Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]



OS TRÊS GUÊS

Quarta-feira, 23.10.13

O trabalho, árduo e quotidiano, havia-lhes calejado as mãos, a vida, cheia de canseiras e labuta, tinha-lhes serenado o espírito e a idade, inequívoca e ameaçadora, era o justificativo que lhes proporcionava a persistência do descanso. Adquiriram, através do tempo e por imperativos do indomável avanço dos anos, sem o reivindicar ou sequer o exigir, o direito ao descanso e decidiram que a Praça seria o sítio ideal para a sua efectivação. Em casa apenas a noite, uma parte da manhã e a hora do meio-dia, para o jantar. De resto, a Praça, só a Praça e sempre a Praça,

O José Pureza, o José André e meu tio António Joaquim chegaram a velhos e inevitavelmente abandonaram o trabalho. Uma volta esporádica aqui ou além, uma ida a esta ou aquela terra, um ou outro recado a cumprir e nada mais. Sobrava-lhes muito tempo! Assim e muito naturalmente, para os seus momentos quase perenes de ociosidade e descanso elegeram a Praça, da qual passaram a ser os frequentadores assíduos e habituais. Todos os dias, a maior parte das vezes sozinhos, quer chovesse quer ventasse, em frente à Casa Velha do Laureano Cardoso, ou na empena da Loja do Martins e Rebelo ou na da casa do próprio José André, sentavam-se e falquejavam, fumavam, conversavam, dormiam, ressonavam, murmuravam, comentavam e criticavam a vida de uns e de outros. Era tão persistente, pertinaz, relutante e paradigmática a sua presença ali que toda a freguesia a comentava, apreciava e tentava interpretar.

Era costume na Fajã quase todas as pessoas ou famílias terem pelo menos um apelido. Por coincidência este ilustre e digno triunvirato também não fugia à regra e cada qual tinha o seu apelido, curiosamente todos começados pela letra G. O José Pureza era o “Gadelha”, o José André o “Galinhola” e o António Joaquim o “Grota”.  Assim os que por ali passavam e não eram poucos, quando os viam sentados nas bancadas da Praça, a bisbilhotar, os começassem a apelidar de “Os Três Guês”, epíteto que, a pouco e pouco, se foi generalizando pela freguesia.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

tags:

publicado por picodavigia2 às 17:45

UMA LIÇÃO DE HISTÓRIA

Quarta-feira, 23.10.13

Quando a minha professora da 4ª classe explicou os Descobrimentos já o ano ia a mais de meio. Delirei! É que, a propósito da descoberta dos Açores, falou de um tal Diogo de Silves, que, em sua opinião, teria sido o verdadeiro descobridor das ilhas açorianas e não Gonçalo Velho Cabral, como rezavam os livros mais antigos:

- Os Açores foram descobertos ou melhor, reencontrados, em 1427 por Diogo de Silves, um dos muitos navegadores portugueses, natural de Silves, que o Infante D. Henrique, mandou procurar novas terras, na costa ocidental africana. – Explicou.

E, levantando-se, de seguida, apontou num mapa, toda a costa de África, de Marrocos até à Guiné. Depois, desenhando uma linha oval, imaginária, acrescentou:

- Numa destas viagens, devido a um enorme temporal, a armada que Diogo Silves comandava, perdeu-se, no alto mar, e foi, por sorte, parar a umas ilhas, que possivelmente muitos anos antes, no tempo de D. Dinis ou de D. Afonso IV, já tinha sido encontradas por marinheiros portugueses e italianos, estes contratados para a armada portuguesa, sob as ordens de Manuel Pessanha. No entanto, não se sabia rigorosamente onde ficavam estas ilhas, embora o Infante Dom Henrique, desde há muito, tivesse notícias delas e as procurasse. Eram as ilhas dos Açores. Os seus nomes, porém, não eram os mesmos de hoje.

E mudando-se para um mapa dos Açores, que ocupava lugar de destaque na parede, logo por baixo das fotografias de Craveiro Lopes e de Salazar, que ladeavam, ao alto, um enorme crucifixo, explicou, apontando para cada uma das ilhas:

- Santa Maria e S. Miguel chamavam-se as ilhas Cabrera e a Terceira ilha Brazil.

