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JOÃO DE MATOS BETTENCOURT

Domingo, 20.10.13

João de Matos Bettencourt nasceu na freguesia do Norte Grande, ilha de S. Jorge, em 19 de Outubro de 1889, tendo falecido em Santa Cruz da Graciosa, em 1915. Contista e poeta, foi também autor de artigos em que, segundo Pedro da Silveira “ora pende para um pessi­mismo total, individual ou quanto ao destino da humanidade, ora vislumbra um mundo novo futuro, no qual, abolidas diferen­ças económicas e sociais, a felicidade se tornasse possível a todos”. Dele diz, todavia, o mesmo Pedro da Silveira, que é autor de “excelentes versos e trechos poéticos”, embora sejam raras as “composições completas perfeitas ou à beira de perfeitas encontráveis na sua bibliografia lírica”. Tendo legado uma obra literária reduzida e reveladora de influências várias, nem por isso Rui Galvão de Carvalho deixa de considerar como de “real valor pela sua autenticidade e expressão emotiva”. Por sua vez, Rebelo de Bettencourt aponta-o como o primeiro poeta dos Açores a sentir “a necessi­dade de se criar uma literatura açoriana, uma literatura ao nosso modo de ser”.

Fundou e dirigiu, no ano da sua morte, a revista de arte Atlântida, “com o pro­pósito de reunir à sua volta todos os escritores açorianos e de revelar o que nos Açores havia de mais nosso”. Suicidou-se em Santa Cruz da Graciosa, onde exercia a profissão de telegrafista. As suas obras são: A Festa do Santinho: Poemeto para o Povo, De Profundis, A Minha Terra e Alma aos Pedaços(contos).

 

Dados retirados do CCA – Cultura Açores

 

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publicado por picodavigia2 às 22:30

UM VALENTE SUSTO

Domingo, 20.10.13

Meu pai tinha uma terra de mato nas Covas. Arquétipo do medo, zimbório do pavor, alforge de insegurança, o lugar das Covas ficava bem juntinho à Rocha. A inclinação acentuada do terreno, vestígio claríssimo duma antiga ribanceira que ali desabara em tempos idos, aliada à infertilidade do solo, onde predominavam mais calhaus e pedregulhos do que terra arável, as Covas, camufladas em belgas e estruturadas em socalcos, consubstanciavam uma avassaladora pobreza produtiva aliada aos perigos de derrocadas eminentes que a natureza anunciava com persistência. Meu pai raramente procurava aquele tugúrio de escombros! Se o fazia era por necessidade absoluta. Àqueles andurriais, apenas havia de extorquir, de vez em quando, uns braçados de incensos, uns molhos de lenha ou uns sacos de erva-santa pr’ás galinhas. Cá fora, longe da Rocha, na frondosa fajã, terras fartas de milho, relvas viçosas, lagoas de inhame a agrião. Depois, rolo e mar.

Certa tarde, lá fomos, numa dessas esporádicas e, para mim, tão pouco desejadas idas à terra das Covas. Apenas eu e o meu progenitor. Acabáramos de cortar e ajeitar um molho de incensos que ele próprio traria às costas, quando meu pai se preparava, com a minha frágil e desafeiçoada ajuda, para apanhar e encher um saquito de erva-santa, esclarecendo:

- É para que não vás de “mãos a abanar” e a, como de costume, andares “ a meter o bico onde não és chamado”!

