PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
JOSÉ BARBOSA
José Barbosa nasceu em São Paulo, no Brasil, em 22 de Janeiro de 1893 e faleceu em Ponta Delgada, em 13 de Março de 1972. Jornalista, revisteiro e poeta, era filho de pais micaelenses, regressou muito jovem à terra dos pais, onde se fixou, definitivamente. Iniciou a actividade literária como autor de textos de revista popular, imbuídos de humor e crítica social que alcançaram enorme êxito, desde 1914 até aos anos 60. Ainda na área do teatro, assumiu a direcção artística do Grupo Teatral da Casa do Povo da Fajã de Baixo. Boa parte dos textos de revista foi escrita em verso, mas publicou também livros de poesia seguindo os cânones da escola parnasiana. Como jornalista, dirigiu durante duas décadas o semanário A Ilha e fundou, em conjunto com o irmão, Celestino Barbosa, a revista Açores, da qual foi director. O seu nome está incluído na toponímia da Fajã de Baixo. As suas principais obras poéticas são: Átomos da Alma, Coração nas Mãos, Órfãos da Ventura, Cravos e Goivos, Lanterna Mágica, No País da Graxa, Toma lá... Dá cá, Tento na Bola, estes a nível do teatro.
Dados retirados do CCA – Cultura Açores
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O PINTO PINTÃO
(Conto Tradicional)
Era uma vez um pinto graúdo, pançudo e carrancudo. Era o Pinto Pintão, um matulão.
Um dia, o Pinto Pintão achou um grão de milho à beira da estrada. Ia para comê-lo, quando se levantou uma grande poeirada. Era o cortejo real, com cavaleiros e carruagens, que vinha a passar.
Depois do cortejo passar, o Pinto Pintão foi procurar o grão de milho mas não o encontrou.
A culpa foi do rei, que vinha à frente do cortejo, por isso, o Pinto Pintão, muito furioso, pôs-se a caminho do palácio real, para exigir ao rei o seu grão de milho. Sua Majestade iria saber do que o Pinto Pintão era capaz, olá se ia!
No caminho, encontrou uma raposa que lhe quis fazer frente. O Pinto Pintão disse-lhe, muito despachado:
- Arreda-te da minha frente para eu passar.
Mas a raposa não ligou e o Pinto Pintão não esteve com meias medidas. Abriu o bico e - zás! - Engoliu a raposa.
Mais adiante, encontrou um enorme pinheiro, caído na estrada. O Pinto Pintão disse-lhe logo, muito despachado:
- Arreda-te da minha frente para eu passar.
É claro que o pinheiro não se moveu e o Pinto Pintão não esteve com meias medidas. Abriu o bico e zás! - Engoliu o pinheiro.
Ainda mais adiante, foi ter a um rio sem pontes nem barca. O Pinto Pintão disse-lhe logo, muito despachado:
- Arreda-te da minha frente para eu passar.
O rio não se afastou e o Pinto Pintão não esteve com meias medidas. Abriu o bico e zás! - Engoliu o rio com a água toda.
Quando chegou à porta do palácio, o Pinto Pintão, graúdo, pançudo e carrancudo, cada vez mais matulão, pôs-se gritar:
- Qui quí ri qui. O meu bago de milho, quero já aqui.
O rei ouviu-o e mandou que o metessem na capoeira das galinhas, mas o Pinto Pintão não esteve com meias medidas. Botou cá para fora a raposa e ela comeu as galinhas todas. Depois voltou para a porta do palácio e voltou a gritar:
- Qui qui ri quí. O meu bago de milho, quero já aqui.
O rei, muito irritado, mandou que o metessem na cavalariça, mas o Pinto Pintão não esteve com meias medidas. Botou cá para fora o pinheiro, que, ao cair, rebentou com a porta da cavalariça e os cavalos fugiram todos. Voltou para a porta do palácio e pôs-se de novo a gritar:
- Quí quí ri quí. O meu bago de milho, quero já aqui.
Então o rei, sem saber o que mais havia de fazer, mandou que aquecessem o forno e metessem o Pinto Pintão lá dentro. Mas ele mais uma vez não esteve com meias medidas e botou cá para fora toda a água do rio, que, de imediato, apagou o lume do forno e inundou todo o palácio. Já estava o palácio quase a afundar-se quando, finalmente, o rei ordenou, que dessem um bago de milho ao Pinto Pintão.
