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A CRUZ E O CALVÁRIO

Domingo, 27.10.13

A Fajã Grande tinha e continua a ter, bem lá no alto do Outeiro, uma enorme cruz branca. Não se sabe ao certo quando foi construída ou ali colocada, uma vez que não tem afixado qualquer elemento que permita identificar o ano da sua edificação. Talvez a sua origem remonte aos primórdios da criação da localidade, ou seja, muito provavelmente, terá sido construída pelos primeiros povoadores da Fajã, com a intenção de, através da cruz, símbolo de salvação, solicitar as bênçãos e as graças divinas para todos os que ali haviam de viver, ao longo dos séculos vindouros.

Esta a explicação é, evidentemente, a mais lógica, mas não a única. É que o motivo que justificou a erecção duma cruz, no cimo do Outeiro, poderá ser bem diferente. A cruz também é símbolo de dor e de sofrimento, de mortificação e de sacrifício e, por isso, poderá ter sido colocada lá no alto porque havia um calvário, ali bem perto, cá em baixo, no povoado, em cada rua, em quase todas as casas. Era o calvário do isolamento, da pobreza, do sacrifício e da mortificação. O calvário de não ter mais que uma côdea de milho e uma tijela de leite, de trabalhar de sol a sol, de acarretar molhos e cestos às costas ou à cabeça, de calcorrear, descalço e com os pés a sangrar, canadas e atalhos íngremes e sinuosos, na difícil tarefa de angariar o pão de cada dia. O calvário das mulheres, muitas vezes grávidas, a trabalhar nos campos e a realizar as árduas lides domésticas, a tirar o pão da boca para o dar aos filhos. O calvário dos homens enlameados, a tirar o esterco dos palheiros e carreá-los aos ombros para os campos, a juntar as pedras que caíam da rocha e com elas a construir paredes e a edificar “maroiços”. O calvário de uma vida dura, de não ter um tostão, de percorrer a ilha a pé para ir pagar as contribuições, de ser explorado pelo Martins e Rebelo. O calvário da dor, do sofrimento, da falta de assistência e cuidados médicos, de morrer sem saber porquê. O calvário das crianças trabalhando arduamente, sem brinquedos, sem esperança, sem o perfume das flores, sem direito a descansarem. O calvário duma vida dolorosa, dolente, sofrida, limitada, entristecida, apenas iludida e anestesiada com a esperança de um dia partir… talvez para a América… talvez para o Canadá.

 Na década de cinquenta e nas anteriores havia o hábito de se “cantar no Outeiro”, junto da cruz. Um grupo de homens, às terças e sextas-feiras da Quaresma, para ali se dirigia, mesmo que chovesse torrencialmente ou o frio fosse de rachar, entoando cânticos típicos e adequados que ecoavam e se prolongava sobre os pobres casebres. Durante esses cânticos, os que estavam nas suas casas ajoelhavam e acompanhavam-nos, rezando de acordo com o solicitado pelos cantores. No mês de Setembro por altura da festividade da “Exaltação da Santa Cruz” fazia-se uma grande festa no Outeiro, junto da cruz. Havia missa campal, foguetes e arraial e à noite tinha lugar uma procissão de velas, subindo e descendo a encosta do Outeiro, da Fontinha até à cruz. Dezenas e dezenas de velas, ornamentadas com papéis multicolores espalhavam-se pelo Outeiro acima, até à cruz, formando um rosário inesquecível de claridade de cor, de brilho  e de luminosidade.

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publicado por picodavigia2 às 23:04

INOCENTE

Domingo, 27.10.13

MENU 14 – “INOCENTE”

 

ENTRADA

Taglierini gratinado em azeite e vinho do Porto

Pepino e cenoura, grelhados e borrifados com creme de queijo.

Compota de maçã.

 

 

PRATO

 

Lombo de salmão assado no forno, recheado com creme de queijo fresco, mortadela de peru e ervas aromáticas

Fitas de alface, perfumadas com azeite e vinagre balsâmico.

Puré de legumes.

 

 

SOBREMESA

 

Pera e Gelatina de Morango.

 

******

 

Preparação da Entrada: - Cozer o taglierini e gratiná-lo num misto de azeite e vinho do Porto. Grelhar as rodelas de pepino e as de cenoura e borrifá-las com um pouco de creme de queijo fresco. Dispor no prato juntamente com pequenas colheradas de compota de maçã.