Estávamos encostados à Rocha, na apanha da erva-santa. De repente ouvem-se ruídos estrondosos, retumbantes e assustadores. Atónitos e estarrecidos, olhámos um para o outro, para o lado, olhámos para baixo e olhámos para cima. Só então vimos algo de estranho, assombroso e aterrador. Eram pedregulhos enormes, cascalhos grandíssimos, calhaus de todos os tamanhos e feitios, a cair lá do alto da rocha, em enorme quantidade e a rolarem, em catadupa, sobre as nossas cabeças, como se fossem aviões russos a lançar torpedos, enquanto a Rocha ao redor estremecia, estrondosamente, abalroada por uma misteriosa força telúrica, projectando ecos que ressoavam ao perto e, depois ao longe, parecendo transformar-se noutros ecos. Perplexos, aterrorizados, aflitos, embasbacados, “cágados” de medo, ficámos como que inconscientes, sem saber o que fazer, à espera de tudo e de coisa nenhuma. Eu… sem saber se corria, se gritava, se chorava, se fugia, se morria! Meu pai… a tentar ver se me protegia, se vínhamos embora, se ficávamos ali, à espera do pior. O Cardosinho, a ceifar feitos numa relva do Vale do Linho e o Jesuíno da Ponta a subir a ladeira que dava para a Ponta, acompanhado de um jerico carregado de moendas, estancaram e gritavam, em simultâneo:

 - João! Não fujas! Agarra o pequeno! Aproxima-te da rocha com o pequeno! Aproxima-te mais da rocha, João! São apenas pedras! João, ouviste! São pedras, aproxima-te da rocha!

Foram instantes que pareceram uma eternidade!...

Finalmente, o rolar das pedras por aquele alcantil, sobre as nossas cabeças, parou! Durante os momentos seguintes ouviram-se ecos e depois, já muito ao longe, mais ecos dos ecos. Finalmente, depois do último eco, vago e longínquo, fez-se um silêncio temível e, aparentemente, mais aterrador do que o ribombar dos ecos. Esperámos que o silêncio continuasse e se tornasse menos terrificante. Só então meu pai, de rompante, me agarrou por um braço. Fugimos dali a sete pés, sem molho de incensos, sem saco de erva-santa, sem frocas, sem bordões, sem nada…

E só paramos no fim da canada do Vinhacre, ao caminho que dava para a Ponta, onde o Cardosinho e o Jesuíno já reunidos e pasmados, esperavam por nós. Foi então que o Cardosinho esclareceu:

- Quando estamos junto à rocha, se cair uma ribanceira, há que fugir o mais depressa possível mas o mais provável é ficarmos soterrados. Não há nada a fazer. Mas se forem apenas pedras a cair, como foi o caso, devemos aproximarmo-nos da rocha, por que assim elas não nos tocam.

Naquela tarde, eu e meu pai, apanhámos um valente susto, mas as pedras apenas passaram sobre nós como se fossem pássaros gigantes e loucos.

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publicado por picodavigia2 às 17:32

ESTRANHO

Domingo, 20.10.13

MENU 12 – “ESTRANHO”

 

ENTRADA

Salada Mista:

 Alface, pimento vermelho e pimento verde, cebola, feijão-verde e pepino,

com nozes e passas, temperada com azeite e borrifada com doce de uva

 

PRATO

Lombo de Salmão cozido, barrado com azeite e vinagre balsâmico.

Batata cozida, borrifada com creme de salmão.

Legumes cozidos, salteados em compota de maçã.

 

SOBREMESA

Pêssego e Gelatina domesmo.

 

Preparação da Entrada – Preparar todos os ingredientes e lavá-los. De seguida picá-los miudinhos, misturá-los e juntar as nozes e as passas. Temperar com azeite e barrar com doce de uva.

Preparação do Prato – Picar, finamente os legumes (cenoura, feijão-verde, repolho e outros). Cozer os legumes, a batata e o peixe. Separar. Numa fritadeira, saltear, numa colher de sopa de compota de maçã os legumes. Dispor no prato, juntamente com o creme e borrifar com o azeite e vinagre balsâmico.

Preparação da Sobremesa: Confecção tradicional.

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publicado por picodavigia2 às 15:03

A LENDA DO “MORRO DOS FRADES E A ENTREVADINHA”

Domingo, 20.10.13

Há muitos anos havia na ilha das Flores uma família pobre que tinha uma menina doente e de cama há vários anos. Era entrevadinha. A sua cama estava junto a uma janela, donde se via uma bela paisagem do mato, na qual havia um enorme e alto morro constituído por rochas de basalto negro. A menina chamava-se Mariana e sofria muitas dores. A sua mãe tentava confortá-la com tudo o que tinha para lhe dar, sobretudo muito carinho, muito amor e grandes sacrifícios. Poucos alívios davam os remédios que seus familiares, até da América, lhe mandavam.

