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NATÁLIA CORREIA

Sábado, 26.10.13

Natália Correia, uma das maiores escritoras e poetas dos Açores, nasceu a 13 de Setembro de 1923 em Fajã de Baixo, concelho de Ponta Delgada, Ilha de São Miguel, e morreu em Lisboa na madrugada de 16 de Março de 1993. Nascida no seio de uma família da pequena-média burguesia, permaneceu até aos onze anos na ilha, aí se deixando impregnar de vivências e imagens que viriam a constituir um dos mais sólidos e recorrentes motivos de toda a sua produção artístico-literária. Depois, acompanhada da mãe e da irmã, partiu para a capital, onde se radicou e viria a destacar-se como uma das mais influentes figuras intelectuais da segunda metade do século.

É autora de uma obra extensa e multifacetada, que integra a poesia, a prosa de ficção, o teatro, o ensaio, a diarística, a tradução e a organização de antologias. Colaborou assiduamente na imprensa, impôs-se na televisão, realizou numerosas conferências e está traduzida em várias línguas. Tomou posições de grande coragem, quer antes, quer depois do 25 de Abril e foi deputada à Assembleia da República.

Dotada de um espírito desassombrado e de um forte sentido da convivialidade, desde cedo, a escritora assumiu-se como herdeira espiritual de um Ocidente que via assolado por graves dissensões — um Ocidente que reduzira a moderna emancipação do homem ao fanatismo do progresso. Senhora de uma vasta cultura, deveu-a essencialmente ao convívio com intelectuais e à sua incansável actividade de leitora, tendo em sua casa uma das melhores bibliotecas de Lisboa.

Aos 20 anos era jornalista no Rádio Clube Português. Foi amiga de António Sérgio, frequentadora do Chiado e das livrarias onde se reuniam os escritores e os políticos. Ensaísta, cronista, teatróloga, romancista é, no entanto, na poesia que Natália Correia se revela completamente, nela projectando erotismo, ânsia libertária, desafio iconoclástico, sentido do fantástico, tudo isto com alguns ecos românticos e acentuadas marcas surrealistas. Entre a sua variada e diversíssima sobressaem: Poemas, Dimensão Encontrada, Passaporte, A Pécora, O Dilúvio e A Pomba, Erros Meus, Má Fortuna Amor Ardente, Sonetos Românticos, Comunicação, Cântico do País Emerso, O Vinho e a Lira, Mátria, A Mosca Iluminada, O Anjo do Ocidente à Entrada do Ferro, Epístola aos Iamitas, etc, etc

 

Dados retirados do CCA – Cultura Açores

 

 

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publicado por picodavigia2 às 21:57

O CAMINHO DE BAIXO

Sábado, 26.10.13

O Caminho de Baixo era uma das ruas da Fajã, a que ligava a Fontinha à Rua Direita. Era a rua mais curta, mais estreita e a que tinha menos população, dado que moravam nela apenas doze pessoas, constituindo quatro agregados familiares: o Caixeiro, o José Munes, o Manuel Dawling e a Glória Fagundes. O Caminho de Baixo era também a única via existente na freguesia que recebia o nome de “Caminho” e, no entanto, não possuía todos os parâmetros pelos quais se definia um caminho. O Caminho de Baixo era tão apertado que não tinha a largura suficiente para que nele passasse uma junta de bois e, por isso, era indevidamente designado por “caminho”, quando o devia ser por “canada”. A ausência deste critério, na teoria, impedi-lo-ia, também, de ser designado por rua, passando, no entanto, sempre a designar-se, simplesmente, por “Caminho de Baixo”, privilégio que lhe advinha talvez por ser calcetado. Na realidade uma boa parte desta via de comunicação, apesar de ser calcetada, com piso igual ao das outras ruas e ao dos caminhos, era realmente muito estreita. Desde a casa do Caixeiro, logo no seu início, até à casa do Manuel Dawling era uma autêntica canada. A parte final era já bem mais larga, embora poucos carros ou “corsões” por ali passassem.