Preparação do Prato: - Temperar um lombo de salmão e abri-lo ao meio. Rechear a respectiva fenda com creme de queijo fresco com sabor a salmão e recheá-lo com fatias de mortadela de peru. Levar ao forno, cerca de 10 minutos. Depois de retirar dispor no prato e cobrir com fitas de alface. Juntar o puré, feito com legumes cozidos, pão embebido no caldo de cozer os legumes e um pouco de azeite e creme de queijo fresco.

Preparação das Sobremesas – Confecção tradicional.

 

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publicado por picodavigia2 às 19:15

O SEGREDO DA PRINCESA

Domingo, 27.10.13

Era uma vez um rei que tinha uma filha, muito bonita e elegante mas cuja vida estava envolta num grande mistério. Passava os seus dias no palácio, na companhia de damas e pajens, mas à noite, a regressar ao palácio, recolhia-se, apressadamente, solitária, aos seus aposentos. Mais estranho e enigmático ainda, era o facto de que, todas as manhãs, os seus sapatos e roupas apareciam usados, como se tivesse estado a dançar a noite inteira. Ninguém conseguia perceber o que se passava.

Preocupado, o pai fez saber por todo o reino que se alguém descobrisse o mistério casaria com a princesa e herdar-lhe-ia o trono, após a sua morte. Mas aqueles que tentassem e, ao fim de três dias, não o conseguissem, seriam decapitados.

Apareceram príncipes de reinos vizinhos, apareceram jovens, filhos dos mais nobres dignitários da corte, apareceram ilustres varões do reino, jovens valorosos e destemidos, mas nenhum conseguiu descobrir o enigma, apesar de pernoitarem num quarto próximo daquele onde a princesa dormia, deixando a porta aberta, por isso, todos tiveram a mesma sorte, perdendo a vida da mesma forma.

Um rapazito que vivia no reino, perto do palácio, também resolveu tentar a sua sorte. No entanto, quando seguia, a caminho do palácio real, encontrou uma velhota, que lhe perguntou onde ia, ao que ele respondeu:

- Não sei onde vou, ou o que devo fazer, mas o que gostava de saber era onde a filha do rei vai durante a noite e, assim, talvez pudesse chegar um dia a desposá-la e a ser rei.

- Bem, - disse a velha - isso é uma tarefa muito difícil. Simplesmente, tens que ter cuidado e não beber do vinho que a princesa te dará, antes de te deitares. Depois finge que adormeces, mas mantém-te bem acordado.

De seguida deu-lhe uma capa e disse-lhe:

- Mal vistas esta capa, tornar-te-ás invisível, e poderás, então, seguir a princesa para onde ela quer que for.

Quando o rapaz ouviu estes conselhos, ficou ainda mais determinado a tentar a sua sorte e, por isso, foi ter com o rei, dizendo-lhe que estava disposto a desempenhar a tarefa de descobrir o segredo da princesa.

O rei aceitou e, ao anoitecer, o rapaz foi levado ao quarto da princesa. Quando se estava a deitar-se, ela entrou e, amavelmente, ofereceu-lhe um copo de vinho, mas o rapaz, habilmente, deitou-o fora sem que disso ela se apercebesse. Depois, deitou-se na cama e passado um pouco, começou, simuladamente, a ressonar alto, como se estivesse a dormir em sono profundo.

Quando a princesa percebeu que ele estava a dormir, riu-se, cuidando que o desgraçado havia de ter o destino de todos os outros. Assim, levantou-se, de imediato, abriu gavetas e caixas, tirou as suas melhores roupas, vestiu-se ao espelho e começou a saltitar como se estivesse ansiosa por começar a dançar.

Depois de pronta e arranjada, a princesa olhou para o rapaz que continuava a ressonar como se estivesse a dormir. De seguida bateu palmas e logo se abriu um buraco no chão, no qual a cama se afundou. O rapaz viu-a descer pelo buraco e pensando que não tinha tempo a perder, saltou da cama, vestiu a capa que a velhota lhe tinha dado, e saltou para o buraco, seguindo-a.