Mariana passava a maior parte do tempo sozinha. A sua única distracção nos momentos de solidão era observar todos os dias e todas as horas, da janela do seu quarto, aquele lindo morro, cujas pedras pareciam estátuas ou imagens, que ao fixarem-se nos seus olhos, a faziam pensar que eram pessoas verdadeiras, talhadas no basalto negro e esverdeado. Aquelas pessoas eram a sua companhia de todos os dias, desde o amanhecer até ao anoitecer.

O morro para a menina já era um verdadeiro amigo e sonhava muito com ele e, muito especialmente com as figuras lá desenhadas. Mariana sonhava, sobretudo, que aqueles seus amigos talhados no basalto a iriam salvar daquela triste vida que tinha e daquele sofrimento que tanto a atormentava. Por isso fixava o morro durante horas e horas. Ela via naquela rocha negra, entre as várias pessoas, um frade e imaginava-o a celebrar missa, segurando nas suas mãos o cibório, do qual tirava as hóstias consagradas para dar a comunhão aos fiéis, também fixados na rocha e que pareciam erguer-se pela montanha acima. A sua cara cor do sol sorria-lhe e sentia uma paz dentro do seu peito, tão doce que as suas dores quase chegavam a desaparecer.

Num certo noite de lua cheia, numa daquelas noites tão claras que até parecia dia, a menina observava o lindíssimo morro e, num de repente, viu o senhor frade voltar a sua cara para a janela do seu quarto, fixar-lhe o seu olhar terno e sorrir-lhe meigamente. O tempo estava calmo não se ouvia um rumor; os cães calaram-se, os pássaros dormiam nos seus ninhos, o vento não existia pois as folhas dos serrados de milho não mexiam. Como por encanto, Mariana sentia que se aproximava da rocha e que subia a difícil montanha. Caminhava sozinha e à vontade e nada lhe fazia sentir dor, apesar dos seus pés tropeçarem nas pedras do caminho. Ao chegar perto do frade, a menina sentiu uma enorme felicidade e um grande desejo de o abraçar. De seguida, sentiu que os braços do frade a abraçavam fortemente, enquanto uma das suas mãos lhe tocava na cabeça e, acariciando-a, abençoava-a ao mesmo tempo que lhe dizia:

- Minha linda menina, vais curar-te e voltarás a brincar como todas as outras crianças.

Mariana acordou e sentiu um frio enorme por todo o seu corpo. De repente saltou da sua cama e a correr foi deitar-se na cama da sua mãe, aconchegando-se junto dela e aquecendo o seu corpo trémulo e gelado. Foi então que percebeu que estava completamente curada daquela terrível doença, graças ao senhor Frade. O milagre divulgou-se pela ilha e o rochedo passou a chamar-se “O Morro dos Frades”. E todos os anos, naquele dia a menina e a sua mãe iam visitar o rochedo, rezar e contemplar em veneração o tronco basáltico do senhor Frade, cravado naquela rocha.

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publicado por picodavigia2 às 10:18

O AMERICANO

Domingo, 20.10.13

A notícia correu que nem um foguete: Vinha aí, de visita, um americano, um neto do Fraga das Courelas.

Os parentes mais chegados, num misto de incredulidade e perturbação, começaram a cobrir inhames, a engordar um bácoro e, um ou outro, até caiou a casa. Alguns que não eram parentes começaram numa roda-viva a tentar descobrir se, do lado da mãe ou pela banda do pai, não haveria ainda ali um parentesco desconhecido com o velho Fraga, que fosse coisa de se esclarecer. A jogar pelo seguro, sempre era bom ter uma meia dúzia de galinhas gordas, guardar uns toros de linguiça, plantar mais uma belga de batatas-doces ou uma terra de inhames. Para quem o neto do Fraga era simplesmente “mais um americano”, uma cestinha de maçãs ou uma réstia de cebolas, à mão, podia ser que, de um momento para o outro, “desse um jeitão”.

