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SE TU VISSES

Quinta-feira, 31.10.13

Se tu visses o que eu vi

Na Canada das três voltas

Um coelho em cuecas

A calçar as suas botas

 

Se tu visses o que eu vi,

Havias de te admirar.

Uma cadela com pintos,

Uma galinha a ladrar.

 

Se tu visses o que eu vi,

Havias de te admirar.

Uma cabra a tirar água,

E um cavalo a dançar.

 

Se tu visses o que eu vi,

Havias de te admirar.

Uma abelha a grunhir,

E um porco a voar.

 

(Cantilena popular fajãgrandense)

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publicado por picodavigia2 às 22:56

O LUGAR DA CARAVELA

Quinta-feira, 31.10.13

Um lugar da Fajã Grande também com um nome muito interessante, bastante emblemático e, provavelmente, até com algum significado histórico, apesar de, na década de cinquenta, ser um lugar onde não havia qualquer casa de habitação nem sequer algum palheiro, era o lugar da Caravela. Este lugar situava-se numa pequeno planalto, existente para as bandas da Tronqueira, sobranceiro a toda a planície da orla marítima que ia do Rolo até às Furnas. A Caravela fazia fronteira, a norte com o Porto, a oeste precisamente com a Tronqueira, a sul com a Via d’Água e a leste com o Matadouro e também com a Via d’Água. Era um lugar onde existiam apenas terras de cultivo, tão férteis e produtivas como as do Porto, do Estaleiro ou das Furnas, mas com uma vantagem sobres estas. É que estando um pouco mais altas e mais afastadas do mar, as terras da Caravela não eram tão prejudicadas pela salmoura que queimava todos os produtos agrícolas, como o eram as outras que ficavam mais perto do mar. Eram terras de milho, de couves, de batata-doce e de feijão. O acesso aos campos deste lugar, um dos mais pequenos da Fajã, fazia-se, apenas, por canadas, atalhos e veredas, nalguns casos construídas sobre maroiços. Entrava-se para a Caravela, por uma canada, que havia a meio da ladeira do Calhau Miúdo, por uma outra canada ao lado da casa do Tobias, na Tronqueira ou atravessando alguns campos dos lugares circundantes, que lhes deviam passagem. Mas o principal acesso à Caravela era uma canada que existia no Porto, por trás da casa de Tia Tomé e em cuja parte inicial podia circular um carro de bois.

Naturalmente que o nome deste lugar que ficava em sítio donde se via muito bem o mar, porque alto e relativamente próximo dele, terá a ver com as inúmeras embarcações, entre as quais as caravelas, que por ali passavam, diariamente, rumando à Europa, à África e às Américas. Talvez dali alguém tivesse visto alguma caravela especial, ou fosse um lugar donde as ditas cujas se viam bem quando navegavam no oceano. No entanto, a hipótese que me parece mais provável é a de se ter guardado ou arrumado por ali, em tempos idos, alguma caravela retirada do mar depois de naufragada nas costas da Fajã, pois tantas foram as que ali terminaram abrupta e definitivamente as suas viagens, que muito naturalmente se poderia ter guardado por ali alguma, com qualquer fim utilitário. Nessa altura, muito provavelmente, existiriam casas de habitação e de arrumos na Caravela.

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publicado por picodavigia2 às 20:12

UM CABIDO DESCABIDO

Quinta-feira, 31.10.13

O cabido é um órgão diocesano, composto por sacerdotes incardinados numa mesma diocese, nomeados pelo bispo titular, para o exercício de ofícios religiosos específicos, em virtude dos seus méritos e das suas capacidades.

O Cabido, no entanto, não foi instituído por Jesus Cristo, não é dogma de fé, nem sequer imprime carácter aos seus membros. Segundo rezam os livros, o cabido, apenas faz parte da tradição da Igreja e consta que há países em que já algumas dioceses dele abdicaram. Não é o caso de Portugal em que, actualmente, cada diocese, de acordo o Anuário Católico Português, mantém vivo o seu cabido.