Foi o que ele quis:
- Qui qui ri quí. O meu bago de milho, já eu tenho aqui. – E voltou para casa todo orgulhoso.
E o Pinto Pintão, com o bago de milho no bico, virou costas ao rei e ao palácio e voltou para sua casa.
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LIÇÕES DE COR
No segundo ano em que me matriculei na quarta classe, já lá vão mais de cinquenta anos, chegou à Fajã Grande uma nova professora.
No ano anterior instalara-se a confusão na freguesia e, sobretudo, na escola. A acentuada diminuição da população originara a que a, até então, “Escola Mista” da Fajã Grande das Flores fosse, por decisão governamental, transformada em “Posto Escolar”, perdendo, consequentemente, o direito a ter uma professora diplomada, sendo a mesma substituída por uma regente escolar.
Tal despromoção provocou no povo uma sistemática e contínua onda de protestos, rebuliços, tumultos e manifestações que geraram um ódio acentuado contra a referida regente, o qual se avolumou, excessivamente, depois da sua chegada, dado que o seu feitio e temperamento não abonavam nada a favor de quem já antes de ser conhecida era contestada e execrada. O ano escolar, especialmente para mim, foi uma catástrofe! Faltas, tareias, participações, queixas, deslocações às Lajes, ao Delegado Escolar... Uma desgraça atrás doutra!...
Ao povo, porém, fora garantido que tudo regressaria ao normal. No ano seguinte, viria novamente uma professora diplomada para a freguesia. Eu ansiava a sua chegada!
E chegou! No Carvalho de Setembro, já quase a meio do mês e vinha do Faial, mais concretamente de Castelo Branco.
A Dona Madalena hospedou-se na Assomada, em casa da Maria da Saúde. Mesmo ali, na minha rua e relativamente perto da minha casa. Tal vizinhança e o meu acentuado e manifesto interesse por aprender geraram entre nós um carinho e amor excessivos. Eu adorava-a e ela gostava imenso de mim. Fora da escola, fazia-lhe alguns recados e algumas vezes, ia levar-lhe meio litro de leite ou um quarto de bolo, quentinho, acabadinho de sair do tijolo. Ela solicitava-me, então, que entrasse e eu, embora tímido e envergonhado, aceitava o seu convite. Mas era sobretudo na escola que eu mais a apreciava. Habituado, no ano anterior, a uma preguiça institucionalizada e a um desinteresse imposto, não aprendera nada, nem fui fazer o segundo exame. Agora, porém, tinha uma vontade titânica e gigantesca de aprender tudo o que a Dona Madalena, de modos tão meigos e ternos, me ensinava. Aboliu a palmatória e, embora mantendo o caniço, usava-o apenas para bater levemente nas carteiras, chamando a atenção dos mais distraídos e acordar os dorminhocos. Nas aulas de leitura, chamava-nos para junto de si e, sentando-nos à sua volta, mandava-nos ler à vez. O que lesse melhor sentava-se junto dela, enquanto os outros eram ordenados a partir daí, de acordo com a qualidade da leitura que haviam manifestado.
Mas era sobretudo nas lições de cor que ela mais se distinguia. Era exímia! Sabia, sem recorrer aos livros, as definições das Ciências, os rios e as capitais da Geografia e, sobretudo, as datas e os acontecimentos da História.
Eu ouvia-a atentamente e aprendia tudo com uma vontade enorme.
Quando, em Ciências, me interrogava sobre o Coração, eu, num ápice, vomitava:
- “O Coração tem a forma de um cone com o vértice voltado para baixo e está divido em quatro partes: dois aurículas e dois ventríloquos. Cada aurícula comunica com o ventríloquo do mesmo lado, por meio duma válvula mitral que se abre de cima para baixo para que o sangue possa passar do aurícula para o ventríloquo e nunca do ventríloquo para o aurícula”.
Em Geografia, os afluentes do Douro saíam direitinhos, tanto os duma margem como da outra:
- Sabor, Tua, Pinhão, Corgo, Tâmega e Sousa - na margem direita e na esquerda - Côa, Torto, Távora, Paiva e Arda.
Mas era sobretudo durante as lições de História, que eu mais a admirava a Dona Madalena. Reis, batalhas, conquistas, descobertas e invenções, tudo com datas precisas e explicações pormenorizadas e cativantes. Nada faltava!