O Caminho de Baixo começava na Fontinha, à qual se ligava por três ou quatro toscos degraus, situados atrás da cozinha do Caixeiro, precisamente onde ficava o “célebre rego” da Rosária Sapateira. Depois seguia, rectilíneo, mas muito estreito, até ao termo do pátio do José Nunes. Aí havia uma curva e depois seguia paralelo a umas relvas que serviam de “estendal de corar roupa”. Junto à casa do Dawling alargava-se e tomava a forma de caminho, passava paralelo à Casa do Espírito Santo de Cima e vinha terminar no largo do Chafariz, já na rua Direita. Era pois uma alternativa ao circular pela Fontinha e pela Praça, com a vantagem de encurtar caminho e tornar o percurso mais rápido. Além disso muitas mulheres preferiam circular por ali, uma vez que evitavam ter que desfilar pela Praça, onde havia sempre homens predispostos a mirá-las de cima abaixo, a fazer comentários pouco agradáveis ou até a mandar piropos.

O Caminho de Baixo houve jus ao seu nome por se situar abaixo de uma parte da Fontinha e a sua importância advinha-lhe não só de o projectar na rua Direita, mas também de, no seu termo, confinar com o pátio e entrada da Casa de Espírito Santo de Cima.

 Para além de curto e estreito o Caminho de Baixo disponibilizava aos seus utentes apenas uma saída, através de um atalho, junto à casa do José Nunes, o qual encurtava caminho para a casa do João Bizarro, para a do Ângelo do Tesoureiro e para a da minha avó.

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publicado por picodavigia2 às 20:50

NAUFRAGAR NA RAMADA

Sábado, 26.10.13

O José Pereira era um exímio, dinâmico e competente pescador. Talvez mesmo o melhor pescador da Fajã Grande, de todos os tempos. Começou muito novo nas lides do mar, iniciando a faina marítima num pequeno e frágil batel. No entanto, com o tempo, o negócio da apanha e venda de peixe foi vigorando, fortalecendo e crescendo, até porque a concorrência, na freguesia, era quase nula. Muniu-se de lanchas maiores e com motores mais potentes, modernizou os apetrechos de pesca e de navegação e adquiriu, até partir para o Canadá, o estatuto de grande e excelente pescador.

Para além duma desmesurada eficiência na arte da pesca e duma inquestionável competência no desempenho da actividade marítima, uma outra qualidade enriquecia e dignificava o currículo piscatório do Pereira - a segurança no mar. Nunca teve um acidente, nunca virou a lancha, nunca bateu com ela em laredos ou baixios, agindo quotidianamente com uma destreza invejável e com uma segurança extraordinária. Um modelo para todos os que na Fajã, eventualmente, quisessem dedicar-se à faina marítima.

Mas as desgraças acontecem a todos e o José Pereira, também, havia, uma vez, uma única vez, de denegrir e ensombrar o seu distinto e respeitável percurso marítimo.

Certo dia ao regressar com a lancha bem carregadinha de peixe, com o mar muito manso e o tempo muito calmo, entrou no Calhau da Barra, atravessou o Boqueirão e encostou a embarcação a uma banqueta que existia no varadouro do Porto Velho e que servia para os pescadores se apoiarem e saltarem para terra, sem se molharem ou sequer apanharem uns respingos de água salgada, antes de vararem as embarcações, para as arrumarem nas ramadas, depois de retirar, escolher e dividir o peixe. O mar não mexia e, por isso, o Pereira saltou para terra muito descontraído e a pensar no peixe que havia engodado e perdido. Só que ao fazê-lo, o cuidado foi tão pouco e a atenção tão descuidada que pôs o pé em falso. A lancha deu um grande solavanco e virou de quilha para o ar, enquanto o Pereira caía ao mar, juntamente com o peixe, perdendo-se todo este por completo.

A notícia correu célere pela freguesia. Um escândalo para uns, uma pena para outros e um espanto para todos! Como é que um homem tão experiente nas lides marítimas foi naufragar, mesmo ali, no porto, com o tempo tão bom e o mar tão manso? Não corria uma aragem e o mar parecia um espelho… Mas… havia de ter paciência. No melhor pano cai a nódoa.

Passado algum tempo o António Machado decidiu tirar a carta de mestre. Quem passava as cédulas marítimas e as cartas de mestre, na Fajã, era o senhor Arnaldo que, conjuntamente com as funções de faroleiro exercia também as de cabo do mar.

