ponta Delgada. Desempenhou as funções de assistente-convidado da Universidade dos Açores entre 1975 e 1994.

Pertenceu ao grupo que, nos anos 40, fundou o Círculo Literário Antero de Quental, destinado a introduzir o modernismo nos Açores. De 78 a 89 fez parte da Direcção do Instituto Cultural de Ponta Delgada. Está representado na Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa, onde também colabora desde 1993.

A sua obra é constituída por quatro volumes do diário Era Uma Vez o Tempo e por dois livros de ficção, Histórias do Entardecer e Memórias da Cidade Cercada, sendo que este título parece estar perfeitamente interligado com o seu diário, considerado como a componente fulcral da sua escrita: o homem moderno «cercado» precisamente por uma modernidade que ele entende e aceita, mas moldada pela memória profundamente vincada de um outro tempo em que as coisas e os homens ainda não tinham perdido os seus referenciais históricos e éticos.

 

Dados retirados do CCA – Cultura Açores

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publicado por picodavigia2 às 18:01

O HOMEM DOS SETE OFÍCIOS

Domingo, 13.10.13

O Guilherme morava na Fontinha, numa casa que ficava em frente à Fonte Velha e paredes-meias com a dos meus avós, de quem era também sobrinho. O seu pai era o Augusto Pimentel, mais conhecido pelo “Arionó” e a sua mãe a Mariana “Batelameira”, nascida do terceiro casamento do meu bisavô materno. Por isso e para além de primo, tratava o Guilherme por vizinho, uma vez que me habituei, desde sempre, a chamar vizinhos aos vizinhos dos meus avós. Além disso, o Guilherme tinha um coração bom e generoso, era um prócer de atitudes prestáveis e solidárias, o que de facto o tornava amigo de todos. Não se lhe conheciam inimigos e ninguém lhe desejava mal ou infortúnio, embora sendo um pouco simplório, demasiado ingénuo e exageradamente benévolo fosse alvo de chacota por parte de alguns. Por todas estas razões deu-me um enorme prazer, uma alegria desmesurada e uma comoção transcendente ver o Guilherme, já de cabelos brancos e alquebrado pelo passar dos anos mas sempre com ar jovial e galhofeiro, num programa recentemente transmitido pela RTP Açores, no exercício de uma das várias actividades que sempre desenvolveu e em que era e continua a ser exímio executante – na manufactura de utensílios de vimes: cestas, cestos e cabazes e afins. Na realidade e para além de se dedicar à actividade de cesteiro o Guilherme ainda exercia outras actividades, não sendo menos eficiente e hábil na execução das mesmas. É que o Guilherme, para além de cesteiro, era agricultor, criador de gado, caiador, tocador de trombone, pescador e admoestador de cães. Um verdadeiro homem de sete ofícios!

Desde pequeno que o Guilherme ajudava o pai na agricultura, lavrando os campos ou simplesmente andando à frente do gado, levando os animais aos prados, ceifava molhos de erva nas lagoas das Águas e da Figueira e acarretava-os aos ombros com desenvoltura e com eles alimentava o gado. O Guilherme carregava às costas pesados cestos de batatas e de inhames, lavrava, sachava, mondava, desbastava, quebrava espiga, rachava lenha e a empilhava-a ordenadamente no cepo ou debaixo do lar da cozinha. Subia a Rocha com desenvoltura e carregava os pesados molhos de lenha do Cabeço da Rocha e do Pocestinho. Levava as vacas a pastar, alimentava-as à manjedoura, atrelava-lhes o corsão ou o arado, ordenhava-as, tirava-lhes o esterco e despejava a urina da poça. Era também o Guilherme quem cultivava e apanhava os vimes com que ele próprio fazia cestos, as cestas e os cabazes, numa palavra era ele que produzia a matéria-prima para obter os produtos finais de cestaria que executava com enorme competência. O Guilherme também tocava trombone na filarmónica “Senhora da Saúde, sendo talvez um dos mais antigos músicos que tocou naquela filarmónica, ainda residente na Fajã. O Guilherme era um bom caiador de casas, dava dias para fora e era a seu cargo que estava o caiar da igreja antes da festa da Senhora da Saúde, sendo que era ele o único caiador capaz de o fazer sem colocação de andaimes, subindo e descendo pela sineira, saltando da torre para a cruz e da cruz para a torre, deslocando-se à vontade sobre as cimalhas, chegando mesmo a desafiar os que pela rua andavam, com um à vontade extraordinário. Desde pequeno que se afeiçoou também pelo mar. Aprendeu a nadar no Porto Velho com a ajuda e mestria do Pai que também o iniciou nas lides da pesca, tornando-se um exímio pescador. Fartura de peixe em casa era fruto da perícia piscatória do Guilherme. E não é que para o entronizar como o “verdadeiro homem dos sete ofícios” da Fajã Grande, o Guilherme foi e continua a ser um verdadeiro criador de cães dos quais se tornou também um perspicaz e astuto “admoestador”.