Acredita-se que esta instituição eclesiástica remonte ao século V, altura em que os bispos começaram a reunir ao redor da sua cátedra, um grupo de sacerdotes que viviam comunitariamente, auxiliando-o e aconselhando-o. A partir do século XII, começaram a distinguir-se os cónegos regulares dos seculares, sendo que os primeiros continuavam a viver em comunidade, mas em conventos, fazendo os três votos: de castidade, pobreza e obediência, como, por exemplo, os Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, os Premonstratenses etc. Por outro lado, os cónegos seculares, continuaram a viver ao lado do seu bispo, servindo-o, na igreja catedral, quer acolitando-o nos ofícios e celebrações litúrgicas quer formando uma espécie de colégio de conselheiros, em que cada qual tinha funções específicas, algumas das quais ainda hoje permanecem, embora como meramente titulares: deão, chantre, arcediago, arcipreste, mestre-escola, tesoureiro-mor e penitenciário. Actualmente, na maioria das dioceses portuguesas, no que ao aconselhamento do bispo diz respeito, as funções do cabido são da competência do conselho presbiteral.

Acrescente-se que em Portugal, existem duas dioceses – o Patriarcado de Lisboa e a Arquidiocese de Braga – que têm cabidos “sui géneris”. Braga possui o chamado “Cabido Metropolitano e Primacial Bracarense”, criado pelo arcebispo D. Pedro em 1071, enquanto os membros do cabido lisbonense, como aliás a própria diocese, gozavam de alguns privilégios, entre os quais, o uso de mitra (cónegos mitrados) e a posse de oratório particular e altar portátil, com que podiam celebrar, livremente, por todo o país. Ainda hoje a diocese de Lisboa goza do privilégio de o seu bispo, receber a púrpura cardinalícia logo no primeiro Consistório a seguir à sua nomeação.

Segundo o Anuário Católico, actualmente, embora possuindo o seu conselho presbiteral, todas as dioceses portuguesas mantém os seus cabidos activos, quase todas elas com um bom punhado de cónegos capitulares e, nalguns casos, com os “míticos cargos” atribuídos, nominalmente.

O cabido de Lisboa, para além dos jubilados ou eméritos, tem 22 cónegos no activo, Braga tem 14, Évora 14, Lamego, 14 Guarda 12, Coimbra 11, Porto 11, Viseu 11, Bragança-Miranda 10, Funchal 9, Leiria-Fátima 5, Beja 4 e Algarve 4. Por sua vez, Angra, estranhamente, tem apenas 1, cónego no activo, ou seja Monsenhor Gregório Joaquim Couto Rocha. Todos os restantes cónegos que constam da lista do cabido angrense são eméritos e, por conseguinte, cessaram funções. São eles: Dr. Artur Pacheco Custódio, José Gonçalves Gomes, Mons. Dr. Francisco Caetano Tomás, Mons. Gil Vicente Mendonça, Mons. Dr. António da Luz Silva e Mons, Dr. Augusto Manuel Arruda Cabral. Afinal o saudoso Monsenhor Lourenço, também ele, na altura, membro do cabido angrense, tinha razão quando afirmava que “Apenas um cónego faz um cabido”. De qualquer modo e com tanto clero secular na diocese, a maioria detentor de um currículo brilhante, é estranho que o cabido angrense, a manter-se, esteja a definhar. Aparentemente, é um cabido descabido ou, no mínimo, um cabido descaído.

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publicado por picodavigia2 às 16:34

TI BRITSA

Quinta-feira, 31.10.13

António Maria de Sousa, mais conhecido na Fajã por “Ti Britsa”, morava no cimo da Fontinha, mais concretamente na última casa, do lado direito de quem subia aquela rua. Filho de José Maria de Sousa e de Maria José Teodósio, ambos naturais da Cuada, tio Britsa era irmão da minha avó materna. Tio Britsa e a minha avó, porém, foram criados por pais adoptivos desde de pequeninos, em virtude do falecimento precoce da sua progenitora. Minha avó foi entregue a José Cristiano Ramos e sua mulher Margarida de Jesus, enquanto Tio Britsa foi criado por duas irmãs, já de idade avançada, conhecidas por “As Brígidas”. Daí a deturpação popular do nome “Britsa” em substituição de “Brígida”, epíteto que ele angariou e a que teve jus. Tio Britsa casou com uma irmã das senhoras Mendonças de cujo casamento nasceram seis filhos: a Maria da Paz, a Rosa, a Matilde, a Alice, o Daniel, o Leonardo e a Joana, tendo estes dois últimos falecido, quando ainda eram muito jovens.