A meio das escadas, porém, descuidou-se e, com a preocupação de não perder a princesa de vista, pisou-lhe o vestido como pé. Como se voltasse e não visse ninguém, a princesa continuou a descer, até que chegou a uma encantadora clareira de árvores, cujas folhas eram de prata e brilhavam belissimamente. O rapaz partiu uma folha e guardou-a no bolso. Pouco depois, chegaram a outra clareira, onde todas as folhas das árvores eram de ouro e ainda a uma terceira, onde as folhas eram de diamantes. Em ambas o rapaz quebrou uma folha que guardou no bolso. Continuaram a andar até que chegaram a um grande lago, junto ao qual estava um pequeno barco com um príncipe, que parecia estar à espera da princesa. Esta entrou no barco e o rapaz voltou a segui-la entrando, também, para o bordo.

O príncipe começou a remar, mas o barco, praticamente, não andava:

- Não sei porquê, mas apesar de estar a remar com todas as minhas forças, parece que o barco, hoje, não anda tão rápido como habitualmente. O barco parece muito pesado – queixava-se o príncipe

- Deve ser do calor que está, - disse a princesa. - Eu também me sinto muito quente.

Embora lentamente, acabaram por chegar à margem oposta do lago, onde se erguia um belo castelo muito iluminado, de onde vinha música alegre e maviosa. Ao chegar a terra dirigiram-se para o castelo, dando-se início a um baile, em que a princesa e o príncipe foram os protagonistas.

Dançaram até de madrugada, deixando, a princesa, os sapatos tão gastos tão gastos que foi obrigada a abandonar o baile e ir-se embora. O príncipe conduziu a princesa e o rapaz, sempre invisível, até à outra margem do lago e regressaram ao palácio real. Quando subiam as escadas, o rapaz correu à frente e deitou-se sem que a princesa disso se apercebesse. Esta, ao entrar no quarto e, certificando-se de que o rapaz continuava a dormir, deitou-se e adormeceu tranquilamente.

De manhã, o rapaz não disse nada sobre o que tinha acontecido, decidindo proceder de forma idêntica mais duas noites. Tudo aconteceu da mesma forma: a princesa dançava sempre até não poder mais e depois voltava a casa. Na terceira noite o rapaz, cuidando que não voltaria ali, trouxe consigo um dos copos de ouro onde era servido o vinho, durante o baile.

No dia seguinte, decidiu contar o segredo da princesa, ao rei. Foi conduzido à presença do monarca e da princesa, levando as três folhas e o copo de ouro.

O rei perguntou-lhe:

- Onde é que dança a minha filha, durante toda a noite, até romper os sapatos?

O rapaz, sem demoras respondeu:

- Com um príncipe, num castelo subterrâneo, onde todas as noites se realizam grandes festas. – E, de seguida contou ao rei tudo o que tinha acontecido naquelas noites e, como prova, mostrou-lhe as três folhas e o copo de ouro que tinha trazido consigo.

A princesa, ao ver-se descoberta, percebeu que não mais poderia ocultar o seu segredo e, por isso, confessou ao pai toda a verdade.

Nem foi preciso que o pai lhe ordenasse. A princesa prostrou-se diante do rapaz e, admirada com a sua perspicácia, pediu perdão a ele e ao pai. O rapaz ergueu-a e, beijando-a, prometeu amá-la e fazê-la mais feliz mais do que nenhum príncipe, alguma vez, a faria. Passado algum tempo casaram, mas esta história não esclarece, como as outras, se, afinal, foram ou não foram felizes para sempre.

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publicado por picodavigia2 às 16:47

CASAMENTOS REALIZADOS NA PARÓQUIA DE SÃO JOSÉ DA FAJÃ GRANDE NO INÍCIO DO SÉCULO XX (ANOS DE 1903 a 1904)

Domingo, 27.10.13

No início do século XX, nos anos de 1903 e 1904, realizaram-se, na paróquia de São José da Fajã Grande os seguintes casamentos:

 

1903

A 12 de Fevereiro – António Luís de Freitas, de 34 anos de idade, filho de José Caetano de Freitas e de Mariana Luisa de Freitas, casou com Maria Leopoldina Luisa de Freitas, de 21anos, filha de Manuel José de Freitas e de Maria Leopoldina de Freitas.

A 23 de Abril – António Joaquim Morais, de 28 anos, natural da Matriz de Vila do Porto, ilha de Santa Maria, filho de José António Morais de Ana Jacinta de Braga, casou com Maria Luisa de Freitas Morais, de 22 anos, filha de Manuel de Freitas da Silveira e de Isabel Luisa da Silveira. 