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publicado por picodavigia2 às 15:29

PEDRO DA SILVEIRA INACABADO E INESGOTÁVEL

Domingo, 13.10.13

(Texto de Onésimo Teotónio Almeida)

 

Guardo em meus ficheiros um dossier com muitas notas que fui tomando de conversas com Pedro da Silveira. Elas são informações curiosas (curiosíssimas muitas), frases inesquecíveis, ditos sarcásticos, histórias únicas que revelam a sua verve nunca controlada, e nem sempre se comportando da melhor maneira, como todos sabemos. Era sua trademark ser irreverente, inconveniente e devoto da lusitaníssima e ancestral tradição que remonta às cantigas de escárnio e mal-dizer. Um dia talvez consiga reunir todas essas histórias numa longa crónica, procurando recuperar o homem tal como o tenho arquivado em duas entrevistas que lhe fiz. Aqui e agora, gostava apenas de referir a inesgotável fonte de informação que Pedro da Silveira era. A ele recorriam inúmeros investigadores procurando descobrir quem seria um tal nome que emergia de uma página, ou quem seria o autor de um obscuro texto referido por um desconhecido numa qualquer publicação de circuito restrito. Pedro da Silveira, ou respondia imediatamente, valendo-se de uma memória fora de série, ou não descansava enquanto não deslindasse o caso e se pusesse a escrever uma longa carta a quem lhe fizera a pergunta.

Como se de propósito, estava eu a terminar a revisão deste texto quando me chegou do Pico o segundo volume de Figuras e Factos, de Ermelindo Ávila, por gentil oferta do autor. Num pequeno texto intitulado “Pedro da Silveira e Fernando Castro”, Ermelindo Ávila lembra que, em capítulo anterior, prometera voltar a dizer algo sobre a personalidade  do seu conterrâneo Fernando de Azevedo e Castro. Evoca de seguida um serão com Pedro da Silveira num encontro de escritores açorianos nas Velas, S. Jorge, em que essa personagem viera à baila e sobre quem Pedro da Silveira falara abundantemente. Ermelindo Ávila prossegue assim:

Mas, o mais interessante é que, no final do ano findo, recebi uma carta /de Lisboa/ de Pedro da Silveira que principia por recordar a nossa fala em S. Jorge sobre o meu conterrâneo Fernando de Castro, “… /a/ breve obra de poeta (poemas em prosa) – escreve P. S.  continua dispersa – e o autor, aqui, por identificar e pelo menos já uma vez suposto um pseudónimo de Fernando Pessoa, por ambos terem traduzido textos espíritas para a mesma editora. Confirmou-se então que ele fora morar aí, o que vim a encontrar depois, com a data aproximada, na revista aqui em Lisboa, ISIS, em que ele muito colaborava como espírita que era e tradutor de, entre outros mestres teósofos, Alain Kardek.

Vale a pena continuar com a citação pelo que ela revela sobre o espírito de curiosidade e de investigador que era o de Pedro da Silveira. Ermelindo Ávila prossegue extraindo passagens da mesma carta:

“Em tempos encontrei  numa revista de Lisboa, esta literária, colaborações dele, das quais então tomei nota. Mas perdi-a, lamentavelmente. Não desisto, porém, de rever essas suas colaborações e, juntando-as ao que vem no Almanaque Açores de Andrade  (sete textos), publicar a pequena obra do poeta, na realidade bom.”