Dirigiu-se pois o Machado ao senhor Arnaldo a pedir que lhe passasse a carta. Resposta pronta do “Senhor de Matosinhos”:

- Passar-te a carta!? Nem pensar. Se o José Pereira naufragou no porto, tu naufragas mesmo na ramada.

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publicado por picodavigia2 às 20:38

PALAVRAS,EXPRESSÕES E DITOS UTILIZADOS NA FAJÃ GRANDE (IV)

Sábado, 26.10.13

Amanha-te – Arranja-te como puderes.

Amassaria – Móvel da cozinha sobre o qual se amassava e tendia o pão.

Angrim – Ganga.

Apanhar frio – Constipar-se.

Arreganhar a venta – Fazer pouco, rir-se de alguém.

Badameco – Pessoa sem importância.

Bargas – Curcas, ceroulas.

Bexogas – Borbulhas na cara ou no corpo.

Botar – Pôr, colocar.

Cagão da Visita – Criança medrosa

Caldeação – Mistura.

Chove como Deus a dá – Chove muito

Coberta – Manta, cobertor.

Consumição – Grande preocupação.

Cortar-lhe a brocha – Expressão de gozo e de um animal de outra pessoa que é fraco.

De mãos a abanar – Preguiçar, andar sem fazer nada.

Derrama – Peditório feito na freguesia em benefício da igreja ou de algum projecto com ela relacionado.

Engadanhado – Desajeitado, pouco hábil para o desempenho de tarefas.

Enrilhado – Cheio de frio.

Espadas – Costas.

Espinha – Coluna vertebral.

Estar consumido – Estar muito preocupado.

Estrape – Fita de couro que prende a campainha ao pescoço da vaca.

Ficar xingado – Ficar sem meios ou sem possibilidades de resolver um problema grave.

Figo – Banana

Fino – Esperto.

Juntas – Articulações dos joelhos ou outras.

Laias – Fios de lã.

Lenço de calafate – Lenço colocado na cabeça e amarrado atrás, sobre o pescoço.

Louvado e louvedo o que a velha fez com o dedo – Admiração.

Malhões – Pedras encravadas no solo para dividir uma propriedade agrícola pertencente a donos diferentes.

Massa de ovos – Pão doce, com açúcar e ovos.

Morganho – Rato bebé.

Murrinha – Preguiça.

Não ver um palmo à frente do nariz – Não ver nada, ou ter dificuldade em ver.

Nariz empinado – Pessoa vaidosa ou julgada importante.

Pulo – Susto.

Sapato de queda alta – Sapato de salto alto.

Trilhar – Preparar os campos para a sementeiras com os próprios animais amarrados a uma estaca, alimentando-se de forrageira (trevo ou erva-da-casta).

Vou ir – Eu vou.

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publicado por picodavigia2 às 16:32

CLÁSSICO

Sábado, 26.10.13

MENU 13 – “CLÁSSICO”

 

ENTRADA

Salada Mista:

 Alface, pimento vermelho e pimento verde, cebola, feijão-verde e pepino,

com nozes e passas, temperada com azeite e borrifada com doce de uva

 

PRATO

Lasanha de carne e legumes com creme de queijo e

Rodelas de pepino grelhadas.

 

SOBREMESA

Doce de pêssego com bolacha e creme

 

Preparação da Entrada – Preparar todos os ingredientes e lavá-los. De seguida picá-los miudinhos, misturá-los e juntar as nozes e as passas. Temperar com azeite e barrar com doce de uva.

Preparação do Prato – Cozer legumes diversos (cenoura, feijão verde, repolho, brócolos, etc) finamente picados e escorrer bem a água. Refogar uma cebola picada e pedacinhos de pimento verde, vermelho e amarelo. Juntar os legumes. Picar sobras de carne de porco, retirando-lhe a gordura. Misturar. Cozer três folhas de massa para lasanha e forrar o fundo duma pequena travessa com ela. Barrar com creme de queijo e rechear com o preparado de legumes e carne. Colocar nova folha de massa e rechear de novo, colocando por cima a terceira folha. Grelhar rodelas de pepino, coloca-las sobre a massa da lasanha, barrando-as com um pouco de creme de queijo.

