PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A FONTE VERMELHA E O LUGAR DO MESMO NOME
Quase no cimo da Rocha da Fajã Grande, mais concretamente, a dez voltas da cancela da primeira relva, existia outrora e, pelos vistos ainda hoje existe, uma fonte de água fresquíssima, puríssima, deliciosíssima e como que miraculosa, porque suavizava o cansaço, balsamizava o esgotamento físico de quantos por ali passavam quotidianamente e sobretudo dos que, desabituados de tal suplício, subiam aquele alcantil escarpado e abrupto apenas de quando em vez, uns e outros alquebrados pelo cansaço resultante de tão longa e íngreme subida e retemperava-lhes as forças e o ânimo para continuarem a íngreme subida. Denominada de Fonte Vermelha, embora nada tivesse de encarnado que justificasse tal epíteto, a não ser as pedras de tufo avermelhado que a rodeavam, a dita cuja dava também nome ao local da Rocha onde se situava e que abrangia não apenas as sinuosas voltas para cima e para baixo, mas também os socalcos, as ravinas, as pequenas belgas e as enormes vergas de pedra que ali ao lado existiam. Era o lugar da Fonte Vermelha, onde chegar após tão tormentosa subida era, para os mais débeis e vulneráveis ao cansaço, um acto heróico, um triunfo de que se ufanavam e vangloriavam. Chegar à retemperadora Fonte Vermelha era, por um lado, uma assombrosa, inaudível e surpreendente vitória e por outro. a certeza de ter o bálsamo adequado, reconfortante e animador – a água pura e fresca que dali jorrava. É que chegar à Fonte, para além de saciar a sede, descansar o corpo e aliviar a tormenta, na que se dizia ser a melhor água da ilha das Flores, era a certeza de faltarem poucas voltas para o cimo da Rocha. A fonte era contínua, permanente e eterna. É que a água jorrava, incessantemente, de uma pequena e tosca bica, encravada num tufo da Rocha, onde cada transeunte sequioso colocava uma folha de incenso ou de sanguinho, para ter acesso mais higiénico e eficiente ao consumo do cristalino e diáfano fiozinho. Parecia que quanto mais se bebia mais água brotava do tufo. Todos os que por ali passavam dela bebiam todos os dias e todas as vezes e, não raramente, depois de beber, voltavam a beber muitas outras vezes, quer quando subiam quer quando desciam e o mais curioso é que a fonte nunca secava. Corria sempre, dia e noite, jorrando um frágil mas contínuo veio, lá bem do interior da terra. Mesmo que ninguém a procurasse para beber, a água continuava a brotar e caía solitária mas sussurrante, formando, no chão, uma poça que, depois de cheia e de nela os animais também beberem, ainda escoava pelos degraus e encostas da Rocha, transformando-se num pequeno regato e enchendo com tons de verde, sons de suavidade e aromas de frescura todo aquele maravilhoso lugar – o lugar da Fonte Vermelha.
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SISMO EM PAREDES
Esta tarde, na cidade de Paredes e em toda a região do Grande Porto, assim numa boa parte do Norte do país foi sentido um abalo de terra de magnitude 3.1 na escala de Richter, com epicentro, segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, a cinco quilómetros a Oeste de Paredes, sem que até ao momento haja registo de qualquer dano material ou humano
O tremor de terra foi registado às 17h22 e foi sentido, com maior intensidade, em várias localidades da região Norte, como Porto, Gaia, Penafiel, Gondomar, Maia, Vila Nova de Famalicão, Vizela e Paredes.
Segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, esta situação não é grave, pelo contrário, enquadra-se numa normalidade, uma vez que “é comum ocorrerem este tipo de sismos, com esta magnitude, no território português todos os anos”. O Instittuto ainda acrescenta que este é o tipo de sismo considerado “fraco, sem capacidade para causar alarme”.
O Centro Distrital de Operações de Socorro do Porto não registou, até ao momento, qualquer dano., nem recebeu qualquer chamada a pedir apoio.