“Agora mesmo vou escrever à Conservatória do Registo Civil daí pedindo que me forneçam a certidão de óbito de Fernando de Castro. A partir dela, com seus dados, verei, no Arquivo da Horta, quando nasceu. Mas gostaria de saber mais a seu respeito e é por isso que venho maçá-lo. Vagamente sei que seria professor aqui e que era formado, mas não sei em quê nem se por Coimbra ou Lisboa. …”

“O Fernando de Castro teve relações com vários intelectuais, além de Fernando Pessoa: por exemplo, o Castelo Branco Chaves e o Alfredo Pimenta (também ele poeta – melhor, sem dúvida, do que como historiador panfletário). Dei-me com o Castelo Branco Chaves, que deixou de ser monárquico e se ligou à Seara Nova, mas, infelizmente, não soube, enquanto ele vivo, que se dava com o Fernando de Castro.”

E por aí fora assim, pois era assim Pedro da Silveira nas (certamente milhares de) cartas que por aí dele haverá. Se as guardaram todas, elas constituem um manancial precioso de informação literária, histórica, cultural e sociológica, repleto de entremeados comentários de natureza pessoal, satíricos e mordazes, ou simplesmente (por que não dizê-lo?) da má-língua em que ele se refastelava nivelando todos e reduzindo-os à sua condição de mortais, criaturas humanas com mazelas escondidas nos armários que ele se deleitava a espreitar.

Tentei conseguir de Pedro da Silveira uma entrevista para um número especial da Gávea-Brown que preparava sobre ele, e que só não saiu porque esperei anos pelo material que me prometera: alguns poemas, um conto de temática luso-americana e mais algumas peças de que me falara e que teriam cabida numa revista dedicada à presença portuguesa na América do Norte. Quanto à  entrevista, enviei-lhe as perguntas e garantiu-me a dada altura que tinha já respondido a todas, faltando-lhe todavia verificar uns pequenos dados. Insisti com ele para ma remeter mesmo inacabada, receando que, como acontecia com inúmeros dos seus trabalhos, se perdesse nas gavetas, vítima de pequeninas incompletudes que, no seu perfeccionismo, Pedro da Silveira achava serem graves lacunas.

Devem, pois, estar no espólio do poeta e erudito as respostas às seguintes perguntas que lhe enviei para a referida entrevista:

- O seu bisavô andou pelas Américas. O que sabe dele?

- O seu avô e um tio andaram por aqui. Que sabe deles?

-Que mais familiares teve por aqui?

- Fala repetidamente de António Maria Vicente. Que sabe dele?

- Que sabe de Garcia Monteiro que ainda não esteja escrito?

- Nunes da Rosa esteve nas Flores e lá escreveu Pastorais do Mosteiro. Nascido na América, a América está muito presente nos seus contos. Que nos diz de Nunes da Rosa que ainda não esteja escrito?

- Que sabe de Alfred Lewis que ainda não esteja registado em textos impressos?

- Quer falar-nos de baleeiros das Flores (de novo a pergunta refere-se a informações não escritas ainda)?

- De que outras figuras açorianas emigradas para a América gostaria de falar por achar que não são devidamente conhecidas e apreciadas?

- A sua poesia está repleta de referências à América do Norte, sobretudo à Califórnia. Que papel tinha a América no imaginário da cultura florentina da sua adolescência?

- Que escritores americanos leu nos anos  formativos da sua adolescência?

-Diz-se que se lia muito nas Flores nos tempos em que não havia televisão. É mito ou verdade?

Acredito que uma simples busca no espólio me seria capaz de desencantar as respostas de Pedro da Silveira com a preciosidade de dados que elas certamente contêm, por mais incompletas que possam estar. Optei, todavia, por guardar para mais tarde a investigação e deixar assim simbolicamente incompleta esta homenagem. O baú de Pedro da Silveira terá muito que contar nas décadas vindouras. E seria bom que alguém começasse para já a empresa de recolher as suas cartas, porque pelo menos o espólio guardado na Biblioteca Nacional está seguro; as cartas, porém, andam ainda à deriva, sob pena de muitas virem a desaparecer. Essas cartas referem frequentemente a lista enorme de projectos que Pedro da Silveira tinha entre mãos. De vários me falou ele nas mencionadas entrevistas, bem como em longas conversas que com ele tive, particularmente durante a semana em que esteve na Nova Inglaterra para uma homenagem que lhe promovemos na Casa dos Açores, de colaboração com o Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros da Brown University. Fui seu motorista diário durante essa semana alargada.