Sobremesa – Levar ao lume um pouco de calda de pêssego. Juntar a mesma medida de água. Misturar uma colher de açúcar com um pudim Mandarim e juntar também. Mexer até engrossar. Esmagar um pêssego de lata em pedaços pequenos e junte ao preparado que está ao lume. Deixar engrossar, em lume brando e mexendo sempre, até obter um aspecto vidrado. Retirar do lume, deitar para uma taça e deixar arrefecer. Bater o creme do queijo co um pouco de açúcar e uma colher de vinho do porto, até obter uma espécie de chantilly e desfazer seis bolachas maria. Cobrir o preparado anterior com uma camada de bolacha já desfeitas e de seguida com o chantilly. Pode-se decorar ou com a bolacha desfeita ou com canela. Servir frio.

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publicado por picodavigia2 às 14:56

PAISAGEM – FAJÃ GRANDE DAS FLORES

Sábado, 26.10.13

(UM POEMA DE PEDRO DA SILVEIRA)

 

Passam navios, mas vão-se embora.

Na loja deserta o dono parece sonhar.

Sentada na rua, uma criança chora.

E chora também na praia a voz do mar.

 

Voga na baía um destroço perdido

Com uma aguarela pousada, navegando à sorte.

- Pelas ruas vai um alarido,

Que o vigia avistou uma baleia a norte.

 

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publicado por picodavigia2 às 13:47

OS NOMES DAS NOSSAS AVÓS E BISAVÓS

Sábado, 26.10.13

Da autoria de Francisco António Nunes Pimentel Gomes, o livro “Casais das Flores e do Corvo” publicado em 2006 e já aqui referido, revela os extractos dos assentos de casamento realizados nas doze paróquias daquelas duas ilhas, entre os anos de 1675 e 1911. No que à paróquia de São José da Fajã Grande diz respeito, os extractos referenciados no livro mencionam apenas os matrimónios realizados a partir da data da criação da paróquia, ou seja a partir de 1861 pelo que enumeram apenas os cerca de trezentos casamentos realizados entre os anos de 1861 e 1911, na paróquia de São José da Fajã Grande. Sendo assim os nubentes que figuram nestes registos foram os avós e os bisavós da geração nada e criada, na Fajã Grande ou a ela ligada, nas décadas de quarenta, cinquenta e sessenta. Interessante pois, é verificar quais os nomes das  nubentes, ficando-se assim com a generalidade dos nomes femininos então usados, uma vez que a lista de casamentos celebrados entre 1861 e 1910 abrange um total de 121 nomes. São os seguintes esses nones sendo que os números à frente de cada nome indicam a quantidade de noivas, que usavam esse mesmo apelido:

Maria (30), Maria José (23), Ana (17), Maria de Jesus (14), Maria Luísa (12), Maria do Céu (11). Maria da Conceição (10), Ana Luísa (8), Maria da Glória (7), Maria Inácia (7), Mariana (7), Maria Isabel (6), Ana de Jesus (5), Luísa (5), Maria Emília (5), Maria Leopoldina (5), Mariana de Jesus (5), Policena Luísa (5), Maria Lucinda (5), Ana Margarida (4), Ana Rosa (4), Maria Margarida (4), Ana Emília (3), Ana Isabel (3), Filomena (3), Isabel Luísa (3), Leopoldina (3), Maria Amélia (3), Maria Claudina (3), Maria da Trindade (3), Maria Joaquina (3), Maria Rosa (3), Maria Tomásia (3), Mariana Joaquina (3), Mariana Luísa (3), Ana Inácia (2), Ana José (2), Ana Tomásia (2), Deolinda Luísa (2), Filomena José (2), Filomena Luísa (2), Floripes Joaquina (2), Isabel (2), Isabel da Conceição (2), Isabel de Jesus (2), Isabel Tomásia (2), Joaquina Emília (2), Josefina Luísa (2), Luciana Tomásia (2), Maria Catarina (2), Maria dos Santos (2), Maria Júlia (2), Maria Laureana (2), Mariana Isabel (2), Mariana Margarida (2), Virgínia Luísa (2), Ana Bernarda (1), Ana Clara (1), Ana da Conceição (1), Ana de Jesus Maria (1), Ana Joaquina (1), Ana Júlia (1), Ana Laureana (1), Catarina Joaquina (1), Catarina Margarida (1), Clara Emília (1), Conceição Filipe (1), Emília José (1), Ermelinda (1), Filomena Dionísio (1), Filomena do Coração de Jesus (1), Floripes Adelaide (1), Floripes de Jesus (1), Floripes Inácia (1), Iria (1), Isabel da Glória (1), Isabel Inácia (1), Isabel Laureano (1), Isabel Leopoldina (1), Isabel Perpétua (1), Joaquina (1), Joaquina Augusta (1), Joaquina de Jesus (1), Laureana Margarida (1), Leopoldina da Conceição (1), Leopoldina Laureano (1), Luciana Emília (1), Lucrécia de Jesus (1), Luísa de São João (1), Luísa do Coração de Jesus (1), Luísa Jacinta (1), Mafalda Luísa (1), Margarida (1), Margarida Jacinta (1), Margarida Rosa (1), Maria Augusta (1), Maria da Ascensão (1), Maria da Encarnação (1), Maria da Luz (1), Maria Dionísia (1), Maria do Carmo (1), Maria Eugénia (1), Maria Felizardo (1), Maria Filomena (1), Maria Florinda (1), Maria Jacob (1), Maria Malvina (1), Maria Policena (1), Maria Teodora (1), Mariana Adelaide (1), Mariana Emília (1), Mariana Floripes (1), Mariana José (1), Mariana Júlia (1), Policena Emília (1), Policena Laureana (1), Policena Margarida (1), Rita Luísa (1), Rosa de Santa Maria (1), Rosa Emília (1) e Rosa Francisca (1).