Porém, na realidade, pouco se sabia, sobre tão ilustre visitante. Apenas depois de chegar à freguesia, num português muito arrevesado, foi explicando que se chamava Johny, era filho do Júlio Fraga (de quem muitos ainda se lembravam) e, consequentemente, neto do velho Manuel Fraga. O pai partira para a Califórnia, ainda muito novo. Fixou-se no Mendoccino County, casou, fez fortuna, mas nunca mais voltou às ilhas. Era ele que agora realizava o que o pai apenas sonhara.

E o neto do Fraga, de um momento para o outro, pôs toda a freguesia em polvorosa. Nunca se vira um americano tão bonito, tão elegante, sempre muito bem vestido, aprumado, a fumar cigarros com filtro, sapatos de verniz e chapéu de palhinha. Tinha bons modos, cheirava que era um consolo e, aos domingos, até usava, ao pescoço, um lacinho muito colorido, em vez da gravata. Mas o que mais atraía a atenção de todos era a fama de que tinha muitas “dólas”. Tornou-se, pois, lendária, na freguesia, a presença do americano, gerando um enorme corrupio para os lados das Courelas, o que aumentava a raiva e o desespero dos parentes que o haviam hospedado e que o queriam só para si.

Foram as meninas solteiras, quem mais se empolgou na apreciação dos gestos, dos gostos, das atitudes e de tudo o que fazia ou dizia o senhor americano. Johny Fraga nunca se vira tão bajulado e idolatrado.

De todas as raparigas da freguesia, foi a Josefina do Louro quem mais se afeiçoou ao moço. Não a atraía a doçura do perfume, o colorido da roupa, o verniz dos sapatos, o filtro dos cigarros, nem sequer “as dólas” que se supunha possuir. Era amor verdadeiro, o da Josefina. Era paixão. E Jonhy, muito experiente na arte de enfeitiçar o mulherio, percebeu logo. Se ela o amava, havia que aproveitar a safra! A novidade propagou-se. O americano e a Josefina estavam noivos.

Agendou-se o casamento, fizeram-se os proclamas, mataram-se duas rezes, cozeram-se fornadas e fornadas de pão e rosquilhas, que a freguesia fora toda convidada. No dia do “casório” repicaram os sinos, tocou a filarmónica, fez-se uma boda como não havia memória na freguesia.

Passou-se um mês, dois meses e Johni Fraga informou a sua consorte que tinha de regressar à América. Os negócios na Califórnia exigiam a sua presença. No entanto, partiria só. Josefina, que até se esmerara na aprendizagem do inglês, havia de ir ter com ele mais tarde. Tudo fácil, “very easy”.

E numa manhã enevoada e cinzento Johni Fraga partiu, deixando a Josefina envolta numa saudade tremenda, com meia centena de dólares e um filho no ventre.

Esperou Josefina. Esperou e desesperou. Da América, nada. Nem carta, nem notícia, nem muito menos dinheiro para o filho. E o bisneto do velho Fraga nasceu envolto pela caridade dos vizinhos.

Josefina desesperou. Desesperou e chorou. Chorou dias e noites, debruçada sobre o berço do pequeno Tony, que nunca percebeu a razão de ser da dor de sua mãe. Correram vozes estranhas, espalharam-se mexericos humilhantes, soltaram-se comentários maliciosos. Mas do americano nada mais se soube…

Nada mais se soube, até um dia… Já o pequeno Tony trincava côdea de pão de milho, rijo e bolorento, já Josefina secara as lágrimas, quando chegou à freguesia a notícia fatídica: Jonhy Fraga, o americano da Josefina do Louro, fora descoberto, condenado e preso, na Califórnia, por bigamia.

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publicado por picodavigia2 às 00:09





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