Tio Britsa era um homem simples, bondoso e humilde mas honrado e muito trabalhador pese embora já ser de avançada idade. Raramente se via sentado à Praça, sendo, pelo contrário, frequente vê-lo a passar no Batel carregando molhos de lenha, ou a descer a Bandeja com um feixe de espiga às costas, ou a subir a Fontinha vergado ao peso de um pesado cesto de batatas, trazidos das Furnas ou do Areal. Como o peso dos anos já não lhe permitisse grande desenvoltura e ainda porque os carregos que transportava eram pesados e a Fontinha bastante inclinada, Tio Britsa subia-a muito lentamente. Dizia-se então, em ar jocoso, quando alguém andava muito devagar que “era como Tio Britsa pela Fontinha acima: dava um passo para a frente e dois para trás.”

Tio Britsa era uma pessoa honesta, virtuosa, vivia para si e para os seus, metido consigo próprio mas, dado que era muito simples e um pouco incauto, alguns, julgados mais sábios ou importantes, metiam-se com ele, com chalaças, brincadeiras e, por vezes até com alguma chacota ou ar trocista. Porém, pelo menos aparentemente, nada o incomodava. Contava-se até que certa vez utilizando o arame dos Paus Brancos para lançar uns molhos de lenha por ele abaixo, o arame rebentou. Muito aflito e considerando-se culpado, tio Britsa veio denunciar-se a si próprio ao Mancebo, na altura presidente da Junta. Muito nervoso e preocupado ter-lhe-á dito simplesmente: “Eu quebrei a verga”. A partir daí ele ficou com apelido de “Eu quebrei a verga”, o qual se propagou até aos netos.

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publicado por picodavigia2 às 16:17

FONTE DE SILÊNCIO

Quinta-feira, 31.10.13

quando me aproximava

para te abrir

e aparar

em balde de madeira   opíparo,

a água límpida e fresca

que de ti jorrava

disfarçava a pressa

e dispunha-me

a ouvir

os pingos ritmados

que    terminada a safra,

emanavam de ti

e caíam

sobre a peanha

de onde já havia retirado o balde

 

cuidava eu,

que aqueles pingos

vinham carregados

de enigmas

que eu tentava compreender

porque me pareciam

lágrimas semelhantes

às que    tantas vezes

eu vira brotar

do rosto da minha mãe

- fonte de silêncio!

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publicado por picodavigia2 às 10:18

TI'ANTONHO BONZINHO

Quinta-feira, 31.10.13

António Lourenço Fagundes nasceu, na Fajã Grande, na rua da Assomada, em 1849, sendo seus pais José Lourenço Fagundes e Mariana Joaquina da Silveira, casados na igreja da Fajãzinha, antiga paróquia das Fajãs, no longínquo ano de 1838. Ainda jovem e tentando esquivar-se à vida de miséria e penúria que abalroava a sua família e quase todas as da freguesia e tentando livrar-se do trabalho árduo, esclavagista e sem lucros a que estava condenado na Fajã, decidiu emigrar para a Califórnia, seguindo o exemplo de tantos outros conterrâneos. Mas na altura não era fácil, pois a emigração legal era obstaculizada por variadas limitações, entre as quais a dos transportes que, na altura, eram raros e caros, enquanto, por outro lado, a emigração clandestina era muito perigosa e arriscada. O jovem, corajoso e temente a Deus António, sem dinheiro e sem alguém que lho emprestasse, optou pela segunda e lá partiu, sozinho, às escondidas da noite, conseguindo embarcar na Ribeira das Casas, onde se havia escondido na véspera, misturando-se, de madrugada, com os marinheiros de um escaler que haviam ido a terra abastecer-se de água e de viveres. Atravessou o Atlântico, dos Açores à costa leste americana, nesse pequeno e frágil escaler, movido a remos e à vela. A bordo dispôs-se a fazer todo o tipo de trabalhos, com o objectivo de justificar o pagamento da viagem: remou de dia e de noite, cozinhou, limpou, despejou água do interior da embarcação e limpou latrinas. Uma vez chegado à cidade de Hudson, no estado de New Hampshire, aí permaneceu algum tempo, realizando todo o tipo de trabalho, do mais vil ao mais humilhante, a fim de conseguir dinheiro para pagar a viagem que o haveria de levar até ao outro lado do mundo. Percorreu o continente americano de lés-a-lés e chegou à Califórnia, no ano de 1870, numa altura em que a construção e inauguração de diversas ferrovias interestaduais, que passavam a ligar o estado com o resto do país e que fizeram com que aquele estado conhecesse um período de grande desenvolvimento e passasse a crescer drasticamente, registando uma das taxas de crescimento anual mais altas do país, o que aumentou significativamente a sua população e permitiu o florescimento de muitas cidades. Por isso mesmo, o jovem António não teve dificuldade em empregar-se trabalhando, primeiro, nas construções das linhas férreas por aqui e por além, fixando-se mais tarde, na cidade de São Francisco, trabalhando na construção do enorme e gigantesco porto daquela cidade. Alguns anos depois, sentindo saudades da terra e da família, cuidando que tinha o dinheiro suficiente para comprar umas territas e reconstruir a casa dos pais, decidiu voltar à Fajã, não se esquecendo de trazer os célebres “papeles” com os quais os filhos, se os tivesse e um dia assim entendessem, pudessem fixar-se nos Estados Unidos. Quando chegou à Fajã, os pais já haviam falecido. António comprou algumas terras, fez alguns arranjos na casa que os pais lhe haviam deixado na Assomada e recomeçou a sua vida na ilha. Apesar de tudo, a casa era pequenina e, como o dinheiro era pouco, acabou por em quase nada a transformar: era velha e velha ficou, era pobre e pobre permaneceu, com um piso superior para as pessoas e duas lojas no piso inferior: uma para o gado e outra para latrina e arrumos. Como era “americano”, embora com pouco dinheiro, casou, aos 33 anos de idade, com uma sobrinha de apenas vinte anos, de nome Maria de Jesus Fagundes, na igreja paroquial da Fajã Grande, em 30 de Novembro de 1882. Desse casamento nasceram muitos filhos, uns mortos, por via da consanguinidade, outros morrendo depois de nascer e uma filha permanecendo deficiente mental ao longo de toda a sua vida. Um bom punhado deles, no entanto, vingou. Uma vez crescidos, agarram-se aos “papeles” que lhes tornava a fuga da ilha legal, e zarparam para a América, na procura do “Eldorado” que o pai pouco aproveitara. Deixando os pais, já velhotes e a irmã demente aos cuidados de um irmão mais novo, por lá ficaram e fixaram residência para sempre.