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publicado por picodavigia2 às 13:45

LAPAS E COUVES

Sábado, 26.10.13

“Quem quiser o marido morto, dê-lhe lapas em Maio e couves em Agosto.”

Aparentemente muito estranho e esquisito este provérbio fajãgrandense, comum também a outras freguesias das Flores e a algumas ilhas açorianas. Trata-se de uma afirmação drástica, agressiva, rude, dura e dramática. No entanto, analisando melhor o seu conteúdo. Percebe-se que com ele apenas se quer significar que no mês de Maio as lapas não são tão saborosas nem tão boas para comer como nos restantes meses do ano, o mesmo acontecendo com as couves, mas estas, no mês de Agosto. Na realidade a sabedoria popular tinha a capacidade de muito bem seleccionar as alturas do ano em que este ou aquele alimento deveria ser evitado nos cardápios diários, por não ter tão boa qualidade e não ser tão agradável ao paladar. Recorde-se por exemplo o caso da abrótea, que por indicação da sabedoria popular, não é boa nos meses que não possuem a letra “r”.

Sendo assim, com este adágio não se pretendia matar o marido, nem com lapas, nem com couves, nem com outra coisa nenhuma, mas simplesmente avisar os menos cautos de que havia alturas do ano em que os alimentos eram, eventualmente, menos saborosos e consequentemente deviam ser evitados. Além disso, não era de estranhar que a primeira pessoa a ser poupada quer às, possivelmente, indigestas lapas de Maio ou às menos gostosas couves de Agosto fosse o próprio esposo.

Douta sabedoria popular que utilizava uma imagem tão forte – a da morte do marido – apenas para avisar de um pequeno pormenor pantagruélico: evitar comer lapas em Maio e couves em Agosto.

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publicado por picodavigia2 às 10:31

AS ÁRDUAS E DESGASTANTES TAREFAS DA MULHER NA DÈCADA DE CINQUENTA

Sábado, 26.10.13

Na Fajã Grande, na década de cinquenta e nas anteriores, os homens tinham um trabalho, árduo, difícil, cansativo, obnóxio e nefasto: cavar e lavrar a terra, acarretar às costas os produtos agrícolas, os dejectos dos animais, ceifar, mondar, limpar palheiros, enfim uma infinidade de tarefas, estercorosas e desgastantes. Mas se os homens tinham um trabalho quase a rondar a escravatura, as mulheres não lhes ficavam atrás. É que para além de fazerem ou acompanharem os homens em quase todos os trabalhos agrícolas e as actividades a eles inerentes, ainda tinham que realizar todas as tarefas domésticas e não eram poucas, executando-as, a maioria das vezes, depois de regressar dos campos, enquanto os homens se vinham escarrapachar à Praça, em amena cavaqueira, a falquejar, a descansar e, por vezes, a roer na vida de uns e outros.