A 30 de Abril – Manuel Joaquim Morais, de 32 anos de idade, natural da Matriz de Vila do Porto, ilha de Santa Maria, filho de José António de Morais e de Ana Jacinta de Braga, casou com Maria Pureza Ramos, de 18 anos, filha de João Pureza Ramos e de Maria Jacinta pureza do Coração de Jesus.

A 21 de Junho – Mateus Lourenço de Fraga, de 33 anos, filho natural de José Joaquim de Fraga e de Maria Emília da Glória, casou com Isabel de Freitas Branco de Fraga, de 16 anos de idade, filha de Francisco da Rosa, natural da freguesia da Candelária, ilha do Pico e de Isabel de Freitas Branco, natural da Fajã Grande.

A 8 de Outubro – João Lourenço da Silveira Flores, de 27 anos, sargento do regimento 18, filho natural de Joaquina de Jesus Carneiro, casou com Margarida de Freitas Eduardo Flores, de 28 anos, filha de José Caetano de Freitas e de Mariana Luisa de Freitas.

1904:

A 11 de Abril – Francisco Joaquim Fagundes, de 35 anos, filho de António Joaquim Fagundes e de Policena de Jesus, casou com Maria Cardoso Fagundes, de 22 anos, filha de Francisco Inácio Cardoso e de Maria Lourenço Fagundes.

A 14 de Abril – Guilherme Vitorino da Silveira, de 28 anos, filho de José António Lourenço da Silveira e de Maria Claudina da Silveira, casou com Maria José Fagundes da Silveira, de 17 anos, filha de José Fagundes da Silveira e de Maria Fagundes da Conceição.

A 29 de Abril – José de Freitas Dias, de 48 anos, filho de José de Freitas Dias e de Eugénia Dias, casou com Maria Tomásia da Silva, de 17 anos, filha de Manuel Tomás da Silva, natural do Topo, ilha de São Jorge e de Maria Isabel do Coração de Jesus.

A 5 de Maio – José Luís Furtado, de 36 anos, filho de Manuel Furtado e de Maria de São João, casou com Virgínia Luisa Furtado, de 37 anos, filha de Manuel Inácio de Freitas e de Isabel Perpétua.

A 24 de Outubro – António José Belo, de 20 anos, natural da freguesia da Lomba, filho de António José Belo e Maria da Trindade Vieira, casou com Maria Inácia de Freitas, de 18 anos, filha natural de Maria José da Glória.

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publicado por picodavigia2 às 15:53

O DESCANSADOURO DO VALE DA VACA OU SIMPLESMENTE O DESCANSADOURO

Domingo, 27.10.13

O Descansadouro do Vale da Vaca era o mais emblemático descansadouro da Fajã Grande, pois era o único da freguesia que era conhecido simplesmente por “Descansadouro”, dando, também, nome ao lugar onde se situava. Todos os outros descansadouros recebiam o nome do lugar em que se localizavam, neste caso, era o descansadouro, situado no cimo do Vale da Vaca que dava nome ao lugar que realmente se chamava “lugar do Descansadouro”. Apenas num outro caso isto acontecia: era o descansadouro que se situava a meio da rocha, junto à Furna da Caixa, que também era conhecido simplesmente por “Descansadouro” , ou “Descansadouro da Rocha”.

O descansadouro do lugar do Descansadouro ficava situado no antigo caminho entre a Volta do Delgado e entrada para a Ladeira do Covão, precisamente no lugar do Descansadouro. Este lugar confrontava a Norte com o Vale da Vaca, a Sul com o Delgado, a Este com o Outeiro Grande e a Oeste com o Pico e o Caminho da Missa. Era um pequeno local, com duas zonas agrícolas distintas: uma zona de cerrados e terras muito férteis que produziam, milho, trevo e erva da casta e beneficiavam das enxurradas e lamas do caminho que eram encaminhadas para os campos através de bueiros localizados na parte baixa das suas paredes e uma outra, situada nos contrafortes do Outeiro, com terrenos mais pequenos em forma de belgas, menos férteis e mais propícios ao cultivo da batata-doce ou de milho para o gado.