Impusera-se no entanto, Ti’Antonho pela sua bondade, paciência, generosidade e espírito de ajuda não apenas para com a mulher e para com os filhos mas também para toda a freguesia, o que lhe valeu o epíteto de “Tio Antonho Bonzinho”. Os seus dias eram passados nos campos a trabalhar ou em casa com a mulher doente e a filha enlouquecida. Não saía à noite, antes pelo contrário ficava em casa e, depois de cear e lavar os pés, juntamente com a família, rezava o terço, findo o qual se seguia uma infinidade de Padre Nossos e Avé Marias por alma de todos os antepassados, parentes, amigos e vizinhos, que se haviam finado e pela saúde e felicidade dos filhos que estavam tão longe dali. Juntamente com o filho que com ele ficara, lá ia trabalhando as poucas e pequenas terras que tinha e criando uma vaquita que ficava na loja de noite e de dia nos pastos do Outeiro Grande e dos Lavadouros e que lhe ia dando leite necessário para as sopas da ceia e os ajudava a lavrar os campos e puxar o corsão.

Tio Antonho Bonzinho um dia morreu. Morreu de cansaço, de sofrimento, de velhice, mas morreu com alegria e felicidade por ter cumprido com dignidade, nobreza e humildade a sua missão na terra. Na sua casa da Assomada deixou a esposa enferma numa enxerga, a filha demente e o filho mais novo a tratar das duas e a trabalhar os campos para as sustentar. Este filho era aquele que mais tarde foi o meu pai e, consequentemente Ti ‘Antonho Bonzinho foi o meu avô.

A “História dos Açores” também se faz com estes homens!

 

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publicado por picodavigia2 às 09:23

A UM CONSTRUTOR DE BARCOS QUE FOI MEU PAI

Quinta-feira, 31.10.13

(POEMA DE URBANO BETTENCOURT)

     Os punhos que ergueste contra

     um tempo de promessas

     e a tua voz que não passou além

     do cume dos nossos montes adormecidos,

 

MEU PAI:  os barcos que fizeste

     eram pequenos de mais para viajar

     o teu sonho

     a tua raiva

     o teu cansaço

 

     tu fabricante de viagens

     amordaçadas

     arquitecto de ilhas

     naufragadas

 

MEU PAI:  sei bem do tempo

     em que os carangueijos roíam as raízes

     da tua ilha - apodrecendo

     e os barcos murchavam

     na baía

     (recordo que a viola perdeu

     a voz num prego da parede.)

     E daí

     o teu barco de tédio e cansaço

     único a não esbarrar

     contra os muros das ilhas vizinhas.

 

Urbano Bettencourt

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publicado por picodavigia2 às 00:05





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