- Ah! É por isso que ainda assim se chama o Monte Brasil – acrescentou, todo vaidoso, o Câncio, o único da escola que tinha saído das Flores, pois tinha ido com a mãe, à Terceira, durante um mês. – Eu já lá estive! Do Padrão vê-se toda a cidade de Angra do Heroísmo!

Dona Madalena, aceitando as explicações do Câncio, continuou:

- O Faial chamava-se Ventura, S. Jorge Sanzorso e o Pico ilha Columbis.

Então, nós todos em coro, perguntámos:

- E as Flores, senhora professora, e as Flores, como se chamava?

- As Flores juntamente com o Corvo eram as ilhas Corvis Marinis, que quer dizer ilhas dos Corvos Marinhos. Mas as ilhas do Grupo Ocidental não foram encontradas por Diogo de Silves, mas sim por Diogo de Teive, mais tarde, em 1452, também descobertas por acaso, quando aquele navegador regressava duma viagem, vindo da Terra Nova, com destino a Portugal.

Eu, porém, armando-me em sabichão, contrariei:

- Senhora professora, a nossa professora do ano passado ensinou-nos que foi Gonçalo Velho Cabral quem descobriu os Açores.

Então Dona Madalena, abriu cuidadosamente a gaveta da sua secretária e tirou um pequeno livro, acrescentando:

- Na realidade Frei Gonçalo Velho Cabral chegou aos Açores, em 1431, por ordem do Infante D. Henrique, não para descobrir as ilhas, mas sim para as ocupar e começar a povoar as que de facto tinham sido encontradas ou redescobertas, quatro anos antes, por Diogo de Silves. É que Diogo de Silves, não podia regressar ao reino, tinha que continuar a sua viagem para o Sul, por isso, enviou uma carta a dar conhecimento ao Infante D. Henrique da descoberta ou ou encontro de sete ilhas, para que ele enviasse alguém para as povoar e assim se tornasse dono e senhor delas. Foi então que o Infante D. Henrique enviou o seu nobre e esforçado cavaleiro, Dom Gonçalo Velho Cabral, Comendador do Castelo de Almourol, para que as povoasse, cultivasse e governasse em seu nome.

A hora do recreio chegava, a senhora professora terminava a lição e eu ficava com tanta pena.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 15:08

TERNURA DE CALAFRIO

Quarta-feira, 23.10.13

AO MANUEL PEREIRA, TAMBÉM ELE ESCRITOR, POETA, APAIXONADO PELOS LIVROS; COM QUEM PARTILHEI O VERÃO DE 1965 E QUE, MUITOS ANOS DEPOIS, REENCONTREI NO MUCIFAL, DEDICO ESTE BELO POEMA DE JOSÉ GOMES FERREIRA

 

Devia morrer-se de outra maneira.

Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.

Ou em nuvens.

Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol

a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos

os amigos mais íntimos com um cartão de convite

para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica

a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje

às 9 horas. Traje de passeio".

E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos

escuros, olhos de lua de cerimónia, viríamos todos assistir

à despedida.

Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.

"Adeus! Adeus!"

E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,

numa lassidão de arrancar raízes...

(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )

a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se

em fumo... tão leve... tão subtil... tão pólen...

como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono

ainda tocada por um vento de lábios azuis...

 

José Gomes Ferreira

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 15:01

SÃO CAETANO

Quarta-feira, 23.10.13

Entre o mar e a montanha se levanta,

E sobre a lava negra está plantada,

Mas quanto mais a lava é resgatada

Mais e mais São Caetano se agiganta.

 

E se da lava emerge fome tanta,

Ou se falta a fartura almejada…

No mar há a abundância desejada

E na terra é a vinha que se planta.

 

Nas encostas abundam ervaçais,

- Cerrados camuflados de fereza.

Paredes negras forram os currais!

 

Nos tijolos, o bolo inda fumega,

caldo efervescente, sobre mesa

E vinho… muito vinho, em cada adega.

Autoria e outros dados (tags, etc)

tags:

publicado por picodavigia2 às 00:03





mais sobre mim

foto do autor


pesquisar

Pesquisar no Blog  

calendário

Outubro 2013

D S T Q Q S S
12345
6789101112
13141516171819
20212223242526
2728293031