Ora uma dessas nefastas tarefas, talvez amais cruel e cansativa, atribuída, exclusivamente à mulher, era a de lavar a casa. Toda a mulher que se prezasse de ser “escoimada” deveria lavar a sua casa de uma ponta a outra, pelo menos uma vez por semana, preferencialmente aos sábados, tarefa realizada por ela própria ou por uma filha, caso a tivesse.

Lavar a casa não era tarefa fácil. Primeiro porque tinha que ser feita de joelhos ou melhor de gatas e, em segundo lugar, obrigava a lavadora a um esforço múltiplo, gigantesco e extremamente cansativo: acarretar a água da fonte, esfregar o soalho, com uma escova manual, arrastar a celha pesadíssima, espremer o pano, lavar e voltar a espremer e secar. Assim, e uma vez disponível a água, esta era lançada para a “celha de lavar o chão”, feita de madeira e que uma vez cheia de água se tornava ainda mais pesada, sendo muito difícil arrastá-la de um lado para outro. De gatas no chão, com um pano de baixo dos joelhos, lenço de calafate na cabeça, a mulher, primeiro e depois de molhar o pano na água, encharcava o chão em toda a área onde os seus braços chegavam. De seguida massajava sabão azul nas barbas de piaçaba duma escova oval com a qual esfregava no chão, puxando-a para trás e para diante, em movimentos convulsivos e rápidos, até a sujidade se despegar por completo. Muitas vezes tinha mesmo que ir com as unhas às manchas de maior e mais rija imundície. Depois limpava tudo com o pano enxaguado, de seguida espremia-o e voltava a passa-lo no chão, a espremê-lo novamente passando-o no chão para que este secasse mais depressa. Só depois da área inicialmente delineada estar bem lavadinha, voltando a ajoelhar-se, repetia todas estas operações numa área nova e depois noutra e noutra até que cada uma e todas as divisões da casa ficassem bem lavadas. A cozinha, para além de ser a maior, era sempre a mais suja e, consequentemente, a que exigia mais esforços e provocava mais cansaço e fadiga. E se algum borra-botas entrasse em casa, após a lavagem, era uma guerra pela certa. E o curioso é que, apesar de tão degradante e cansativa tarefa, a maioria das mulheres cantava durante a sua execução… Talvez lhe anestesiasse, parcialmente, o cansaço.

Tarefa, árdua, cansativa e degradante! E não é que, para cúmulo, de vez em quando, um ou outro atrevidote, caso uma porta estivesse aberta durante a lavagem, parava, estacava e pasmava a olhar maliciosamente, na tentativa de descobrir uma nesga duma ou outra perna que surgisse mais ousadamente à mostra, devido à posição dolente da mulher que lavava a casa. Alguns chegaram a ter boa recompensa pois, se a lavadora se apercebesse de tal descaramento e fosse matreira, levavam com a água celha, bem sujinha, pelo lombo abaixo.

Mas não ficavam por aqui as tarefas domésticas, extremamente cansativas e quase degradantes, a que a mulher, na Fajã Grande e, provavelmente em muitas outras localidades açorianas, estava submissa. O amanho das refeições diárias era uma tarefa da total responsabilidade da mulher e, por vezes, extremamente cansativa. Primeiro havia que rachar e fender a lenha, acender o lume com garranchos verdes, afoguear, soprar pelo tradicional “canudo” de cana para espevitar o lume, refogar, mexer, fritar e, uma vez por semana, acender o forno, amassar, varrer, padejar, etc. etc. Era ainda à mulher que competia lavar a e “coarar” a roupa, arrumar e varrer toda a casa, tratar dos porcos, das galinhas, levar o leite à máquina, a moenda ao moinho, despejar as “canecas” das retretes, etc, etc.