Texto publicado no Pico da Vigia em 13 de Fevereiro de 2013
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O MOINHO DO CAFÉ
O moinho do café, outrora, era um utensílio praticamente existente em todas as casas da Fajã. Pregado numa parede da cozinha ou encastoado na divisória que a separava da sala, o moinho do café, um objecto relativamente pequeno mas muito útil e absolutamente necessário, era movido por uma manivela manual que ao rodar-se com alguma velocidade punha em movimento uma engrenagem existente no interior do moinho e constituída por eixos e rodas sobre as quais os grãos do café, sós ou misturados com outros, lançados numa pequena caixa ou enclave superior, iam caindo sobre as rodas, ao mesmo tempo que eram triturados por estas e transformadosem pó. Umavez moído, o café caía, sob a forma de pó, através de um orifício existente na parte inferior do moinho e era recolhido numa lata ou num frasco próprio ou adaptado, ou, por vezes, até na própria cafeteira em que, de seguida, havia de ser feito.
Na década de cinquenta, o café a que se misturava um pouco de leite era, muito provavelmente e depois da água, a bebida mais utilizada e consumida em quase todas as casas da Fajã Grande. Bebia-se café de madrugada, durante a manhã, ao jantar e por vezes até à noite, à ceia ou antes de ir para a cama. O café utilizado ao longo de toda esta bebericação diária, no entanto, não era apenas feito com o café puro, comprado a retalho nas lojas, mas sim com uma mistura constituída por este, comprado em grão e por vezes ainda cru, sendo depois torrado no tijolo do bolo ou no forno, por favas secas e igualmente torradas e por chicória, esta também comprada nas lojas, mas já torrada e bastante mais barata do que o café. Todos estes ingredientes eram misturados e lançados aos punhados sobre a abertura superior do moinho, onde depois, com o rodar da manivela, tudo era moído e transformadoem pó. Constaque em tempos mais remotos também se juntavam a esta mistura raízes de fetos, depois de muito bem lavadas, secas ao sol e torradas.
O café era feito geralmente para um dia ou dois e, para que estivesse sempre quentinho, sobretudo quando homens e mulheres regressavam a casa, cansados e exaustos das tarefas e lides agrícolas, era colocado no bule próprio, o qual, por sua vez, era posto debaixo de um abafador. O consumo do café tornava-se maior, uma vez que na Fajã não se produzia vinho e comprá-lo nas lojas ficava bastante caro e inacessível à maioria das bolsas. Assim era uma tigela de café que acompanhava a refeição da manhã ou o almoço, ainda o jantar, ao meio-dia e, por vezes, até a ceia, à noite. Se a esta porção juntarmos as tigelas de café bebidas a meio da manhã, ao longo da tarde e até durante a noite, pode-se fazer uma ideia da quantidade de café que era preciso moer, das favas que era necessário torrar e juntar, bem como da necessidade de ter o moinho do café, mesmo ali à mão, pregado numa parede da cozinha ou encastoado na divisória que separava a cozinha da sala.
O consumo excessivo do café na ilha das Flores foi considerado pelos habitantes das restantes ilhas açorianas, como sendo a principal causa da excessiva percentagem de doentes mentais das Flores que demandavam a casa da Saúde de São Rafael, na perspectiva duma cura. Sabia-se, no entanto que isso não era verdade porque afinal o café bebido pouco tinha de café e que a principal e verdadeira causa das doenças mentais de muitos florentinos estaria antes ligada ao problema da consanguinidade, flagelo próprio das pequenas localidades. Contava-se que, por essa altura, na freguesia da Caveira, morreu um homem de avançada idade e mais de metade da freguesia ficou de luto, pois quase todos os habitantes da freguesia eram seus parentes.
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SÍLVIO FLORENSE
Sílvio Florense é o pseudónimo utilizado pelo professor, poeta e músico, António Luís de Fraga, natural da Fajã Grande, filho de “Tio Antonho” do Alagoeiro e irmão de Valério Florense, pseudónimo do Padre José Luís de Fraga.
