PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A IMPORTÃNCIA DA LEITURA E AS FEIRAS DOS LIVROS
Parece não haver dúvida, embora muitas vezes o esqueçamos, de que a leitura é inerente à formação e à educação do ser humano. Não se pode ensinar sem formar e informar e o livro, obviamente, tem essa dupla função.
Ler é formar-se e educar-se, é receber cultura, é combater a ignorância e o analfabetismo. Por isso, deve ser um processo dinâmico, gerador de sentidos, provocador de atitudes, que comprometa o indivíduo a nível cognitivo, psicológico e motor. Deve ser um estabelecer de relações com outras formas de comunicação e expressão que permita alterar a nossa forma de ser e de estar na vida, isto é, provocar marcas humanizadas nos indivíduos e nas sociedades.
O livro é imprescindível à humanidade e inerente ao ser humano porque, como escreveu Monteiro Lobato, “um país constrói-se com homens e com livros.”
Embora ultimamente a leitura tenha aumentado nas escolas, especialmente após a implementação nas mesmas do Plano Nacional de Leitura, actualmente ainda se lê pouco. Além disso, fomenta-se, sobretudo, a leitura obrigação, isto é, uma leitura imposta, pelos programas ou pelo professor. Esta leitura é, necessariamente, desinteressante, desmotivadora, improdutiva e, até, embarga a “leitura prazer”. Manda-se ler para fazer um resumo ou uma síntese, para preencher uma ficha de leitura, para ter uma nota.
Esta metodologia é desmotivante e desmotivadora e deveria, eventualmente, ser substituída por um motivar constante e continuo do aluno de modo a que este mude comportamentos e comece a empenhar-se mais e melhor, tornando-se, inclusive, co-responsável do processo de escolha e selecção daquilo que quer, que precisa e que há-de gostar de ler. Há que privilegiar a leitura prazer.
Por outro lado é imperioso motivar os alunos e as crianças e jovens em geral, para um assédio constante e permanente a uma informação global e universal, permitindo-lhe aceder e até mesmo “apoderar-se” do património cultural da humanidade.
No entanto, urge não esquecer que os livros não os únicos nem os exclusivos instrumentos de leitura. Existem muitos outros, mais interessantes e apelativos. Mas o contacto com os livros é fundamental, pois estes são na realidade uma espécie de “reserva cultural”, ou “acumuladores” da cultura e do saber universal. Os livros são a herança cultural da humanidade, por isso é que a leitura permite ao indivíduo conhecer a experiência dos povos de todos os tempos e de espaços diferentes, partilhando as suas vivências e a sua cultura.
Daí o interesse de tantas e tantas feiras do livro que se anunciam por toda a parte, sobretudo, na quadra natalícia que se avizinha.
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SOPA DE AGRIÃO
Quase todos os dias, a maioria dos homens que possuíam vacas leiteiras, na Fajã Grande, deslocavam-se às lagoas, a maioria delas situadas nas Covas, na Ribeira das Casas, na Figueira, nos Paus Brancos e na Lagoinha, a fim de ceifarem um molho de erva fresquinha e tenra, que eles próprios traziam aos ombros, muitas vezes encharcados com a água que escorria da erva e que era fundamental no cardápio diário das vacas leiteiras. Em quase todas estas lagoas, regadas por uma ou mais nascentes de água e, junto destas, para além de bons inhames, floresciam verdejantes e macios agriões. Muitos homens, sobretudo os mais pachorrentos, geralmente por solicitação das suas consortes, que se viam e desejavam para arranjar matéria-prima para as refeições, apanhavam um ou dois punhados deles, amarravam-nos com um fio de espadana e prendiam-nos na extremidade do bordão que os ajudava a contrabalançar o peso do molho da erva e a facilitar o seu transporte.
Pois esses agriões destinavam-se a confeccionar a saborosa sopa de agrião, na altura muito utilizada como ceia, na ilha das Flores.
Para a confecção da saborosíssima sopa de agrião à moda das Flores, para molho de agriões, exigia uma colher ou duas de banha de porco, uma fatia grossa de toucinho retirado da salgadeira, cerca de meio quilo de batatas descascadas e cortadas em pedacinhos, uma cebola picada e um ou dois dentes de alho picados
A sua confecção era muito simples e fácil. Aquecia-se a banha, num caldeirão de ferro, até derreter. Juntava-se, de imediato, a cebola e os alhos picados. Refogava-se até a cebola começar a ficar tenra. Nessa altura juntava-se a água, e adicionavam-se os cubos de batata e a talhada de toucinho. Tudo devia ser, então fervido até as batatas se apresentarem cozidas.
Entretanto, arranjavam-se os agriões, removendo apenas os caules mais rijos, as folhas amareladas e alguma erva que estivesse junta. Lavavam muito bem e deixar escorrer. Temperava-se a sopa com sal e pimenta. Depois retirar a panela do lume e deixava-se amornar um pouco, a fim de se retirar a fatia de toucinho que era cortado aos pedacinhos de forma a que desse um para cada comensal.
Finalmente juntavam-se os agriões, deixar retomar fervura. Por fim retirava-se a sopa do lume e servia-se quentinha, com um quarto de bolo, uma fatia de pão de milho, por vezes até acompanhava a tigelinha de sopas de leite. E era tão bom!