De um dos seus projectos parece todavia não ter falado muito. Pelo menos nenhum dos seus amigos dele tem notícia. Trata-se da tradução de D. Quixote, de Miguel Cervantes, numa edição da Portugália Editora . Comprei o clássico em Angra, na Loja do Adriano em Março de 1967 e li-o nesse mesmo ano, mas não me recordava de ser Pedro da Silveira o tradutor. Até reencontrar há pouco tempo esse mesmo exemplar que se me ia afigurando único, pois ninguém parecia saber da tradução e edição de que nem mesmo a Biblioteca Nacional possuia cópia. Mas essa história ficará para outra altura, porque este terceiro andamento da minha homenagem a Pedro da Silveira quero deixar, como indicado no título, sob o signo do inacabado e do inesgotável.

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publicado por picodavigia2 às 10:42

A SENHORA DA SERRA DAS CARPETES

Domingo, 13.10.13

Era uma vez uma serra, chamada “Serra das Carpetes”, distante e inóspita mas atraente e maviosa, onde, todos os invernos, chovia torrencial e ininterruptamente, impedindo os pastores que viviam nas aldeias dispersas, nas suas fraldas, de a ela se deslocarem, no pastoreio dos seus rebanhos. Os invernos, na realidade, ali nas cercanias, eram terrivelmente frios e tempestuosos, cobrindo-se, a serra, de um manto de neve, inicialmente branco, mas que, aos poucos, se ia tornando esverdeado, à medida que os blocos de neve se desfaziam, deslizando sobre a erva e perdendo-se nos regatos. Pelo contrário, no verão, a serra, muito especialmente, na sua vertente voltada a oeste, drenada pelas reconfortantes chuvas do inverno, que ali se haviam aglomerado, barrava-se como se fosse um enorme manto verde e transformava-se num imenso prado, um espaço belo, atraente e paradisíaco. As chuvas frequentes e contínuas do inverno, faziam com que o seu solo, sobretudo na parte mais alta, fosse muito húmido, quente e profundo, propício ao florescimento da fresca alfombra, destinada ao pastoreio. Nas zonas mais baixas, mais quentes e mais hostis às investidas invernais dos nevões, abundava uma floresta de freixos, faias, ulmeiros, carvalhos e outras árvores, que misturavam as suas folhas caídas com as camadas arbustivas de aveleiras e espinheiros e com outras herbáceas, onde sobressaíam os fetos, as campainhas, as prímulas, as anémonas e as violetas que, na primavera, davam, à serra, um tom colorido de amarelo, lilás e azul. Aliás era o seu aspecto aveludado e os tons brancos, verdes, amarelos e arroxeados que a ornavam, que lhe haviam dado o epíteto de Serra das Carpetes. É que a serra, na verdade, revestia-se de um manto de beleza infinita e infindável, um tapete pulquérrimo, aureolado de excelência. Um deslumbramento deslumbrante! Além disso, a serra, como que consubstanciava uma tremenda alegria natural e uma simpatia contagiante, pois atraia e dignificava os que a procuravam, porque se excedia numa beleza singular, radiante, enternecedora e transcendente. A natureza havia-a dotado de tudo. Regatos e rios a correrem suavemente, por vezes entremeados com pequenas cascatas que lhe conferiam uma graciosidade ainda maior, ou, então, perdiam-se, formando pequenos lagos, que a aureolavam duma beleza bucólica, no meio da intensa e variada vida, que, desde os tempos mais remotos, se orgulha de manifestar. A Serra das Carpetes possuía uma sublimidade delirante, uma suave e inconfundível transcendência, misturadas com aromas de silêncio e de sombras e uma doçura de magia e de encanto. O local ideal não apenas para o pastoreio de rebanhos mas também para o nascimento de lendas, mitos e enigmas.