António fez a instrução primária na Fajã Grande, revelando desde de criança grande inteligência e gigantesca vontade de aprender. Em 1922, com treze anos de idade, abandonou a ilha das Flores e ingressou no Seminário de Angra, onde cursou Filosofia e Teologia, sendo considerado, sobretudo pelos que lidaram de perto com ele, um aluno desvelado, estudioso, aplicado, revelando grandes dotes de inteligência e capacidade de aprender. Já nessa altura e, mais tarde ao longo de toda a sua vida, manifestou-se sempre apostado em aperfeiçoar os seus conhecimentos e a sua cultura.
Em 1931 saiu do Seminário e regressou às Flores, fixando-se, por razões laborais,em Santa Cruz, onde exerceu as funções de solicitador, de professor e de jornalista, colaborando também em diversas actividades de índole social. Foi no “Jornal das Flores” que publicou os seus primeiros poemas e artigos diversos.
Em 1957 voltou a abandonar as Flores, já casado com Maria da Glória Teodósio, fixando então residência, primeiroem Ponta Delgadae mais tardeem Santa Maria, onde continuou a dar aulas, a escrever e a dedicar-se à sua actividade de poeta e musicólogo.
Por motivos de doença e na procura de um clima mais favorável a aliviar algumas maleitas de que sofria, nomeadamente a asma, partiu para Angola, onde passou a residir, em plena guerra colonial, exercendo funções docentes, pese embora a Diocese de Angra nunca lhe concedesse o diploma de curso, nas cidades de Carmona e Teixeira de Sousa, onde continuou a sua actividade de escrita e sobretudo, de bem fazer em diversas organizações musicais, religiosas e sociais.
Por se agravar a sua doença e também devido aos distúrbios verificados em Angola após o 25 de Abril, regressou aos Açores, fixando residênciaem Vila Francado Campo e encerrando, praticamente. as suas actividades de professor, escritor e músico.
Faleceuem São Miguel, onde foi sepultado, tendo os seus restos mortais sido, mais tarde, transladados para a sua freguesia natal, numa cerimónia simples mas condigna a que aderiu toda a população da freguesia.
Aqui ficam as palavras de quem melhor do que ninguém o conheceu e com ele conviveu diariamente e que guarda o seu pecúlio artístico e cultural: “Sílvio Florense, humilde e obscuro, nunca publicou a colectânea dos seus versos, embora de vez em quando os enviasse aos jornais. Nos antípodas, Sílvio Florense comunica-nos, por exemplo, o sentimento de amor que liga o homem à terra Natal, nas Flores como nas estepes da Ásia central nos sertões africanos como na Islândia gelada, com palavras simples que uma criança entenderia e qualquer homem seria capaz de fazer suas.”,(In Jornal “As Flores”).
Sílvio Florense exerceu ainda uma actividade social e política, de acordo com os mais nobres e dignos princípios de humanismo e solidariedade, sobretudo na ilha das Flores, onde o epicentro da sua actividade se centrou na defesa dos direitos dos seus habitantes, nomeadamente dos mais fracos e mais desfavorecidos.
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PERSISTÊNCIA
A Doutora Patrícia do Carmo Moreira Alves é, hoje, uma distinta e competente médica. Especializada em Oncologia, para além da sua actividade hospitalar diária, tem desenvolvido um importante trabalho de investigação, pesquisa e estudo nas áreas da imunoterapia e da imunoprofilaxia de doenças infecciosas e parasitárias.
Conheci a Patrícia era ela ainda criança e frequentava a primeira classe. Embora não acompanhando, nessa altura, o seu percurso escolar, soube que, ao longo de toda a sua permanência no primeiro ciclo, foi uma aluna brilhante, estudiosa, inteligente, aplicada e trabalhadora, para além de simples, meiga, carinhosa e ternurenta.
No segundo ciclo, porém, quis o destino, que fizesse parte de uma das turmas que me foi confiada, no início de um novo ano lectivo Uma alegria e um contentamento para ela. Um enlevo e um encanto para mim.