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LISTAGEM DOS DESCANSADOUROS EXISTENTES NA FAJÃ GRANDE, NOS ANOS CINQUENTA
Os “Descansadouros” eram lugares situados em espaços mais largos dos caminhos, geralmente rodeados de paredes altas e bancadas naturais ou construídas mas de forma muito rústica e rudimentar, para os homens descansarem dos pesados carregamentos que traziam aos ombros, para conversarem, pedirem lume uns aos outros, fumarem e, nalguns casos, beberem água. Os “Descansadouros” existentes na Fajã Grande, na década de cinquenta, eram os seguintes, situados nos caminhos que se indicam a negrito:
Caminho do Cimo da Assomada/Lavadouros: - Descansadouro (Vale da Vaca); Volta do Delgado; Santo António; Cabaceira; Cancelinha/Ladeira do Espigão; Espigão; Lagoinha.
Caminho da Missa: - Eira da Cuada.
Caminho da Cuada e Vale Fundo: - Centro da Cuada; Tufo da Fajã das Faias.
Caminho da Fontinha/Lavadouros: - Alagoeiro; Ribeira; Batel; Silveirinha/Batel de Cima; Laje da Silveirinha; Escada Mar; Pico Agudo.
Caminho da Tronqueira: - Cimo da Ladeira do Calhau Miúdo.
Caminho da Ponta: - Ladeira das Covas; Ribeira das Casas.
Caminho do Porto: - Matadouro; Eira; Porto.
Caminho das Furnas e Areal: - Areal; Furnas.
Caminho da Rocha e Mato: - Furna do Peito; Descansadouro (Meio da Rocha); Fonte Vermelha; Cimo da Rocha; Ribeira das Casas.
Outros: - Cimo da Ladeira do Covão; Bandeja; Praça; Casa de Baixo.
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UM PARAÍSO TERREAL
Um dos mais ecléticos, em termos produtivos, lugares da Fajã Grande era o Outeiro Grande, por quanto nele existiam os três tipos de propriedade mais frequentes na freguesia: terras de mato, relvas e terras de cultivo. Além disso era um lugar de singela beleza e singular ruralidade, por que situava num planalto, sobre um monte ou outeiro paralelo ao Pico da Vigia, no meio dos quais se situava o Vale da Vaca. Do lado Sul e Oeste o Outeiro Grande misturava-se, confundia-se, prolongava-se e como que quase se perdia nos contrafortes da Cabaceira e com o Pocestinho, enquanto que do lado Norte se personificava, transformava e estendia com a vizinha Pedra d’Água, prolongando-se pelo Outeiro, como que terminando e caindo assim abruptamente sobre o casario da Assomada, desfigurando-se e perdendo-se por completo na sinuosidade da Fontinha. O Outeiro Grande ainda confrontava a Este com as Queimadas, a Horta das Abóboras e a Escada Mar e a Oeste com o Descansadouro, Santo António e o Delgado. Situado num planalto da parte superior de uma espécie de trapézio que o outeiro formava e no interior duma levemente acentuada cratera, o Outeiro Grande, totalmente isolado do povoado, pela íngreme ladeira do Covão e pela canada do Calhau das Feiticeiras, possuía toda uma espécie de cores, aromas e sabores a que a natureza na sua pureza original proporciona ao ser humano. Ali o ar era perfumado a erva, trevo e a madressilva e dos incensos caía sobre nós uma mistura de sabores acres e adocicados. Numa palavra o Outeiro Grande era uma espécie de Éden ou Paraíso Térreas da Fajã Grande.
Tinha relvas de óptima qualidade, cujo terreno era tão bom e fértil que os seus donos alternavam, normalmente de sete em sete anos, a erva para pastagem com o cultivo do milho, transformando-as em terras de cultivo. Tinham relvas no Outeiro Grande, entre outros, o Antonino, José Padre, Ti Francisco Inácio, o Francisco Gonçalves, o Urbano e meu pai. As Terras de Mato pertenciam ao José Jorge, João Fagundes, José Nascimento, José Fragueiro, Francisco Inácio José Gonçalves e Guardo Furtado. Tinham Terras de Cultivo o Joãozinho (trabalhada pelo António Teodósio) Augusto Arinó, Luís Fraga, José Fragueiro, Francisco Inácio, Francisco Gonçalves, Guardo Furtado e José Gonçalves.
Em criança, durante anos e anos, ia e vinha ao Outeiro Grande de manhã e à tardinha, levar, umas vezes, a vaca do Antonino de Francisco Inácio, outras as de meu pai. Subia pelo Covão ou pela Bandeja ou pela Cabaceira, num pé e descia-o no outro, fugindo ao Calhau das Feiticeiras, atirando tiros de sabugueiro aos pássaros, comendo bagas faia, chupando flores de cana roca ou trincando ramos de funcho, enchendo os bolsos de maças, que apanhava das beiras do caminho do Delgado da minha avó, ouvindo a doce sinfonia do cantar dos pássaros, do sibilar do vento, sentindo a frescura das brisas matinais, observando a variedade das cores que o envolviam e até saboreando os seus sabores diversificados.
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O PICO
(POEMA DE MANUEL ALEGRE)
“Sílaba a sílaba até ao poema que está escrito
Lá em cima no Pico sobre a ilha.
(…)
E
(…) um verso a pulsar que de repente
Se descobre no Pico e é o deus da ilha.
(…)
E uma ilha a nascer dentro de mim,
(Porque)
(…) Haverá sempre um mais além
Mas hoje é aqui.”
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PODER DO LIMITE
Não se pode mudar o rumo ao vento,
Com o brando acordar de um sentimento;
Os murmúrios das fontes não se apagam
Com ondas das marés que nos afagam;
E a brancura dos lírios não descora
Com o romper melífluo da aurora…
Mas para povoar o céu de estrelas,
Basta apenas o sonho de não tê-las.