Ora uma das muitas lendas que da serra se contava era a de que, em tempos idos, durante alguns invernos seguidos, não choveu na serra das Carpetes, seguindo-se, então, um prolongado e desolador período de seca. Os rios e regatos ficaram sem água, a vegetação feneceu e, pior ainda, as árvores esmoreceram, os arbustos secaram, os prados tornaram-se estéreis e as pastagens, outrora verdejantes e férteis, definharam, por completo, impedindo os pastores das aldeias serranas de para ali se deslocarem, no pastoreio dos seus rebanhos. Muitos deles, perante as dificuldades em ali pastorear as suas ovelhas porque não encontravam verdura nos pastos daquela serra, deslocaram os seus rebanhos para outras pastagens, enquanto outros, abandonaram a pastorícia e partiram para terras distantes.

Numa das aldeias porém, havia um pastorzinho, pobre e humilde, que possuía um pequeno rebanho. Como não tinha nenhum outro local para levar as suas ovelhas nem dinheiro para o aluguer de outras pastagens, o pequeno pastor decidiu continuar a levar o seu rebanho para as pastagens da Serra das Carpetes. Estas, porém, estavam secas e estéreis, pelo que as ovelhas regressavam de lá, ao fim do dia, esfomeadas e famintas e o pastor muito triste pois nada encontrava para as alimentar. Mas como não tinha alternativa, no dia seguinte conduzia, novamente, o seu rebanho para as mesmas pastagens, na esperança de ali encontrar algum alimento. Mesmo que fossem as folhas amarelas e secas caídas das árvores ou os resíduos apodrecidos das ervas e arbustos de outrora.

Ora num dia em que, mais uma vez, o pastor se deslocou para a serra com o seu rebanho, enquanto se postava, triste e pesaroso, junto a um cabeço, porque as ovelhas nada encontravam para comer, estranhamente, encontrou uma grande moita de erva muito fresca e verdejante que se distinguia de todas as outras plantas secas, estéreis e a apodrecer, que se encontravam ao redor. As ovelhas viram a moita e foram logo a correr na demanda da fresca ervinha. Comeram e voltaram a comer até se saciarem e, no fim, para pasmo e espanto do pastor, a moita continuava cheia de ervinha fresca e apetitosa como se as ovelhas lhe não tivessem tocado. O pastor achou aquilo muito estranho, foi lá ver o que aquela moita tinha de tão especial e encontrou, no meio da erva, uma luz brilhante, parecia uma estrela. Muito admirado com o seu achado, e sobretudo muito contente por as ovelhas virem bem alimentadas, regressou a casa. Perante a admiração dos outros pastores, contou-lhes o que se tinha passado, mas eles não acreditaram, embora não percebessem como se tinham tão fartamente alimentado as ovelhas. Muito confuso, o pastor voltou à serra, no dia seguinte, e encontrou a mesma moita, onde novamente as ovelhas saciaram a sua fome. Cheio de curiosidade e de espanto, o pastor aproximou-se e em vez da estrela brilhante que vira no dia anterior deparou-se com a imagem de uma Senhora. Era uma Senhora mais bela do que as madrugadas, mais brilhante do que as estrelas, mais sorridente do que as flores. Tentou agarrá-la mas não conseguiu. Pareceu-lhe ser a imagem da Virgem Maria. Seria que a Mãe de Deus que se compadecera dele e do seu rebanho e lhe colocava ali aquele manancial de erva fresquinha? Tímido, o pastor não contou o seu segredo a ninguém, embora os outros pastores se movessem de cuidados em perceber como o pastorzinho alimentava as suas ovelhas.

A partir de então, o pequeno pastor dedicava aquela moita, uma atenção, um carinho, uma devoção muito especial. Todos os dias a moita alimentava o seu rebanho e todos os dias permanecia repleta de erva tenra e fresquinha como se as ovelhas a não tivessem comido. Os dias passaram e o rebanho do pequeno pastor foi prosperando e crescendo tornando-se o maior rebanho de quantos existiam nas aldeias das cercanias da Serra das Carpetes.