O descansadouro propriamente dito situava-se num pequeno largo, junto a uns degraus que davam acesso a algumas das belgas, os quais, simultaneamente, serviam de bancada para o descanso. Os molhos e cestos eram colocados nas paredes das belgas circundantes a esses degraus, todas do lado Este, ou seja do lado do Outeiro Grande. O que mais identificava este descansadouro e o distinguia de todos os outros, era que, sendo o último antes da Assomada, era muito utilizado. Paravam, sentavam-se e descansam ali muitos homens. Embora não tivesse água, possuía boas bancadas e servia quem vinha de todos os caminhos do Sul, excepto do Caminho da Missa, ou seja, quem carregava todos os produtos oriundos das terras do Delgado aos Lavadouros e da Cuada ao Vale Fundo. Depois do Alagoeiro era incontestavelmente, o maior e o mais utilizado descansadouro da Fajã.

Lamentavelmente este descansadouro desapareceu por completo com a construção da Estrada Porto-Ribeira Grande, cujo traçado passou precisamente no local onde se situava o mais emblemático, o mais representativo e o mais genuíno descansadouro da Fajã.

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publicado por picodavigia2 às 15:51

MÁQUINAS DE BATATA BRANCA

Domingo, 27.10.13

A produção de leite e a sua venda era a principal actividade económica da Fajã Grande e dela dependia a sobrevivência da maioria das famílias. Havia produtos necessários ao quotidiano de toda e qualquer família que apenas se podiam adquirir comprando-os nas lojas. Para tal era absolutamente necessário dinheiro e a única forma de o obter era vender algum leite, ou ao Martins e Rebelo ou à Cooperativa. Ora isto significava uma relação muito íntima com os dois postos de desnatação, então existentes na Fajã: a máquina de baixo e a máquina de cima. Todos os dias, de manhã e à tardinha alguém teria que ir levar o leite a uma ou outra das máquinas, trazendo-o de regresso, mas já desnatado, para consumo de porcos e bezerros. Esta azáfama quotidiana dos adultos reflectia-se, e de que maneira, nas brincadeiras das crianças que necessariamente construíam as suas máquinas para desnatar o seu leite.

Para a construção de uma máquina de desnatar o leite bastavam apenas três tubos de cana e duas batatas brancas. Um dos tubos de cana tinha que ser grosso e alto. Os outros dois deveriam ser pequeninos e muito delgadinhos, sendo um deles necessariamente mais delgado do que o outro. Uma das batatas era cortada a meio e na metade seleccionada que fazia de base da máquina era espetado o tubo de cana. À outra batata que devia ser muito redondinha era lhe retirada a parte superior e o conteúdo interior de modo a que se transformasse numa espécie de tigela. Esta seria o caldeirão da máquina, o qual seria encravado na parte do tubo oposta à base já construída. No fundo do caldeirão espetavam-se os dois tubinhos de cana, de modo que a extremidade de cada um entrasse na parte côncava da batata: o mais grosso, mais alto, para o leite desnatado e o mais delgadinho, logo a baixo para o fiozinho da nata. Depois era só deitar o leite no caldeirão e vê-lo sair pelos dois tubinhos. E o leite? Como o conseguíamos? Assim como Jesus, nas bodas de Caná, transformou a água em vinho, nós, com a nossa imaginação e poder criativo, também transformávamos a água em leite. Então era um regalo ficar ali a ver o caldeirão da máquina cheinho de leite a sair já desnatado por um dos tubos e a nata pelo outro.

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publicado por picodavigia2 às 12:12

OS NOMES DOS NOSSOS AVÔS E BISAVÔS

Domingo, 27.10.13

Já aqui foi referido o livro da autoria de Francisco António Nunes Pimentel Gomes, “Casais das Flores e do Corvo”. Trata-se duma interessante e útil compilação dos casamentos realizados nas paróquias das ilhas do grupo ocidental açoriano, entre os anos de 1675 e 1911. No que à paróquia de São José da Fajã Grande diz respeito, este livro refere os matrimónios realizados a partir da data da criação da paróquia até à proclamação da república, ou seja, entre os anos de 1861 e 1911, sendo o seu número de cerca de trezentos casamentos. Os nubentes cujos nomes que figuram nestes registos foram os nossos avós bisavós. Já aqui registei os nomes dos nubentes do sexo feminino, fazendo agora o mesmo relativamente aos do sexo masculino. Ficaremos assim com a generalidade dos nomes então usados, de um e doutro sexo, referindo-se neste caso os nomes próprios dos pais e avós das nossas mães e dos nossos pais. São os seguintes esses nones sendo que os números à frente de cada nome indicam o número de indivíduos com o mesmo nome:

José (26), João (24), António (21), Manuel (21), Francisco (20), José António (14), António José (12), José Inácio (8), Manuel Inácio (8), José Caetano (7), José Joaquim (7), Laureano (7); Manuel José (7), Manuel Francisco (6), João António (5), Manuel Caetano (5), Manuel Joaquim (5), Mateus (5), António Inácio (4), António Joaquim (4), António Caetano (3), António Francisco (3);Francisco José (3); Inácio José (3); João Joaquim (3), José Francisco (3), José Jacinto (3), José Maria (3), Manuel Luís (3), Manuel Maria (3), António Bernardo (2), António Jacinto (2), António Luís (2), Bartolomeu (2). Francisco Caetano (2), Inocêncio José (2), João Bernardo (2), João Caetano (2), João Francisco (2), João Jacinto (2), João José (2), Joaquim (2), José Lucindo (2), Luciano (2), Raulino Inácio (2), Vitorino José (2), Abraão (1) Anastásio (1), António Augusto (1), António Maria (1), António Vitorino (1) Bernardo (1), Caetano José (1),Caetano Inácio (1), Clarimundo (1) Eduardo (1) Estulano (1), Fernando (1), Francisco Inácio (1), Francisco Joaquim (1), Frederico Augusto (1), Frederico José (1), Geraldo Filipe (1), Geraldo Lucindo (1), Guilherme Vitorino (1), Henrique (1), Inácio Gabriel (1), Inácio (1), Jacinto António (1) Jacinto Manuel (1), João Bernardo (1), João Cândido (1), João Lucindo (1), João Luís (1), João Pedro (1), José Cristiano (1), José Laureano (1), José Lisandro (1), Laurindo (1), Leónis (1), Lisandro (1), Luís (1), Manuel António (1)Un Mariano (1) Mariano Luís (1)Mateus Luís (1), Narciso (1), Pedro (1), Raulino Augusto (1) e Raulino José (1).

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publicado por picodavigia2 às 09:16

A FACE DO SENHOR

Domingo, 27.10.13

O Caixeiro chegou a casa exausto, esfomeado e, sobretudo, consumido, rabugento e furioso, como nunca. Enquanto fora apanhar uns incensos à Horta das Abóboras, a maldita da Lavrada, à cordada na belga do Batel, havia arrancado a estaca, saltado a parede, enfiando-se pela ribeira abaixo até aos quintos dos infernos. Foi o cabo dos trabalhos para a apanhar, amarrar e trazê-la de novo para o Batel. Parecia que tinha o diabo no corpo! Além disso, a maldita entrou numa terra do José Pureza, desfazendo-lhe uma boa parte do milho e da batata-doce. Parecia que estava doida, aquele estafermo!

Entrou, pois, pela porta dentro, a bradar, a praguejar, a blasfemar e a resmungar consigo mesmo e com quem o quisesse ouvir. “Alma do diabo” para baixo, “raios-te-partam” para cima, “sanababicha” para um lado, “mas o diabo não te comesse viva” para o outro, enfim um interminável rol de impropérios e insultos que nunca mais acabava.  

A Rosária, a tia com quem vivia desde miúdo, atarefada nas lides domésticas e afeita a tamanha impertinência e a tão habitual desrespeito, não tugiu nem mugiu e o sobrinho, pouco depois calou-se, emudecendo por completo. Mudos sentaram-se à mesa para a ceia, já lusco-fusco. A Rosária pôs-lhe na frente a tigela do leite e atirou-lhe para cima da mesa um quarto de bolo, acabadinho de cozer no tijolo, ainda a fumegar. Mas no ar pairava um cheiro a queimado, a que o Caixeiro não se alheou, pese embora a face do bolo voltada para cima estivesse perfeitamente cozida. Nem muito clara, nem muito escura.

Mas o Caixeiro desconfiou do embuste e, antes de migar o bolo na tigela do leite, voltou-lhe a face oculta para cima. Horror dos horrores! O Bolo estava negro como a ferrugem! Preto que nem carvão! O bolo, na realidade, estava totalmente queimado.