Se a tudo isto juntarmos a ajuda que lhe era exigida em muitas tarefas agrícolas, como a de semear o milho, sachar, apanhar o trevo, o milho, as couves, o feijão, as batatas e carregar com tudo isto em cestos pesadíssimos, transportados à cabeça, sobre uma rodilha, e de que ao serão, ainda tinham que cardar, fiar, remendar, coser e até descascar o milho, podemos concluir que de facto a vida das nossas mães e avós, nas primeiras décadas do século passado era de autênticas escravas. Talvez por tudo isto, é que aos cinquenta anos, pareciam envelhecidas, como se tivessem oitenta.

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publicado por picodavigia2 às 10:29

O OUTEIRO

Sábado, 26.10.13

Estava-lhe no sangue. Era como se fosse uma parte de si própria. Estampado, ali mesmo ao lado da casa onde nascera, onde crescera e onde sempre viveu, o Outeiro, sobranceiro ao povoado, fazia parte do seu quotidiano, da sua vida, tal como um amigo fiel, confidencioso e inseparável.

Desde pequenina que Carla se habituara a procurar, ali, bem no alto, entre pequenas árvores e grosseiros pedregulhos, o palco apetecido e inócuo das suas brincadeiras e folguedos. Os incensos, os sanguinhos, os folhados e uma ou outra babosa, a crescerem à porfia, forrados de um verde apetecível, deslumbrante e suculento, pareciam-lhe fantasmas encantadores e mirabolantes que povoavam o seu universo sonhador e lhe transmitiam uma alegria e uma felicidade inaudíveis e os enormes calhaus basálticos, soltos e crespidos, caiados de musgos e limos, eram monstros arrebatadores e provocantes, a embalá-la numa fantasia perfumada e deliciosamente infinita. Até a enorme cruz, branca, ingente e altiva, plantada ali sobre o povoado, como que a abençoá-lo e a protegê-lo, parecia-lhe um castelo gigante, morada de príncipes encantados, ornado de vitrais coloridos e em cuja torre de menagem repicavam, festivamente, sininhos de tamanhos diferentes e de sons diversos.

Depois viera a juventude e o Outeiro, outrora oráculo de inocência e fantasia, ora se transformava num companheiro e amigo com quem partilhava sonhos e anseios, ora se metamorfoseava num covil, esmorecido e sombrio, onde desabrochavam desejos e ambições, ou num tugúrio de soturnidade e desencantos, onde despejava o desassossego das suas goradas e desgostosas inebriações. Os fantasmas da fascinação transvertiam-se em horóscopos de deslumbramentos atrofiados e os monstros empolgantes, outrora construídos sob os penhascos, soltavam-se trôpegos, como se fossem gaivotas em voos entontecidas   

Agora, com trinta anos, Carla ainda procurava o Outeiro, mas sentia-o diferente, embora o amimasse com o mesmo carinho da infância, o amasse com o mesmo ardor da juventude e o demandasse numa paixão incontida. Era uma espécie de prodígio petrificado, agreste e desértico, onde o perfume bravio dos incensos e dos sanguinhos, a salubridade telúrica dos rochedos, o sabor dulcificado do alecrim e do poejo se confundiam com uma estranha, indolente e inconstante nostalgia. Ainda se sentia jovem, embora displicente no corpo e selvagem na alma, e continuava a sonhar, ali, embrenhada naquele andurrial, cujo silêncio e o remanso lhe transmitiam uma paz inconfundível e uma tranquilidade abundante. Agora era a vista que dali desfrutava sobre o povoado, que mais a encantava, enternecia e a forçava a galgar horizontes perdidos e intransponíveis. Ao perto, os telhados e frontispícios do casario, mais ao longe os campos verdes e amarelados de couves e milho e, mais além, separado pela mancha negra do baixio, o oceano azulado e infinito, contrastando com a tímida pequenez da ilha. Encravada, quase no cimo do Outeiro, a cruz continuava branca, ingente, altiva e teúrgica, como se fosse um santuário de sacrifícios, preces e oferendas. Era junto a ela que, nas terças e sextas-feiras quaresmais, um grupo de homens, quer chovesse, quer ventasse, ajoelhava, entoando cânticos e impropérios diversos e prolongados e, por isso mesmo, continuava a impor-se como símbolo duma sacralidade dolente, taciturna e humanizada. Parecia-lhe ouvir, mesmo em pleno dia, as vozes dos cantores ecoando nas encostas dos montes, ressoando e repercutindo-se sobre os velhos telhados dos casebres. Nesses momentos, como em todas as outras casas, ela ajoelhava também e, em simples mas sincera oração, unia-se às preces dos cantores e de todos os habitantes da freguesia e suplicava perdão para os delituosos e pecadores e beneficência para os infelizes e sofredores. Por isso mesmo agora, mais do que na infância ou na juventude, tentava encontrar naquele cerro os ecos dos cânticos e das súplicas que lhe incendiassem o corpo e purificassem a alma. Procurava ali, no remanso da taciturnidade, o enigma do seu próprio destino. Mas a resposta vinha-lhe tão vaga, tão vazia, e tão desnudada, cerceada pelo sopro acutilante do vento norte. E os campos, lá em baixo, cobriam-se de um nevoeiro amarelado, ocultando-se num silêncio abrupto e profundo, misturado com os ecos roufenhos do estonteante estrebuchar das ondas contra escolhos e baixios e com os gritos agonizantes das gaivotas perdidas nos remoinhos do vento norte. Lá em baixo, no povoado, velhos, novos, homens, mulheres e crianças fervilhavam num desassossego perturbador, entre vagas de murmúrios, num labirinto de mexericos, num turbilhão de comentários, de interrogações, de ódios e enganos, entre suplícios e tormentas que ela joeirava, purificando-os e retirando-lhes o doloroso amargo dos espinhos.