O pastor, passado algum tempo enriqueceu e, de imediato, mandou construir uma pequena capela, onde colocou uma imagem da Virgem, semelhante àquela que encontrara na moita e que passou a chamar “Nossa Senhora da Serra das Carpetes”. Inexplicavelmente o êxito do pastor nunca se tornou notícia nas aldeias serranas, nem nunca se soube que ele tinha construído uma capelinha em honra da Senhora da Serra das Carpetes. Apenas uns lenhadores que por ali passaram, certo dia, contaram na aldeia que haviam encontrado, na serra, um miúdo inanimado, dentro de um cabana, que, aparentemente, ele próprio havia construído com troncos e ramos de árvores e, em cima da qual colocara uma cruz.

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publicado por picodavigia2 às 10:08

TIO MATEUS FELIZARDO

Domingo, 13.10.13

Tio Mateus Felizardo era, nos meus tempos de criança, um dos homens mais velhos da Fajã. Nascera em 1869 e foi das primeiras crianças a ser baptizada na igreja paroquial fajãgrandense, dado que a paróquia havia sido erecta apenas oito anos antes do seu nascimento. O seu nome completo era Mateus Rodrigues Felizardo, sendo seu pai Manuel Rodrigues Felizardo e sua mãe Ana Isabel Narciso. Casou, na Fajã Grande, no dia dois de Fevereiro de 1895, com Mariana Fagundes Felizardo filha de João de Freitas Lourenço e de Luciana Emília da Silveira, casados em 2 de Setembro de 1865. Por sua vez, a sua mulher, Tia Mariana, como era conhecida, havia nascido em 1870 e era irmã da mãe da Sra Fragueira, que morava numa Canada da Fontinha e que mais tarde professou como religiosa na Congregação da Sagrada Família e também do sogro do Maurício ou seja o marido da Senhora Gonçalves, que morava quase no cimo da Assomada, ambos já falecidos, na altura. Tio Mateus Felizardo morava na Assomada, numa casa que ficava quase em frente à Canada do Pico, do lado esquerdo de quem subia, logo a seguir à casa do Mestre Augusto Mariano e um pouco afastada do caminho. Vivia com a esposa, na companhia de uma neta, a Ana, com eles criada desde de pequenina e que mais tarde casou com o Manuel da Senhora Violante. Acometido de doença incurável naqueles tempos em que médicos e tratamentos eram escassos, o Manuel faleceu algum tempo depois de casar, tendo a Ana voltado a contrair matrimónio, desta feita com o António Vieira que morava na Fontinha, perto da Fonte Velha.

Como a casa dos meus pais ficava um pouco mais abaixo da do Tio Mateus Felizardo, todos os dias eu via passar aquele velhinho, sorridente e simpático, com ar sereno e a fazer lembrar os republicanos do início do século, apoiado a uma bengala, com um casaco grosso vestido, com a gola levantada, a proteger o pescoço do frio, de boné ou chapéu e com umas longas barbas muito brancas mas amareladas junto à boca, resultado do seu vício de mascar tabaco. Devido à idade já não trabalhava, mas todas as tardes saía de casa e vinha sentar-se à Praça, juntamente com outros homens, conversando, cavaqueando, mexericando, “falquejando” ou simplesmente descansando.

Um dia, porém, não o vi passar frente ao pátio da minha casa. Perguntei por ele e disseram-me que tinha morrido e que havia de passar por ali apenas mais uma vez. De facto, no dia seguinte, em vez do velhinho simpático e sorridente que via passar todos os dias em frente à porta da minha casa, eu vi um enorme cortejo fúnebre, precedido por uma cruz a que se seguia uma fila de homens e mulheres, vestindo de preto, cabisbaixos eem silêncio. Osfamiliares choravam e os amigos tinham os olhos pejados de lágrimas. Alguns homens transportavam um caixão preto, à frente do qual seguia o senhor padre de capa de asperges negra e o barrete das três quinas. Os sinos na torre da igreja dobravam a finados, as portas e as janelas das casas da Assomada fecharam-se todas e, naquela tarde, não havia homens sentados à Praça. Era a última vez que por ali passava Tio Mateus Felizardo.

 

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publicado por picodavigia2 às 00:18





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