O Caixeiro, mais furioso do que quando entrara em casa, não tanto pelo excesso de cozedura do bolo mas sobretudo pela atitude simuladora da tia, levantou-se de rompante, gritou, berrou, praguejou e, pegando no bolo, atirou-o com tanta força e tamanho desespero pela porta fora que o dito cujo se foi estampar na parede da casa que ficava em frente, do outro lado da rua, onde morava o Cabral, pois nessa altura o Caixeiro e a tia Rosária moravam na Assomada, num casa muito velha, que mais tarde foi palheiro do Trancão.

A Rosária aflita e de mãos postas, vendo o seu trabalho, cujo produto final ela considerava quase sagrado, tratado tão vil e covardemente, exasperou o sobrinho, gritando:

- Pedaço de malcriado! Atiraste a “Face do Senhor” às empenas de Cabral.

E não lhe cozeu mais bolo, naquele dia, nem nos seguintes.

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publicado por picodavigia2 às 08:57

O ANTÓNIO

Domingo, 27.10.13

Altaneiro nos seus desejos, insofismável nas suas aspirações, audacioso nas suas atitudes e galhofeiro nas suas palavras, o António entrava-me pela sala dentro, conversava e participava nas aulas com um invejável à vontade, com uma matreira sagacidade e com um aleatório discernimento. Folgazão, galhofeiro e hiperactivo, interrompia, frequentemente, a aula, umas vezes, com a perspicácia e a dignidade de quem queria aprender ou esclarecer uma dúvida, outras, porém, com a subtileza e a argúcia de quem pretendia, apenas e, tão-somente, interromper e boicotar, por uns minutos, uma docência que lhe havia de acarretar mais trabalhos, obrigar a mais estudos, enfim, a reduzir-lhe o tempo de lazer e ociosidade e a cercear-lhe folguedos, flostrias e brincadeiras. Num e noutro caso, porém, interrompia-me com perspicácia, descrição, delicadeza e até com alguma jocosidade, pelo que o ouvia sempre com respeito e estima, respondendo-lhe de acordo com o tipo e acuidade da questão formulada. Ele ouvia-me atentamente e, se a questão fosse relacionada com o tema da aula, orgulhava-se e ufanava-se de ter contribuído para esclarecer, não tanto a si próprio mas, sobretudo os outros que, na opinião dele, “andavam a dormir”. Se, por outro lado, a pergunta era de galhofa ou de alheamento do tema tratado, logo pedia desculpa e prometia emendar-se. Muitas vezes, porém, no meio dessas interrupções, falava de si próprio, dos seus anseios e preocupações, das suas brincadeiras e consumições, das suas travessuras e delineações. Falava sobretudo e frequentemente do seu sonho, do seu grande sonho: adorava a velocidade e, por isso, um dia havia de ser piloto de aviões. Eu bem o aconselhava que era uma profissão difícil de se conseguir, que só com muito esforço, muito estudo, muito trabalho, muita seriedade. Que sim senhor! Que eu havia de ver um dia

E no fim do ano, mesmo sem estudar muito, as notas do António foram excelentes. Logo que me encontrou, com a pauta recheada de quatros e cincos, aproximou-se e segredou-me:

- Está a ver, professor?! Está a ver como eu vou conseguir! Vou ser piloto de aviões. Ai vou, vou!

Orgulhei-me e encorajei-o.

O António terminou o sexto ano, saiu do Ciclo e matriculou-se no Liceu. Nunca mais nos cruzámos, mas, como quase todos os que tinham lidado de perto com ele, nunca o esqueci, porque a sua presença nas minhas aulas durante dois anos, fora contagiante, geradora duma amizade sincera, promotora de um convívio íntegro e porque os seus sonhos eram delirantes e o seu empenhamento na vida incondicional

Passaram 4 anos. Deparei que um canto da penúltima página do “Progresso de Paredes” registava esta trágica notícia: “Jovem de dezasseis anos perde a vida em Duas Igrejas, ao embater violentamente contra um poste de electricidade, com a mota em que seguia. Teve morte instantânea.”

Era o António!...

 

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publicado por picodavigia2 às 00:51

BALÃO

Domingo, 27.10.13

o balão

baloiça

e    com o vento

até retoiça

 

mas não entende

como eu

o estranho escarcéu

da voz do silêncio.

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