E no sempre persistente remanso do Outeiro, Carla escrevia com o fumo emaranhado das fogueiras que nunca acendera, o restolho dos sonhos que ali sempre embalara e que, agora, se perdiam em projectos cheios de um rumor alvoroçado.

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publicado por picodavigia2 às 00:40

JOÃO ANGLIN

Sábado, 26.10.13

João Hickling Anglin nasceu em Ponta Delgada, S. Miguel, Açores, a 17 de  Abril de 1894. Filho de pai inglês, tornou-se cidadão norte-americano e foi o primeiro Cônsul dos Estados Unidos da América nos Açores, sendo, mais tarde, também cônsul da Rússia e um dos maiores exportadores de laranja açoriana para os mercados inglês e russo. João Hickling Anglin estudou no Liceu da Graça, onde conheceu Leonilde Rego Costa, aquela com quem mais tarde se consorciaria. Acabados os estudos liceais, foi estudar para o continente, onde se licenciou em Germânicas pela Universidade de Coimbra. Antes de formar família, João Hickling Anglin passou pela dura prova de exercer as funções de oficial miliciano, comandando soldados portugueses em África, entre os atribulados anos de 1914-1918. Esta vivência nas colónias portuguesas levou a que, mais tarde, já exercendo as funções de professor, fundasse a Secção de Estudos Coloniais no Liceu de Ponta Delgada. Para além de distinto professor neste estabelecimento, João Anglin assumiu-se, na sociedade açoriana, como um importante agente cultural, participando em inúmeras iniciativas e instituições locais. Foi Comendador da Ordem de Instrução Pública, Reitor do Liceu Nacional de Ponta Delgada, Director da Escola do Magistério Primário da mesma cidade, Presidente da Junta Geral de Ponta Delgada e, por fim, corrector das provas do jornal “Correio dos Açores”.

Poeta e prosador distinto e reconhecido entre os seus pares, João Hickling Anglin deixou-nos uma importante bibliografia. Foi autor de obras como Padre Sena Freitas : antologia, Alocuções Escolares e Outros Escritos, Notas de um Professor Liceal, Trinta anos de Reitorado, Flores com Fruto, O Historiador Joaquim Bensaúde, A Educação nos Açores, entre outras. Traduziu, também, alguns importantes textos literários para língua portuguesa, nomeadamente, poemas de Shelley e Alfred Lord Tennyson, Um inverno nos Açores e um veräo no Vale das Furnas de Joseph e Henry Bullar, cujo prólogo é da autoria do reconhecido escritor micaelense e seu amigo, Armando Côrtes-Rodrigues.

Faleceu no dia 28 de Dezembro de 1975, com oitenta e um anos de idade, no Hospital velho de Ponta Delgada, deixando muitas saudades junto de todos os que tiveram o prazer de privar com ele.

 

Dados retirados do CCA – Cultura Açores

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publicado por picodavigia2 às 00:36





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