Senhora de uma vontade férrea em aprender, movida por um enorme desejo de estudar impulsionada pela exigência de ser brilhante, participava nas aulas com um interesse desmesurado e uma atenção permanente, estudava com entusiasmo e empenho e realizava com gosto e eficiência as tarefas de aprendizagem que lhe eram propostas. Aliava à excelência das suas capacidades intelectuais e aos excepcionais desvelos de aprendizagem, um enorme sentido de responsabilidade, uma esmerado empenhamento em tudo o que fazia e uma transcendente alegria de viver. Concluiu o segundo e o terceiro ciclos, com excelentes resultados. Um senão, no entanto, pesava no seu quotidiano e obstaculizava a continuidade dos seus estudos. Os pais eram muito pobres e a família numerosa. A obrigatoriedade de começar a trabalhar, após o terceiro ciclo, era, por conseguinte, uma exigência que lhe cerceava a continuidade dos estudos.
No final do nono ano, ao ver barrada a possibilidade de prosseguir os estudos, procurou-me para desabafar as suas mágoas e confessar o seu desalento. O seu sonho era frequentar a Universidade, tirar um curso superior e a sua grande vontade era ser médica.
Tentei compreendê-la e apoiá-la, aconselhando-a de que talvez fosse melhor e sobretudo, mais concretizável, tirar um curso profissional de que gostasse, ligado à área da saúde, porque menos demorado, sem exigências do décimo segundo ano e, além disso, bastante mais económico. Impensável! Podia eu acreditar e um dia havia de ver: custasse o que custasse, demorasse o que demorasse, havia de tirar um curso superior e havia de ser medicina. Perante tamanha convicção e conhecendo, não apenas as suas capacidades intelectuais mas também a vontade férrea de sempre conseguir o que pretendia, encorajei-a e desejei-lhe sorte, muita sorte.
Por exigência dos pais, a Patrícia, começou a trabalhar, numa fábrica de confecções. Cuidei que fosse o termo dos seus sonhos, até porque a morte repentina do pai, pouco tempo depois, veio estigmatizar-lhe ainda mais a vida e o destino. Mais tarde, foi a falência da fábrica que a desempregou e lhe trouxe maiores dificuldades. Mas, pelo contrário, estes e outros dissabores como que lhe acicataram, ainda mais, a vontade de lutar e singrar na vida. Trabalhou no campo, serviu em casas, fez limpezas em condomínios e, finalmente, começou a estudar de noite. Através de concurso, conseguiu um lugar de auxiliar de acção educativa num Jardim de Infância. Aos fins-de- semana, no entanto, continuava a trabalhar em supermercados ou em promoções de vendas. Apenas à noite frequentava as aulas e estudava. Ao fim de três anos completou o Ensino Secundário com a média necessária para entrar em Medicina. Continuando a trabalhar, embora beneficiando do estatuto de trabalhadora estudante e conseguindo um empréstimo, que bolsas de estudo foram-lhe sempre recusadas, ao fim de alguns anos terminou o Curso de Medicina. Fez a especialidade, a pós graduação e o douramento, tendo, no entanto renunciado à carreira de auxiliar de acção educativa.
Hoje é uma médica conceituada com um notável e impressionante currículo, sobretudo, na área da investigação, tendo já diversos trabalhos publicados em revistas nacionais e estrangeiras. Mantém a lhaneza, a inocência e a simplicidade de criança, a força, a beleza e vontade de querer da juventude. Confessa sentir-se profundamente realizada, não tanto pelo que é, mas por o ter conseguido por ela própria, graças à sua firmeza de vontade, à persistência de lutar, ao transpor de barreiras e, também, às suas capacidades naturais. Lutou e venceu os obstáculos que a vida lhe colocou e conquistou, por si própria, o direito não apenas de identificar e definir a sua missão de vida mas, sobretudo, de conquistar os percursos da sua própria realização profissional.
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GALINHA PEDRÊS
Era uma vez
Uma galinha pedrês
E um galo francês
Morreram os dois
Ficaram só três…
Queres que conte outra vez?
(Aravia popular fajãgrandense)